Princípio da Insignificância no Direito Penal



1.    ORIGEM HISTÓRICA

O princípio da insignificância surgiu de forma significativa na Europa, com Claus Roxin, em 1964, após a Segunda Guerra Mundial, devido às crises sociais decorrentes da referida guerra. O desemprego e a falta de alimentos, dentre outros problemas sociais, fizeram com que houvesse diversos pequenos delitos. Alguns doutrinadores defendem a idéia de que o princípio da bagatela tem sua origem histórica no direito romano antigo com a máxima minimis non curat praetor, como sustenta Diomar Ackel Filho:

No tocante à origem, não se pode negar que o princípio já vigorava no direito romano, onde o pretor não cuidava, de modo geral, de causas ou delitos de bagatela, consoante a máxima contida no brocardo de minimis non curat praetor.[1]

Entretanto, Maurício Antônio Ribeiro Lopes[2] discorda dessa origem histórica, devido à ausência de especificidade do princípio, que servia para justificar o direito civil. Afinal, nos romanos havia mínima noção do princípio da legalidade penal. Logo, existe naquele brocardo romano apenas uma máxima e não um estudo mais pormenorizado.

O princípio da insignificância teve sua origem ligada ao desenvolvimento do princípio da legalidade. A partir do movimento Iluminista, com a propagação do individualismo político e desenvolvimento do princípio da legalidade, vários autores naturalistas e iluministas propuseram um estudo mais sistematizado do princípio da insignificância.[3]

2.    CONCEITO

O Direito Penal tem, dentre seus interesses, de garantir a ordem e a paz social, bem como limitar o poder do Estado frente ao cidadão. Entretanto, certas condutas não causam lesão significativa a determinado bem jurídico. Neste caso, a infração do bem jurídico visado é tão insignificante que foge ao âmbito de atuação do direito criminal, que é o ramo do direito mais severo contra o homem, o que gera a exclusão da tipicidade penal.

A doutrina dominante entende que o princípio da insignificância exclui a tipicidade. Segundo Cezar Roberto Bitencourt[4], a tipicidade penal exige uma ofensa de alguma gravidade aos bens jurídicos protegidos, pois nem sempre qualquer ofensa a esses bens ou interesses é suficiente para configurar o injusto típico. Para o autor, a insignificância deve ser aferida em relação a importância do bem juridicamente protegido e ao grau da intensidade com que ele foi lesado.

Eugênio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli definem:

"A insignificância da afetação exclui a tipicidade, mas só pode ser estabelecida através da consideração conglobada da norma: toda ordem normativa persegue uma finalidade, tem um sentido, que é a garantia jurídica de possibilitar uma coexistência que evite a guerra. A insignificância só pode surgir a luz da finalidade geral que dá sentido a ordem normativa, e, portanto, à norma em particular, e que nos indica que essas hipóteses estão fora do seu âmbito de proteção de proibição, o que não pode ser estabelecido à simples luz de sua consideração isolada"[5].

Nesse sentido, Julio Dalton Ribeiro[6] diz que o princípio da bagatela tem o objetivo de medir a legislação penal e sua aplicação aos casos que lhe são apresentados, evitando a proteção de bens que não merecem a atenção da proteção penal. Certas condutas têm necessidade de descriminalização, pois apesar de formalmente típicas, não atingem de forma relevante os bens jurídicos protegidos pelo direito penal. Segundo esse autor o principio da insignificância é um autêntico princípio sistêmico que decorre da natureza fragmentária do Direito Penal, devendo-se fazer um juízo de valor social sobre as condutas delituosas e levar em conta a repercussão jurídico-social para a incidência desse princípio.

Pedro Krebs complementa:

"Já o princípio da insignificância, concebido por Roxin como causa de atipicidade, seria uma causa de exclusão de adequação típica porque o legislador, ao determinar no tipo uma conduta lesiva prevê um efetivo dano ao bem jurídico protegido. A subtração de uma bala ou um alfinete, portanto, não lesa o bem jurídico patrimônio. Assim, podemos concluir que:

(1)     a análise do princípio da insignificância identifica-se com o estudo do bem jurídico...

(2)     o direito, especialmente o penal, não pode se preocupar com a bagatela, com o insignificante"[7].

Cumpre ressaltar que não há critérios objetivos para a aplicação do princípio da insignificância, razão pela qual deve ser avaliado caso a caso, observando o desvalor da ação, do resultado, o grau de lesividade ao bem jurídico tutelado, a condição econômica da vítima, obedecendo-se o princípio da proporcionalidade. Ainda, importante identificar se o agente ativo tem bons antecedentes, uma vez que não podem legitimar-se condutas delituosas como meio de sustento.


[1] ACKEL FILHO, Diomar. O Princípio da Insignificância no Direito Penal. Revista Jurisprudencial do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, abr-Jun/1988. p. 73.

[2] LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Princípio da Insignificância no Direito Penal. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.p. 37-38.

[3] SANTOS, Maurício Macedo dos; SÊGA, Viviane Amaral. Sobrevivência do princípio da insignificância diante das disposições da Lei 9099/95. Porto Alegre, 1999. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/950/sobrevivencia-do-principio-da-insignificancia-diante-das-disposicoes-da-lei-9099-95/1>. Acesso em 15 de out de 2001.

[4] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral. volume 1. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 21.

[5] ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGEELLI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. Parte Geral. V. 1. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 485.

[6] RIBEIRO, Julio Dalton. Principio da insignificância e sua aplicabilidade no delito de contrabando e descaminho. Revista Brasileira de Ciências Criminais, ano 16, n. 73, julho/agosto 2008. p. 54.

[7] KREBS, Pedro. Teoria Jurídica do Delito: noções introdutórias: tipicidade objetiva e subjetiva. Barueri, São Paulo: Manole, 2004. p. 93.


Autor: Henrique Atila Bleil


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