Crimes na internet contra crianças e adolescentes



INTERNET E PORNOGRAFIA INFANTIL

 

Neste capítulo, serão abordadas determinadas questões relacionadas à internet, um dos principais instrumentos utilizados pelos criminosos e consequentemente um dos principais mecanismos impulsionadores do crescimento do número de praticantes.

A origem e evolução da internet até os dias atuais, bem como a forma como os pedófilos vêm invadindo o cenário virtual é ponto importante a ser analisado, de vez que representam grande dificuldade quando da investigação policial e prisão dos criminosos que usam a rede mundial de computadores como meio na consecução dos seus crimes.

 

2.1                           Surgimento e ascendência da Internet

 

 A Internet é uma rede mundial de computadores conectados que possibilita a interatividade com a troca de informações e transferência de arquivos entre bilhões de pessoas de todo o planeta. É também vista como o ponto máximo da liberdade de expressão, caracterizada pela a possibilidade de manifestação de pensamento e o acesso livre a qualquer tipo de conteúdo em rede.

 Conforme a Portaria nº 13, formulada conjuntamente pelo Ministério das Comunicações e pelo Ministério da Ciência e Tecnologia: Através da Internet estão disponíveis serviços como correio eletrônico, transferência de arquivos, acesso remoto a computadores, acesso a base de dados e diversos tipos de serviços de informação, cobrindo praticamente todas as áreas de interesse da Sociedade.

Muito embora se tenha uma clara noção do que seja a internet é de bom alvitre apresentar a definição dada por Marcel Leonardi (2005, p. 45), segundo o qual: “A Internet não é uma entidade física ou tangível, mas sim uma rede gigante que interconecta inúmeros pequenos grupos de redes de usuários conectados por sua vez entre si”. 

A rede mundial de computadores nasceu durante a Guerra Fria, em meados dos anos 60, quando o cenário existente na época era caracterizado pela “rivalidade” entre Estados Unidos e União Soviética, as duas maiores forças existentes naquele período.

Os conflitos entre os mencionados países foram marcados pela exposição de forças dessas duas potências principalmente no que tange ao campo militar, ideológico, tecnológico e econômico.

Acreditando que a guerra estava cada vez mais próxima, os Estados Unidos buscavam a criação de um instrumento que possibilitasse a manutenção da comunicação das tropas aliadas mesmo em caso de ataque inimigo. Partindo desse conceito foi elaborado um sistema descentralizado que permitiu um meio de interação entre vários computadores ao mesmo tempo, esta rede foi inicialmente nomeada de ARPANET (EDWARDS, 1996).

Dez anos mais tarde, tal ferramenta começou a ganhar espaço em outras áreas, principalmente na acadêmica, no entanto, foi somente nos anos 90 que a internet se tornou um instrumento de maior alcance da população em geral, tendo como o marco principal a criação do Word Wide Web ou “WWW” presente no início dos endereços hoje tão comumente digitados.

Ainda nos ano 90, com a evolução do “WWW” foi se implantando novas funções para serem utilizadas através da internet, dentre elas o Mosaic apresentou grande destaque. Este navegador trazia consigo uma disposição gráfica que permitia a captura e distribuição de imagens pela rede mundial de computadores.

 

Com a criação do protótipo da World Wide Web (WWW) pelo cientista Tim Berners-Lee e sua equipe, junto ao European Particle Physics Laboratory, em Genebra, objetivando encontrar um método mais simples e fácil de dividir informações entre os pesquisadores, chegando-se então ao padrão HTML, consistente no armazenamento de informações, de forma que os dados de várias formas como texto, imagem, som ou vídeo, fossem visualizados em um único arquivo conjuntamente, sob os padrões de hipertexto. (MARTINS, 2003, p.34).

 

 No Brasil, a internet foi implantada somente em 1991, em uma operação acadêmica dirigida pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, no entanto somente em 1995 foi possível a sua liberação à população nacional e sua comercialização pelo setor privado.

Neste mesmo ano o Ministério das Comunicações em ação conjunta com o Ministério da Ciência e Tecnologia instituíram o Comitê Gestor, que teria como desígnio decidir sobre questões referentes à implantação, uso e administração da rede mundial de computadores conforme os anseios e necessidades da sociedade. Além disso, integrariam também ao Comitê, representantes de usuários, acadêmicos e entidades operadoras e gestoras de backbones[1](CORREA, 2002).

Assim a grande rede se tornou um dos meios de comunicação mais utilizados em todo planeta, sendo que conforme Hamadun Touré, chefe da União Internacional de Telecomunicações (UIT), o número estimado de seus usuários chegou a 2,08 bilhões no fim de 2010, dos quais 73 milhões estão no Brasil, conforme dados da ComScore[2] coletados em maio de 2010.

Desde sua criação a internet vem evoluindo de forma tão veloz que todos os dias novas ferramentas são desenvolvidas, fomentando e ampliando ainda mais suas funções. A rede mundial de computadores ainda é um “bebê” com uma infinidade de anos para crescer e se descobrir, é um projeto inacabado em contínua mutação, que apresenta resultados surpreendentes e problemas desafiadores. É, portanto, um cenário aberto e ingovernável, utilizado por pessoas com distintas finalidades e intenções.

Ocorre que, apesar dos benefícios proporcionados, a ferramenta também deixa seus usuários bastante vulneráveis a ponto de se tornarem vítimas de diversos crimes, além de disponibilizar todos os tipos de informações indesejáveis, sendo que se os adultos estão susceptíveis a todo esse tipo de inconvenientes, perigo ainda maior sofrem as crianças, conforme se verá. 

 

3.2               Pornografia Infantil na Rede Mundial de Computadores: A Descoberta de uma Ferramenta para os Criminosos

 

De forma direta ou indireta o progresso da tecnologia acaba por gerar profundas mudanças no dia-a-dia da sociedade, sendo que a rede mundial de computadores muito contribui para tal. A sua utilização crescente faz parte do cotidiano das pessoas, seja em uma rede social, em um site de compras ou bancário carecendo, portanto, de proteção e segurança por ocasião de sua utilização, já que essa rede de comunicação sem fronteiras dá a sociedade uma liberdade ilimitada além de proporcionar inúmeras vantagens. Por outro lado, impende ressaltar, há a abertura de espaços para que criminosos aproveitem também tal ferramenta, merecendo destaque as condutas que envolvem crianças, transformando-as em vítimas da pedofilia

Embora a “pedofilia individual”, que é aquela praticada no seio familiar ou próximo da questão social seja a forma mais freqüente, atualmente é assustadora a sua prática na internet, pois já não bastasse a atuação do crime organizado na exploração sexual infantil ou mesmo no tráfico internacional de mulheres e crianças, opera-se agora também na comercialização do material pornográfico infantil através da internet.

À luz do Estatuto da Criança e do Adolescente, a pornografia infantil na rede mundial de computadores consiste em produzir, publicar, vender, adquirir e armazenar vídeos, imagens, fotos através das páginas da Web, redes sociais, e-mail, salas de bate-papo (chat), ou semelhantes, abrangendo também a utilização da internet para aliciamento de menores para a efetivação de atividades de cunho sexual.

Convém ressaltar que a utilização desse espaço é cada dia mais freqüente com a agravante da possibilidade do ciberespaço permitir que os usuários escondam sua identidade através da utilização de “fakes”, que é o termo utilizado para designar as contas ou perfis em que as verdadeiras identidades do usuário são ocultadas, o que tem facilitado bastante a disseminação da pornografia infantil.

O procedimento para criação de um fake é muito simples, podendo ser feito por qualquer pessoa em poucos minutos, o que facilita a prática do crime em comento na rede de informática mundial, pois, mesmo com algumas punições previstas na legislação atual, conforme se verá adiante, a polícia somente consegue rastrear e prender aqueles que se utilizem de perfis e contas verdadeiras, o que é muito raro.

Com essas ferramentas à disposição os criminosos conseguem entrar em contato com “suas vítimas” longe da vigilância dos pais, atraindo-as para prática de atos libidinosos.

Assim sendo, percebe-se que são demasiadas as ferramentas que proporcionam ao criminoso uma maior “segurança”, e poucos os instrumentos a favor da polícia. A disparidade ainda é maior, diante da constatação de que tal indústria já construiu um complexo mercado negro, ao passo que só agora é que são dados os primeiros passos para o seu combate, através de poucas ações isoladas por parte da polícia.

Sobre as medidas tomadas contra esta prática ilícita, MONETEIRO (2010, p.01) assevera que:

 

Medidas de cunho internacional já vinham sendo desenhadas. Uma gigantesca operação Catedral, envolvendo policiais de dez países, conseguiu-se prender mais de cem pessoas, ligadas ao grupo de pornografia infantil Wonderland. Em dezoito e dezenove de janeiro de 1999 a UNESCO realizou em Paris um encontro de especialistas no tema "Abuso Sexual de Crianças e Adolescentes; Pornografia e Pedofilia na Internet". A preocupação internacional com o tema é uma realidade. Aqui no Brasil algumas ações efetivas, às vezes um tanto isoladas, vêm sendo desenvolvidas, uma delas foi a do Ministério Público, que em 1999, através da Operação Catedral Rio, identificou vinte e quatro pessoas suspeitas de divulgarem pornografia infantil na rede. Todas de classe média, a maioria com nível superior, e moradoras da zona sul do Rio.

 

O autor supracitado (MONTEIRO, 2010) esclarece ainda que a Polícia Federal, o Ministério Público e a Justiça estão procurando ampliar as suas condições técnicas para atuar na investigação e na punição dos criminosos da internet, entretanto é visível que o número de capturados ainda não é significativo, porém é fulcral a iniciativa e a tomada dos primeiros passos.

Desta forma um novo espaço na internet foi encontrado para atuação do crime organizado, que são as redes sociais, cenário propício para o recrutamento de crianças e divulgação dos produtos com conteúdo pornográfico envolvendo essas vítimas.

 

3.2.1        Redes Sociais: Insegurança na nova forma de comunicação

 

É fato que, hodiernamente, há uma grande utilização das redes sociais por todo mundo, sendo que nomes como “Orkut”, “facebook”, “my space”, se tornaram extremamente comentados e popularizados. Tais ferramentas passaram a exercer grande influência em diversas áreas sociais, razão pela qual necessário se faz um esclarecimento acerca de sua criação e funcionamento.

O termo rede dá idéia de organização existente em praticamente tudo aquilo que é interligado. Segundo CAPRA (2002) “o padrão de rede é um dos padrões de organizações mais básico em qualquer sistema vivo, desde as redes metabólicas das células até as teias alimentares do ecossistema”, daí que é correto afirmar que a realidade social é formada por inúmeras redes.

A idéia foi incorporada pelo fato de que o homem desde o tempo das cavernas sempre buscou se comunicar e interagir com um grande número de pessoas, selecionando e organizando os grupos com os quais possuem maior afinidade de acordo com os seus interesses. Partindo-se deste princípio foram sendo criadas na internet as redes sociais, com o escopo de permitir a interatividade de seus usuários.

No mesmo sentido, Recuero (2008, p.7) ressalta que “esses sistemas funcionam com o primado fundamental da interação social, ou seja, buscando conectar pessoas e proporcionar sua comunicação e, portanto, podem ser utilizados para forjar laços sociais”.

Para que se tenha uma idéia da força e influência dessa ferramenta, basta observar que redes sociais como o Facebook e o Twitter foram determinantes para o acontecimento dos episódios vistos nos países árabes, como as revoluções na Tunísia, Egito, Líbia e Iêmen, conforme relatara os principais jornais e sites de noticias de todo o mundo[3]. Os sites acabaram por sofrer censuras por parte do governo em virtude da utilização pela população e da ameaça que se tornaram ao Regime político que existia. Tamanho é o reconhecimento, que logo com a queda do regime de Mubarack, as próprias Forças Armadas do Egito criaram sua página oficial no Facebook, possuindo mais de trezentos mil seguidores (ALSARRAS, 2011). No Brasil, também constatamos a representação da interatividade desse instrumento nos episódios ocorridos no Rio de Janeiro, conhecido como “Guerra ao Tráfico”. Entre os dez trending topics do país (os temas de maior comentário do Twitter), nove eram referentes aos confrontos no Rio, outros tópicos como o Bope, Vila Cruzeiro figuraram como os mais discutidos mundialmente no micro blog. Também foi por meio do próprio Twitter que a Secretaria de Segurança conteve o medo e boatos existentes sobre a operação, dando informações e tirando as dúvidas dos internautas (REVISTA VEJA, 2010). A agência Brasil Terra (2010),abordando o tema descreveu o número de usuários no Brasil:  

As redes sociais e as salas de bate-papo são o principal passatempo das quase 9 milhões de crianças brasileiras que navegam pela internet. Comportamento virtual que preocupa os pais, principalmente em relação aos crescentes casos de pedofilia. A conclusão é da comScore,Inc (Nasdaq:Scor), que monitora os acessos à rede. Mais de 73 milhões de pessoas acessam a internet incluindo computadores públicos em cybercafés e escolas. Desse total, 12% são crianças e adolescentes de 6 a 14 anos.

 

As inúmeras vantagens decorrentes da utilização das redes sociais é notória, por outro lado este também é um dos principais cenários encontrados pelo crime organizado para recrutar vítimas da exploração sexual, divulgar suas “mercadorias” e comercializá-las.

Ocorre que não há qualquer tipo de segurança nos sites de redes sociais, já que em questão de segundos são publicadas milhares de informações sem qualquer tipo de controle ou filtro, tornando-se uma tarefa impossível o rastreamento de seus autores ou mesmo aferir a veracidade de seus conteúdos, transformando-se em um cenário de fácil acesso para a prática de crimes.

Para termos uma pequena noção, foram alistadas 104.096 notitias criminis no interstício temporal de 30 de janeiro a 12 de Agosto do ano de 2006. Tais dados foram colhidos pela Organização não governamental SaferNet[4] (2010), e relatados na Ação Civil Pública nº. 2006.61.00.018332-8[5], proposta pelo Ministério Público Federal de São Paulo. Deste número, a maior quantidade de denúncias era referente a conteúdos de pornografia infantil, para ser mais exato seriam 39.185 denúncias sobre o tema, ou seja, cerca de 40%.

Desde a criação da Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos, as denúncias de pornografia infantil em redes sociais são sempre superiores aos demais crimes, de 01 de janeiro a 01 de abril de 2011, foram denunciados 2.482 crimes, sendo 995 relacionados à pornografia infantil. Deste número 402 denúncias são referentes à pedofilia em uma das redes sociais mais utilizadas no país, o Orkut. Já no ano de  2010, ocorreram 32.255 denúncias de atos relacionados a pedofilia, sendo 15.396 relacionadas ao Orkut (http://www.safernet.org.br/site/indicadores).

 

3.3 Dificuldades da atuação do Direito Penal nas condutas ilícitas praticadas na Internet

 

O direito penal é o instrumento que o Estado utiliza para proteger os mais diversos direitos e interesses do cidadão, tendo como função precípua demarcar o espaço de liberdade do cidadão, limitar o poder do Estado, prevenir e reprimir crimes. Como expõe SILVA SANCHES (1992) existe um conflito dialético de três objetivos no direito penal moderno: o primeiro é a diminuição da violência na comunidade por meio da prevenção de crimes, o segundo objetivo é a diminuição de domínio do estado por meio da delimitação das penas e o terceiro é a preservação dos direitos e garantias individuais, destacando que deva ser sempre almejado o máximo de eficiência e de garantias.

Ocorre que pela regra geral, o criminoso ao praticar um ato ilícito e antijurídico, deve em contrapartida ser penalmente sancionado pelo Estado, contudo isso não é tarefa fácil no cenário virtual, pois vários são os obstáculos encontrados durante a persecução penal, conforme se verá a seguir.

 

3.3.1 Obstáculos Encontrados no Ordenamento Jurídico Nacional

 

Os entraves existentes quanto à persecução criminal são encontrados tanto na prática investigativa quanto no próprio ordenamento jurídico. Estas dificuldades no campo normativo são vistas constantemente nos crimes envolvendo pedófilos, onde há casos em que é cristalina a visualização de que o indivíduo acusado é o verdadeiro praticante do crime, no entanto a sentença definitiva acaba por ficar “travada” em uma legislação desatualizada ou exacerbadamente protetiva que acaba por favorecer os delinqüentes.

Alguns princípios que são regramentos básicos que fundamentam todo nosso ordenamento jurídico, de certa forma também protegem os criminosos de serem atingidos pela lei vigente. Dentre eles podemos destacar:

O Princípio da legalidade referenciado no art. 1º do Código Penal e no art. 5º, XXXIX, da Constituição Federal, é conceituado por Luiz Regis Prado como:

 

A sua dicção legal tem sentido amplo: não há crime (infração penal) nem pena ou medida de segurança (sanção penal) sem prévia lei (stricto sensu). Isso vale dizer: a criação dos tipos incriminadores e de suas respectivas conseqüências jurídicas está submetida à lei formal anterior (garantia formal). Compreende, ainda, a garantia substancial ou material que implica uma verdadeira predeterminação normativa (lex scripta lex praevia et lex certa) (2006, p. 130)

 

Toda ação humana passível de reprovação penal deve estar expressamente prevista em lei, a priori. Assim, o Princípio da Legalidade tem como efeito assegurar ao indivíduo a prerrogativa de afastar qualquer imposição recebida que não seja em virtude de lei.

Nesta senda, não existe norma específica sobre pedofilia o que acaba por criar um grande obstáculo no combate à conduta em análise, devido à dificuldade do enquadramento destas em tipos penais existentes, sendo então fulcral que o legislativo trabalhe neste intuito.

Conjuntamente, outro princípio pouco observado quanto tocamos no tema é o da Anterioridade (previsto no Art.5º, XXXIX da Constituição Federal e no Art.1º do Código Penal) elucidado por Bitencourt (2000, p.110) da seguinte forma: “nenhum fato pode ser considerado crime e nenhuma pena criminal pode ser aplicada sem que antes da ocorrência desse fato exista uma lei definindo-o como crime e cominando-lhe a sanção correspondente”.

O princípio da anterioridade institui que só poderá ser aplicada sanção penal quando a conduta já estiver tipificada ao tempo da prática criminosa, ou seja, é estritamente necessário que a norma seja anterior ao fato. Neste prisma, constata-se que o Estado fica impedido de exercer o jus puniendi em virtude da morosidade das casas legislativas em criar leis direcionadas ao tema em epígrafe, o que resulta em benefício aos indivíduos que tenham praticado tal conduta ou que ainda a estejam praticando.

Em busca de uma solução paliativa, poder-se-ia socorrer à analogia, com a utilização deste remédio para solucionar a vaguidade de leis sobre pornografia infantil na internet, no entanto este instrumento não deve ser utilizado em direito penal, salvo para benefício do réu “in bonam partem”. A Analogia "in malam partem" é vedada, no escopo de impedir desmoralização ao princípio da legalidade, conforme pondera Reale Junior:

 

A taxatividade impõe uma leitura precisa e clara da norma, definindo para além de toda a dúvida, os limites e fronteiras do punível. O princípio da tipicidade em sua angulação político-garantidora obriga que o trabalho hermenêutico não amplie o significado do proibido para atender aos fins que o acusador ou o julgador pretendam dar à incriminação e, em conseqüência, é absolutamente vedada à analogia nos domínios do direito penal, senão in bonam partem. (2004, P.38)

 

Corrente contrária (ELIAS, 2001; BOBBIO, 2002) defende que tais princípios não deveriam ser colocados como obstáculos para adequação da conduta à lei penal, tendo em vista que o Código Penal atual é totalmente apto para operar diante dos crimes cibernéticos. Segundo esta linha de pensamento, é impossível que o Poder Legislativo estabeleça uma totalidade de normas completas e indispensáveis para regular a vida social, este Poder somente cria normas genéricas e abstratas contendo diretrizes, confiando então ao Poder executivo e judiciário o encargo de adequá-las e torná-las exeqüíveis (BOBBIO, 2002).

Esta corrente argumenta ainda que o comportamento é o mesmo, o que muda é o modus operandi, podendo assim o juiz enquadrar a conduta de acordo com as leis que coíbem atos libidinosos entre adultos e menores, como por exemplo o crime de estupro (art. 213 do CP).  Existindo também ilícitos penais que abrangem a  pornografia infantil, tipificados nos artigos. 240 e 241 do Estatuto da Criança e do Adolescente, conforme será analisado mais detalhadamente no capítulo a seguir.

Deste modo, para resolução deste imbróglio necessário se faz a criação de novas leis, mais cristalinas e eficientes que preencham as lacunas existentes, já que o ordenamento jurídico nacional não dispõe de uma lei cujo tipo penal seja “pedofilia”, que como visto anteriormente, não deva ser taxada a todo caso como doença, mas sim como uma parafilia cuja prática é passível de responsabilização.

 

3.3.2 Dificuldades no Campo da Prática Investigativa e da Operacionalização

 

Além das dificuldades no campo legislativo e hermenêutico, as barreiras existentes no campo da prática investigativa e da operacionalização podem ser ainda mais complicadas. Pontos como autoria, jurisdição, competência e questão probatória são alguns exemplos, conforme se verá mais detalhadamente.

 

3.3.2.1 Autoria

Uma das principais dificuldades para a persecução penal em crimes cometidos na internet é a dificuldade de identificação e localização do criminoso, conseqüência do cenário existente e da própria estrutura da rede mundial de computadores, que colabora com a rápida proliferação do conteúdo e o favorecimento do anonimato, se tornando um grande empecilho para o rastreamento do criminoso.

Identificar o autor do crime é essencial para a responsabilização penal, no entanto, no cenário cibernético encontrar o agente ativo se torna um ato complexo e de difícil elucidação, primeiro por não haver a disponibilidade de seus dados e depois  por não existir a identificação de características físicas, haja vista não existir a presença física da pessoa no local do crime. Assim é que:

 

O Direito Penal encontra muitas dificuldades de adaptação dentro deste contexto. O Direito em si não consegue acompanhar o frenético avanço proporcionado pelas novas tecnologias, em especial a Internet, e é justamente neste ambiente livre e totalmente sem fronteiras que se desenvolveu uma nova modalidade de crimes, uma criminalidade virtual, desenvolvida por agentes que se aproveitam da possibilidade de anonimato e da ausência de regras na rede mundial de computadores (PINHEIRO, 2008, p. 8)

 

A vaguidade de legislação específica, no sentido de impor a identificação de usuários aos provedores de acesso a internet, acaba por deixar os criminosos mais corajosos para a prática de crimes na rede mundial de computadores. O Procurador da República Vladimir Aras (2001) denuncia o problema do anonimato na internet, já que para o sujeito se conectar à rede, se faz necessário a existência de dois elementos identificadores, quais sejam, o endereço da máquina que envia informações à internet e o endereço da máquina que recebe tais dados. Tais endereços são denominados IP (Internet Protocol), sendo que sua visão, os IP`s são uma seqüência numérica irrelevante, pois não traz qualquer informação do usuário e tão pouco dos dados que este transmite, concluindo então que a internet em sua essência tem como regra o anonimato.

Além do mais em nosso país é explicita a existência de um conflito entre os órgãos investigativos e os provedores de acesso a internet, inexistindo por parte destes a devida cooperação agravada pela legislação existente (NOGUEIRA 2007).

Ocorre que as empresas de provedores só exibem os dados de seus clientes através de mandado judicial, ressaltando que na maioria das vezes, os servidores sequer possuem os dados dos usuários ou mesmo guardam os registros do acesso à rede. Dificuldade maior ocorre quando o site é hospedado em outro país, necessitando para tanto que todo o procedimento para liberação dos dados seja realizado por carta rogatória, o que demanda muito tempo.

Ainda por cima, há sempre obstáculos que são interpostos pelos provedores que impedem a rápida exibição de dados, consubstanciados em argumentos como liberdade de expressão ou invasão de privacidade. Sem contar na possibilidade dos computadores serem compartilhados por vários usuários da mesma família, no trabalho ou em lan hauses.

Além das mencionadas dificuldades quanto ao rastreamento de contas ou perfis, deve-se levar em consideração a ação dos hackers e crakers, que conseguem facilmente ludibriar os provedores e órgãos investigativos, sendo freqüente o emprego de quatro métodos expostos por FRAGA (2001), como: a utilização de test accounts, que é uma espécie de conta fornecida por determinados provedores de internet para angariar um maior número de clientes. Essas contas são disponibilizadas de forma gratuita e temporária, que sem a menor segurança podem ser obtidas facilmente com a inscrição de informações falsas. O segundo método mais utilizado é o anonymous remailers, “que são contas que retransmitem emails enviados por meio de provedores de Internet que garantem o anonimato, ou da utilização de sites de anonymous surfing, que permitem o passeio pela Internet anonimamente”.

Por fim, o terceiro e o quarto método mais utilizados segundo FRAGA (2001), são respectivamente a clonagem de celulares para serem usados como meio de acesso a rede de internet, de modo que torne inviável o rastreamento e identificação do usuário e a utilização de celulares pré-pagos, que de modo frágil, podem ser obtidos e registrados com dados inverídicos sem qualquer dificuldade.

Ressalta-se que mesmo o usuário sendo rastreado de forma eficaz, ainda resta provar se realmente é o legitimo praticante do crime, ou se o mesmo é mais uma vítima dos hackers. Como visto, as dificuldades parecem não acabar, se transformando em um complexo labirinto.

 

3.3.2.2 Jurisdição e Competência

 

Questão relevante é relacionada à jurisdição e competência para julgamento do acusado em relação aos crimes cometidos na internet.

Conforme DINAMARCO (2005) o vocábulo jurisdição em uma visão etimológica exprime a “pronúncia do direito”. Seu significado semântico é, contudo mais extenso no direito moderno, pois o dever do Estado nos dias atuais não é somente o “dizer o direito”, mas também a função de “executar o direito”.

O surgimento da jurisdição está relacionado com a necessidade jurídica de evitar a prática da autodefesa ou do exercício arbitrário de indivíduos em litígio, o que provavelmente causaria uma desordem total em razão da parcialidade da justiça feita com as próprias mãos. Com o intuito de evitar este cenário o Estado chamou para si à responsabilidade de prestar um provimento desinteressado e imparcial, autolimitando seu poder repressivo, designando aos órgãos jurisdicionais a função de buscar a solução das contendas (MENNA, 2005).

Sendo a jurisdição una e indivisível, ela representa o poder dever, a função, a atividade do Estado de, imparcialmente, substituindo a vontade das partes, dizer o direito e aplicá-lo ao caso concreto, tendo como objetivos principais a composição da lide e a pacificação social (PEREIRA, 2011).

As principais características da jurisdição são: a) forma de heterocomposição, ou seja, a presença de um terceiro (Poder Judiciário) com capacidade de decisão sobre as partes; b) “definitividade” que é poder de dizer de forma determinante, fazendo a coisa julgada; c)” inércia”, pois o juiz só atua mediante provocação (arts. 2º e 262 CPC); d) “imparcialidade”, já que o magistrado deve ser neutro diante das partes; e)  existência do “juiz natural”(art. 5º XXXVII e LIII) o exercício de função jurisdicional é realizada por normas pré-estipuladas no ordenamento vigente (PEREIRA, 2011).

Já “competência” segundo Theodoro Júnior (2005, p. 145): “é justamente o critério de distribuir entre os vários órgãos judiciários as atribuições relativas ao desempenho da jurisdição”. Na lição de LIEBMAN (1986), a competência é responsável por determinar a cada órgão singular seu limite de atuação, selecionando em quais casos, que o órgão tem poder de emitir decisões.

Deste modo, pode-se entender que jurisdição é o poder do Estado em aplicar a lei, sendo a competência uma espécie de medida territorial para aplicação da jurisdição.

O Código de Processo Penal, em seu artigo 69, estabelece que a competência criminal seja definida com atenção ao o lugar da infração (I), o domicílio ou residência do réu (II), a natureza da infração (III), a distribuição (IV), a conexão ou continência (V), a prevenção (VI) e a prerrogativa de função (VII). A rigor, a conexão e a continência não são formas de delimitação da competência, mas critérios de modificação da mesma.

À luz do artigo 6° do Código Penal[6], percebe-se que o lugar do delito é aquele em que se realizou qualquer dos momentos do iter criminis (Teoria da Ubiqüidade), lembrando que, os crimes virtuais na maioria dos casos são realizados em ambientes diversos e até mesmo em países distintos.

A questão da competência (no âmbito virtual) é lembrada por Damásio de Jesus e Gianpaolo Smanio (1997): “a competência é determinada pelos artigos 69 e 70 do Código de Processo Penal, indicando o lugar da infração: aquele onde o crime se consumou, portanto, no local do endereço do responsável pelo site (endereço real)”.

Por outro lado, poder-se-ia defender a utilização do instituto da “prevenção”, conforme estabelecido no §3º do art. 70 do Código de Processo Penal[7], que estabelece que, quando não se sabe delimitar limite territorial entre duas ou mais jurisdições ou quando não se sabe jurisdição exata por ter a infração sido consumada ou tentada nas divisas de jurisdições, será utilizada a prevenção.

 Atente-se para os esclarecedores ensinamentos de Guilherme de Souza Nucci (2007) para quem: não sendo possível utilizar os vários outros critérios para estabelecer a competência do juiz, porque há mais de um que, pela situação gerada, poderia conhecer do caso, deve-se aplicar o critério da prevenção (é o conhecimento, em primeiro lugar, de uma questão jurisdicional, proferindo qualquer decisão a seu respeito).

Após constantes discussões acerca da questão, tem-se constado nos tribunais, reiteradas decisões com fulcro no artigo 109, V da Carta Magna, utilizando como fundamentação o argumento que a Justiça Federal será competente para julgar crimes contra crianças e adolescentes, baseando-se na ofensa à Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, quando estes forem iniciados no Brasil e tiverem resultados no exterior ou iniciados no exterior e tiverem resultados em território nacional.

PENAL. RECURSO CRIMINAL. ARTIGO 241 DA LEI Nº 8.069/90. DELITO PREVISTOEM CONVENÇÃO INTERNACIONAL. COMPETÊNCIADA JUSTIÇA FEDERAL. 1. Procedimento de quebra de sigilo telemático instaurado para apurar delito de veiculação de imagens de cunho pornográfico, com menores e adolescentes pela internet. 2. Convenção sobre os direitos da criança incorporados ao direito pátrio pelo Decreto Legislativo Nº 28, de 24.09.90 e Decreto Nº 99.710, de 21.11.90. 3. Divulgação de fotos pornográficas de menores pela rede mundial de computadores (internet). Delito que produz efeitos além do território nacional. 4. Configurado o crime previsto em tratado internacional (art. 241 do Estatuto da Criança e do Adolescente), aplica-se o disposto no artigo 109, V, da Constituição Federal. 5. Recurso a que se dá provimento, para reconhecer a competência da justiça federal e determinar o processamento do feito perante a 8ª Vara Federal criminal de São Paulo. (TRF 3ª R.; RCCR 3450; Proc. 200361810009276; SP; Primeira Turma; Relª Juíza Vesna Kolmar; Julg. 30/11/2004; DJU 10/02/2005; Pág. 81) (Publicado no DVD Magister nº 15 - Repositório Autorizado do STJ nº 60/2006 e do TST nº 31/2007)

 

Enquanto que, quando o crime for cometido em território brasileiro, não gerando resultados em outros países (por exemplo, uma troca de emails entre dois indivíduos que se encontram em território nacional), à competência será da Justiça Estadual:

 

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. DIREITO PROCESSUAL PENAL. ARTIGO 241, CAPUT, DA LEI Nº 8.069/90. DIVULGAÇÃO. CRIME PRATICADO NO TERRITÓRIO NACIONAL POR MEIO DE PROGRAMA DE COMUNICAÇÃO ELETRÔNICA ENTRE DUAS PESSOAS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. 1. "Aos juízes federais compete processar e julgar: os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente." (Constituição Federal, artigo 109, inciso V). 2. Em se evidenciando que os crimes de divulgação de fotografias e filmes pornográficos ou de cenas de sexo explícito envolvendo crianças e adolescentes não se deram além das fronteiras nacionais, restringindo-se a uma comunicação eletrônica entre duas pessoas residentes no Brasil, não há como afirmar a competência da Justiça Federal para o processo e julgamento do feito. 3. Conflito conhecido, para declarar competente o Juízo Estadual suscitante. (CC 57411/RJ - Relator(a): Ministro Hamilton Carvalhido - Data do Julgamento 13/02/2008)

 

 

Ocorre que a internet sendo um território ainda sem fronteiras, torna a discussão quanto à competência ainda mais complexa. Apesar de pacificado pelos tribunais, o assunto ainda gera acaloradas discussões doutrinárias, e de certo modo, refletir sobre o tema em apreço é fundamental, de vez que a rede mundial de computadores é um patrimônio mundial. Assim, necessário se faz a construção em conjunto de tratados e convenções internacionais acerca da competência, de que sejam cada vez menores os obstáculos existentes para a eficaz aplicação do direito penal.

 

3.3.2.3 As dificuldades encontradas quanto à questão probatória nos crimes virtuais

 

O Direito Penal, com o fito de distinguir e reconhecer uma verdade jurídica diante de uma lide utiliza para tanto, os diversos meios de provas admitidas legalmente. Nos escólios de Carnelutti (2004, p.68) “as provas são fatos presentes sobre os quais se constrói a probabilidade da existência ou inexistência de um fato passado.”

Nas palavras de Eugenio Oliveira Pacelli (2006, p. 285) os objetivos da prova são: “A reconstrução dos fatos investigados no processo, buscando a maior coincidência possível com a realidade histórica, isto é, com a verdade dos fatos, tal como efetivamente ocorridos no espaço e no tempo”.

Nucci (2007. P 335) descreve o significado de prova em três acepções: a primeira é o “ato de provar”, que é o ato pelo qual se averigua a veracidade dos fatos alegados pelas partes no curso do processo (fase probatória ou o período de prova da suspensão ou livramento condicional); o segundo é o “meio de prova” como o instrumento pelo qual é exposto o que se alega, no escopo de esclarecer os fatos e demonstrar a verdade (prova testemunhal, pericial ou documental), e por último há o “resultado da ação de provar”, que é o momento que ocorre a análise dos instrumentos de prova ofertados e sua conclusão, (“como ocorre, por exemplo, na expressão que o juiz utiliza ao sentenciar: fez-se prova de que o réu é autor do crime”).

Em suma, as provas constituem meios para que o magistrado possua o máximo de solidez da materialidade do fato e certeza quanto ao seu autor. Caso exista dúvida quanto a estes dois elementos em um crime (materialidade do fato e autoria), será o acusado absolvido em virtude do principio in dúbio pro réu.

Sendo as provas elementos cruciais no processo, os meios pelos quais o magistrado se aproxima do fato para formar sua convicção, é de bom alvitre ressaltar as lições de CARNELUTTI (2000) que enfatiza que a prova “significa uma atividade do espírito dirigida à verificação de um juízo. O que se prova é uma afirmação; quando se fala em provar um fato, ocorre assim pela costumeira mudança entre a afirmação e o fato afirmado”.

Na instrução processual, as partes deverão demonstrar os fatos, buscando a formação de convencimento do magistrado, e consequente condenação em face da certeza de culpabilidade. Para isso são necessárias provas sólidas da materialidade do crime e da autoria. Neste prisma, Humberto Theodoro Júnior (2005) adverte que a convicção do juiz é condicionada aos fatos nos quais se funda a relação jurídica controvertida e às provas correspondentes.

Nos crimes cometidos na internet, mais precisamente os relacionados a pedofilia, a reunião de provas sólidas acaba por se tornar uma das maiores barreiras, para o convencimento de certeza da culpabilidade.  Na maioria dos casos, o único meio de prova é o relato da vítima, que acaba por ser em sua essência um meio de prova muito relativo, em virtude do depoimento ser carregado de emoções.  (DEMÓCRITO, 2003).

As provas digitais referem-se a qualquer dado digital capaz de determinar a ocorrência de uma ação invasiva em um sistema operacional, ou mesmo o resultado de uma coleta minuciosa que demonstre uma ligação entre o infrator e a vítima . Os materiais colhidos pelos peritos são documentos digitais em formatos “jpg”, “mpeg”, “avi”, “wma”, “mp4”, etc. tendo como uma de suas principais características a portabilidade do hardware e volatilidade (alterabilidade) do software. Tais peculiaridades tornam extremamente difíceis a coleta e a análise das mesmas (REIS, 2003).

A repressão a esses crimes tem encontrado empecilhos na conquista de provas materiais, mesmo quando os agentes são pegos, o que já é tarefa árdua, entretanto dificilmente são punidos em virtude da fraqueza probante, sendo quase certa sua absolvição. Entretanto, no desejo de mudar este cenário nada favorável à administração da justiça, os órgãos responsáveis começam a dar os primeiros passos no desenvolvimento de novas técnicas de coletas de prova  para combater este tipo de ação.

O meio de prova que está sendo mais eficaz na atualidade é o pericial, através do qual se realiza a busca e apreensão do computador, e por meio de peritos são coletados todos os vestígios existentes, assim conforme Castro:

 

 O laudo pericial nos crimes virtuais tem que informar ao juiz, de forma detalhada e fundamentada, em linguagem compreensiva, todos os aspectos referentes ao corpo de delito e o instrumento utilizado para cometer o crime, como, por exemplo, os arquivos constantes no computador, ou mesmo o histórico de navegação da internet, dentre outros que o perito julgar necessário ou importante para a causa (CASTRO, 2003, p. 114.).

.

Ocorre que a prova pericial, apesar de eficaz em alguns casos, não é totalmente apta frente aos inúmeros artifícios utilizados pelos criminosos, que através de ferramentas e programas de informática ocultam ou mesmo destroem as provas rapidamente, razão pela qual não se deve considerá-la como a única arma para realização de coleta de provas.

Outro método bastante aplicado pelos profissionais que trabalham na investigação deste tipo de crime consiste na prática forense digital, que é o ramo que explora provas eletrônicas e realiza a análise de dados digitais armazenados em algum tipo de mídia.

 Nesse prisma, Pires (PIRES, 2003, p. 02) conceitua: “Prática Forense Digital é um conjunto de técnicas, cientificamente comprovadas, utilizadas para coleta, reunir, identificar, examinar, correlacionar, analisar e documentar evidências digitais processadas, armazenadas ou transmitidas por computadores”.

  A partir destas provas armazenadas o perito realiza a coleta, a preservação do material encontrado, recupera dados incompletos e relaciona evidências no escopo de construir o que aconteceu no “local do crime”, ressalta-se que o cenário do crime é um lugar virtual, o que torna o trabalho bem mais complexo (CARICATTI, 2004).

Na lição de Andrey Rodrigues de Freitas (2006) a perícia forense possui quatro procedimentos basilares, quais sejam: a preservação de todo tipo de evidência, sua correspondente identificação, após isso serão cuidadosamente analisadas e por fim serão apresentadas de acordo com as conclusões obtidas.

No entanto, para que exista uma investigação de forma legal, é imperioso que exista um determinado padrão, como existe para as perícias em geral incluídas no Código de Processo Penal, não havendo para tanto nos casos de crimes eletrônicos. Mesmo não sendo o ideal, alguns dispositivos do CPP (artigos 158[8], 160[9], 169[10] e 170[11]) podem ser utilizados por meio da analogia para orientar os profissionais em relação a alguns procedimentos a serem adotados para a conservação das provas, para elaboração e instrução do laudo pericial, bem como acerca dos prazos para finalização do laudo.

A prática forense digital deve ser alvo de investimento para o desenvolvimento de técnicas mais avançadas e organizadas, pois o modo como as mídias são armazenadas e manipuladas, se tornam um fator determinante para a concretização de uma perícia bem sucedida ou para perda de evidências valiosas, resultando assim na destruição das provas digitais.

Sendo assim, é cristalino que quanto maior a capacidade técnica dos profissionais em relação aos procedimentos relacionados a pratica forense digital, maior é a chance de identificação e análise das provas, consequentemente aumentando e enriquecendo o conteúdo para uma eficaz persecução criminal.

Ocorre que a rede mundial de computadores proporciona, em razão de sua velocidade, uma enorme possibilidade dos vestígios serem eliminados ou alterados, constituindo-se como “verdadeiras novidades” frente aos mecanismos coercitivos do Estado (LIRA, 2005) o que contribui para um verdadeiro estado de impunidade dos agentes.  Conclusivamente pode-se afirmar que os procedimentos para obtenção de provas digitais não caminharam junto com a utilização deste meio por criminosos, que parecem estar vários passos à frente do Estado e da polícia.

Com o escopo de modificar o cenário atual, urgente se faz a promoção de debates, com a criação de leis e de medidas que inibam as ações dos agentes. A seguir será visto as principais normas que regem o tema.


[1] Backbone é a União de equipamentos que realiza a conexão da internet entre todos os países. Segundo NUNES (2009) “O termo backbone designa o segmento principal da rede de telecomunicações onde os outros segmentos secundários se vão ligar.

[2] ComScore - fundada em agosto de 1999  é uma  das maiores empresas de pesquisa de mercado e consultoria que fornece dados de marketing e serviços  referentes a internet.

 

[3] BRAHIM, Mohammed. "Somalia: Government Forces Fire on Demonstrators, Killing 5",The New York Times, (2011);

CASSEL Matthew Lebanon convulses on 'Day of Rage'Features. Al Jazeera;

PECORA, Luísa “Internet favorece mobilização apartidária em regimes fechados” iG (2011)

Natusch ,Igor.”Redes sociais: eficientes em espalhar revoltas” Sul21 (2011)

MENDONÇA, Felipe “Revoluções digitais”. Carta da Capital(2011)

 

 

 

[4] “A SaferNet Brasil é uma associação civil de direito privado, com atuação nacional, sem fins lucrativos ou econômicos, sem vinculação político partidária, religiosa ou racial. Fundada em 20 de dezembro de 2005 por um grupo de cientistas da computação, professores, pesquisadores e bacharéis em Direito, a organização surgiu para materializar ações concebidas ao longo de 2004 e 2005, quando os fundadores desenvolveram pesquisas e projetos sociais voltados para o combate à pornografia infantil na Internet brasileira” http://www.safernet.org.br>Acesso em 13.02.2011.

 

[5] O Agravo de Instrumento pode ser visualizado em  http://www.prsp.mpf.gov.br/prdc/area-de-atuacao/direitos-humanos/dhumint/Agravo%20de%20Instrumento%20-%20Caso%20Google.pdf > Acesso em: 13.02.2011.

 

 

[6] Art. 6º - Considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo

ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado.

 

[7] Art. 70. A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução.

§ 3º Quando incerto o limite territorial entre duas ou mais jurisdições, ou quando incerta a jurisdição por ter sido a infração consumada ou tentada nas divisas de duas ou mais jurisdições, a competência firmar-se-á pela prevenção

 

[8] Art. 158.  Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.

[9] Art. 160. Os peritos elaborarão o laudo pericial, onde descreverão minuciosamente o que examinarem, e responderão aos quesitos formulados.

[10] Art. 169.  Para o efeito de exame do local onde houver sido praticada a infração, a autoridade providenciará imediatamente para que não se altere o estado das coisas até a chegada dos peritos, que poderão instruir seus laudos com fotografias, desenhos ou esquemas elucidativos.

[11] Art. 170.  Nas perícias de laboratório, os peritos guardarão material suficiente para a eventualidade de nova perícia. Sempre que conveniente, os laudos serão ilustrados com provas fotográficas, ou microfotográficas, desenhos ou esquemas.

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