Intercâmbio de políticas públicas no mercosul



Quando se fala em intercâmbio de políticas publicas de defesa e segurança nacional, observa-se que muitas vezes as relações internacionais entre os diversos Estados acabam se dando ao mesmo tempo por dois prismas: o da cooperação e o do conflito. Segundo Shiguenoli Miyamoto (2000, p.54), “quando interesses comuns apresentam-se, a cooperação é o caminho preferido. As divergências, por sua vez, fazem parte das regras do jogo e, no limite, levam a acirramentos, e o resultado final só é conhecido nos campos de batalha.”

Com o advento do Mercosul, as relações e interesses entre os membros caminharam e convergiam na esfera econômica. No entanto verificou-se, na maior parte dos casos, postura divergente nos assuntos estratégico-militares, que seguiram a passos miúdos. Isto significa que, desde 1991, enquanto não enfrentam problemas comuns, cada um “leva a cabo” suas políticas de defesa e segurança individualmente, como sempre fizeram. A exceção são alguns poucos exercícios conjuntos como o realizado em Rosário do Sul (RS) em 1997 pelos exércitos de Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, denominado “Operação Cruzeiro do Sul”. (Ginesta, 1999) e mais recentemente uma operação conjunta entre Brasil e Argentina para patrulhar o espaço aéreo na Amazônia.

Estas iniciativas podem ser consideradas provas de que ”La maduración política de los bloques de naciones lleva a la casi inevitable necesidad de alcanzar un acuerdo de defensa regional en el espacio del MERCOSUR Ampliado, donde el instrumento militar no es más que la cara fuerte de la alianza política de los Estados.” (Koutoudjian, 2004, p.191)

Mas esta não convergência tinha seus motivos. Nos anos noventa a Argentina estava mais voltada para a questão do terrorismo contra a comunidade judaica, com o tráfico de drogas e armamentos e com a presença de grupos islâmicos na fronteira tripartite argentino-brasileiro-paraguaia. A preocupação brasileira, por força das circunstâncias, achava-se (e ainda acha-se) dirigida para o território amazônico, apesar de não negligenciar o tráfico de drogas como uma de suas prioridades (Gianezini, 2004). O Paraguai, parece eternamente se ater às questões do contrabando, mas recentemente vêm passando por um processo que está sendo chamado de “colombialização”, com todos os elementos negativos presentes naquele país. Por fim, o Uruguai, até então uma ilha de tranqüilidade, passou a sentir os reflexos da presença do crime-organizado em seu território.

Nos últimos anos, contudo, parece estar havendo uma espécie de confluência destes tipos de problemas o que também leva proporcionalmente a confluência de interesses em adotar políticas conjuntas. Nesta perspectiva, o deslocamento das preocupações tradicionais de segurança para ameaças de natureza transnacional tem levado os países “a engendrar novos mecanismos de cooperação bilateral ou multilateral para sua defesa, envolvendo a coordenação de controles de fronteiras e o intercâmbio de informações e de inteligência, entre outras iniciativas” (Souza, 2001, p.73).

É igualmente o que sustenta Koutoudjian (2004, p.201), quando trata da questão da Amazônia: Todos sabemos que la Amazonia es la gran asignatura pendiente que tiene Brasil, es su gran preocupación, agravada por el hecho de que actualmente fuerzas encontradas merodean por sus fronteras e inclusive acceden a sus áreas más pobladas. Nos referimos obviamente al narcotráfico, organizaciones ambientalistas, supranacionales, etc. 

Percebe-se esta tônica também presente no artigo de Vizentini (2004), que alerta para a complexidade de uma integração desta natureza: Evidentemente muito já está sendo feito no tocante a medidas de confiança e formas de cooperação concreta, mas é preciso considerar que a partir de agora isto se dará num patamar mais elevado e, portanto, mais problemático. Iniciativas conjuntas de defesa e segurança com os vizinhos serão muito apropriadas, não apenas visando ações nos seus territórios e fronteiras, mas inclusive no nosso, para realçar uma verdadeira parceria (por ex., no desmantelamento de redes criminais e de tráfico, ou no acesso ao Atlântico pelos vizinhos andinos, seja civil ou militar).

De fato, o que se percebe ao ler a bibliografia a respeito do tema é que desde o início do processo de integração regional, parecem ter falado mais alto os interesses particulares dos Estados, cada um procurando resolver seus próprios problemas domésticos. Nesse contexto, a indefinição de uma agenda mais consistente dificulta a integração regional em todos os planos, sobretudo, em áreas sensíveis como as de políticas externa e de defesa, muito complexas para serem elaboradas em conjunto.

Contudo, a cada dia existem novos temas na agenda de segurança que são comuns e urgentes para os países do Mercosul, e que dependem do intercâmbio das políticas desta área em cada um dos membros para dar certo. Neste aspecto, aponta Souza (2001, p.67) a cooperação regional “deve ser complementada pela redefinição de nossa estratégia de defesa, com prioridade para o fortalecimento da vigilância nas fronteiras. [...] Aos problemas decorrentes da vulnerabilidade das fronteiras, somam-se, por fim, as questões da nova agenda de temas multilaterais, que abrangem o meio ambiente, direitos humanos e sociais, a imigração ilegal, a criminalidade transnacional e a preservação da democracia”.

Por fim, é importante destacar quatro questões propostas por Koutoudjian (2004, pp. 212-216) no que tange ao intercâmbio de políticas públicas nesta áreas no Mercosul: De quem se defender? O que defender? Quais objetivos alcançar? E que políticas internacionais acompanhar?  Além dos benefícios e custos que isto acarretaria.  Estes são questionamentos que precisam ser respondidos em conjunto pelos governos no cone sul.

  

REFERÊNCIAS

 

GIANEZINI, Q.; GIANEZINI, M. Defesa e segurança (inter)nacional no âmbito do Mercosul. In: II Seminário Internacional de Estudos Regionais sul-americanos: Contrastes socioterritoriais e perspectivas de integração regional. Cuiabá, 2006. p. 34-34.

 

GINESTA, Jacques. El Mercosur y su contexto regional e internacional. Porto Alegre: UFGRS, 1999.

 

KOUTOUDJIAN, Adolfo. Pacto de defensa y seguridad del cono sur sudamericano. In: STANGANELLI, Isabel (org.). Seguridad y defensa en el cono sur. Mendoza: Caviar Bleu, 2004. pp. 191-219

 

MIYAMOTO, Shiguenoli. O Mercosul e a Segurança Regional: uma agenda comum? In: São Paulo em Perspectiva. 16(1), 2002. pp. 54-62

 

SOUZA, Amaury de. A Agenda Internacional do Brasil: Um Estudo Sobre A Comunidade Brasileira de Política Externa. In: CBRI. http://www.cebri.org.br/pdf/101 PDF.pdf. Acesso em: 27 mar 2010.

 

VIZENTINI, Paulo Fagundes. Brasil: Problemas de Defesa e Segurança no Século XXI. In: http://www.ilea.ufrgs.br/nerint/artigospoliticaexternabrasileira/content800/content8002/brasilproblemas.html Acesso em: 20 mar 2010.

 

 

* Elaborado e atualizado por Miguelangelo Gianezini a partir de Monografia do curso de Especialização em Integração e Mercosul (UFRGS). Enviado para WebArtigos.com, 2011.
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Autor: Miguelangelo Gianezini


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