Legislação e políticas públicas para o ensino médio no brasil



Legislação e Políticas Públicas para o Ensino Médio no Brasil

 

 

Daniel Neves dos Santos Neto

 

 

Resumo

 

O presente artigo tem por objetivo analisar a legislação e as políticas públicas no contexto do ensino médio no Brasil. Assim, analisa-se as construções históricas das leis e suas efetivações no que concerne a esta modalidade da educação básica. Para tanto, com o fim de atingir a esses objetivos, faz-se uma análise bibliográfica sobre o assunto e busca-se em documentos legais brasileiros, tais como as LDBENS e a Constituição, onde está presente as ideologias concernentes a esta modalidade da educação. Assim, busca-se caracterizar o ensino médio e buscar na história respostas ao modelo de educação para o ensino médio que se é proposto em território nacional.

APRESENTAÇÃO

 

O Ensino Médio no Brasil tem se organizado ao longo da história da educação brasileira como o nível de maior complexidade na estruturação de políticas públicas de enfrentamento aos desafios constituídos pela sociedade contemporânea. Isso ocorre em resultado de sua característica de atender a adolescentes, jovens e adultos em suas diversas perspectivas frente à escolarização.

 

Compreendido como grau de ensino cuja demanda parece crescer na sociedade brasileira, o ensino médio necessita formar jovens que, ao concluí-lo, tenham condições de acesso ao mercado de trabalho e/ou ao ensino superior. Por outro lado, um grande contingente de jovens e adultos, já colocados no mercado de trabalho, almejando avanço salarial e social, procura assimilar conhecimentos que lhes permitam utilizar os novos recursos tecnológicos imperativos para o mundo capitalista globalizado.

 

Assim, visando um maior entendimento das políticas e legislação que estão no entorno do Ensino Médio no Brasil, este trabalho centrou-se na revisão bibliográfica sobre o assunto, buscando interpretar e avaliar os diferentes discursos que legitimam e questionam tal nível de ensino. Dessa forma, busca-se um aporte teórico que nos permita entender o processo histórico de imbricação entre legislação e resultados práticos na escola. Também neste trabalho será possível destacar as características do ensino médio profissionalizante e suas implicações na vida social do educando e quais as possíveis interferências que o ENEM tem causado nesta modalidade de ensino.

1. INTRODUÇÃO

 

A desigualdade social intrínseca ao estado capitalista possibilitou que fossem relegados ao ensino médio as distintas orientações conforme o contexto econômico. Assim, o legado permanente entre as visões profissionalizantes e as acadêmicas tem se promulgado em todas as reformas do ensino, revelando seu caráter elitista.

 

O mundo globalizado, na atual etapa de ampliação mundial do capitalismo, produtos e informações que circulam com mais agilidade tem produzido uma intensificação da competitividade e o aumento do desemprego. Assim, em vista da modificação da sociedade em face da globalização, a capacidade de aprender a aprender é qualidade básica necessária para competir no mercado de trabalho. Com isso, a aprendizagem contínua ou permanente tem sido destacada como referência não somente aos que já se encontram no mercado de trabalho, mas também aos que nele ingressarão em curto prazo. Deste modo, o domínio dos conteúdos científicos e tecnológicos da produção é enfatizado como necessário para que o aluno tenha um perfil adequado à nova sociedade.

 

Igualmente, hoje os alunos que conseguem completar o ensino fundamental deverão enfrentar as novas diretrizes curriculares do ensino médio, cujo objetivo expresso é o de desenvolver a cidadania plena. Logo, devemos compreender que as reformas educacionais empreendidas pelo estado brasileiro, notadamente a reforma do ensino médio, se insere num encontro de forças sociais e políticas que tornaram o debate sobre a educação escolar uma arena política. Desta forma, a legislação e as políticas educacionais para o ensino médio visam abordar não apenas os conteúdos curriculares, mas também todas as características e discursos que estão no entorno desta modalidade de ensino.

2. O ENSINO MÉDIO E SUAS CARACTERÍSTICAS

 

As disposições legais sobre o ensino médio deixam clara a importância desse nível da educação formal como meio de preparar para o trabalho e formar pessoas habilitadas à sua inclusão social cidadã, para que estas possam se entender como sujeitos de intervenção de seu próprio processo histórico, atentos às transformações da sociedade, compreendendo os fenômenos sociais e científicos que permeiam o seu cotidiano, possibilitando, ainda, a continuação de seus estudos. Deste modo, a LDBEN 9.394/96 diz:

 

Art. 35. O ensino médio, etapa final da educação básica, com duração mínima de três anos, terá como finalidades:

I A consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento dos estudos.

II A preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores.

III O aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico.

IV A compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina.

 

Assim percebe-se que a indicação é para uma educação associada aos ideais humanistas, ou seja, tornar o indivíduo um ser humano completo. Para o novo milênio, a educação, portanto, deve formar um indivíduo que aprenda a conhecer, a fazer, a conviver e a ser. Dentro desse contexto, Bruel (2010, p. 186) explica:

 

Ao mesmo tempo em que alguns incisos enfatizam a idéia de uma educação humana ampla, voltada para a compreensão do conhecimento e a formação crítica dos jovens, outros enfatizam a adaptação às condições de ocupação no mercado de trabalho, de forma estreita.

 

Dentro desta perspectiva, surge um novo conceito de cidadania reunindo conhecimentos e informações para desempenhar direitos que vão além da representação política habitual. A finalidade é formar pessoas mais aptas às transformações, autônomas em suas decisões e essencialmente solidárias. Além disso, a identidade autônoma precisa estar aportada em conhecimentos e competências intelectuais que dão sustentação à análise, solução de problemas, capacidade de tomar decisões, adaptabilidade a situações novas, enfim, competências valorizadas pelas novas formas de produção pós-industrial.

 

Não obstante, conforme dizem as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, o currículo para esse nível de ensino tem por objetivos a educação tecnológica, o significado de ciência, letras, artes, o processo histórico de transformação da sociedade, a língua portuguesa como instrumento de comunicação, acesso ao conhecimento e exercício da cidadania. Pretende adotar metodologias de ensino estimulantes para os alunos; incluindo uma língua estrangeira moderna. Deste modo, ao final do ensino médio o aluno deverá demonstrar domínio dos princípios científicos e tecnológicos; conhecimento das formas contemporâneas de linguagem e domínio dos conhecimentos de Filosofia e Sociologia necessários ao exercício da cidadania.

 

Em se tratando da estrutura do ensino médio, é possível destacar que este se divide em dois tipos: o ensino médio comum e o ensino técnico; este último atrai parcela considerável de jovens na perspectiva da empregabilidade mais imediata, quando se compara aos resultados obtidos pelos formandos pelo ensino médio comum. Ocorre ainda que o ensino técnico, sobretudo o público, é altamente concorrido em razão da grande demanda diante da escassez de suas vagas. Contudo, o questionamento que está presente em boa parte dos discursos ligado ao ensino médio é: deve, então, ser o ensino médio ministrado em formato abrangente, preparando para a etapa educacional seguinte, o ensino superior, ou deve ater-se a ser uma etapa articulada como preparadora para o mundo do trabalho? A tal questionamento não será dado uma maior análise e reflexão, dada a sua grande relevância e que por tal amplitude merece ser destacado em um trabalho específico.

Assim, fica claro que a conclusão do ensino médio se constitui importante perante o mundo em que vivem os jovens, uma vez que, grande parte deles, é oriunda de famílias com baixo nível de escolarização, o que os faz querer fugir do ciclo vicioso que a falta de escolarização impõe. O ensino médio, portanto, é um momento de muita importância no processo de escolarização, pois a terminação deste poderá causar uma grande inferência na vida social, econômica e educativa do sujeito que a conclui.

3. DO PASSADO AO PRESENTE – UMA CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DAS POLÍTCAS E LEGISLAÇÃO PARA O ENSINO MÉDIO NO BRASIL

 

Sabemos que historicamente, a educação brasileira, com seu caráter excludente, tem comissionado ao ensino médio a possibilidade dos jovens das classes mais favorecidas acessarem rapidamente ao ensino superior, e aos jovens trabalhadores (quando conseguem o diploma do ensino médio) o preparo para o trabalho técnico na tentativa de adequar-se ao mercado.    

 

Fazendo uma breve retrospectiva da história das leis no Brasil e sabendo que em cada época existiu e sempre vai existir uma relação sócio-política e econômica decisiva para tal, encontramos na década de 1930 uma estrutura não organizada, com base em um sistema nacional. Cada Estado mantinha os respectivos sistemas, onde o ensino secundário caracterizava-se por ser preparatório ao ensino superior.

É notório que a estruturação do ensino médio no Brasil se deu muito recentemente. Sobre este aspecto, Bruel (2010, p. 180) explica que “a formalização do ensino médio no Brasil como nível de ensino data da Reforma Francisco Campo, há 80 anos, a qual se caracterizou por ser a primeira tentativa de estabelecer regras comuns a todo o território nacional”. Assim, percebemos que Francisco Campos, Ministro do recém criado Ministério da Educação e Saúde (1930), procurou estruturar o sistema de ensino nacional com vários decretos, e entre eles estava o que organizou o ensino secundário, cuja função formativa era: preparar os estudantes “para todos os setores da atividade nacional”, através de um estudo disciplinado, metódico e científico, criando também o ensino comercial (Decreto nº 20.158, 30/06/31).

Houve também a reforma conhecida como Leis Orgânicas de Ensino, do Ministro da Educação e Saúde Pública Gustavo Capanema em 1942 que através de decreto-lei regulamentou o Ensino Primário, o Ensino Normal, o Ensino Industrial, o Ensino Comercial e o Ensino Secundário, sendo este último destinado a dar “preparação intelectual geral que possa servir da base a estudos mais elevados de formação especial; formar (...) a personalidade dos adolescentes; acentuar e elevar (...) a consciência patriótica e a consciência humanística”. É possível destacar também que houve um incentivo ao ensino profissional destinado à formação de mão de obra para suprir as necessidades do mercado, visto que foi criado nesta época (1942 à 1946) o SENAI, SENAC e o Ensino Agrícola.

Entre os vários ramos do técnico e secundário não havia nenhuma possibilidade de abertura, pois isto só foi acontecer em 1953 (Lei 1.821). A equivalência foi uma vitória dos que consideravam ser o ensino técnico profissional tão nobre e tão digno como o ensino secundário. Nesta época já estava sendo discutida uma nova lei, a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 4.024/61). O primeiro projeto da Lei foi apresentado em 1948, treze anos antes da aprovação final, que pela primeira vez versava sobre todos os níveis e, ao mesmo tempo, validava para todo o território nacional.

A LDB 5.692/71 passa a denominar o antigo primário de 1º Grau e o estende para oito anos obrigatórios. O secundário, agora denominado 2º grau, tornou-se a partir de então, profissionalizante. A Lei 5.692/71 é modificada pela Lei 7044/82, pois esta transformou a qualificação para o trabalho em preparação para o trabalho. O 2º grau profissionalizante esvaziou o então colegial público de formação geral, de boa qualidade acadêmica. Com isso o setor público perdeu qualidade e não conseguiu preparar recursos humanos de nível técnico compatíveis com as demandas do mercado de trabalho.

Contudo, a profissionalização compulsória e fracassada da Lei nº 5692/71 foi o exemplo de mais uma reforma que tinha como objetivo atender ao mercado de trabalho, sacrificando escolas e alunos com medidas autoritárias e completamente distanciadas da realidade.

 

Observe-se ainda um aspecto interessante de luta de interesses advindos de classes socialmente distintas. A classe média, no período de ditadura militar, no Brasil, com expectativa de ver seus filhos no ensino superior, reforçando a vertente elitista que cerca as visões sobre o ensino médio, não via exatamente com bons olhos a profissionalização compulsória evidenciada, em tese, pela lei n. 5.692/71. (BRUEL, 2010) Assim, os setores mais empobrecidos que aceitavam a possibilidade de profissionalização foram vítimas da falta de condições técnicas e materiais nas escolas, falta de investimento em capacitação docente, fatores que, entre outros, não concorreram para uma efetiva profissionalização nas escolas.

 

Em 1982 a lei n. 7.044 revogou aspectos da profissionalização obrigatória estipulada pela legislação anterior. No campo da educação, uma forte agenda de campo neoliberal foi revitalizada e ampliada por organismos internacionais, como o FMI, o Banco Mundial e um pouco adiante o BIRD, que, já no início dos anos de 1980, exerceu forte influência por meio de programas de avaliações dos sistemas de ensino e de projetos de reformas em diversos desses países na América Latina, o que acabou por causar interferência também na educação brasileira.

Na educação a busca da qualidade passa a ser substituída pela busca desenfreada de aspectos quantitativos, passando a melhoria da qualidade da educação medida prioritariamente por resultados estatísticos e segundo determinações desses mesmos organismos internacionais. Diversos dados quantitativos eram, e continuam sendo, divulgados com grande alarde. Assim, intervenções continuaram sendo feitas, mesmo em contextos políticos diferentes dos cenários iniciais da lei n. 5.692/71, no sentido de aprimorar os resultados e os índices de rendimento escolar. Sobre isso Altman (citado por LINS, 2007, p. 49) questiona:

 

Todavia, há de se questionar até que ponto qualidade educativa pode ser medida por índices de desempenho. O ensino em sala de aula e todo o aprendizado dentro de uma escola vão além do que esses indicadores são capazes de medir por meio do rendimento dos alunos. Reiteramos e acrescentamos que avaliações e índices de desempenho desconectados de aspectos históricos e legais acabam enviesando as análises, tornando-as parciais, visto estarem circunscritas ao momento e, assim entendemos, limitadas quanto ao apontamento de propostas para avançar em relação aos problemas detectados.

 

A análise, então, de caráter economicista tornou-se a base principal para a definição de políticas públicas como um todo, incluindo as educativas, como se verifica em vários momentos deste trabalho. Contudo, as conseqüências foram imediatas, expressas em contínuos resultados negativos da educação brasileira comparados aos resultados de outros países, o que, por si, já demonstraria a ineficiência dessa forma de considerar a qualidade educacional. O discurso neoliberal, amparado nos ventos de uma economia globalizada, prioriza desta forma o objetivo de preparação para o trabalho, sem considerar as críticas pertinentes que são feitas a esse discurso. .

4. O ENSINO MÉDIO PÓS LDBEN 9.394/96

 

Estamos diante de uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação, e esta vem conferir uma nova identidade ao Ensino Médio. Após muitas discussões na área educacional, a nova LDBEN 9.394/96 promove uma profunda reforma na área de educação profissional, desvinculando totalmente a educação geral da formação especial, determinando que sejam oferecidas em cursos separados, ainda que articulados. Pela nova LDB, o curso técnico de nível médio tanto pode ser cursado em concomitância com o médio, ou após este.

O Ensino Médio passa a ter a característica de terminalidade, o que significa assegurar a todos os cidadãos a oportunidade de consolidar e aprofundar os conhecimentos adquiridos no Ensino Fundamental, aprimorar o educando como pessoa humana, possibilitar prosseguimento de estudos, garantir a preparação básica para o trabalho e a cidadania e dotar o educando dos instrumentos que o permitam “continuar aprendendo”, tendo em vista o desenvolvimento da compreensão dos fundamentos científicos e tecnológicos dos processos produtivos”. (Art.35, incisos I a IV).

Assim, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB (Lei 9394-96), ao situar o Ensino Médio como etapa final da Educação Básica, define-a como a conclusão de um período de escolarização de caráter geral. Trata-se de reconhecê-lo como parte de uma etapa da escolarização que tem por finalidade o desenvolvimento do indivíduo, assegurando-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania, fornecendo-lhe os meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores (art. 22).

5. O ENSINO MÉDIO – APONTANDO LACUNAS

 

Embora muito já tenha sido analisado sobre o ensino médio brasileiro e continue sendo, ainda o é bem menos que a quantidade de estudos sobre outras questões do nosso universo educacional. Contudo, é notório que o Brasil ampliou a oferta do ensino médio de forma expressiva, mas tem ainda 1,8 milhões de jovens de 15 a 17 anos fora da escola (IBGE, 2010). Massificou o acesso, mas não garantiu democraticamente a permanência e, principalmente, um currículo capaz de promover uma aprendizagem que faça sentido para os jovens adolescentes. Pensa-se, portanto, que o ensino de qualidade não pode mais submeter-se aos discursos governamentais, mas tornar-se efetivo dentro das salas de aula.

 

Dos brasileiros de 15 a 17 anos, mais de 50% dos jovens não estão matriculados nesta etapa da educação básica. Por outro lado, o acesso ao ensino médio é profundamente desigual entre grupos da população: apenas 24,9% de jovens na faixa etária de 15 a 17 anos, dos 20% mais pobres da população, estudam no ensino médio, enquanto temos 76,3% de jovens estudando dos 20% mais ricos da população (IBGE, 2010).

 

No que se refere às regiões, 33,1% dos jovens do Nordeste estão nesta etapa da educação, enquanto temos 73,3% dos jovens no Sudeste. Outros dados expressivos são de 37,4% jovens negros matriculados nesse nível de ensino, enquanto há 58,4% de brancos; e apenas 27% dos jovens do campo de 15 a 17 anos estão no ensino médio enquanto 52% correspondem às matrículas dos jovens da área urbana. É notório também que há uma grande evasão, correspondendo a 61,6% dos matriculados (LINS, 2002). Tal evasão pode ser justificada pela crescente procura por ingresso no mercado de trabalho antes mesmo da conclusão da educação básica e, no caso específico das mulheres, umas das maiores causas observadas é a gravidez na adolescência.

 

Nota-se também que parte expressiva dos alunos do ensino médio nas redes públicas e privadas é do período noturno. Na etapa anterior, o ensino fundamental, entretanto, a maior parte do alunado está matriculada no período diurno. Verifica-se que tal inversão de turnos de estudo não possui muitos vínculos que os articulem, sendo essa uma das razões da falta de articulação que acomete o nosso ensino médio em vários aspectos. Sobre isso Aranha (citado por LINS, 2007, p. 43) diz:

 

Entre o ensino primário e o secundário não há pontes ou articulações: são dois mundos que se orientam cada um na sua direção [...] Esse fracionamento sem um eixo unitário, com uma dualidade de sistemas, em tudo é prejudicial à educação.

 

Além disso, outro questionamento que se faz é se o que está expresso na legislação vigente no que concerne ao ensino médio dará conta de preparar os jovens e adultos trabalhadores e os que não o são com a mesma qualidade de ensino, para o posterior enfrentamento da acirrada competitividade no mundo do trabalho.

 

Vale ressaltar também que, conforme expressa Bruel (2010, p. 187), “entre os vários problemas que têm sido apontados e analisados por estudiosos dessa área, cabe ressaltar aqui a total desvinculação entre o ensino médio de formação geral e a educação profissional de nível técnico”. Percebe-se assim que, estas lacunas existentes entre as duas modalidades do ensino médio acabam por distanciar ainda mais esses níveis de ensino, o que fragiliza seu currículo e, conseqüentemente, prejudica o alcance das intencionalidades propostas pela legislação vigente.

6. RESULTADOS ALCANÇADOS

 

O ensino médio é o segmento educacional brasileiro que registrou o maior número de matrículas nos últimos anos. O crescimento da matrícula de jovens na faixa etária de 15 a 17 anos vem repercutindo diretamente na melhora da taxa de escolaridade líquida do ensino médio. Entretanto, nota-se que apenas 48% dos jovens entre 15 e 17 anos estão no ensino médio, sendo que a maioria, portanto, ainda está presa no ensino fundamental (IBGE, 2010).

 

Embora uma parcela considerável dos jovens não chega ao ensino médio e/ou evadem deste, é possível destacar que há grande avanço quantitativo neste nível de ensino ao longo dos anos. Em 1996 eram pouco mais de 2,5 milhões, menos de um quarto dos mais de 10 milhões de brasileiros entre 15 e 17 anos, (INEP, 1999) o que coloca o Brasil em situação de desigualdade em relação a muitos países, inclusive da América Latina. Em 2000 houve registro de mais de oito milhões de alunos, o que significa um crescimento de mais de 50%. Além disso, dados do MEC indicam que em 2003 já havia mais de nove milhões de alunos cursando esse nível da educação básica, o que significa um dos maiores números de matriculados já havido no Brasil.

Contudo, com o crescente aumento da demanda, estima-se que muitos milhares de jovens ainda se matricularão nesta modalidade de ensino. Se realmente essa previsão concretizar-se, o ingresso na escola de Ensino Médio deverá aumentar significativamente. Assim, o grande desafio para agora é oferecer um Ensino Médio capaz de satisfazer as necessidades dos alunos que a procuram, e também para que nela permaneçam, não deixando que já na 1ª série 22% dos alunos matriculados abandonem o curso e 14% sejam reprovados (INEP, 1999).

7. O ENEM E SUAS IMPLICAÇÕES NO ENSINO MÉDIO

 

Faz-se necessário levar em consideração que as políticas públicas de avaliação da educação tiveram grande desenvolvimento nos últimos anos. Já no que se refere às iniciativas de reforma educacional, as atenções do MEC concentraram-se inicialmente no ensino fundamental, conforme já salientado, só se voltando para as questões do ensino médio mais recentemente.

 

Uma considerável política que tem causado inferências no ensino médio é a aplicação do ENEM – o Exame Nacional do Ensino Médio. Por seu caráter recente na história desse nível de ensino, não são muitas as análises que podem ser feitas acerca do seu significado e de suas peculiaridades acerca de sua possível eficácia. Contudo, pode-se perceber que o ENEM parece ter a função de fomentar a reforma do ensino médio. A evolução do ENEM, bem como a análise de suas características constitutivas, indica a plausibilidade desse tipo de análise.

 

A implementação de medidas de política educacional para o ensino médio tem sido feita de modo tal que os instrumentos normativos mais específicos reorientam os mais gerais. No caso do ensino médio, o exemplo mais gritante desse tipo de reorientação refere-se à ênfase da matriz de competências do ENEM em habilidades relacionadas com a área de ciências, a despeito de os textos da Lei de Diretrizes e Bases nº. 9.394/96 e das Diretrizes Curriculares Para o Ensino Médio equacionarem de forma balanceada o papel das linguagens das ciências e das humanidades neste nível de ensino.

 

Muito embora haja evidências de que o componente de avaliação da política educacional tenha mantido interações e articulações com os demais aspectos da política educacional, é inegável que no caso do ensino médio a avaliação deslanchou à frente dos demais aspectos da política. Por isso, é provável que haja ajustes importantes a fazer entre a avaliação e a reforma do ensino médio, com implicações que podem repercutir no próprio desenvolvimento do ENEM.

8. CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Estas considerações não têm o objetivo de serem conclusivas, mas de enfatizar aspectos e apreciações já apontadas no texto. Assim, as indicações feitas no decorrer do trabalho sugerem deixar claro que se formos levar em conta o que diz a legislação para o ensino médio, sobretudo a LDBEN 9.694/96, podemos considerar que esta contem muitas propostas interessantes, o problema é que não há muita convergência entre o que consta nas leis e o que é posto em prática nas salas de aula.

Para que o Ensino Médio seja efetivamente oferecido com a qualidade que lhe é merecida, é necessário profissionais muito bem preparados, que além de uma boa formação precisam de atualização constante. “Tamanha tarefa exige profissional exímio, com correspondente remuneração, prestígio e competência. Esta carece de constante atualização, diante dos reclamos do mundo moderno e da condução inovadora da sociedade e da economia (...)”. (DEMO, 1995, p. 95)

Embora existam avanços na efetivação de políticas públicas para o ensino médio no Brasil, a realidade ainda esta longe de ser a ideal. Desta forma, faz-se necessário superar as dificuldades encontradas neste nível de ensino, apostando no trabalho conjunto e proporcionando às futuras gerações oportunidades melhores, não repetindo erros que ao longo de nossa história foram cometidos.

 

Além disso, é imperativo também pensar numa superação da dualidade do ensino. Neste sentido, Frigotto, Ciavatta e Ramos (citado por BRUEL, 2010, p. 188) explicam:

 

A possibilidade de integrar formação geral e formação técnica no ensino médio, visando a uma formação integral do ser humano, é [...] condição necessária para a travessia em direção ao ensino médio politécnico e à superação da dualidade educacional pela superação da dualidade de classes.

 

É preciso, portanto, que exista uma verdadeira articulação entre o ensino médio e a educação profissional, o que se dará por uma via de mão dupla. Cabe às escolas do ensino médio contemplar em sua proposta pedagógica, de acordo com as características locais e de sua clientela, conteúdos relevantes, conforme explicitam as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Do mesmo modo, as escolas de formação profissional devem observar quais conhecimentos já foram adquiridos pelos alunos oriundos do ensino médio e aproveitá-los. Desta forma, uma nova cultura de solidariedade e exercício da cidadania proposta nas diretrizes do ensino médio só poderá tornar-se verdadeira se os costumes arraigados de uma sociedade imperativamente excludente sejam substituídos por uma cultura de cidadania conquistada. Aí poderemos pensar em formar jovens que questionem o poder estabelecido e possam construir um país mais justo.

 

Em suma, não podemos esperar que um povo seja desenvolvido se ele não for devidamente educado. E educar para o comportamento empreendedor, conforme objetiva a legislação para o ensino médio, requer um trabalho árduo, incansável e com vistas a resultados em longo prazo. Mas, se pudéssemos começar hoje tais reestruturações, poderíamos vislumbrar, com certeza, uma sociedade melhor e mais desenvolvida, preocupada com o desenvolvimento sustentável, visto que é preciso que tenhamos cidadãos preocupados com a qualidade de vida não somente de hoje, mas visando também à qualidade de vida das gerações futuras.

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

BRASIL. Ministério da Educação. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDB 4.024, de 20 de dezembro de 1961.

______. Congresso Nacional. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nº. 9394, de 20/12/1996

______. MEC. Decreto 2.208 de 17 de abril de 1997. Brasília, DF, 1997.

______. Decreto 5.154 de 23 de julho de 2004. Brasília, DF, 2004.

______. MEC. CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO. Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica. Despacho do Ministro, publicado no D.O.U. de 9/7/2010, Seção 1, Pág.10. Brasília, DF, 2010.

______. Estatuto da Criança e do Adolescente no Brasil. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990.

______. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Imprensa Oficial, 1988.

______. Parâmetros curriculares nacionais: ensino médio: bases legais. Ministério da Educação/Secretaria de Educação Média e Tecnológica, 1999.

BRUEL, Ana Lorena de Oliveira. Políticas e legislação da educação básica no Brasil. Curitiba: Ibpex, 2010.

LINS, Edison Cardoso. Ensino Médio no Brasil: aspectos históricos, legais e questões do período noturno (1971-2006). Americana: Centro Universitário Salesiano de São Paulo, 2007.

 

DEMO. Pedro. Desafios modernos da educação. Petrópolis. Vozes, 1995.

 

Legislação e documentações complementares obtidas nos “sites” do INEP, do IBGE e do MEC.

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Autor: Daniel Neves Dos Santos Neto


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