Borbulhas obscuras de óleo



 

 Borbulhas obscuras de óleo

Poluiu, pagou!

Lester Brown

 

O Brasil está iniciando a maior exploração mundial de petróleo em águas profundas, denominada de pré-sal, mas não se preparou para esse evento bilionário. Em 7 de novembro de 2011 ocorreu um vazamento de pequenas proporções na Bacia de Campos, em um poço explorado pela Chevron distante 370 quilômetrosda costa, denominado Campo de Frade, com reservas estimadas em até 300 milhões de barris. Foram cerca de 3 mil barris de petróleo de acordo com a Chevron e 15 mil de acordo com as autoridades do Rio de Janeiro. O óleo derramado a 120 quilômetrosda costa fluminense, criou uma mancha que se espalhou por 160 Km2 de mar e por certo causou danos à biodiversidade local.

 

Este acidente revelou o estado de penúria do Estado brasileiro e da segunda maior empresa de petróleo dos Estados Unidos em relação a um plano de ações para combates a acidentes desse tipo. Uma sucessão de erros, omissões e irregularidades amadoras vieram à tona dia após dia, sinalizando que se o vazamento tivesse maiores proporções, os danos ambientais seriam de grande monta. Inicialmente a Chevron informou que o derrame deveu-se a uma rachadura no solo do oceano, um fenômeno natural, e que havia no local 17 navios em operação emergencial para conter o vazamento, mas na realidade só havia uma embarcação no local.

 

As mentiras da Chevron foram desconstruídas pela Polícia Federal do Brasil. Instaurou-se um inquérito que pode condenar os responsáveis por crime de poluição com penas que variam de um a cinco anos de reclusão. Os engenheiros da Chevron alegaram à Polícia Federal que simplesmente não haviam recebido treinamento para reparar vazamentos. O presidente da Chevron, já em completo descrédito, afirmou que houve subestimação da pressão do reservatório quando da perfuração do poço.

 

Na realidade, houve demora e sonegação de informações no Frade, por mera coincidência, sinônimo de confraria, irmandade, ordem. A petroleira pretendia ganhar tempo e só expor as dimensões do acidente após resolvê-lo, mas teve dificuldades na cementação do poço.

 

A Chevron está no ranking das dez maiores empresas mundiais em receitas e está no Brasil desde 1915, junto com aTexaco coma qual se fundiu em2001. Aempresa já se envolveu em inúmeros desastres ambientais. Entidades defensoras do meio ambiente contabilizam 304 acidentes da Chevron entre 1989 e 1995. Entre os anos de 1972 e 1992 derramou 68 milhões de litros de materiais tóxicos em fossas e rios amazônicos no norte do Equador, que contaminou 2 milhões de hectares da Floresta Amazônica. Foi multada em US$ 8,6 bilhões, mas recorreu por meio de uma plêiade de advogados que tentam protelar qualquer pagamento ou ação de remediação. 

 

Peritos da Polícia Federal que investigaram o vazamento constataram que a empresa Contecom, contratada pela Chevron para tratar os resíduos do acidente, recebeu 80 mil litros de óleo e água mas não tinha autorização para tratá-los. Além disso, detectaram que o local não possuía condições adequadas de armazenamento e alguns resíduos escaparam para a rede de esgotos. Verificaram também que a sonda utilizada no poço tinha capacidade para perfurar até 7,6 mil metros, talvez uma forma de atingir o pré sal de forma ilegal. Outra irregularidade detectada foi a presença de trabalhadores estrangeiros na plataforma do Frade, sem o conhecimento formal das autoridades brasileiras.

 

Na realidade o vazamento foi primeiro percebido pela Petrobrás, que também faz parte do pool de empresas que exploram o Frade. A BR emprestou equipamentos que permitem observar a até1200 metros de profundidade. Isto permitiu os primeiros trabalhos de identificação do problema e de contenção da mancha na lâmina d’água.

 

O processo de abertura do poço estava sendo executado pela Transocean, a mesma companhia que envolveu-se em 2010 no maior vazamento de óleo dos EUA, ocorrido no Golfo do México, na plataforma Deepwater Horizon, explorada pela empresa britânica British Petroleum - BP. Esse acidente lançou 5 milhões de barris no mar, destruiu a plataforma de perfuração e deixou 11 mortes, 17 feridos e muita degradação ambiental. Os custos desse acidente em recuperação de áreas litorâneas, compensações à indústria da pesca e gastos com fechamento do poço já alcançaram a safra de US$ 20 bilhões.  

 

A tecnologia que levou a Petrobras e a engenharia brasileira a ser considerada a empresa de melhor know-how e líder em exploração de petróleo em águas profundas não propiciou ao país avanços proporcionais em segurança, planejamento e políticas de prevenção. As empresas do setor investem pesado em exploração e produção mas muito pouco em tecnologias e sistemas de prevenção de acidentes.

 

No Brasil como em muitos países, a fiscalização é frouxa, os métodos de exploração obsoletos, as análises sísmicas incompletas. O país não possui cultura de proteção ambiental preventiva, sempre considerada um entrave, uma chatice e geradora de custos. Mas as discussões sobre divisão dos royalties do pré sal, que só virão daqui a no mínimo cinco anos, estas sim tem prioridade máxima na agenda dos poderes públicos.

 

A multa máxima aplicada a crimes ambientais no Brasil é de R$ 50 milhões, valor irrisório se comparado a países desenvolvidos, e que não intimida a mega empresa petrolífera Chevron, que só em 2010 faturou US$ 198 bilhões. A título de exemplo, a BP recebeu uma multa do governo americano de US$ 20 bilhões pelo vazamento no Golfo do México em 2010. Mas a maior punição vem do mercado, quando a pressão da sociedade organizada, mobilizada pela defesa de seu patrimônio ambiental, faz cair a credibilidade e o valor de ações de empresas envolvidas em acidentes, obrigando-as a aumentar seus aportes e seu planejamento preventivo em segurança.

 

A poluição por petróleo fez o Ibama lavrar 93 multas desde 2001, em um total de R$ 57,3 milhões, mas apenas uma delas foi paga, no valor de R$ 200 mil. As restantes 92 multas, todas de empresas do grupo Petrobras, estão em discussão judicial, sendo que 4 delas foram depositadas em juízo.

 

O Brasil não possui um plano de defesa civil e ambiental contra eventos extremos. O atual cenário é deveras cômodo, exceto para os que vivem no entorno dos campos petrolíferos.  O Plano Nacional de Contingência, aprovado por lei desde 2000 não está regulamentado e há um vazio legal nessa área. Esse plano deve definir e apurar responsabilidades e atribuições de órgãos governamentais e privados.  Em casos de acidentes, prevê-se o acionamento imediato de um comando unificado integrado pela ANP, Ibama e Marinha.

 

A Agência Nacional do Petróleo - ANP, órgão responsável por regular e fiscalizar a exploração e produção de óleo no país, tem um orçamento anual de inexpressivos R$ 8 milhões para essas atividades.  No seu quadro funcional há apenas 13 servidores para vistoriar todo setor petrolífero nacional. Para as ações de fiscalização não ocorrem incursões de surpresa para flagrar irregularidades, visto que, por contrato, a ANP avisa a empresa petrolífera e esta disponibiliza um helicóptero para deslocamento de fiscais até a plataforma. No caso do Frade, a agência esteve no local somente 9 dias após o  vazamento, mas desaparelhada.  

 

As atividades de exploração de petróleo da Chevron no Brasil foram suspensas pela ANP, que interditou também um dos dez poços produtores de petróleo da companhia no Frade, devido a omissões quanto a existência de H2S (gás sulfídrico), produto altamente letal e contratualmente proibido de ser explorado. A Chevron nem sequer apresentou o plano de análise de risco para operação de segurança, requisito fundamental nesses casos.

 

A atividade de exploração de petróleo em águas profundas é intensa, de alto risco e vazamentos podem acontecer. De acordo com o Ibama,  ocorrem cerca de 30 pequenos vazamentos de óleo por ano nos quase 9 mil poços existentes no país. O que se faz necessário é aparelhar o Estado com ferramentas de gerenciamento para combater de forma eficiente e preventiva possíveis acidentes.

 

O Brasil deve mais que dobrar sua atual produção de 2,2 milhões de barris por dia até o ano de 2020, por conta do pré sal. Essa exploração desde o Espírito Santo até Santa Catarina vai a mais de 6 mil metros mar abaixo, o que aumenta sobremaneira o grau de complexidade da operação como também os riscos de graves acidentes, dado o noviciado da empreita. Segundo o Greenpeace, a exploração do pré sal vai transformar o país de sexto a terceiro maior contaminador do mundo,  atrás apenas dos Estados Unidos e da China.

 

Atualmente o país está órfão de ferramentas de prevenção, contenção ou remediação de vazamentos. Há males que vêm para o bem. Que esse acidente no Frade crie o ambiente político favorável para  desenterrar o Plano Nacional de Contingência e as regulamentações necessárias para um novo e voluptuoso ciclo econômico que se inicia com a exploração do pré sal. Faz-se necessário agir rapidamente, com ética e responsabilidade para preparar o arcabouço legal que envolve licenciamento, monitoramento, fiscalização, multas e medidas fortes de segurança.  Afinal, a máxima que deve valer em países sérios é: prepare-se, planeje-se, mas se poluir pague!

 


Autor: Rodnei Vecchia


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