Domínios da aprendizagem e processos avaliativos



DOMÍNIOS DA APRENDIZAGEM E PROCESSOS AVALIATIVO

Ao se desenvolver, o homem precisa mobilizar todas as suas potencialidades para poder aprender. Tal comportamento exige um esforço integrado que envolve disciplina, persistência, prazer, curiosidade etc.

Esse é um esforço que, em conseqüência da crescente complexidade da vida em sociedade, não pode ser realizado isoladamente e nem apenas em um sentido ou direção. Para aprender o homem precisa, como já foi apontado no item anterior, da colaboração de outros homens, aprenderá a se comunicar convivendo com outros homens; aprenderá a comer segundo a orientação de outros homens, por exemplo.

Cada aprendizagem envolve diferentes saberes: conhecimentos, habilidades psicomotoras e intelectuais, e atitudes individuais e sociais. Só o fato de nomear esses diferentes saberes já comprova, em princípios, a complexidade do processo de aprendizagem.

Assim, para que fosse possível estudar e compreender esse complexo processo e nele interferir responsavelmente, foram estabelecidos três domínios de aprendizagem - dimensões, áreas ou espaços de atenção: o cognitivo, o psicomotor e o afetivo.

Como regra geral, no contexto escolar, a avaliação da aprendizagem tem-se centrado no domínio cognitivo (o domínio das informações verbais, habilidades intelectuais e estratégias de conhecimento). Nenhum educador tem dúvidas quanto à importância do conhecimento para o desenvolvimento do homem. Um problema começa a configurar-se, no entanto, quando toda a dinâmica escolar passa a se orientar pela importância atribuída a esse domínio.

No contexto escolar em que a educação profissional é uma especificidade, além dos conhecimentos, observa-se a inclusão das habilidades como dimensão também valorizada. Nesses contextos, não basta ter informações; é preciso também saber fazer.

 Seja observando uma criança na escola, seja discutindo em conselho de classe a possível reprovação de um aluno, a avaliação é sempre acompanhada de dúvidas, incertezas e muitas vezes de incoerências.

Compreendemos que as funções da avaliação são potencialmente duas: o diagnostico e a classificação. Da primeira, supõe-se que permita ao professor e ao aluno detectar os pontos fracos deste e extrair as conseqüências pertinentes sobre onde colocar posteriormente a ênfase no ensino e na aprendizagem. A segunda tem por objetivo hierarquizar e classificar o aluno. De maneira geral, no interior da escola há grande preocupação com a nota ou conceito a ser atribuído ao aluno. Ela está sempre ligada diretamente à aprovação ou reprovação dos alunos. A nota acaba se tornando um fim em si mesma, ficando muito distanciada e sem relação com as situações de aprendizagem.

A avaliação nesta concepção serve apenas para julgar e classificar. A participação do aluno nesse processo é pequena e, muitas vezes, ele nem mesmo tem clareza do o porquê dos resultados obtidos; a nota chega como uma sentença definindo seu destino fora da escola.

Pensar a avaliação apenas como ferramenta para aprovar ou reprovar, reforça o lado cruel da escola. Quando esta simplesmente classifica os mais capazes de prosseguir os estudos na série subseqüente, acaba penalizando aqueles que pertencem às classes sociais desfavorecidas mais distanciadas do conhecimento historicamente acumulado. Estes são os que mais fracassam. Muitas vezes, também a escola usa a nota para controlar a disciplina dos alunos na sala e enquadrá-los em regras e normas que consideram desejáveis, revelando total ausência de reflexão sobre o significado da avaliação.

Segundo Gama (1993), transformar a avaliação exige transformar a prática pedagógica e faz-se necessário que deixe de ser instância de exclusão dos alunos originários da classe dominada; que a escola seja resultante de um projeto através da ascensão pelo professorado de um papel politicamente decisivo na transformação da realidade; os professores recebam orientações metodológicas e didáticas que o projeto pedagógico da escola esteja inserido no conjunto das transformações da sociedade para além de suas características autoritárias e antidemocráticas e exista um processo aleatório compatível com o projeto da escola.

O autor ainda recomenda que a avaliação seja instrumento auxiliar da aprendizagem e não exclusivamente usada para aprovação e reprovação.

Luckesi afirma que a escola deveria ser o local onde educador e educando em uma relação democrática, porque interessado num único objetivo: a formação do educando, dedica-se conjuntamente ás atividades que elevem o seu modo de ser e de viver. Elevação esta que terá papel significativo na democratização da sociedade como um todo para a transformação da sociedade.

Em assim sendo, além das forças sociais contrárias que atuam criando-lhe inúmeros obstáculos, destaca-se a força do professor ao desempenhar o papel de um dos mais fortes reprodutores da sociedade estabelecida, sobre tudo quando determina os dados relevantes da realidade, o padrão de comparação, o juízo de valor e as decisões que se devem tomar.

A escola capitalista encarna funções sociais que adquire do contorno da sociedade na qual está inserida e encarrega os procedimentos de avaliação no sentido de garantir o controle da consecução de tais funções. A educação tem duas funções principais numa sociedade capitalista: a produção das qualificações necessárias ao funcionamento da economia; a formação de quadros e a elaboração dos métodos para um controle político, a escola capitalista não é para todos, é uma escola de classe.

A avaliação de se repetir os que os velhos livros didáticos dizem, reforça o formalismo. E podemos inferir que tanto a sua forma como os rituais de formalização são determinados pela classe dominante. Não há qualquer acesso aos seus espaços de dominação se não se aceita o que ela, classe dominante, sanciona e consagra.

Sobre os livros didáticos a princípio estes constam as histórias (acontecimentos históricos) mostrando os seus “heróis” e isso nós professores cegamente passamos aos nossos alunos como puras verdades e não damos a eles oportunidade de crítica, questionamentos e pesquisas a fundo, e quando algum aluno de repente tem visão crítica das situações e que questionar, nós não abrimos espaço a ele pois achamos que responder um questionário e fazê-lo em uma prova é muito mais fácil e menos trabalhoso. Com isso vimos que educadores contribuem para a classificação de “maiores méritos” nas provas e não na aprendizagem dos alunos.

É neste contexto que voltamos a afirmar que transformar a avaliação implica em transformar a prática pedagógica como um todo.

Sobre isto Luckesi afirma que o modelo social conservador e suas pedagogias respectivas permitem renovações internas ao sistema, mas não propõe e nem permite proposta de sua ultrapassagem, o que de certa forma seria um contra-senso. Nesta perspectiva, os elementos da pedagogia conservadora pretendem garantir o sistema social, na sua integridade. Então, a relação educador e educando, a execução do processo de ensino e de aprendizagem e particularmente a avaliação estão inseridos neste contexto.

Refletindo sobre isto, diria que o professor trabalha uma unidade de estudo, faz-se uma verificação do aprendizado, atribui-se notas ou conceitos aos resultados, que em si devem simbolizar o valor da aprendizagem do aluno e aí encerrasse o ato de avaliar. O símbolo do valor atribuído pelo professor ao aprendido é registrado e definitivamente o educando permanecerá nesta situação. Nesta forma o ato de avaliar não serve como uma parada para pensar a prática e retornar a ela como ajuda para o aluno, mas como classificação.

Com a função classificatória a avaliação constitui-se num instrumento frenador do processo de crescimento. Com a função diagnóstica do processo de avançar no desenvolvimento da ação, do crescimento para a autonomia e competência. O educador como sujeito humano é histórico, contudo julgado e classificado do ponto de vista do modelo escolar vigente, pois as anotações e registros permanecerão nos arquivos e nos históricos escolares, pois se transformam em documentos definidos.

A avaliação desempenha nas mãos do professor outro papel básico que é significativo para o modelo social liberal conservador. É o papel disciplinador, é o uso do professor representando o sistema e enquadrando os educandos dentro das normativas socialmente estabelecidas. A gama conservadora da sociedade permite que se faça da avaliação um instrumento nas mãos do professor autoritário para hostilizar os alunos. Sendo que a autoridade assume sua postura e nas provas surgem as questões mais difíceis para pegar os alunos despreparados.

Não se pode admitir que a avaliação se confunda com juízo final, com repreensão, acerto de contas e que se funde no medo, porque esses medos gestados na escola por concepções conteudistas e repressoras da criatividade, só provocam pavor e conduzem a tragédia do imobilismo e da acomodação.

Luckesi afirma que já temos entre nós as manifestações da pedagogia libertária, representada pelos antiautoritários e auto gestionários e centrada na idéia de que a escola deve ser um instrumento de conscientização e organização política dos educandos. Esta pedagogia está centrada na idéia de igualdade de oportunidade para a educação e na compreensão de que a prática educacional se faz pela assimilação de conhecimentos para a transformação e pretende a humanização dos educandos e também, oferece ao educando os meios pelos quais ele possa ser sujeito desse processo e não objeto de ajustamento. Preocupa-se em ultrapassar o autoritarismo e estabelecer a autonomia ao educando com a participação democrática de todos.

Nos questionamentos sobre a avaliação escolar tem que tomar cuidado com o privilégio que vem fazendo em relação à análise quantitativa do desempenho do aluno, em prejuízo da análise qualitativa. Na análise qualitativa segundo Hoffmann 1994, se um aluno acertou quatro questões de uma prova, o que significa para o professor que o registra, para o aluno e o pai que recebe como resultado de um desempenho. A análise qualitativa pressuporia justamente a descriminação do seu significado, quais as questões que o aluno acertou? Qual a interpretação teórica do professor quanto às dificuldades apresentadas? Qual o procedimento do professor ou a orientação ao aluno no sentido de sua retomada e compreensão? As respostas a essas perguntas é que se constitui verdadeiramente em uma análise qualitativa do desempenho de um aluno.

Contrariamente, a grande maioria das escolas privilegia a análise quantitativa. Contudo, compreendemos que para transformar a avaliação exige-se transformar a prática pedagógica. Para isso a escola precisa ser resultante de um projeto coletivo e que esta deixe de ser instância de exclusão dos alunos originários da classe popular. Neste sentido, o projeto pedagógico da escola deve estar inserido no conjunto das transformações da sociedade para além de suas características autoritárias e antidemocráticas. Faz-se necessário, portanto, um processo avaliatório compatível com o projeto da escola. Para tanto, a avaliação deve estar comprometida com uma concepção pedagógica dialética, histórica e desalienada.

Temos observado que o sistema educacional funciona como uma verdadeira pirâmide. Neste, o processo de filtragem também ocorre através da avaliação tradicional e classificatória. Sendo assim, temos um grande desencanto e a conseqüente evasão escolar principalmente das camadas mais pobres da sociedade brasileira.

Hoffmann (1996) ainda diz que uma proposta pedagógica de não reprodução no ensino fundamental não pode ser entendida pelo professor como uma proposta de não avaliação. Compreende-se que os professores e a sociedade defendem a prática tradicional em nome de um ensino de qualidade, contudo estão sendo coniventes com um sistema político e não pretendem de fato ter escola para todos.

Para muitos professores, escolas e até sistemas de ensino é correto aprovar ou reprovar seus alunos através de simples e restritas mais decisivas provas. O que constitui esse poder de julgar? O que envolve o poder de avaliar? Acreditamos que quem pretende realizar qualquer tentativa de avaliação escolar não pode desconhecer certos pressupostos. Compreende-se que professores e educadores em geral precisam ter idéias claras a respeito do que seja uma avaliação e das suas finalidades. Precisam de critérios muito rígidos, critérios muito definidos e que são muito difíceis de estabelecer; como por exemplo, o critério da alfabetização da criança: o que é saber ler e escrever no final da 1ª série.

Acreditamos que a 1ª série do 1° grau deveria ser a porta de entrada para a escolarização, mas ao longo de décadas ela tem sido a porta que se fecha sistematicamente para pelo menos a metade das crianças em idade de alfabetização. Reprovadas elas continuam na escola repetindo as mesmas aulas e ocupando as vagas de outras crianças. E ainda a culpa era do próprio aluno que chegava na 1ª série sem estar preparado para a alfabetização.

               

 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

GAMA, Zacarias Jaegger. Avaliação na escola de 2° grau. Campinas, São Paulo: Papirus, 1993  

 

HOFFMANN, Jussara M. L. Avaliação mediadora uma prática em construção da pré-escola à universidade. 8ª ed. Porto Alegre: Mediação, 1996.

 

----------------- Avaliação: mito e desafio. Porto Alegre, RS: Educação e Realidade,1991

 

LUCKESI, C.C. Prática docente e avaliação educacional e escolar: Compreensão teórica, ensino e produção de conhecimento. São Paulo: ANPED, 1986.

 

-----------. Avaliação da aprendizagem escolar. 4ª ed. São Paulo: Cortez, 1994.

 

-----------. Avaliação educacional para além do autoritarismo. Revista A.E.C.,n° 60, 1986.

 

 


Autor: Shirley Terezinha Lino Gama


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