Discussões sobre a natureza jurídica da ação civil pública sob a ótica da lei 7.347/85



A ação civil pública é um dos principais meios de acesso à jurisdição coletiva. A lei nº 7.347/85 foi criada com o intuito de proteger os interesses e direitos metaindividuais contra danos morais e patrimoniais ou ameaças.

A doutrina nacional não é pacifica a respeito das características desta ação, uma vez que, suas disposições são genéricas e abstratas.

A natureza jurídica da ação civil pública deve ser analisada através do direito material protegido por ela. O art. 1º da Lei nº 7.347/85 descreve as funções e atribuições da ação civil pública:

Art. 1º. Regem-se pelas disposições desta lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:

I – ao meio ambiente;             

II – ao consumidor;

III – à ordem urbanística;

IV – a bens e direitos de valor artísticos, estéticos, históricos, turísticos e paisagísticos;

V – a qualquer outro interesse difuso ou coletivo;                           

VI – por infração da ordem econômica e da economia popular.

                   

A leitura fria e isolada deste dispositivo de lei poderia levar a interpretação de que o objetivo único da ação civil pública é responsabilizar a pessoa, física ou jurídica, causadora de um dano moral ou patrimonial, podendo vir a sofrer uma condenação em pecúnia ou o cumprimento de uma obrigação de não fazer ou fazer.

Deve-se interpretar o art. 1º de forma ampliativa e analógica, buscando-se aumentar o seu campo de atuação, sendo que o seu rol de atribuição não é taxativo, sendo apenas exemplificativo.  

Assim, ampliando o seu campo de atuação, a ação civil pública, mesmo que não expressamente citado em seu art. 1º, é um instrumento hábil a defender juridicamente os interesses metaindividuais e direitos dos trabalhadores contra danos ou abusos causados por seus empregadores na relação trabalhista. O interesse perseguido pelo Ministério Público do Trabalho deve possuir relevância social, sendo o seu elemento justificador.

Ocorre que, com a promulgação da Constituição Federal ( art. 129 inciso III ) vigente, a ação civil pública foi efetivada à categoria de garantia fundamental por proteger tais direitos e interesses citados anteriormente.

Observa-se, quanto à sua natureza jurídica, por tratar-se de uma tutela aos interesses e direitos individuais homogêneos, coletivos e difusos, possuir natureza condenatória e coletiva[1]. Haja vista, que são de responsabilidade da ação civil pública a proteção e responsabilização dos danos causados aos seus interessados.

Para Ersio Miranda[2]:

 

A natureza jurídica da Ação Civil Pública, como seu próprio nome indica, é de ação pública de caráter civil, estando sujeita, enquanto tal, às garantias e pressupostos processuais inerentes a toda ação, tanto em nível constitucional (garantia da ampla defesa e do contraditório, duplo grau de jurisdição, etc.), é uma ação pública em razão dos interesses meta-individuais que visa proteger. Enquanto tal é um direito objetivo que a Constituição Federal da República de 1988 e a legislação infraconstitucional pertinente atribuem a determinados órgãos e pessoas jurídicas para o exercício da tutela do interesse público que esteja lesado ou em risco eminente de lesão, tendo, tal espécie de ação, um caráter preponderantemente condenatório, quer em dinheiro, quer seja em obrigação de fazer ou não fazer.

 

Em ação principal, a natureza jurídica da ação civil pública é de natureza é de cunho condenatório e coletiva, em relação à proteção dos interesses lesados, uma vez que garante a proteção, reparação e indenização aos interesses metaindividuais lesados.

Carlos Henrique Bezerra Leite[3], entende ser a ação civil pública:

 

Ação de conhecimento, que tem por objeto a declaração de nulidade de cláusula constante não só de convenções e acordos coletivos, mas também, de contrato individual de trabalho.

Abstraindo-se a clássica concepção de que toda ação possui um conteúdo declaratório, a ação que estamos a estudar não se presta apenas a declarar a nulidade da cláusula. Ela assume características de ação constitutiva negativa ou desconstitutiva, na medida em que seu escopo é fazer com que a cláusula inquinada de ilegal seja expungida do contrato individual, do acordo coletivo ou da convenção coletiva de trabalho, deixando de produzir efeitos em relação às partes contratantes ou a terceiros por ela atingidos.

 

Em suma, estamos diante de uma ação de conhecimento de natureza constitutiva negativa.

Além da natureza condenatória e coletiva, trata-se também de ação processual de conhecimento declaratória, uma vez que, possui a finalidade de examinar e declarar a nulidade de atos ou fatos lesivos aos interesses metaindividuais dos trabalhadores

 

2.1.2 Competência Material e Funcional para a Ação Civil Pública

 

O que estipula a competência da Justiça do Trabalho em razão da matéria de ação civil pública são o pedido e a cauda de pedir inseridos intrinsecamente. A matéria veiculada na ação civil pública de natureza trabalhista deve falar sobre relações jurídicas entre empregado e empregador.

A Competência em razão da matéria da Justiça Laboral para processar e julgar dissídios coletivos envolvendo ação civil pública decorre do art. 114 da CF/88, in verbis:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:  

I as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; 

II as ações que envolvam exercício do direito de greve; 

III as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores; 

IV os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data, quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição; 

V os conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista, ressalvado o disposto no art. 102, I, o

VI as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho; 

VII as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho; 

VIII a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a , e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir; 

IX outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei. 

O que caracteriza uma ação civil pública na esfera trabalhista é a busca da isonomia material entre trabalhadores e empregadores, uma vez que o trabalhador é sempre a parte mais fraca nessa relação.

Já a competência funcional que se refere à processar e julgar ação civil pública na Justiça do trabalho é a do local onde ocorreu o dano, conforme interpretação do caput art. 2º da Lei 7.347/85, in verbis:        

Art. 2º As ações previstas nesta Lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa.

Parágrafo único. A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações posteriormente intentadas que possuam a mesma causa de pedir ou o mesmo objeto.

Este artigo possui a finalidade de facilitar o acesso ao judiciário para os trabalhadores lesados, haja vista que possuíram uma forma mais facilitada de provarem os seus interesses.

O juiz possuirá a informação sobre a exata repercussão do dano e suas possíveis repercuções.  

Entretanto, caso o dano causado tenha ocorrido em âmbito nacional ou supra-regional ( dois ou mais estados ) a competência funcional será estipulada conforme o entendimento do art. 93 do código de defesa do consumidor ( lei 8.087/90 ), ou seja, será em uma das Varas do Trabalho da Capital do Estado onde ocorreu o dano, ou ainda, em uma das Varas do Trabalho do Distrito Federal, no caso de competência concorrente.      

Art. 93. Ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente para a causa a justiça local:

 I - no foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de âmbito local;

 II - no foro da Capital do Estado ou no do Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos de competência concorrente.  

Porém, caso o dano causado seja regional, a ação poderá ser estabelecida em qualquer uma Vara do Trabalho do TRT em que o dano ocorreu ou esta ocorrendo.

O Tribunal Superior do Trabalho editou a OJ 130 da SDI-II ( DJ 04.05.2004 ), impetrando a competência funcional para processar e julgar ação civil pública em uma das Varas da Capital do respectivo Estado onde aconteceu o dano e, em caso de ocorrência de um dano com proporções nacionais ou supra-regionais, a competência será exclusivamente de uma das Varas do Distrito Federal, in verbis:

OJ 130 DA SDI-II/TST – AÇÃO CIVIL PÚBLICA. COMPETÊNCIA TERRITORIAL – EXTENSÃO DO DANO CAUSADO OU A SER REPARADO – APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 93 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Para a fixação de competência territorial em sede de ação civil pública, cumpri tomar em conta a extensão do dano causado ou a ser reparado, pautando-se pela incidência analógica do art. 93 do Código de Defesa do Consumidor. Assim, se a extensão do dano a ser reparado limitar-se ao âmbito regional, a competência é de uma das Varas do Trabalho da Capital do estado; se for de âmbito supra-regional, o foro é do Distrito Federal. 

Com entendimento diverso do TST, o Superior Tribunal de Justiça, em conformidade com o art. 93 do CDC, reconhece, que a ação civil pública poderá ser ajuizada, tanto no foro do Distrito Federal, quanto no foro das Varas do Trabalho da Capital do Estado onde o dano ocorreu, em face de dano nacional, segundo se observa pelo aresto infra transcrito:

COMPETÊNCIA – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – DEFESA DE CONSUMIDORES – INTERPRETAÇÃO DO ART. 93, II, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – DANO DE ÂMBITO NACIONAL. Em se tratando de ação civil coletiva para o combate de dano de âmbito nacional, a competência não é exclusiva do foro do Distrito Federal.

Competência do Juízo de Direito da Vara Especializada na Defesa do Consumidor de Vitória/ES” (CC 26.842 – Rel. Min. César Asfor Rocha – DOU 05.08.2002).          

No tocante à competência funcional, a questão não está pacificada. Entendo-se que o STJ realizou uma interpretação do art. 93 do CDC de forma mais criteriosa e conveniente, garantindo uma maior efetividade à tutela coletiva, impedindo contra-tempos na investigação e ajuizamento do dano.

            2.1.3 Legitimidade para propositura da Ação Civil Pública

Possuem legitimidade ativa para a propositura da ação civil pública em face de jurisdição trabalhista o Ministério Público do Trabalho ( art.129, III, CF/88 ),  os sindicatos laborais (CF, art. 129, § 1º; art. 8º, III) e os entes públicos ( art. 5º da lei nº 7.347/85 )[4].

Trata-se de hipótese de legitimidade concorrente e disjuntiva, sendo que o Ministério Público do Trabalho protege a ordem jurídica do trabalhador e da sociedada, e os Sindicatos defendem os trabalhadores resguardados pelo ordenamento jurídico do trabalho.

Assim, entende-se que a legitimidade do Ministério Público do Trabalho não impede que terceiros impetrem ação civil pública, na mesma hipótese. O art. 5º da lei 7.347/85 estabelece todos os legitimados para impetração dessa ação, in verbis:

 

Art. 5o  Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: 

        I - o Ministério Público; 

        II - a Defensoria Pública;

        III - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; 

        IV - a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista; 

        V - a associação que, concomitantemente: 

a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil; 

        b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. 

        § 1º O Ministério Público, se não intervier no processo como parte, atuará obrigatoriamente como fiscal da lei.

        § 2º Fica facultado ao Poder Público e a outras associações legitimadas nos termos deste artigo habilitar-se como litisconsortes de qualquer das partes.

          § 3° Em caso de desistência infundada ou abandono da aassociação legitimada, o Ministério Público ou outro legitimado assumirá a titularidade ativa. 

         § 4.° O requisito da pré-constituição poderá ser dispensado pelo juiz, quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido. 

        § 5.° Admitir-se-á o litisconsórcio facultativo entre os Ministérios Públicos da União, do Distrito Federal e dos Estados na defesa dos interesses e direitos de que cuida esta lei. 

            § 6° Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial. 

O ordenamento jurídico pátrio adotou critério ampliativo em face de legitimidade para impetração da ação civil pública, pois a oportuna Constituição Federal aceita que uma lei infraconstitucional disponha sobre legitimidade para terceiros.

Quando os interesses metaindividuais envolverem direitos dos consumidores, possuem legitimidade para impetrarem ação civil pública a OAB e os entes despersonalizados da administração direta e indireta com prerrogativas próprias para a realização de sua defesa.

Quanto à legitimidade passiva, qualquer pessoa, física ou jurídica, de direito público ou privado, poderá sofrer ação civil pública.

                                                        

2.1.4 Litisconsórcio

 

Litisconsórcio, para Gláucia Kohlhase Marques[5] é a pluralismo de partes litigando no processo, isto é, quando houver a cumulação de vários sujeitos, tanto no pólo ativo, quanto no pólo passivo.

A lei 7.347/85 ( art. 5º ) admite a formação de litisconsórcio ativo entre os legitimados para propor ação civil pública, porém, deve existir uma ligação entre os legitimados para que essa formação seja válida e legalizada.

O art. 46 do Código de Processo Civil estabelece os pressupostos de validade para a formulação de um litisconsórcio, in verbis:

Art. 46. Duas ou mais pessoas podem litigar, no mesmo processo, em conjunto, ativa ou passivamente, quando:

I - entre elas houver comunhão de direitos ou de obrigações relativamente à lide;

II - os direitos ou as obrigações derivarem do mesmo fundamento de fato ou de direito;

III - entre as causas houver conexão pelo objeto ou pela causa de pedir;

IV - ocorrer afinidade de questões por um ponto comum de fato ou de direito.

Parágrafo único. O juiz poderá limitar o litisconsórcio facultativo quanto ao número de litigantes, quando este comprometer a rápida solução do litígio ou dificultar a defesa. O pedido de limitação interrompe o prazo para resposta, que recomeça da intimação da decisão.

 

Cada litisconsorte, dentro da ação, possui autonomia, considerada parte legitima e qualificada, sendo que, cada ato e confissão praticados e declarados por um litisconsorte não prejudicará o direito dos demais.

Todo litisconsorte possui a faculdade de constituir seus próprios procuradores. Porém, essa autonomia que os litisconsortes possuem não é autônoma, sofrendo algumas exceções, como, por exemplo, quando um dos litisconsortes, na posição de réu, não contesta a ação, vindo a tornar-se revel, sendo que, cada litisconsorte possui a faculdade de promover o andamento do processo.

                

2.1.5 Assistência   

Na definição de Gláucia Kohlhase Marques[6] assistência “é uma forma de intervenção espontânea que ocorre com o ingresso do terceiro na relação processual já existente”. O art. 50 do CPC estabelece o conceito legal da assistência ao afirmar:

Art. 50. Pendendo uma causa entre duas ou mais pessoas, o terceiro, que tiver interesse jurídico em que a sentença seja favorável a uma delas, poderá intervir no processo para assisti-la.

A doutrina majoritária nacional entende que o assistente é um auxiliar da parte principal, sendo que, não formula pedido em proveito próprio, não tornando-se parte no processo, mais sim sujeito processual.

A assistência é classificada em simples ou adesiva e litisconsorcial ou autônoma. A assistência simples é aquela em que o assistente intervêm no processo como sujeito, com a finalidade de sustentar as afirmações impetradas por uma das partes contra a outra. Opera com o propósito de auxiliar o assistido, defendendo a sua pretensão. O assistente possui os mesmos poderes do assistido, com a faculdade de criar provas e praticar todos os atos processuais benéficos ao assistente.

Porém, o assistente é proibido de criar pedido em nome próprio, alterar o pedido da ação, recorrer, quando renunciado pelo assistido, ou impugnar peritos e testemunhas aceitas pelo assistido.  

A assistência litisconsorcial é aquela em que o terceiro for titular de uma relação jurídica igual ou subordinada da impetrada em juízo, podendo sofrer imediatamente os efeitos da sentença. O art. 54 do CPC aponta dois requisitos obrigatórios para a formação da assistência litisconsorcial, a saber: a) existir uma relação jurídica entre o assistente e o assistido; b) a sentença faz coisa julgada material. 

O assistente litisconsorcial pode agir com autonomia em relação a parte assistida, entretanto, tais atos, desde que omissos e negligentes, não prejudicarão o assistido.

 

2.1.6 Coisa Julgada

 

Vicente Greco Filho[7] entende que “a coisa julgada é a imutabilidade dos efeitos da sentença ou da própria sentença, que decorrem de estarem esgotados os recursos eventualmente cabíveis”.

O conceito legal de coisa julgada material é estabelecido pelo art. 467 do CPC, in verbis:

Art. 467. Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário.

 

Haja vista, nos dissídios coletivos, em prol dos interesses metaindividuais, a regra contida no código de processo civil, não é utilizada as peculiaridades estabelecidas pela ação civil pública. Destarte, nas ações coletivas material altera o formalismo do processo para obter os direitos da coletividade.

O art. 16 da lei nº 7.347/85, em meio às atribuições da ação civil pública, estabelece que a sentença praticará coisa julgada erga omnes, pois os efeitos da sentença alcançarão a todos os submetidos, mesmo que não tenham uma participação direta no litígio.

                                                                                                         

 Art. 16. Asentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova. (Redação dada pela Lei nº 9.494, de 10.9.1997)

 

Em face de ação civil pública, a sentença só fará coisa julgada caso a decisão seja favorável ao impetrante, caso em que, trata-se de coisa julgada secundum eventum litis et in utilibus[8].

A coisa julgada na ação civil pública sempre ocorrerá se a ação for julgada procedente, se a ação for julgada improcedente, não se aplica a regra geral da coisa julgada. Poderá, a ação, ser intentada novamente.

Ocorrendo improcedência da ação civil pública, a coisa julgada acontecerá somente se a decisão reconhecer que a pretensão foi infundada. Se, por exemplo, a improcedência for por falta de provas, não existirá a coisa julgada.  

A coisa julgada esta disciplinada pelo art. 103 do CDC, in verbis:

Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada:

        I - erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento valendo-se de nova prova, na hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81;

        II - ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo improcedência por insuficiência de provas, nos termos do inciso anterior, quando se tratar da hipótese prevista no inciso II do parágrafo único do art. 81;

        III - erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81.

        § 1° Os efeitos da coisa julgada previstos nos incisos I e II não prejudicarão interesses e direitos individuais dos integrantes da coletividade, do grupo, categoria ou classe.

        § 2° Na hipótese prevista no inciso III, em caso de improcedência do pedido, os interessados que não tiverem intervindo no processo como litisconsortes poderão propor ação de indenização a título individual.

        § 3° Os efeitos da coisa julgada de que cuida o art. 16, combinado com o art. 13 da Lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985, não prejudicarão as ações de indenização por danos pessoalmente sofridos, propostas individualmente ou na forma prevista neste código, mas, se procedente o pedido, beneficiarão as vítimas e seus sucessores, que poderão proceder à liquidação e à execução, nos termos dos arts.96 a 99.

        § 4º Aplica-se o disposto no parágrafo anterior à sentença penal condenatória.

 

A doutrina justifica essa postura do artigo em comento pela frágil possibilidade de defesa dos interesses e direitos individuais homogêneos, coletivos e difusos.

 

2.1.7 Sanções Processuais       

As sanções processuais estabelecidas em razão de impetração de ação civil pública estão regulamentadas pelo art. 17 da lei 7.347/85. Dispõe o artigo que:

Art. 17. Em caso de litigância de má-fé, a associação autora e os diretores responsáveis pela propositura da ação serão solidariamente condenados em honorários advocatícios e ao décuplo das custas, sem prejuízo da responsabilidade por perdas e danos. (Renumerado do Parágrafo Único com nova redação pela Lei nº 8.078, de 1990).

O código de processo civil, em seu artigo 17, cita as hipóteses de litigância de má-fé.

Art. 17. Reputa-se litigante de má-fé aquele que: (Redação dada pela Lei nº 6.771, de 27.3.1980)

I - deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso; (Redação dada pela Lei nº 6.771, de 27.3.1980)

II - alterar a verdade dos fatos;  (Redação dada pela Lei nº 6.771, de 27.3.1980)

III - usar do processo para conseguir objetivo ilegal; (Redação dada pela Lei nº 6.771, de 27.3.1980)

IV - opuser resistência injustificada ao andamento do processo; (Redação dada pela Lei nº 6.771, de 27.3.1980)

V - proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo; (Redação dada pela Lei nº 6.771, de 27.3.1980)

Vl - provocar incidentes manifestamente infundados. (Redação dada pela Lei nº 6.771, de 27.3.1980)

VII - interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório. (Incluído pela Lei nº 9.668, de 23.6.1998)

                                                                         

Em justiça ao principio da isonomia, a doutrina entende que, apesar de o texto da lei se referir-se apenas às associações, os demais litigantes, ao mesmo tempo, poderão sofrer uma condenação em hipótese de litigância de má-fá.

Ao ministério público não cabe a sanção processual por litigância de má-fé, pois, por possuir intervenção obrigatória, goza de presunção de legitimidade em sua conduta processual. Comprovando a má-fé do ministério público, a penalidade deve recair sobre a Fazenda Pública, haja vista, que o ministério público não possui personalidade jurídica.  

 

2.1.8 Desistência e Abandono da Ação

 

     Qualquer pessoa poderá desistir da ação civil pública, porém, ocorrido tal fato, o ministério público deve examinar se a desistência foi fundamentada ou não. Caso não seja fundamentada, fica o ministério público, obrigado a substituir processualmente o desistente.

Pedro da Silva Dinamarco entende[9]:

 

(...) Entretanto, em se tratando especificamente de demanda visando à defesa de interesses individuais homogêneos, essa concordância parece ser dispensável. Afinal, é a possibilidade de formação de coisa julgada favorável a si que justifica a necessidade de concordância do réu com a desistência, mais a improcedência dessas demandas ora tratadas jamais poderá formar coisa julgada favorável ao réu.

 

O artigo 5º, § 3º, da LACP estabelece as figuras da desistência e abandono da ação civil pública ao afirmar:

 

 Art. 5o  Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: (Redação dada pela Lei nº 11.448, de 2007).

§ 3° Em caso de desistência infundada ou abandono da ação por associação legitimada, o Ministério Público ou outro legitimado assumirá a titularidade ativa. (Redação dada pela Lei nº 8.078, de 1990).

A desistência para possuir validade jurídica e extinguir o processo necessita ter os atributos estabelecidos no art. 267, IV e VIII:

Art. 267. Extingue-se o processo, sem resolução de mérito: (Redação dada pela Lei nº 11.232, de 2005)

IV - quando se verificar a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo;

Vlll - quando o autor desistir da ação;

 

     Tais atributos são os meios de validade para que a desistência por parte do impetrante de uma ação civil pública seja aceita pelo magistrado sem que a parte contraria seja lesada no seu direito e desejo de defesa.

 

2.1.9 Distinção entre Ação Civil Pública versus Ação Popular

 

Trata-se a ação popular de um remédio constitucional, que possui como finalidade, assegurar ao cidadão, tutelar em nome próprio o interesse da coletividade, com o intuito de reformar ou prevenir ato lesivo ou omissivo contra o patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência          

A ação popular está prevista no art. 5º da CF/88 que a inseri-se no rol dos direitos coletivos, in verbis:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência

                                                                                    

     A ação popular é vinculada à idéia de cidadão eleitor e da intensificação da participação popular. No primeiro caso, qualquer cidadão, desde que seja eleitor devidamente alistado e com os direitos eleitorais em dia é parte legitima para propor a ação popular com a finalidade de anular ato lesivo contra a ordem pública ( art. 5º, LXXIII, CF/88 ). No segundo caso, a idéia de ação popular esta intimamente ligada aos princípios constitucionais democráticos, uma vez que, a influência o cidadão comum a tutelar e proteger os interesses da coletividade

Quanto à legitimação ativa, qualquer cidadão é parte legitima para propor ação popular, enquanto que, os legitimados para propor ação civil pública trata-se de legitimidade concorrente e disjuntiva, em que o rol de legitimados é taxativo. As pessoas jurídicas não possuem legitimidade para a propositura de ação popular ( súmula 365 do STF ).

     A ação popular possui isenção de qualquer espécie de custas processuais e do ônus da sucumbência, uma vez que, possui a finalidade de estimular o cidadão a exercer os seus direitos, salvo na ocorrência de comprovada má-fé..    

     A competência para ação popular é estabelecida pela origem do ato, enquanto que para a ação civil pública a competência é a do local onde ocorreu o dano.

     A doutrina pátria é divergente quanto à natureza jurídica da ação popular. Para a doutrina majoritária, a ação popular é um instrumento processual de proteção e defesa da coletividade, sendo o beneficiário desta ação, a coletividade e não simplesmente seu autor, enquanto para outros, o autor atua em nome próprio em busca de direito próprio.

A maioria da doutrina entende ser a primeira corrente a mais acertada, pois, como esta expresso no texto constitucional, a ação popular possui a finalidade de tutelar os direitos assegurados no art. 5, LXXIII, CF/88.

     Para a impetração da ação popular exigem-se dois requisitos essenciais; a ilegalidade e a lesividade, conforme demonstra a jurisprudência RREE 92.326 ( Rel. Min. Rafael Mayer, RDA 143/122 ), 65.486 ( Rel. Min. Amaral Santos, RTJ 54/95 ).

 

2.2 Inquérito Civil e o Procedimento Investigatório

 

O inquérito civil surgiu legislativamente coma promulgação da Lei nº 7.347/85, possuindo a finalidade de investigação pelo Ministério Público de subsídios de persuasão para que possa propor a ação civil pública.

Na lição de Ives Gandra Martins Filho[10] o inquérito civil:

 

É procedimento de investigação sobre a ocorrência de lesão à ordem jurídica laboral, fornecendo elementos para uma possível ação civil pública, mas também de solução da irregularidade, na medida em que oferta a possibilidade de regularização da ilegalidade pela via administrativa ( IN n. 1/93, art. 8º, § 1º ).

 

Gianpaolo Poggio Smanio[11] conceitua o inquérito civil como sendo:

 

É um procedimento administrativo, de caráter pré-processual, que se realiza extrajudicialmente, a cargo do Ministério Público, destinado a colher elementos para propositura de ação civil pública.

 

Na visão de Marcelo Abelha[12], o inquérito civil:

 

É procedimento administrativo solene e formal realizado no âmbito interna corporis do Ministério Público, que lhe é exclusivo e que está disponível para a investigação e coleta de elementos de prova que servirão de base e suporte para a formação de convicção do  parquet na propositura ( ou não ) de demanda coletiva para a defesa de direitos supra-individuais.

 

Analisando os conceitos anteriormente citados, o objeto do inquérito civil é o cômputo de lesões ou ameaças de lesões aos interesses metaindividuais, observando a sua autoria e materialidade, para fundamentar a propositura da ação civil pública.  Conclui-se que o inquérito civil é um instrumento não jurisdicional, de natureza administrativa e de exclusividade de Ministério Público. Assim, dois importantes aspectos mostram-se de extrema relevância: a sua natureza não jurisdicional e a sua expressão procedimental.

Ao afirmar que a natureza do inquérito civil é não jurisdicional, entende-se que no inquérito civil não existe relação processual, não aplicando-se as regras processuais. Haja vista, como não se trata de processo, não pode implicar em acusação e sanção, somente restrições ao investigado.

A noticia de lesão pode ser tomada pelo membro do parquet, por meios de comunicação ( imprensa, rádio, televisão ) ou através da fiscalização legal; quanto as ameaças de lesões, deve ser denunciada por quem estiver sofrendo uma possível ameaça.

O inquérito civil não é um instrumento obrigatório para a impetração de ação civil pública, pois é apenas um procedimento preparatório e instrumental, reservado a abastecer meios de prova.

O parquet laboral não fica obrigado a propor ação civil pública caso o inquérito civil seja instaurado. A natureza jurídica do inquérito civil é apenas inquisitória, pois não existe acusação propriamente dita, apenas formula valores probatórios, trazendo indícios de autoria e materialidade.

Legalmente o inquérito civil está previsto no art. 129, III, CF/88, sendo órgão do Ministério Público para a execução de suas funções. Ante o exposto, observa-se que só o Ministério Público possui competência exclusiva para impetrar o inquérito civil.

A ação civil pública, em regra, é antecedida por um inquérito civil público. Possuindo, como finalidade, uma tentativa de composição administrativa do litígio e de uma colheita de prova para dar inicio a ação.

No primeiro caso, busca-se evitar a impetração da ação, por parte do inquirido, de termo de ajuste de conduta. A segunda finalidade busca coletar provas para dar inicio a ação civil pública.

Por quanto, o procedimento investigatório prévio difere do inquérito civil por ser uma forma mais simplificada de colheita de informações sobre uma eventual lesão ao ordenamento jurídico pátrio.   

                   

 

 

 

 

 

 

 


[1] Em regra, a natureza jurídica da ação civil pública é coletiva, porém, existe a tutela aos interesse metaindividuais.

[2] MIRANDA, Ersio. Ação civil pública trabalhista. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em:<http://jus.com.br/revista/texto/3360>. Acesso em: 13 nov. 2011.

[3] LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho. 7. ed. – São Paulo: LTr, 2009

[4] Art. 5o  Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: 

        I - o Ministério Público; 

        II - a Defensoria Pública;        

        III - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; 

        IV - a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista; 

        V - a associação que, concomitantemente: 

        a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil; 

        b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

        § 1º O Ministério Público, se não intervier no processo como parte, atuará obrigatoriamente como fiscal da lei.

        § 2º Fica facultado ao Poder Público e a outras associações legitimadas nos termos deste artigo habilitar-se como litisconsortes de qualquer das partes.

          § 3° Em caso de desistência infundada ou abandono da ação por associação legitimada, o Ministério Público ou outro legitimado assumirá a titularidade ativa. 

         § 4.° O requisito da pré-constituição poderá ser dispensado pelo juiz, quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido. 

        § 5.° Admitir-se-á o litisconsórcio facultativo entre os Ministérios Públicos da União, do Distrito Federal e dos Estados na defesa dos interesses e direitos de que cuida esta lei. 

        § 6° Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial. 

[5] MARQUES, Gláucia Kohlhase. Litisconsórcio, assistência e intervenção de terceiros nas ações coletivas para tutela do consumidor. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 942, 31 jan. 2006. Disponível em:<http://jus.com.br/revista/texto/7897>. Acesso em: 15 nov. 2011.                                                                               

[6] MARQUES, Gláucia Kohlhase. Litisconsórcio, assistência e intervenção de terceiros nas ações coletivas para tutela do consumidor. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 942, 31 jan. 2006. Disponível em:<http://jus.com.br/revista/texto/7897>. Acesso em: 15 nov. 2011.

[7] FILHO, Vicente Greco. Direito Processual Civil Brasileiro. 18 ed., vol. II, Saraiva, São Paulo

[8] De acordo com o resultado útil da ação                                                                            

[9] DINAMARCO, Pedro da Silva. Ação civil pública. São Paulo: Saraiva, 2001.

[10] FILHO, Ives Gandra Martins. Processo Coletivo do Trabalho – 4. ed. São Paulo : LTr, 2009           

[11] SMANIO, Gianpaolo Poggio. Interesses Difusos e Coletivos. 8º ed. São Paulo: Editora Atlas, 2007, pág. 47

[12] ABELHA, Marcelo. Ação Civil Pública e o Meio Ambiente. 3º ed. Ver., atual e ampl.- Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009


Autor: Geraldo Freire De Carvalho Júnior


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