Elegância



Não é fácil conceituar-se elegância. Claro que não estamos interessados em definições, até porque não haveria maiores problemas em reunir os verbetes de alguns bons dicionários. Não. Refiro-me ao conceito em si, aquela idéia que compõe a essência do que seja elegância. Observando pessoas e condutas ditas elegantes, percebi que não se trata de riqueza ou status social. Até mesmo dentre jogadores de futebol há os que são, efetivamente , elegantes, em contrapartida aos que, e aqui entra outro conceito, mais se afinam como boleiros. Alguém que tenha visto Falcão jogando no auge da forma e da técnica compreenderá que o igualmente talentoso Toninho Cerezo certamente não forma a seu lado no quesito elegância. Curiosamente ambos tiveram o ápice das carreiras em um mesmo tempo e local, jogando em uma mesma equipe, a seleção brasileira de futebol. Falcão era elegante; Cerezo, bem, Cerezo era muito bom jogador. Na verdade, ambos foram craques. Mas Falcão era de uma elegância ímpar. Zinedine Zidane, creio eu, talvez tenha tido um brilho de elegância parecido com o de Falcão. Mesmo com a cabeçada no desbocado zagueiro da seleção italiana.
Mas, como disse, percebi que não se trata de quanto dinheiro o sujeito tenha, nem da altura em esteja na escala social. Tive oportunidade de observar, por anos, um senhor negro já muito idoso que trabalhava como faxineiro na rodoviária da cidadezinha em que vivi. Sem exceção, sempre que o via notava-lhe o ar de serena seriedade. Os gestos eram largos e sem muita agitação. O rodo passeava o pano pelo chão como que num ritual, sob o semblante sóbrio daquele homem muito alto e já um pouco envergado. Nunca soube sequer o seu nome. Mas jamais esquecerei a elegância com que desempenhava o seu mister.
Um faxineiro... Sim, por que não? Elegante como só ele. Por outro lado, vi engravatados que pareciam sofrer de seus ternos um autêntico estupro, constantemente buscando livrar-se do desconforto com que o tecido bem trabalhado roubava-lhe o bem estar. A grande maioria das pessoas eqüidista do elegante faxineiro e do desassossegado burocrata. De fato, assim como a grande maioria dos jogadores não têm nem a elegância de Falcão, nem a irreverência de Cerezo, muito menos o talento de um ou de outro.
Ainda mais interessante é que o indivíduo pode ser elegante ou não, independentemente da qualidade com que exerce sua profissão. Lembro-me de militares que envergavam o fardamento como se tivessem nascido dentro daquele disciplinado arranjo de cortes e dobras; no entanto, não eram bons em nenhuma das atividades desempenhadas em serviço. Sem dúvida havia os que só ficavam à vontade no fardamento de trabalho, aquele bem rústico, de tecido grosso e com fortes costuras. Esses, quando tinham que vestir as belas fardas destinadas a eventos cerimoniais, pareciam o nosso burocrata estuprado, conquanto no campo, em meio ao treinamento de maneabilidade, mostrassem-se exímios combatentes.
Também aqui a grande maioria fica no meio termo. O mundo não é feito de elegantes nem de desajeitados, assim como não se compõe apenas de incompetentes e de peritos, sejam esses elegantes ou não.
Mas voltemos ao tema proposto no início. Afinal, como poderíamos conceituar elegância?
Há quem a confunda com a sofisticação que determinadas profissões ou atividades, ou estudos, ou grupos sociais, enfim, que determinadas pessoas exibem. Novamente alerto que não estamos preocupados com definições de dicionário. A sofisticação que muitos exibem, na verdade constitui uma desenfreada jactância do próprio ego. Curiosamente aqui o fenômeno é diferente. Via de regra o elegante não precisa fazer esforço algum para ser... elegante. Já o sofisticado, meu Deus... Vive o sofrimento atroz de se colocar prisioneiro de uma infindável lista do que pode e do que não pode, do que é e do que não é... elegante...
Podemos dizer que a elegância traz sempre uma certa aura de sofisticação, eu diria à revelia do que queira demonstrar o elegante; já o sofisticado, conquanto reverencie arduamente a liturgia de uma pretensa elegância, termina sempre parecendo apenas vítima de sua arrogante insegurança. O nosso amigo sofisticado embriaga-se com o perfume de si mesmo, maquiando o medo de não parecer importante; o nosso amigo elegante tem uma indelével importância diante de todos, mesmo que não deseje ou sequer chegue a perceber que foi notado.
Bom, acho que não vou tentar conceituar elegância. Seria, no mínimo, deselegante...
Autor: Marco Aurélio Leite da Silva


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