Fatores psicossociais na depressão infantil: realidade ou mito nos dias atuais?



 

 

FATORES PSICOSSOCIAIS NA DEPRESSÃO INFANTIL: REALIDADE OU MITO NOS DIAS ATUAIS?

 

Ana Paula da Silva da Conceição

 

 

 

 

 

Resumo

A depressão infantil tem acometido um número cada vez maior de crianças em todo o mundo. Esse artigo visa abordar os fatores psicossociais na depressão infantil nos dias atuais bem como os aspectos epidemiológicos, etiológicos, clínicos e terapêuticos. Foram entrevistadas três psicólogas clínicas que atuam no acompanhamento psicológico de crianças que apresentam depressão infantil na cidade de Campo Grande – MS. Utilizou-se para a realização dessa pesquisa o método qualitativo onde os dados foram colhidos através de entrevista semi-estruturada. Constatou-se que a depressão infantil tem características e sintomas bastante particulares que diferem significativamente da depressão que se manifesta em um adulto bem como que a rotina da criança atual com sua carga de exigência pelo bom desempenho está intimamente relacionada ao aparecimento da depressão infantil.

 

Palavras chave: Depressão Infantil; Fatores Psicossociais; Dias atuais.

 

INTRODUÇÃO

 

A depressão tem sido um tema bastante abordado e discutido nos últimos anos, onde a grande maioria da população já adquiriu algum conhecimento sobre o assunto.

Há muitas bibliografias que discorrem sobre depressão e a trata frequentemente como um mal que atinge o adulto, porém curiosamente nos últimos anos a depressão tem atingido de maneira significativa uma outra faixa etária: as crianças.

A palavra depressão vem do latim depremere e significa pressionar para baixo. A palavra foi aplicada para se referir à depressão mental significando então rebaixamento do estado de espírito de pessoas que padecem de alguma doença (MELEIRO apud HORIMOTO, 2005).

Conforme descrito no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM-IV-TRTM (2003) o transtorno depressivo maior caracteriza-se por um ou mais episódios depressivos maiores e pelo menos duas semanas de humor deprimido ou perda de interesse, acompanhados por pelo menos quatro sintomas adicionais de depressão.

A Classificação de Transtornos Mentais de Comportamento, CID-10 descreve 3 tipos de episódios depressivos sendo eles classificados em leve, moderado e grave apresentando em comum os seguintes sintomas: humor deprimido, perda de interesse, prazer e energia reduzida levando a uma fatigabilidade aumentada e atividade diminuída, cansaço marcante após esforços apenas leves.

Adicionalmente, a CID-10 (1993) pontua para episódios depressivos sintomas como concentração e atenção reduzidas, auto-estima e autoconfiança reduzidas, idéia de culpa e inutilidade, visões desoladas e pessimistas do futuro, idéias ou atos autolesivos ou suicídio, sono perturbado e apetite diminuído.

A depressão ao longo dos anos sempre foi tratada como uma psicopatologia que acometia preferencialmente adultos. Nos dias atuais tem sido significativo o número de crianças em clínicas, instituições e centros de apoio voltados à infância que apresentam quadros depressivos e que realizam tratamento psicológico e psiquiátrico.

Crianças com um quadro depressivo encontram-se frequentemente isoladas, retraídas, por vezes apresentam calma excessiva sendo a agitação mais frequente além da instabilidade, condutas auto ou heteroagressivas, dificuldades com o sono com presença de pesadelo, distúrbio do apetite, descuido com a higiene pessoal, vestuário, oscilação de humor com alternância de estados de agitação eufórica e, depois, de choros silenciosos (MARCELLI, 1998).

Segundo Pereira & Amaral (2004) o diagnóstico da depressão infantil ainda é difícil de ser realizado, devido as suas variáveis funcionais e a justaposição que tem com outras psicopatologias da infância.

Nos dias atuais os pais tem se preocupado muito com a educação de seus filhos e pecam muitas vezes pelo excesso de atividades culturais e intelectuais que inserem na rotina de seus filhos.

Além da sobrecarga diária de atividades, as crianças ainda têm que enfrentar as exigências e expectativas de seus pais em relação ao seu desempenho fazendo com que a vida dessas crianças muito precocemente venha a ser uma constante pressão e frustração quando não atingem os objetivos estimados pelos pais.

Todas essas questões somadas a tantas outras relativas à vivência de perdas, separação dos pais, vão fazendo com que essa criança seja potencialmente vulnerável a desenvolver um quadro depressivo, apresentando prejuízo em seu desenvolvimento social, emocional e psíquico onde os pais, familiares, e escola não sabem em sua grande maioria como lidar ou nem mesmo detectar comportamentos característicos da depressão infantil.

Em estudos recentes, constatou-se que a taxa de prevalência de maior depressão em crianças apresentou um índice que varia de 0,4 a 3,0% (BAHLS, 2002 apud CRUVINEL & BORUCHOVITCH, 2008). Em idade escolar (Miller, 2003 apud Cruvinel & Boruchovitch, 2008) aponta que 2,5% das crianças em idade escolar apresentam depressão.

Diante do que foi exposto o presente artigo visa, portanto, fazer um estudo que delineie as características da depressão infantil, suas particularidades, tipos, etiologia, tratamento bem como investigar os fatores psicossociais da depressão infantil nos dias atuais acentuando a crescente incidência da depressão infantil na atualidade.

Este artigo é de grande relevância para a Psicologia por abordar um assunto que nos últimos anos tem ganhado bastante importância e por acometer um número cada vez maior de crianças a cada dia.

A pesquisa realizada visa contribuir para melhorar os atendimentos clínicos, atendimentos em instituições ou mesmo em centros de apoio psicossocial Infantil no que se refere a uma melhor compreensão das manifestações da depressão infantil, sua etilogia, sua incidência, aspectos clínicos, a realização do psicodiagnóstico e tratamento.

Para futuros profissionais da saúde que irão ter como clientela a criança, esse trabalho tem por finalidade contribuir para uma melhor formação profissional.

Considerando que a pesquisa envolve seres humanos, o projeto de pesquisa está embasado nas Resoluções de Conselho Nacional de Saúde (CNS 196/96) conferidas pela lei número 8.080, de 19 de Setembro de 1990 e pela lei número 8.142 de Dezembro de 1990 e pela Resolução do Conselho Federal de Psicologia (CFP 016/2009) tendo sido aprovado pela Comissão de Ética com protocolo de nº 058/2010.

 

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

 

O presente artigo foi realizado no intuito de pesquisar alguns aspectos da depressão infantil a partir dos discursos de profissionais da área de psicologia.

Na realização desse artigo foi utilizada a pesquisa qualitativa. A pesquisa qualitativa costuma ser direcionada ao longo de seu desenvolvimento; não busca enumerar ou medir eventos e geralmente, não emprega instrumental estatístico para análise de dados; seu foco de interesse é amplo e parte de uma perspectiva diferenciada da adotada pelos métodos quantitativos. Dela faz parte a obtenção de dados descritivos mediante contato direto e interativo do pesquisador com a situação objeto de estudo, procura entender os fenômenos pela perspectiva dos participantes (NEVES, 1996).

A pesquisa qualitativa visa análise de casos concretos em sua particularidade temporal e local, partindo das expressões e atividades das pessoas em seus contextos locais. A pesquisa qualitativa está, portanto, em condições de traçar caminhos para a Psicologia (FLICK, 2004).

Participaram da pesquisa 3 psicólogas que atuam em clínica no acompanhamento psicológico de crianças que apresentam depressão infantil na cidade de Campo Grande – MS que foram denominadas entrevistada1, entrevistada2 e entrevistada3.

Entrevistada1, profissional do sexo feminino, psicóloga clínica e docente do

curso de psicologia da Universidade Anhanguera – Uniderp da cidade de Campo Grande –MS.

Entrevistada2, profissional do sexo feminino, psicóloga clínica e psicóloga do Centro de Apoio Psicossocial Infantil (CAPS i) da cidade de Campo Grande – MS.

Entrevistada3, profissional do sexo feminino, psicóloga clínica e docente do curso de psicologia da Universidade Anhanguera – Uniderp da cidade de Campo Grande-MS.

Para o desenvolvimento desse artigo foi realizada entrevista semi- estruturada composta por 3 questões que levantavam os seguintes aspectos: a relevância da depressão infantil nos consultórios, os sintomas mais presentes e comuns e os fatores psicossociais que tem favorecido o surgimento da depressão infantil nos dias atuais.

As entrevistas ocorreram no decorrer do mês de agosto do ano de 2010 sendo realizadas individualmente em dias distintos com 3 psicólogas em seus respectivos consultórios. O conteúdo das entrevistas foi gravado e posteriormente transcrito na íntegra sendo analisado a partir do referencial teórico contido no artigo.

A participação das psicólogas contou com a concordância das mesmas por meio das assinaturas do termo de consentimento livre e esclarecido.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

 

 

 A Depressão e seus aspectos epidemiológicos, etiológicos e clínicos

 

 

A depressão é uma das patologias psiquiátricas mais comuns sendo conhecida em todas as culturas. Atinge uma parcela significativa da população independente de etnia, sexo ou idade tornando-se fator de maior prejuízo pessoal, funcional e social da atualidade (SOUZA, FONTANA, & PINTO apud HORIMOTO, 2005).

Ao longo da vida, uma em cada vinte pessoas é acometida por episódio depressivo grave. De cada cinquenta casos de depressão, um necessita de internação e 15% dos deprimidos graves suicidam-se (HORIMOTO, 2005, p.9).

 

A estatística citada acima vem demonstrar o quanto a depressão está presente em nossa sociedade necessitando de um olhar mais crítico já que em estados graves da doença o indivíduo pode cessar sua própria vida.

 

Estudos epidemiológicos mostram que os transtornos depressivos são estimados em torno de 2 a 5% da população geral (ALMEIDA, DRACTU & LARANJEIRA, 1996 apud HORIMOTO, 2005, p.1).

 

Segundo (Souza, Fantana, & Pinto apud Horimoto, 2005) a Organização Mundial de Saúde em estudos constatou que em países membros a depressão é a primeira causa de todas as incapacidades com 10,7%, seguida da anemia com 4,7%.

Para Assumpção (2004), a depressão não se refere apenas a uma patologia caracterizada prioritariamente por humor deprimido, mas sim a um complexo sindrômico caracterizado por alterações de humor, de psicomotricidade, como também por uma série de distúrbios somáticos e neurovegetativos que acompanham o quadro.

De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM-IV-TRTM (2003), os sintomas que caracterizam um episódio depressivo maior presente em todos os tipos de depressão são os seguintes: por um período de no mínimo 2 semanas o indivíduo deve apresentar humor deprimido, perda de interesse e prazer por quase todas as atividades. Deve experimentar também pelo menos quatro sintomas adicionais que podem ser alterações no apetite ou peso, sono e atividade psicomotora, diminuição da energia, dificuldades para pensar, concentrar-se ou tomar decisão, pensamento recorrentes sobre morte ou ideação suicida, sentimentos de desvalia ou culpa, tentativas de suicídio.

Os sintomas descritos acima são de extrema importância para o diagnóstico do quadro depressivo, haja visto que cada quadro é composto por determinados sintomas, ou seja, nem sempre o indivíduo com depressão manifestará todos os sintomas apontados pelo manual diagnóstico.

Segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM-IV-TRTM (2003), quanto à depressão esclarece que para um episódio depressivo maior os sintomas devem persistir na maior parte do dia, praticamente todos os dias por pelo menos 2 semanas consecutivas.  Deve ser acompanhado por sofrimento ou prejuízo significativo no funcionamento social, profissional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo além de pontuar que os sintomas não se devam aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância por abuso de droga ou medicamento, condição médica geral ou associado à perda de um ente querido, portanto relacionado ao luto.

A depressão pode ser classificada em três intensidades: leve, moderada e grave. Quando leve caracteriza-se por uma sintomatologia que não atrapalha a rotina do paciente. Este percebe que suas atividades já não lhe trazem prazer, mas com um pouco de determinação consegue manter de forma razoável suas atividades habituais (SOUZA, FONTANA & PINTO apud HORIMOTO, 2005).

Quando a depresão se manifesta em intensidade leve muitas vezes é ignorada já que a pessoa supõe ser algo passageiro.

Na classificação moderada, o indivíduo apresenta dificuldades na manutenção da vida diária; o indivíduo percebe que precisa empenhar-se mais para manter suas atividades, não consegue ficar bem e tem pouca satisfação com eventos antes agradáveis. Já na classificação de intensidade grave a depressão se manifesta em grau maior limitando muito a vida da pessoa que chega a vivenciar uma condição de estupor onde cerca de 15 a 20% dos doentes apresentam alguma conduta suicida, os impedimentos são maiores levando a uma incapacitação permanente (SOUZA, FONTANA & PINTO apud HORIMOTO, 2005).

Para Fontana (2005) os pacientes gravemente deprimidos podem apresentar sintomas psicóticos, tais como alucinações auditivas, cenestésicas e delírio secundário (de ruína, pecado) ou de autoreferência.

Adicionalmente, Fontana (2005) fala que a depressão caracteriza-se pela lentificação dos processos psíquicos a linguagem do paciente depressivo torna-se um tanto monótona, monocórdica ou sussurrada. O aspecto geral é de uma pessoa envelhecida, com os ombros caídos e encurvados para frente, tem a marcha geralmente lenta, arrastada e insegura.

Uma das maiores dificuldades encontradas pelas pessoas deprimidas está muitas vezes relacionada à própria cultura ocidental que de forma implícita tem maior aceitação pela expressão de sofrimento das mulheres do que pela manifestação de sofrimento dos homens como se esse direito fosse negado a eles. Por essa razão, compreende-se o fato de que as mulheres procuram tratamento com antecedência enquanto os homens sempre buscam ajuda quando o quadro da doença já se encontra agudo ou crônico (SOUZA, FONTANA & PINTO apud HORIMOTO, 2005).

Estudos apontaram ao longo dos anos que há uma prevalência da depressão em familiares confirmando o fator genético como algo que predispõe o indivíduo a ter um transtorno depressivo tendo também apontado a hipótese de que há um déficit de alguns neurotransmissores tais como noradrenalina e serotonina nas terminações nervosas através do cérebro que predispõe o indivíduo a desenvolver a depressão (MELEIRO apud HORIMOTO, 2005).

Conforme estudos apresentados no parágrafo anterior, percebe-se que tanto o fator genético como o funcionamento neuroquimíco cerebral devem ser considerados já que muito influenciam para o desenvolvimento de um quadro depressivo.

Meleiro apud Horimoto (2005) esclarece que vários estudos apontam que uma vida estressante leva ao aumento do risco de depressão, fatores como gênero, genética, história prévia de depressão, idade, estado marital e personalidade estão relacionados à etiologia da depressão.

Quanto ao tratamento dos transtornos do humor, Fontana (2005) esclarece que em qualquer caso clínico é necessário o tratamento medicamentoso e psicoterápico sendo um complemento do outro, onde o psiquiatra se incumbe de tratar a doença, enquanto o psicoterapeuta ocupa-se com o doente, com o indivíduo que sofre. A eficiência do tratamento psicoterápico dependerá muito do paciente com sua realidade clínica.

 

 

 Depressão Infantil e seus aspectos clínicos e terapêuticos

 

 

A depressão infantil é um transtorno que tem acometido cada vez mais precocemente as crianças dos dias atuais, mas segundo Fichtner (1997), foi somente a partir de 1970, após o 4º Congresso da União Européia de Psiquiatria Infantil ocorrido em 1983, que os estados depressivos da criança começaram a ser valorizados como problemática psiquiátrica.

A constatação do teórico sobre o acometimento precoce da depressão recebeu destaque na entrevista conforme fragmento abaixo:

 

A depressão vem surgindo mais em crianças com 2 anos, que era uma coisa mais rara, agora tem acontecido com mais frequência (Entrevistada2).

 

Pearce, em 1978, constatava que 25% das consultas psiquiátricas da infância evidenciavam manifestações depressivas e outros autores nessa mesma época já afirmavam que do ponto de vista epidemiológico a incidência de episódios depressivos em crianças era equivalente ao de adultos (FICHTNER, 1997).

Quanto à incidência, Miller (2003) descreve que 2,5% das crianças em idade escolar e 8,5% dos adolescentes apresentam transtornos depressivos. Diversos estudos apontam índices mais altos de prevalência de sintomatologia depressiva na infância (CRUVINEL & BUROCHOVITCH, 2008).

 

As desordens depressivas em crianças e adolescentes são associados frequentemente a prejuízo do comportamento psicossocial e baixa do rendimento escolar (PEREIRA & AMARAL, 2004,P.7)

 

Os sintomas mais característicos da depressão na infância são o humor disfórico persistente, uma apática perda de interesse ou prazer, dificuldades para dormir, perda de apetite e retardo psicomotor sendo de prevalência comum em crianças de ambos os sexos. A duração média de um episódio depressivo é de cerca de 8 meses, a maioria das crianças recuperam-se em 18 meses sendo a taxa de recidiva num período de 5 anos cerce de 70% ((FICHTNER, 1997).

Os sintomas são também colocados pela entrevistada1 conforme fragmento: Tristeza, não querer ir à escola, hiperatividade, baixo rendimento escolar.

 

Estudiosos concordam com o fato de que a depressão traz uma série de prejuízos à vida diária da criança e do adolescente, comprometendo seriamente suas relações familiares e sociais (CRUVINEL & BORUCHOVITCH, 2008, p.575).

 

O fragmento a seguir da entrevistada3 ainda complementa a fala do teórico quando diz:

 

As crianças têm comportamento que denotam uma ansiedade extrema, uma inquietação, dificuldade de relacionamento com os pais, com os coleguinhas e mesmo com irmãos e familiares.

 

Há um risco aumentado para a depressão em crianças, quando ocorre depressão nos pais jovens, quando ambos os pais são psiquiatricamente doentes ou muitos parentes de primeiro grau dos pais têm transtorno depressivo maior ou algum transtorno psiquiátrico (WEISSMAN apud FICHTNER, 1997).

A experiência da perda pode contribuir de maneira causal para os distúrbios depressivos de três formas: a) como agente provocador que aumenta o risco do distúrbio se desenvolver; b) como fator de vulnerabilidade que aumenta a sensibilidade individual a esses acontecimentos; c) como um fator que influencia tanto a gravidade como a forma de qualquer distúrbio que se possa desenvolver (BROWN & HARRIS apud BOWLBY, 1998).

Pode-se falar do aparecimento da depressão infantil desde os primeiros anos de vida, estando esta manifestação associada a falhas na relação mãe-bebê, tais como transtorno do vínculo, privação materna, abandono infantil e psicopatologia dos pais. O quadro depressivo nessa fase da vida nada mais é que uma resposta adaptativa por parte do bebê aos estímulos ambientais que recebe (FICHTNER, 1997).

Falhas na relação mãe-bebê podem levar a criança a uma grande fragilidade e carência predispondo-a precocemente ao desenvolvimento de diversos quadros clínicos tais como a depressão.

De acordo com Fichtner (1997) a depressão anaclítica é caracterizada por privação emocional parcial. Crianças com tal problemática manifestam a partir dos seis meses, choro, retraimento, perda de peso, insônia, vulnerabilidade a infecções recorrentes, retardo e diminuição do grau de desenvolvimento psicológico e intelectual, rigidez com face inexpressiva, imóvel e olhar ausente, contato humano difícil e, por vezes, impossível.

De acordo com o DSM-IV (2003), as crianças apresentam uma ligação social acentuadamente perturbada e inadequada, geralmente crianças que passam por muitos pais adotivos não construindo vínculos. A criança passa por negligência das necessidades básicas em nível de conforto, estimulação e afeto. São crianças com choro fácil, hipersonia, apatia, hipotonia muscular, hipomotilidade e reflexo de sucção débil (FICHTNER, 1997).

Adicionalmente, Fichtner (1997) esclarece que em torno de 50% das crianças com transtorno reativo afetivo apresentam o transtorno associado a alterações renais, cardíacas, metabólicas, neurológicas ou desnutrição e infecções crônicas. Esses quadros são facilmente encontrados na clínica pediátrica e comumente não são diagnosticadas como manifestações depressivas.

Lewis & Wolkmar (1993) comentam que crianças depressivas em idade escolar ficam tristes, apresentam pouco interesse, choram, se sentem rejeitadas podendo apresentar acessos de raiva, comportamento agressivo e sintomas que sugerem transtorno de conduta além de sintomas somáticos como dores de estômago.

A criança pode sentir-se não amada e desvalorizada. A vida escolar pode tornar-se mais árdua para a criança e ela começar a decair academicamente (LEWIS & WOLKMAR, 1993).

Entre as classificações da depressão infantil em período escolar tem-se a depressão situacional. Esta se caracteriza como uma manifestação a situações traumáticas desencadeadas por intensificação do estresse ou por perdas significativas tais como a morte de um ente querido, a perda de um amigo, o nascimento de um irmão ocorrendo freqüentemente em crianças que passaram por grande grau de carência muito precocemente (FICHTNER, 1997).

A depressão situacional é um quadro bastante vivenciado pelas crianças caracterizado por um curto espaço de tempo onde a mesma apresenta um humor deprimido.

 Outro quadro de depressão infantil descrito é denominado síndrome orgânica depressiva. Esta se caracteriza por ser uma reação a uma determinada enfermidade orgânica, como doenças neurológicas, endócrinas e infecciosas, entre outras. Nesses quadros é fundamental o diagnóstico diferencial psiquiátrico para que não se inicie um tratamento psicológico erroneamente quando o diagnóstico real diz respeito a uma doença de caráter orgânico (FICHTNER, 1997).

A depressão infantil primária caracteriza-se por estar geralmente associada a uma história de desajustamento social pré-mórbido da criança bem como a um histórico de depressão recorrente. Nessa classificação a criança é bastante passiva não apresentando agressividade, apresenta fraco desempenho escolar, baixa auto-estima, alto nível de desatenção além de apátia (FICHTNER, 1997).

 

A Depressão Infantil Primária tem prevalência de 2% da população infantil com predominância masculina (FICHTNER, 1997).

 

Ocorre também o quadro que se denomina Depressão Mascarada. Caracteriza-se por expressar-se através do corpo com manifestações tais como sintomas psicossomáticos, enurese, encoprese, distúrbio de conduta, ansiedade de separação, recusa escolar, fobias, entre outros sintomas que se manifestam em comorbidade. (FICHTNER, 1997).

Segundo Fichtner (1997) a Depressão Mascarada muitas vezes tem como característica as formações reativas que são sintomas opostos aos quadros de depressão, como comer e/ou dormir excessivamente.

 

As súbitas mudanças de comportamento na criança são de extrema importância pelo caráter episódico, tendo de ser considerado, sobretudo, quando a conduta se altera abruptamente, de modo inexplicável. Assim, crianças antes adequadas e adaptadas socialmente passam a apresentar condutas irritáveis, destrutivas e agressivas, com a violação de regras sociais anteriormente aceitas (ASSUMPÇÃO, 2004 p.38).

 

Referente aos sintomas da depressão as entrevistadas complementam dizendo:

As crianças estão apresentando sintomas que não são percebíveis como oscilação de humor, irritabilidade, impulsividade, elas se isolam, não possuem aquele humor deprimido típico, mas apresentam a oscilação mais para o lado da irritabilidade do que para depressão (Entrevistada 2).

 

Irritabilidade, agressividade, inquietação, comportamentos que denotam uma ansiedade extrema. Não uma depressão apenas com aquele detalhe da tristeza e da falta de vontade de fazer as coisas, mas ela vem acompanhada muito de uma ansiedade e de uma agressividade (Entevistada3).

 

Conforme a fala das entrevistadas acima se constata que a depressão infantil se manifesta de uma maneira oposta ao que se espera de um quadro depressivo, ao invés de tristeza e apatia as crianças geralmente se tornam agressivas, impulsivas e irritadiças.

 

A criança é levada ao psiquiatra da infância muito mais por suas condutas inadaptadas e disruptivas do que por seu próprio sofrimento. (ASSUMPÇÃO, 2004).

Monteiro e Lage, apud Cruvinel & Boruchovitch, 2008) ressaltam que é preciso muita cautela, não só no diagnóstico da depressão, já que nem toda manifestação de tristeza deve ser considerada como patológica, mas também no seu tratamento, que deve primar pela singularidade da criança, e não apenas à sintomatologia apresentada.

O tratamento de crianças com transtorno depressivo maior compreende psicoterapia e o uso de medicações antidepressivas, particularmente drogas tricíclicas como imipramina e desipramina sendo a psicoterapia cognitiva bastante indicada (AMBROSINI apud LEWIS &WOLKMAR, 1993).

Pais de crianças depressivas devem ser orientados a respeitar o nível operacional de seus filhos e suas necessidade emocionais, estimulando-os para realização de atividades gratificantes e de sucesso no intuito de sentirem-se mais competentes e com menos medo de serem ridicularizados. Essa atitude levará a criança a uma melhor auto-estima e a uma melhor competência social (FICHTNER, 1997).

Dependendo do grau de disfuncionalidade parental, o enfoque terapêutico pode ir do aconselhamento à terapia de pais, seja em nível de casal ou de grupo operativo; em casos mais graves aconselha-se terapia familiar visando melhora da auto-estima e competência do casal já que chegam aos consultórios com sentimento de culpa muito grande (FICHTNER, 1997).

A escola por sua vez deve cumprir seu papel no sentido de melhorar a competência da criança e diminuir a rejeição grupal em relação a ela. É preciso ir muito além do tratamento psicoterápico e fármacológico, é necessária a contribuição da escola no sentido de promover esse “aluno problema”, levando-o a realizar atividades no qual ele goste e apresente habilidades, seja esporte, teatro, pintura, tudo no intuito de levantar a auto-estima da criança e fazê-la se sentir mais competente e capaz (FICHTNER, 1997).

Quando o tratamento em quadros de depressão infantil é realizado por uma equipe multiprofissional bem como a contribuição essencial da família e escola mais eficaz se torna levando a criança a uma recuperação mais breve.

Segundo Fichtner (1997), é preciso ir muito além do tratamento psicoterápico e fármacológico, é necessária a contribuição da escola no sentido de promover esse “aluno problema”, levando-o a realizar atividades no qual ele goste e apresente habilidades, seja esporte, teatro, pintura, tudo no intuito de levantar a auto-estima da criança e fazê-la se sentir mais competente e capaz.

 

 

2.3 Aspectos Psicossociais da Depressão Infantil

 

 

Segundo Marcelli (1998), é muito frequente constatar a existência de perda ou separação no histórico de vida de uma criança depressiva. Estas perdas podem ser reais tais como: falecimento de um dos pais ou de ambos, de um adulto próximo à criança como avô, separação brutal e completa tendo como causa o desaparecimento; separação dos pais, perda ou afastamento de um irmão, podendo ser pelo afastamento da própria criança por razões como hospitalização, internação de custódia ou institucional.

A depressão na criança pode surgir quando os pais não conseguem satisfazer as necessidades básicas dos filhos como amor, carinho, e apoio (BAPTISTA & ASSUMPÇÃO, 1999 apud CRUVINEL & BORUCHOVICH, 2009). Frequentemente crianças depressivas vivem em um ambiente familiar caracterizado por hostilidade, excesso de críticas e rejeição, onde há presença de conflitos conjugais, depressão de um dos pais e agressividade entre o casal (CRUVINEL & BORUCHOVICH, 2009).

A entrevistada 3 corrobora a fala do teórico acima conforme fragmento abaixo:

 

Como fatores desencadeantes a gente pode pensar nos aspectos afetivos, na qualidade de vida e de relacionamento que essa criança, pais e familiares estão tendo. Os pais parecem estar pouco preparados e pouco disponíveis para atender as necessidades das crianças e aí isso serve como fator bastante importante para o desencadear da depressão na criança, então as crianças se sentem sozinhas, elas não conseguem obter a atenção que elas precisam, se sentem desamparadas.

 

A frequência de antecedentes de depressão dos pais, em particular da mãe podem fazer com que a criança desenvolva depressão por meio do mecanismo de identificação com o genitor deprimido; a criança pode ter um sentimento de que a mãe é inacessível e, indisponível e que a criança é incapaz de consolá-la, gratificá-la ou satisfazê-la vivendo intensa frustação e culpabilidade (MARCELLI, 1998).

A respeito dos fatores sociais de risco que podem levar ao desencadeamento da depressão na infância estão:

 

As mudanças sociais e o importante progresso da ciência e da tecnologia que trouxeram repercussões profundas na área da saúde mental, tornando a vida muito mais complexa e interessante principalmente para a criança. Com frequência, solicitamos à criança um rendimento acima das capacidades operacionais. Com isso, poderemos colocá-la numa situação de fracasso que lhe mobiliza sentimentos de perda, baixa auto-estima, baixo nível de tolerância à frustação e feridas narcisísticas (FICHTNER, 1997, p.103).

 

O monitoramento e o controle excessivo dos pais também são variáveis que estão relacionadas à sintomatologia depressiva. Estudos apontam que um adequado monitoramento dos pais está associado à ausência de problemas de comportamento e de delinquência nos filhos, enquanto o controle psicológico dos pais se relacionava a maiores índices de alterações de comportamento tal como delinquência, ansiedade e depressão (CRUVINEL & BORUCHOVICH, 2009).

 Fichtner (1997) diz que pais altamente críticos e perfeccionistas, que assinalam rigorosamente as falhas e fracassos de seus filhos contribuem para o desenvolvimento da depressão; são famílias que não oferecem segurança ao desenvolvimento da criança fazendo com que a mesma perca a confiança em receber afeto e em receber ajuda para resolver problemas.

Adicionalmente, Fichtner (1997) diz que face às novas organizações familiares, a educação da criança é cada vez mais delegada às instituições educacionais, da creche à escola onde nem sempre as mesmas apresentam condições adequadas para estimular um desenvolvimento infantil satisfatório, levando a criança a uma situação altamente carencial.

A entrevistada3 complementa dizendo:

 

As crianças não sentem a tranquilidade que elas deveriam ou esperariam que sentissem dos pais para lidar com algumas questões que para elas não estam bem resolvidas. Certa desagregação da família, separações, brigas, desacertos, a falta de uma estrutura familiar, as novas famílias que são desenhadas e dentro desse contexto de novas famílias a convivência com os outros, com marido da mãe, com a mulher do pai, com outros irmãos, então são situações que acabam gerando uma situação desagradável para a criança.

 

 

Pode ser considerado fator de risco para depressão infantil a carência parental, sobretudo maternal, caracterizada por medíocre contato com o genitor, pouca ou nenhuma estimulação afetiva, verbal ou educativa, onde o genitor rejeita explicitamente seu filho de modo a desvalorizá-lo, tratá-lo com agressividade, hostilidade, indiferença (MARCELLI, 1998).

Quando uma criança vive sem amor e não conta com a ajuda dos adultos, procuram ser auto-suficientes, não aceitando ajuda de ninguém apresentando com esse tipo de comportamento dificuldades de adaptação e aprendizagem. Por outro lado pais muito permissivos, hiperinvestidores e superprotetores podem gerar sentimentos depressivos em seus filhos principalmente pela falta de limite que são interpretados pela criança como negligência e abandono; estas crianças apresentam uma grande dificuldade de adaptação ao mundo extrafamiliar (FICHTNER, 1997).

Fica claro, portanto que a falta de investimento afetivo, apoio ou mesmo a superproteção e a permissividade podem gerar na criança sentimentos capazes de desencadear um quadro depressivo sendo muito importante que a criança se sinta amada.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Esta pesquisa permitiu compreender por meio do relato das profissionais que a depressão infantil nos dias atuais tem se apresentado de uma forma bastante particular, diferente de um adulto que quase sempre manifesta a tristeza, apatia e a perda de interesse pelas atividades antes prazerosas, as crianças quando depressivas apresentam-se irritadiças, hiperativas, agressivas e ansiosas.

Através do relato das profissionais entrevistadas foi possível compreender que a falta de amor, apoio, e atenção por parte da família tem sido hoje em dia as grandes razões para o desenvolvimento da depressão infantil.

Outro aspecto muito importante foi a constatação de que as crianças da atualidade estão mais predispostas a desenvolver a depressão devido às exigências sociais que levam os pais a se preocuparem precocemente com a preparação de seus filhos para a futura inserção no mercado de trabalho, sobrecarregando assim a rotina de seus filhos com diversas atividades culturais e intelectuais que muitas vezes por não despertar interesse na criança não se atinge as espectativas de desempenho que os pais almejam, gerando imensa frustração na criança por não ter sido a melhor.

Diante de todas as informações obtidas nesse artigo é possível inferir que a depressão infantil tem sido uma realidade cada vez mais próxima das crianças em nossos dias sendo necessário maior atenção e entendimento tanto por parte das famílias como escolas, instituições que atendam o público infantil, e profissionais de psicologia.

Esta pesquisa visou contemplar alguns aspectos da depressão infantil, faz-se de suma importância, portanto que novos estudos e pesquisas sejam realizados tratando de outros aspectos da depressão infantil ampliando assim os conhecimentos sobre o assunto.

 

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

 

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual de Diagnóstico e Estatística dos Distúrbios Mentais – DSM TRTM. 5 edição. Porto Alegre: Artes Médicas, 2003.

 

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Autor: Ana Paula Da Silva Da Conceição


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