Especulação de terras urbanas



especulação de terras urbanas

 

 

breno rocha prata [1]

resumo:

Este trabalho versa sobre a especulação de terras urbanas, ou, especulação imobiliária, e o Estatuto das Cidades. O Estatuto das Cidades é o diploma legal que visa normatizar a organização das cidades. A problemática estabelecida engloba a definição dos instrumentos legais instituídos pelo Estatuto das Cidades para evitar, de forma prática, a especulação imobiliária. A especulação imobiliária pode ser definida como a manutenção de terrenos vazios ou ociosos, inseridos na área urbanizada, à espera de uma valorização futura que beneficia apenas seus proprietários, e diminui os espaços disponíveis na cidade para a moradia e as atividades econômicas necessárias para o desenvolvimento de toda a sociedade, especialmente para os grupos economicamente vulneráveis. O objetivo geral é identificar se os meios legais para se evitar a especulação imobiliária trazidos pelo Estatuto das Cidades são efetivos, e, ademais, de forma específica, definir especulação imobiliária, delimitar a função social da propriedade urbana e compreender os meios legais urbanísticos que limitam a especulação imobiliária. O Estatuto das Cidades é instrumento normativo que busca a organização social com a ocupação adequada dos espaços trazendo instrumentos que visam evitar a criação desses vazios ou eliminar os que já existem. Justifica-se, pois, entender como as cidades devem ser organizadas é importante para sociedade, demonstrando a eles como proceder nas suas atitudes como cidadãos, minimizando, outrossim, conflitos sociais decorrentes do exercício do direito fundamental de moradia . A Carta Magna de 1988, em seu artigo 182, torna possível a aplicação de instrumentos jurídicos para inibir a ação do proprietário de imóvel urbano que não cumpre sua função social, qual seja, não estar edificada ou ainda não estar sendo utilizada. Também o Estatuto da Cidade, regulamentou o parcelamento, a edificação ou utilização compulsória do solo, que obriga o proprietário a dar uma destinação ao seu terreno subutilizado, concretizando o preceito constitucional da função social da propriedade. Enquanto hipótese trabalhada, a função social da propriedade requer do ordenamento princípios limitadores da atuação do proprietário, afim de, garantir a sociedade um crescimento mais justo e adequado aos princípios fundamentais, resultando um cumprimento eficaz ao combate a especulação de terras urbanas e garantido a função social da propriedade no exercício de um direito garantido ao particular, mas sem ultrapassar limites que afetem os ideais de desenvolvimento coletivo. A presente pesquisa baseia-se na análise interdisciplinar das fontes jurídicas primárias e secundárias pelo método dogmático.

 

palavras-chave:

Palavras-chave: Especulação Imobiliária; Estatuto das Cidades; Função Social da Propriedade Urbana; Direito de Propriedade.

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1 ESPECULAÇÃO IMOBILIÁRIA

Tema deste artigo, também denominado como especulação de terras urbanas, passa-se a discutir a especulação imobiliária, trazendo o seu conceito, principais aspectos a ele envolvidos, bem como a analise legal e o depreender do direito a moradia.

1.1 Considerações Gerais

Em se tratando de uma definição para especulação imobiliária, ressalta-se que não existem muitos trabalhos a respeito do tema, e os poucos que existem não trazem um consenso sobre tal conceituação, portanto, procura-se explanar um conceito geral e consensual entre as doutrinas.

O início de tal fenômeno é a simples tradição latino-brasileira que dispõe Cândido Malta Campos Filho (2002, p. 50):

Aconselhado pelos mais experientes a investir em terrenos que jamais perdem ao longo prazo com a inflação, os filhos da classe média e alta, com disponibilidade de poupança, passaram a comprar terra urbana e rural tanto quanto podiam. As regras do jogo econômico haviam transformado tal investimento no mais rentável a seu alcance.

Em linhas gerais pode-se dizer que desta forma, investidores amadores ou profissionais, que pretendiam um meio de investimento fácil, deram início a situação da Especulação Imobiliária.

Neste sentido, ainda Cândido Malta Campos Filho (2002, p. 46), especifica os casos mais comuns de especulação imobiliária:

a)A manutenção de terrenos ociosos nas já consolidadas áreas urbanas das cidades esperando assim sua valorização;

b)A manutenção de áreas rurais nas vizinhanças das cidades, estas chamadas de glebas, na expectativa de que se tornem urbanas;

Portanto a especulação mais comum é que alguns proprietários de imóveis urbanos deixam de dar qualquer destinação a seus imóveis com o objetivo de que com o transcorrer do tempo estes se valorizem em virtude de fatores externos como a disponibilização de equipamentos públicos e ainda um aumento na vizinhança, após a valorização esperada pode-se vender o imóvel por um preço excessivamente maior do que aquele que foi adquirido.

Prossegue ainda o autor Cândido Malta Campos Filho (2002, p. 48) a afirmar que:

Como se sabe, a especulação imobiliária urbana, de um modo geral, é, no quadro do capitalismo, uma forma pela qual, os proprietários da terra recebem uma renda transferida dos outros setores produtivos da economia, especialmente através de investimentos públicos na infraestrutura e serviços urbanos, que são os meios coletivos de produção e consumo ao nível do espaço urbano.

Ou seja, o investimento é do Poder Público, que é repassado através de impostos a toda sociedade, que em contrapartida gera uma supervalorização do terreno, que possui somente um beneficiário, o proprietário.

Elida Séguin (2005, p.65), elucida que os gastos necessários para a concretização dos serviços públicos efetuados, são chamados de custo social, pois integram toda uma gama de impostos pagos pelos contribuintes. Já o lucro inicial fica em posse dos especuladores.

A especulação imobiliária molda uma malha urbana repleta de vazios, possibilitando um rendimento extra ao especulador, prejudicando toda a sociedade. Segundo Ramires e Martins (1995) “Trata-se da lógica do lucro prevalecendo sobre o bem comum”.

Consubstanciado a Elida Séguin, Ramires e Martins reitera que o prejuízo de tal fato é divido para toda uma sociedade, prevalecendo o lucro de um específico proprietário, demonstrando completo desrespeito com a função social da propriedade, já devidamente citada nos capítulos anteriores.

O regime da especulação é um investimento estável no sentido financeiro, porém, deixa-se de relevar que em alguns casos a supervalorização não é caracterizada por sua aptidão para os negócios, e, sim por mera sorte, ou apenas inflação monetária.

 Os tipos de valorização da terra se dividem em quatro, sendo: a Natural, aquela que é provocada pelo real crescimento da população e a necessidade de busca de habitação e produção de alimentos; a Fictícia, que é resultante da inflação monetária, onde na realidade não houve a valorização e sim a perda do valor aquisitivo da moeda; a Especial, que é a decorrente de obras de urbanização, como redes de esgoto, iluminação, pavimentação e etc.; a Legal, esta oriunda da alteração do ordenamento municipal resultando em restrições ou aproveitamento do solo (SÉGUIN, 2005, p.64).

Nesse sentido, a forma acima citada como Especial, é a mais praticada especulação e a mais prejudicial à sociedade, pois, enquanto os terrenos permanecem sem utilização, visando que o preço dos mesmos possa subir para posterior venda para grupos imobiliários, o Poder Público investe de diversas formas no entorno do mesmo. Nesses casos o valor venal do imóvel sobe em virtude da infraestrutura gerada, bem como fornecimento do Poder Público de áreas com postos de saúde, e, novos moradores e comércios, como supermercados, farmácias, e afins.

Assim, o imóvel ‘desedificado’, ou, terreno ocioso, que foi comprado em uma área vaga, passa a pertencer a uma área urbanizada, dotada de diversos serviços, o que desperta o interesse em várias pessoas e de consequência aumentando a sua valorização no mercado imobiliário. Ao proprietário do terreno, coube apenas o investimento inicial, sua propriedade se valorizou sem um mínimo de intervenção própria, apenas pelo lapso temporal e o investimento público.

Pode-se citar como exemplo o município de Uberlândia, no Estado de Minas Gerais. Onde, segundo Marco Aurélio Maia Silva (2008):

Em Uberlândia os vazios urbanos são claramente visíveis, principalmente, nas áreas centrais, onde a especulação imobiliária é maior. Os proprietários deixam seus terrenos ociosos e especulando, com o objetivo de que com o tempo, o valor de mercado destes terrenos aumente substancialmente em relação ao valor pago na compra.

Observe-se que em virtude do exposto, a especulação imobiliária favorece os ideais capitalistas, tendo em vista que prioriza o lucro, buscando-se o máximo deste, com o mínimo de investimento.

A especulação de terras ocorre quando o proprietário aguarda de forma proposital até que a urbanização alcance seu lote, o que significa que através do dinheiro de toda uma sociedade, apenas os donos dos lotes auferirão os lucros do investimento em infraestrutura. Portanto, enquanto o proprietário se mantém inerte, o lote não atenderá a finalidade social da propriedade, gerando grandes entraves ao desenvolvimento econômico e social. De um lado, contribui para o aumento do déficit habitacional, que se refere à quantidade de cidadãos sem uma moradia adequada aos preceitos constitucionais, sendo considerada uma das maiores causas da ineficácia das leis urbanísticas, por outro, não gera renda para a economia, pois a propriedade é mantida intacta ou subutilizada (NUSDEO; TRANCHE, 2006).

Em se tratando de um mercado capitalista, a especulação imobiliária é eficaz, pois, além de abrir portas para um aumento na renda financeira do especulador, ressaltando que este não precisa ter grande conhecimento de causa, gera um patrimônio sólido.

Porém, cria o prejuízo do “custo social”, onde, quem paga o preço de tal rendimento é somente a sociedade, bem como, cria problemas maiores na esfera da Urbanização, “periferizando” as pessoas como menos poder aquisitivo, desrespeito o direito mínimo de um cidadão, conforme demonstra Cândido Malta Campos Filho (2002, p.47):

O mínimo do cidadão urbano é o de habitar com dignidade. Isso significa ter o cidadão uma casa ou apartamento, ainda que singelo, com transporte para o trabalho, algum lazer, os serviço essências a saúde, como água potável e os serviços essenciais a sua segurança, como ruas iluminadas e transitáveis o ano todo.

Ou seja, a especulação imobiliária é um fato de suma importância, pois não gera apenas um enriquecimento ilícito, e sim, uma total desafinação urbanística, gerando prejuízo em toda economia da cidade, desde o crescimento desnecessário, pois não existe a necessidade de se criar novos loteamentos se a cidade ainda possui glebas no perímetro urbano, consubstanciando assim um desperdício financeiro por parte da ordem pública, bem como diversos fatores de ordem econômica que são refletidos em um momento futuro, até mesmo pelos próprios especuladores.

A par das práticas de especulação imobiliária tem-se a população mais carente e que necessita mais de serviços e equipamentos públicos. Essa população que possui baixo poder aquisitivo é cada vez mais jogada para a periferia das cidades, onde se encontram lotes e casas de valores mais baixos.

É evidente que esta "valorização" também ocorre nas áreas dos denominados loteamentos de alto padrão, condomínios fechado, bairros-jardins, onde se vende, além da terra, segurança, homogeneidade de classe social, equipamentos e serviços coletivos, ar limpo puro, verde, local para lazer, etc., comércio em supermercados e shopping-centers. E aqui como nos loteamentos da "periferia pobre" (porque estes também estão espacialmente localizados na periferia, ma na "periferia rica"), o processo é basicamente o mesmo. Vende-se alguns lotes que "viabilizam" o investimento, e quando começa a ocupação, os demais serão colocados à venda, como expansão do loteamento, face ao sucesso alcançado, por um preço mais elevado que os anteriores. Ou então vende-se os lotes mais bem localizados prevendo-se uma valorização futura (RODRIGUES, 1988, p. 22).

É fato que a especulação imobiliária prejudica também a elite da sociedade, pois em loteamentos, denominados condomínios fechados, a prática é muito comum, pois as glebas são demarcadas, ou seja, loteadas, e posteriormente se vende os terrenos com uma pior localização, acarretando assim uma valorização surreal dos terrenos mais bem localizados. O objetivo neste caso é criar áreas especialmente valorizadas, sejam elas por facilidade de acesso a entrada e saída, ou pelo melhor direcionamento dos serviços prestados nestes loteamentos de alto nível.

Vale ressaltar que um fictício abandono da propriedade também é considerado forma de especulação, pois somente o acréscimo de novas edificações, já causa a valorização. Em outras palavras, a ocupação por atividades (residenciais, comerciais, etc.) ao redor de um terreno torna-o mais próximo, portanto com maior acessibilidade, e uma nova gama de possibilidades de interação com o resto da cidade. Essa possibilidade de interação, por sua vez, é um aspecto valorizado pelas pessoas no momento de escolher um determinado local e, por isso, acaba também contribuindo para o aumento do preço do solo.

Portanto, por se tratar a Especulação Imobiliária, de matéria de grande cunho social, e de um grande valor social e econômico, passaremos a elucidar os seus fundamentos legais.

1.2 Análise Jurídica

Do exposto acerca da especulação imobiliária passa-se agora a analisar como a mesma é tratada no ordenamento jurídico brasileiro, em especial na Constituição Federal e no Estatuto das cidades.

1.2.1 Da Constituição Federal de 1988

A Constituição Federal de 1988 como meio de criar uma política de desenvolvimento e ainda de combater a especulação imobiliária traz nos termos do já citado artigo 182, especificamente no parágrafo 4º, onde prevê a criação de uma lei, mediante previsão no Plano Diretor Municipal, que possa instituir alíquotas progressivas no tempo, ou seja, a cada ano que a propriedade mantém-se desocupada e sem cumprir sua função social seu imposto será aumentado.

O Estatuto da Cidade vem para regular o determinado nos artigos 182 e 183 da Constituição Federal de 1988, como meio de criar meios efetivos e ainda de instituir o Imposto Predial e Territorial Urbano Progressivo obrigatório para a municipalidade combater especulação imobiliária.

O atual texto constitucional prossegue ainda mais determinando que em caso de implantação de alíquotas progressivas do Imposto Predial e Territorial Urbano e mesmo assim a propriedade urbana continuar não edificada, subutilizada ou não utilizada, ainda poderão ocorrer o parcelamento ou edificação compulsórios; cobrança de Imposto Predial e Territorial Urbano progressivo no tempo, por até cinco anos; desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública com prazo de resgate de até dez anos.

Em se tratando das formas trazidas pelo texto constitucional com fins de combate à especulação imobiliária, tem-se que estas estão intimamente ligadas ao cumprimento da função social da propriedade, haja vista, que a prática da especulação imobiliária implica diretamente no descumprimento da função social. Nesse sentido traz-se jurisprudência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

Apelação Cível Nº 1.0000.00.344302-5/000 - Relator: Des. Brandão Teixeira. PROCESSO CIVIL. ARGÜIÇÃO DE NULIDADE DA SENTENÇA PROFERIDA EXTRA PETITA. POSSIBILIDADE DE REDUÇÃO. PRELIMINAR REJEITADA.

Se for possível a redução da sentença que julgou de forma diversa e além do pedido inicial dos embargos, resta sanada a nulidade decorrente da violação dos arts. 128 e 460 do CPC. IMPOSTO PREDIAL E TERRITORIAL URBANO (Imposto Predial e Territorial Urbano). IMPOSTO DE CARÁTER REAL. REDAÇÃO ORIGINAL DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE 1988. PROGRESSIVIDADE. PRECEDENTES DO EXCELSO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. O Excelso Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que, na forma da redação original da Carta Política de 1988, é vedada a progressividade fiscal nos impostos de caráter real. Restou decidido nos autos do RE n. 153.771-0, que constitui o leading case acerca do alcance do parágrafo 1º, do art. 145, da Constituição da República, que a única progressividade admitida para o Imposto Predial e Territorial Urbano é a progressividade extrafiscal, a ser utilizada como instrumento de pressão para obrigar o proprietário a dar ao imóvel a sua função social, conforme definido no art. 182, §§ 2º e 4º, da CR/1988. Não obstante a manifesta inconstitucionalidade da cobrança do Imposto Predial e Territorial Urbano mediante utilização de alíquotas progressivas, a impossibilidade constitucional atinge apenas as alíquotas superiores ao mínimo legal, permanecendo válida, portanto, a exação realizada com base na menor alíquota prevista na Lei Municipal. TAXA DE LIMPEZA PÚBLICA (TLP). SERVIÇO PÚBLICO INESPECÍFICO E INDIVISÍVEL. ILEGALIDADE DA EXAÇÃO. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. A Taxa de Limpeza Pública (TLP), no modo como disciplinada pelo Município de Belo Horizonte, remunera - além dos serviços de remoção de lixo domiciliar - outros que não aproveitam especificamente ao contribuinte (varrição, lavagem e capinação; desentupimento de bueiros e bocas-de-lobo (art. 30, da Lei Municipal n. 5641/1989). Em casos análogos, o Excelso Supremo Tribunal Federal, por sua composição Plena, firmou o entendimento de que, embora seja específico e divisível o serviço de coleta e remoção do lixo domiciliar, não é possível separar do valor da taxa cobrada o quantum que seria devido pelos demais serviços, estes prestados uti universi, dirigidos à toda coletividade. (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS, 2009).

Nessa decisão o relator cita Misabel de Abreu Machado Derzi, afirmando que somente a propriedade urbana em desarmonia com o plano diretor, regulado por lei prévia, poderá sofrer tributação progressiva no tempo, de cunho extrafiscal, ou seja, a atividade de tributar não é somente arrecadadora, como também, tem a finalidade de atingir uma possível justiça social. Observe-se que, mesmo no último caso, o legislador não poderá estabelecer alíquota única e muito elevada, de pronto.

Afirma ainda que quando se fala em frustrar-se, não se está falando em inadimplência da obrigação de pagar, mas sim em inadimplemento do dever de conformar o imóvel ao uso definido no plano diretor. O proprietário pode estar plenamente adimplente com os cofres do Município e, entretanto, o seu imóvel pode ser usado desconforme às necessidades da coletividade, ou seja, desvalorizando e menosprezando a função social da propriedade urbana.

1.2.2 Do Estatuto das Cidades

No parágrafo 4º do artigo 182 da atual Constituição Federal, o legislador constituinte criou instrumentos de política urbana, com o escopo de coibir a especulação imobiliária, por meio da punição do proprietário de imóvel urbano incluído no plano diretor, que esteja subutilizado, ou não esteja utilizado ou edificado.

Através do referido artigo, foi criado uma legislação específica, Lei n°10.257 de 10 de julho de 2001, que vem estabelecer as diretrizes da política urbana, regulando em favor da função social da propriedade, através do plano diretor de cada cidade, conforme disposto no artigo 1° e parágrafo único da referida lei:

Art. 1o Na execução da política urbana, de que tratam os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, será aplicado o previsto nesta Lei.

Parágrafo único. Para todos os efeitos, esta Lei, denominada Estatuto da Cidade, estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental.

O Estatuto busca a realização de uma organização urbana, tendo em vista que atualmente não existe um planejamento mas sim um enfoque mercadófilo, ou seja, ajustado aos interesses do capital. O Estado, por sua vez, atualmente, tem sua presença diminuída, e suas intervenções, ao invés de atenderem a demandas da população em geral, visam agora aos interesses do capital imobiliário e outros segmentos dominantes (SOUZA, 2002, p.38).

O Estatuto da Cidade é o ordenamento jurídico que visa regular esta organização, evitando a atual forma de crescimento caótico, que visa somente o mercado financeiro, das cidades brasileiras. Além de estabelecer formas de planejamento, o Estatuto interfere na paisagem das cidades, que na maioria das cidades é caracterizado como um labirinto caótico de prédios. Logo, a paisagem das cidades está totalmente ligada ao propício desenvolvimento do ser humano.

Entretanto, o Planejamento Urbano possui instrumentos os quais tentam induzir a ocupação de terras ociosas, numa tentativa de limitar a especulação imobiliária, diminuírem os custos dos serviços públicos e garantir a função social da propriedade. Porém, ele tem sido negligenciado pelo poder público, o qual intervém de modo diferencial no encaminhamento de investimentos públicos e no ordenamento do espaço (NASCIMENTO, 2008).

Além da progressividade do Imposto Predial e Territorial Urbano, já mencionada anteriormente, o Estatuto traz como meios para combate a especulação imobiliária a edificação ou urbanização compulsória, onde impede a especulação imobiliária pura e simples, ao mesmo tempo que, acaba com a existência de áreas ociosas na cidade, os chamados vazios urbanos, traz também como medida extrema a desapropriação. Tais instrumentos serão discutidos detalhadamente no próximo capítulo.

1.3 Do Direito à moradia

Passa-se a partir de agora a discutir o direito de moradia visto que este é intensamente influenciado em face da ocorrência da especulação imobiliária.

José Afonso da Silva (2010, p. 381) ressalta que o problema habitacional surge no mundo com a urbanização das populações humanas, considerando que enquanto predominava a vida rural, não existia tal problema porque cada um organizava sua própria moradia de acordo com suas necessidades e condições econômicas.

Tem-se uma primeira menção ao direito à moradia na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948, XXV, I), de forma indireta quando se assegura o direito à habitação (SILVA, 2010, p. 381).

Historicamente tem-se:

[...] no âmbito do direito internacional convencional, o direito à moradia passou a ser objeto de reconhecimento expresso em diversos tratados e documentos internacionais, destacando-se, seja pela sua precedência cronológica, seja pela sua relevância, o Pacto Internacional dos Direitos Sociais, Econômicos e Culturais, de 1966, também ratificado e incorporado ao direito interno brasileiro, onde, no artigo 11, consta que “os Estados signatários do presente pacto reconhecem o direito de toda pessoa a um nível de vida adequado para si próprio e para sua família, inclusive alimentação, vestimenta e moradia adequadas, assim como a uma contínua melhoria de suas condições de vida.” Para além de outros tratados internacionais, de cunho universal (isto é, não regional), onde houve menção expressa a um direito à moradia, verifica-se que no plano das convenções de caráter regional, houve maior timidez ou cautela, já que nem a Convenção Européia dos Direitos Humanos (1950) nem a Carta Social Européia (1961) reconhecem expressamente um direito à moradia, não obstante a referência, nos artigos 16 e 19 da Carta Social, à moradia no âmbito da proteção dos trabalhadores estrangeiros (imigrantes) e do direito da família à proteção social e legal. Também a Carta da Comunidade Européia sobre Direitos Fundamentais Sociais (1989) refere apenas a necessidade de medidas positivas para a proteção e integração de pessoas portadoras de deficiência, incluindo a moradia. [...] (SARLET, 2009, p. 9).

Portanto, o direito a moradia somente teve o expresso reconhecimento no ano de 1948, haja vista que, o direito a moradia é realidade, pois, começou a existir depois da urbanização das cidades, ocasionando assim em grandes centros comerciais e residenciais, motivo pelo qual a Declaração Universal dos Direitos Humanos, na referida data, incorporou tal fato ao direito contemporâneo.

Por derradeiro, a nova Carta de Direitos Fundamentais da União Européia, aprovada no Conselho Europeu de Nice, França, em 07 de dezembro de 2000, mas ainda destituída da força vinculativa dos demais tratados referidos, contém referência expressa à dimensão social dos direitos fundamentais, prevendo o direito de acesso às prestações de segurança social e assistência social, inclusive no que diz com um auxílio para a habitação, com o objetivo de assegurar uma existência condigna aos necessitados (art. 34) [...] Ainda no plano internacional, pela sua relevância especial para o reconhecimento e proteção do direito à moradia, inclusive pela sua influência no que diz com a fundamentação de uma inserção deste direito na nossa própria ordem jurídica, na condição de direito fundamental social, cumpre citar os documentos oriundos de duas grandes conferências promovidas pela ONU sobre a problemática dos assentamentos humanos, respectivamente em 1976 (Declaração de Vancouver sobre Assentamentos Humanos - Habitat I) e em 1996, em Istambul, Turquia, da qual resultou a assim designada Agenda Habitat II, tido como o mais completo documento na matéria, do qual também o Brasil é signatário. Já por ocasião da Declaração de Vancouver (1976) restou assegurado que a moradia adequada constitui um direito básico da pessoa humana (SARLET, 2009, p. 10).

A definição precisa do direito à moradia se deu com a Constituição da República Portuguesa de 1976 em seu artigo 65, in verbis:

Habitação e urbanismo

1. Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar.

2. Para assegurar o direito à habitação, incumbe ao Estado:

a) Programar e executar uma política de habitação inserida em planos de ordenamento geral do território e apoiada em planos de urbanização que garantam a existência de uma rede adequada de transportes e de equipamento social;

b) Promover, em colaboração com as regiões autónomas e com as autarquias locais, a construção de habitações económicas e sociais;

c) Estimular a construção privada, com subordinação ao interesse geral, e o acesso à habitação própria ou arrendada;

d) Incentivar e apoiar as iniciativas das comunidades locais e das populações, tendentes a resolver os respectivos problemas habitacionais e a fomentar a criação de cooperativas de habitação e a autoconstrução.

3. O Estado adoptará uma política tendente a estabelecer um sistema de renda compatível com o rendimento familiar e de acesso à habitação própria.

4. O Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais definem as regras de ocupação, uso e transformação dos solos urbanos, designadamente através de instrumentos de planeamento, no quadro das leis respeitantes ao ordenamento do território e ao urbanismo, e procedem às expropriações dos solos que se revelem necessárias à satisfação de fins de utilidade pública urbanística.

5. É garantida a participação dos interessados na elaboração dos instrumentos de planeamento urbanístico e de quaisquer outros instrumentos de planeamento físico do território.

No direito pátrio atual o direito humano à moradia é um dos direitos sociais assegurado constitucionalmente, no artigo 6º, in verbis: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”

A Constituição Federal de 1988 somente inclui à moradia como direito social através da Emenda Constitucional de n°26, de 14.02.2000, onde assegura o tal condição, considerando que todos têm o direito a um lugar adequado para viver. Isto se reflete diretamente ao princípio da dignidade da pessoa humana, ressaltando que a moradia é o elemento primordial de uma vida urbana, pois este é a janela do indivíduo para a coletividade. Assim, a todos deve ser garantido um lugar seguro, confortável, dotado de condições sanitárias adequadas que promova condições mínimas de saúde, lazer e conforto.

O direito à moradia está previsto como um direito social, este, é a democratização de todo um planejamento urbano, haja vista que, seu conceito está totalmente ligado à igualdade e inclusão social, estes, adquiridos através da nossa atual constituição, uma vez que valorizando o direito a uma moradia segura e sadia, valoriza-se o homem, a mulher, as crianças, as relações familiares e toda uma gama de relacionamento de uma sociedade.

Neste sentido, Elida Séguin (2005, p. 47) diz:

O direito à moradia é democratização de um modelo urbano includente que assegure a igualdade social proclamada na carta constitucional, vez que os benefícios de uma urbanização planejada devem ser estendidos a todos os cidadãos. Este modelo implementa a administração participativa da reorganização do espaço urbano como a adoção de usos mistos do solo urbano e o retorno dos moradores para o centro das cidades, onde existe infra-estrutura disponível.

O projeto atual da Constituição Federal consubstanciado ao Estatuo da Cidade é um marco para o Direito Urbanístico e em especial para a moradia, pois não só inclui um padrão na cidade, como também, visa uma consciência dos cidadãos em prol dos hipossuficientes, deficientes e idosos, criando de fato um acesso para toda uma população, como podemos observar, em bancos, calçamentos, lojas e etc. A moradia é amplamente ligada em tal consciência, haja vista que, com uma relação familiar e amigável inserida em seu cotidiano as cidades tendem a um avanço de organização e consciência para com o próximo.

Acrescenta-se ainda que a moradia é um elemento essencial ao desenvolvimento da personalidade humana pois a influencia diretamente, faz parte do senso comum o fato de que a personalidade das pessoas e sua identidade é moldada de acordo com o meio em que vive, assim populações carentes estão mais expostas à criminalidade.

1.3.1 Direito à moradia x Especulação Imobiliária

Considerando a ocorrência da especulação imobiliária, na maioria das vezes a população de baixa renda é fixada na periferia das cidades, sendo em favelas e em condições extremas de sobrevivência. Tal fato vem defrontar com os direitos sociais da moradia, pois o cidadão é incluso em um ambiente desprovido de relações familiares, onde devido a falta de acesso de melhorias advindas do poder público, a criminalidade é um fato corriqueiro na vida de idosos, adultos e crianças, constituindo assim, uma situação contrária daquela trazida pela Constituição Federal vigente.

Assim, cabe ao Estado adotar políticas públicas de habitação que busquem efetivar o direito à moradia e ainda impedir ações que dificultem a exclusão da população hipossuficiente de uma igualdade social.

Relevando a dimensão de tais problemas urbanos brasileiros, o Estado, é o componente essencial para planejar uma organização urbana, diminuindo a especulação imobiliária, e social voltada para a erradicação da pobreza, a redução das desigualdades e a justiça social.

1.3.2 Direito à moradia x  Direito de Propriedade

Traçando-se um paralelo entre o Direito a Moradia e os direitos advindos do direito de propriedade, pode-se constatar que ao direito a moradia incluem os direitos de usar e gozar, sendo que a capacidade de dispor resta alterada nesses casos, pois fica claro que quando se trata de conjuntos habitacionais populares, onde somente após decorrido um lapso temporal, o morador adquire a escritura do imóvel, que lhe concederia o direito de dispor. Assim enquanto não decorre o período estabelecido o cidadão não pode se desfazer da propriedade e se isso ocorrer será revestido de ilegalidade.

Feitas essas considerações passa-se a discorrer no próximo capítulo sobre os instrumentos existentes no ordenamento jurídico utilizados para combater a especulação imobiliária discutindo assim a eficácia de tais.

2 MEIOS DE COMBATE  à ESPECULAÇÃO IMOBILIÁRIA

Após discorrer acerca do direito à propriedade e do fato de que o Estado pode intervir em determinados casos, entre eles o tombamento, a servidão, as limitações administrativas e a desapropriação. Bem como após discorrer acerca da função social da propriedade e demonstrando que em determinados casos o direito público prevalece sobre o privado, razão pela qual se admite as intervenções do Estado na propriedade privada nos termos elencados anteriormente.

Discutiu-se também a especulação imobiliária, definindo-a e pormenorizando-a bem relacionando a mesma com o direito à moradia e ainda quais relações a especulação com a Constituição Federal e o Estatuto da Cidade.

Feitas essas considerações passa-se a estudar a partir de agora os meios trazidos pelo Estatuto da cidade com o objetivo de evitar a ocorrência de especulação imobiliária.

Nesse sentido, considera-se importante citar novamente o parágrafo 4º do artigo 182 da Constituição Federal:

§ 4.º É facultado ao poder público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:

I - parcelamento ou edificação compulsórios;

II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;

III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.

É esse dispositivo que traz os meios pelos quais os municípios podem se utilizar para evitar a existência de especulação imobiliária em seu território coibindo tal prática. Passa-se agora a pormenorizar esses meios.

Antes, porém, se faz importante mencionar que  a aplicação de qualquer desses meios depende de inserção nos Planos Diretores respectivos de cada município, são portanto meios de tornar efetiva a politica urbana nacional.

No caso local cita-se o plano Diretor do Município de Itumbiara que visando cumprir tal determinação trouxe em seu corpo a possibilidade desses instrumentos, senão:

Art.81. As alíquotas do Imposto Predial Territorial Urbano – Imposto Predial e Territorial Urbano, incidentes sobre os terrenos, serão progressivas na forma definida pela Legislação Tributária Municipal, a fim de assegurar a função social da propriedade.

§ 1º. Ficam definidas como áreas passíveis de aplicação sucessiva dos institutos do parcelamento e edificação compulsórios e do Imposto Predial e Territorial Urbano progressivo no tempo, nos termos do art. 182 da Constituição Federal, as glebas ou os lotes não-edificados, subutilizados ou não utilizados localizados:

I – na Área de Adensamento Básico;

II – nas Áreas Adensáveis 1 e 2;

III – nas Áreas Especiais de Interesse Social mencionadas em lei específica.

Destaque-se, portanto, que em âmbito municipal existe a possibilidade de utilização dos meios de combate á especulação imobiliária elencados no Estatuto da Cidade.

2.1 Parcelamento e Edificação compulsórios

O parcelamento e a edificação compulsória além da menção constitucional supracitada vêm expressos na alínea i do inciso V do artigo 4º cumulado com o art. 5º do Estatuto da Cidade (Lei Federal nº 10.257/01), e apresenta-se como sanção pelo descumprimento da função social da propriedade.

Segundo Mariana Carnaes Ferreira (2010, p. 02) o parcelamento compulsório, é aquele obrigatório, isto é, é a urbanização imposta pela Administração Pública ao proprietário do imóvel urbano que não cumpre sua função social. Já na definição de José Afonso da Silva o parcelamento consiste em “processo de urbanificação de uma gleba, mediante sua divisão ou redivisão em parcelas destinadas ao exercício das funções elementares urbanísticas. Importa mudança das dimensões ou confrontações dos imóveis para fins de urbanificação”.

Outra conceituação importante é a de edificação compulsória, que de acordo com Hely Lopes Meirelles (2005, p. 500) pode ser entendida como “toda obra executada, intencionalmente, pelo homem”, sendo edificação “a obra destinada a habitação, trabalho, culto, ensino ou recreação”.

Na definição trazida por Mariana Carnaes Ferreira (2010, p. 02) significa construir para fins residenciais, industriais, religiosos, ensino ou recreação. Edificação é a operação de edificar, dotando o solo urbano de uma construção residencial, industrial, religiosa, cultural ou de lazer.

Em linhas gerais pode-se dizer que o parcelamento compulsório tem por objetivo obrigar aquele que tem como propriedade imóvel urbano de tamanho relativamente grande a dividi-lo em lotes menores com toda a infraestrutura necessária e a edificação compulsória seria o meio de fazer aquele que detém propriedade não edificada ou subutilizada a construir dando uma destinação ao imóvel.

O parcelamento, edificação ou utilização compulsória são aplicáveis aos imóveis não edificados, compostos apenas pela terra nua; não utilizados, que são os abandonados e não habitados; e subutilizados, que são os imóveis cujo aproveitamento seja inferior ao mínimo definido em lei. Uma vez instituído para determinado imóvel, o proprietário fica obrigado a dar-lhe uma utilização efetiva e adequada num determinado prazo. Se este imóvel for vendido, o novo proprietário passa a ser responsável por esta obrigação (FERREIRA, 2010).

Feitas essas definições pode-se destacar que o parcelamento e a edificação compulsórios são uma forma de uso da propriedade urbana que preencha os requisitos de não utilização traçados pelo texto Constitucional.

Essas formas de intervenção apresentam-se como meios do poder público dar uma destinação social aos imóveis urbanos e cumprir o Plano Diretor do Município, em outras palavras, são um meio do poder público fazer com que o proprietário de uma função social a sua propriedade que se encontra não utilizada ou subutilizada.

Uma análise desses institutos, associada aos conceitos estudados nos capítulos anteriores leva ao entendimento que ambos restringem o direito de uso, gozo ou disposição da propriedade urbana, pois impõe aos proprietários ações a serem tomadas com o objetivo de dar uma finalidade social, restringem porque a utilização não fica ao gosto do proprietário, mas sim como uma obrigação de utilizar, independente de sua vontade.

O artigo 42, inciso I, do Estatuto, determina que, do conteúdo mínimo do plano diretor deva constar “a delimitação das áreas urbanas onde poderá ser aplicado o parcelamento, edificação ou utilização compulsória, considerando a existência de infraestrutura e de demanda para utilização”.

Camila Maia Pyramo Costa (2009, p. 22) explica que além da previsão exigida no plano diretor municipal é ainda requisito para que ocorram o parcelamento e a edificação compulsórios sua observação em legislação municipal específica, afirmando que:

Com efeito, não basta à existência de Plano Diretor com previsão expressa da obrigação de adequada utilização de determinadas áreas. Há, ainda, a necessidade de lei municipal específica para que o proprietário de imóvel não edificado, não utilizado ou subutilizado seja compelido a dar novo destino à sua propriedade.

Na lei municipal devem estar definidas as áreas passíveis de parcelamento e edificação compulsórios e ainda devem estar estabelecidas as condições e os prazos para a implementação da obrigação de parcelamento, edificação ou utilização, respeitados os demais parâmetros traçados no Estatuto da Cidade.

O procedimento a ser tomado para a efetivação do parcelamento e da edificação compulsórios vem descrito nos parágrafos 2º a 5º dos artigos 5º e 6º da Lei nº 10.257/01. Primeiramente, segundo §2º, o proprietário será notificado pelo Poder Executivo municipal para o cumprimento da obrigação, devendo a notificação ser averbada no cartório de registro de imóveis.

A notificação em sua origem será feita inicialmente por funcionário do órgão competente do Poder Público municipal, diretamente ao proprietário do imóvel ou, no caso do mesmo ser pessoa jurídica, a quem tenha poderes de gerência geral ou administração. Em sendo frustrada tal forma de notificação o texto legal ainda prevê que esta ocorra através de edital.

Referida notificação deverá vir acompanhada de laudo técnico, que ateste estar o imóvel não parcelado, não edificado, subutilizado ou não utilizado, legitimando sua aplicação, além de mencionar as condições e os prazos para a implementação da obrigação, fixados pela lei municipal, bem como as sanções cabíveis ante o seu descumprimento. Deverá, ainda, ser averbada no Cartório de Registro de Imóveis competente segundo a localização do imóvel, cabendo ao Município promover esta averbação (FERREIRA, 2010)

Conforme o parágrafo 4°, os prazos para o cumprimento da obrigação pelo proprietário são de um ano a partir da notificação para protocolar o projeto no órgão municipal competente e dois anos a partir da aprovação do projeto para iniciar as obras do empreendimento. Para os empreendimentos de grande porte, é possível, em caráter especial, que a lei municipal possa prever a conclusão das obras em etapas.

Superada tal situação tem-se que a próxima etapa é aquela descrita no artigo 6º da Lei nº 10.257/01, segundo o qual “a transmissão do imóvel, por ato inter vivos ou causa mortis, posterior à data da notificação, transfere as obrigações de parcelamento, edificação ou utilização previstas no art. 5º desta Lei, sem interrupção de quaisquer prazos”.

Tal situação nada mais é que a transferência da propriedade, que por tratar-se de bem imóvel, deve cumprir determinadas formalidades previstas na legislação civil e cartorária brasileira.

2.2 Imposto predial territorial urbano progressivo

Em caso de descumprimento da sanção imposta pelo poder público, acima referida, o Estatuto da Cidade prevê como uma nova tentativa para erradicar a situação de abandono da terra urbana, cria o Imposto Predial e Territorial Urbano progressivo no tempo, conforme demonstra o artigo 7° do referido Estatuto:

Art. 7oEm caso de descumprimento das condições e dos prazos previstos na forma do caput do art. 5odesta Lei, ou não sendo cumpridas as etapas previstas no § 5o do art. 5odesta Lei, o Município procederá à aplicação do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU) progressivo no tempo, mediante a majoração da alíquota pelo prazo de cinco anos consecutivos.

§ 1oO valor da alíquota a ser aplicado a cada ano será fixado na lei específica a que se refere o caput do art. 5odesta Lei e não excederá a duas vezes o valor referente ao ano anterior, respeitada a alíquota máxima de quinze por cento.

§ 2oCaso a obrigação de parcelar, edificar ou utilizar não esteja atendida em cinco anos, o Município manterá a cobrança pela alíquota máxima, até que se cumpra a referida obrigação, garantida a prerrogativa prevista no art. 8o.

§ 3oÉ vedada a concessão de isenções ou de anistia relativas à tributação progressiva de que trata este artigo.

Portanto, o Imposto Predial e Territorial Urbano progressivo é uma sanção prevista no nosso ordenamento jurídico, por meio do artigo 182 da atual Constituição Federal e artigo 7° do Estatuto da Cidade, onde o não cumprimento do parcelamento e da edificação compulsório acarreta em cobrança de um Imposto Predial e Territorial Urbano que aumenta no tempo em que a propriedade urbana não cumpre a sua função social.

No atual ordenamento jurídico existem dois tipos de progressividade quanto ao referido imposto, sendo uma progressiva quanto ao valor venal do imóvel, onde se majora o imposto progressivamente referente ao valor real que possui o imóvel, sendo que este é amplamente discutido acerca de sua constitucionalidade. Já a progressividade quanto sanção para descumprimento do parcelamento ou edificação compulsória no prazo correto, este tem um caráter extrafiscal e tem o intuito de promover a função social de um determinado imóvel. Conforme ressalta (ALMEIDA, et al, 2004, p.84), onde:

Em que pese a opinião dos que sustentavam mais amplamente a possibilidade de cobrança de Imposto Predial e Territorial Urbano com alíquotas progressivas, já era pacífica na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal a inconstitucionalidade dessa medida, com exceção da hipótese do artigo 182, parágrafo 4° da Constituição Federal de 1988.

Ressalta-se ainda que o Imposto Predial Territorial Urbano Progressivo possui um caráter extrafiscal, onde a sua imposição ultrapassa o cunho arrecadatório do município, possuindo influência na destinação do imóvel, refletindo assim em uma possível mudança em prol da sociedade, mesmo que incentivada por uma sanção fiscal.

Portanto, a atual Constituição Federal trouxe em seu diploma legal, a efetiva possibilidade no ordenamento jurídico de combater a especulação imobiliária, consubstanciado ao Estatuto da Cidade, onde cada município define o seu plano diretor, este poderá de forma eficaz erradicar tal situação urbanística.

Importante ainda é que a majoração de tal imposto é disposta no artigo 7° parágrafo 1° do Estatuto da Cidade onde: “O valor da alíquota a ser aplicado a cada ano será fixado na lei específica a que se refere o caput do art. 5odesta Lei e não excederá a duas vezes o valor referente ao ano anterior, respeitada a alíquota máxima de quinze por cento.”

Sofre, portanto duas imposições, sendo não exceder o dobro do valor do exercício posterior e respeitar o máximo de 15 por cento, ou seja, competente a legislação municipal impor a sanção de forma a induzir o parcelamento ou edificação do imóvel, respeitando os limites acima referidos.

Caso a obrigação de parcelar, edificar ou utilizar não esteja atendida em cinco anos, o Município manterá a cobrança pela alíquota máxima até que se cumpra a referida obrigação, garantida a prerrogativa prevista no artigo 8°. ( parágrafo 2° do artigo 7° da Lei do Estatuto da Cidade.)

Deixa claro o legislador que o não cumprimento da função social do imóvel acarretará em um prejuízo até o efetivo cumprimento, tentando assim levar o proprietário a cumprir o estipulado no nosso ordenamento jurídico. Ressalta-se que, a desobediência do proprietário pode acarretar ainda a desapropriação do imóvel, matéria esta que será tratada posteriormente.

Por se tratar o Imposto Predial e Territorial Urbano progressivo de cunho social, o legislador ainda no artigo 7° da Lei do Estatuto da Cidade, introduz em seu parágrafo 3° que é vedada a concessão de isenções ou anistia, em relação a tal tributo.

Fernando Dias Menezes de Almeida (2004, p. 96), elucida que não compete ao município conceder a isenção, esta referente a isenção de impostos de fatos futuros, ou anistia, esta basicamente o perdão de infrações cometidas no passado, haja vista que o legislador municipal sofre uma pressão local maior, muito mais sujeito a adversidades, deixando tal competência para o âmbito federal, pois se trata de um matéria de elevado valor social e urbanístico.

2.3 Desapropriação

Maria Silvia Zanella di Pietro (2005, p. 133) a desapropriação é o procedimento administrativo pelo qual o poder público ou seus delegados, mediante prévia declaração de necessidade pública, utilidade pública ou interesse social, impõe ao proprietário a perda de um bem, substituindo-o em seu patrimônio por justa indenização.

Traz-se ainda a definição de Hely Lopes Meirelles (2005, p. 501):

Desapropriação ou expropriação é a transferência compulsória da propriedade particular (ou pública de entidade de grau inferior para o superior) para o Poder Público ou seus delegados, por utilidade ou necessidade pública, ou ainda por interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro (Const. Rep., art. 5.', XXIV), salvo as exceções constitucionais de pagamento em títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, no caso de área urbana não edificada, subutilizada ou não utilizada (Const. Rep., art. 182, § 4º, III), e de pagamento em títulos da dívida agrária, no caso de reforma agrária, por interesse social (Const. Rep., art. 184).

Ou seja, consiste em procedimento administrativo no qual o poder público com fundamento no interesse social, qualquer que seja sua origem, promove a retirada do bem da propriedade do possuidor originário. Essa se fundamenta na supremacia do interesse público sobre o privado, ou seja, sempre que a sociedade ensejar tal atitude pode-se retirar do proprietário os direitos de uso, gozo e disposição de seu bem.

Existem diversas hipóteses de aplicação do instituto da desapropriação, entre elas elenca-se para fins de reforma agrária, para instalação de equipamentos públicos. Ressalte-se que todas essas hipóteses fundamentam-se no interesse público, sendo este requisito essencial, inerente ao próprio conceito deste instituto, sem o qual o mesmo não poderá ocorrer.

Interessa nesse trabalho a desapropriação com fins de evitar a má utilização dos imóveis urbanos, ou seja, aquela prevista no Plano Diretor do município que surge como a forma mais drástica de intervenção estatal na propriedade imóvel urbana, e só pode ser utilizada quando as outras opções elencadas no texto legal não tiverem surtido qualquer efeito.

Feita a definição do que vem a ser desapropriação passa-se a detalhar o procedimento a ser seguido para que ocorra a desapropriação, nos moldes definidos pelo Estatuto da Cidade.

2.3.1 Procedimento

A desapropriação ocorrer por meio de uma sucessão de atos definidos em lei e que culminam com a incorporação do bem ao patrimônio público.

Explica Maria Silvia Zanella di Pietro (2005, p. 143) que conforme determinação legal a indenização do bem desapropriado deve ser justa, prévia e em dinheiro.

Ressalte-se a importância de definir o que vem a ser indenização justa, a qual no entendimento de Hely Lopes Meirelles (2005, p. 517) é aquela que cobre não só o valor real e atual do bem expropriado no momento do pagamento, inclui ainda os danos emergentes e os lucros cessantes do proprietário, decorrentes do despojamento do seu patrimônio.

Indenização prévia, segundo José dos Santos Carvalho Filho (2004, p. 791), significa que deve ser ultimada antes da consumação da transferência do bem.  E em dinheiro quer dizer que o expropriante há de pagar o expropriado em moeda corrente.

O Estatuto da Cidade regula a desapropriação para fins urbanos. Por meio dessa modalidade, o Poder Público Municipal pune o proprietário que não deu a seu imóvel a função social estabelecida no Plano Diretor. Diferentemente das desapropriações por utilidade e interesse público e interesse social, na desapropriação para fins de reforma urbana o pagamento é realizado por meio de títulos da dívida pública, resgatáveis num prazo de dez anos (BARROS, CARVALHO, MONTADON, 2010, p. 99).

O procedimento desapropriatório compreende duas fases: a declaratória e a executória, abrangendo, esta última, uma fase administrativa e uma judicial. Na fase declaratória, o poder público declara a utilidade pública ou o interesse social do bem para fins de desapropriação. A segunda fase do procedimento da desapropriação - a executória - pode ser administrativa ou judicial. Compreende os atos pelos quais o poder público promove a desapropriação, ou seja, adota as medidas necessárias à efetivação da desapropriação, pela integração do bem no patrimônio público.

Discute-se então cada uma dessas fases. A desapropriação poderá ser efetivada por via administrativa ou por processo judicial, sendo mesmo recomendável o acordo na órbita interna da Administração, após a declaração expropriatória (MEIRELLES, 2005, p. 514).

Explica Maria Sylvia Zanella di Pietro (2005, p. 134) que a declaração expropriatória pode ser feita pelo Poder Executivo, por meio de decreto, ou pelo Legislativo, por meio de lei, cabendo, neste último caso, ao Executivo tomar as medidas necessárias à efetivação da desapropriação. O ato declaratório, seja lei ou decreto, deve indicar o sujeito ativo da desapropriação, a descrição do bem, a declaração de utilidade pública ou interesse social, a destinação específica a ser dada ao bem, o fundamento legal e os recursos orçamentários destinados ao atendimento da despesa.

Administrativamente tem-se um procedimento simplificado que é realizado através de uma composição amigável entre as partes, sendo realizada a transferência do bem e a consequente inscrição no registro de imóveis por instrumento particular. (MEIRELLES, 2005, p. 514).

Não havendo acordo, segue-se a fase judicial, iniciada pelo poder público, com observância do procedimento estabelecido no Decreto-lei nº 3.365/41 (arts. 11 a 30), aplicável também à desapropriação por interesse social fundada na Lei nº 4.132, consoante se verifica pelo disposto em seu artigo 52; na omissão da lei, aplica-se o CPC  (art. 42 do Decreto-lei nº 3.365). Quanto à desapropriação para fins de reforma agraria, o procedimento está estabelecido na Lei Complementar nº 76, de 6-7-93.

Iniciado o processo judicial, se as partes fizerem acordo quanto ao preço, a decisão judicial será apenas homologatória, valendo como título para transcrição no Registro de Imóveis (DI PIETRO, 2005, p. 173).

O foro competente para a ação, inclusive na desapropriação indireta, é o da situação do bem expropriado, salvo quando houver interesse da União, que torna competente a justiça Federal com sede na Capital do Estado correspondente (MEIRELLES, 2005, p. 515).

Ressalte-se que no processo de desapropriação só podem ser discutidas questões relativas ao preço e a vícios processuais.

Sendo vedado ao juiz entrar em indagações sobre a utilidade, necessidade ou interesse social, declarado como fundamento da expropriação (art. 9º do Decreto-lei nº 3.365), ou decidir questões de domínio ou posse.

Nesse sentido, cita-se jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo:

TRF 5ª Região. AI n.º 11.424-SE, DJ de 06/11/97. Rel. Dr. Rogério Fialho Moreira.  Agravo de instrumento. Ação de desapropriacão. Decisão que concede imissão de posse initio litis. Alegação de invalidade do ato expropriatório por haver desconsiderado desmembramento anterior do imóvel. Presentes os requisitos do art. 6º da lc 79/93, o juiz fica obrigado a conceder a imissão liminar, que é imposição legal, e não ato discricionário do magistrado. Os vícios do ato expropriatório não são argüíveis nos próprios autos da ação de desapropriação, onde se discute apenas o quantum indenizatório. Agravo improvido.

Dispõe o artigo 15 da Lei que regulamenta a desapropriação por interesse público que se o expropriante alegar urgência e depositar quantia arbitrada de conformidade com o art. 685 do Código de Processo Civil, o juiz mandará imití-lo provisoriamente na posse dos bens.

Imissão provisória na posse, na definição de Celso Antônio Bandeira de Mello é a transferência da posse do bem objeto da expropriação para o expropriante, já no início da lide, obrigatoriamente concedida pelo juiz.

Sendo que conforme o §1º da Lei de desapropriação o valor a ser depositado obedecerá o disposto nas alíneas do referido dispositivo, a saber:

a) do preço oferecido, se este for superior a 20 (vinte) vezes o valor locativo, caso o imóvel esteja sujeito ao imposto predial;

b) da quantia correspondente a 20 (vinte) vezes o valor locativo, estando o imóvel sujeito ao imposto predial e sendo menor o preço oferecido;

c) do valor cadastral do imóvel, para fins de lançamento do imposto territorial, urbano ou rural, caso o referido valor tenha sido atualizado no ano fiscal imediatamente anterior;

d) não tendo havido a atualização a que se refere o inciso c, o juiz fixará independente de avaliação, a importância do depósito, tendo em vista a época em que houver sido fixado originalmente o valor cadastral e a valorização ou desvalorização posterior do imóvel.

Tem-se, portanto, que não basta o interesse público a declaração deste, bem como, o valor a ser pago como indenização não fica a cargo de decisão pelo poder público, deve-se obedecer determinadas condições estabelecidas em lei.

Feito o depósito provisório, o expropriado poderá levantar 80% do seu montante, ainda que discorde do preço ofertado ou arbitrado, desde que seja comprovada a propriedade e quitação de débitos fiscais incidentes sobre o bem até a data da imissão na posse, assim como a publicação dos editais para conhecimento de terceiros (MEIRELLES, 2005, p. 516).

A imissão provisória na posse de prédios residenciais urbanos tem rito próprio, estabelecido no Decreto-lei 1.075, de 22.1.1970, que só a admite após intimação da oferta ao expropriado, e, se este a impugnar, deverá ser arbitrada por perito avaliador do Juízo, para as providências subseqüentes e depósito da metade do valor estimado, até o limite legal (MEIRELLES, 2005, p. 516).

Posteriormente, têm-se dois caminhos, havendo concordância sobre o preço, o juiz o homologará por sentença no despacho saneador ou havendo discordância e devidamente avaliado pelo período será realizada audiência de instrução e julgamento, na qual após os trâmites legais, estabelecidos pelo Código de Processo Civil, o juiz proferirá sentença fixando o preço da indenização.

A imissão definitiva na posse, em qualquer hipótese, só se dará após o integral pagamento do preço, conforme o fixado no acordo ou na decisão judicial final, que adjudicará o bem ao expropriante, transferindo-lhe o domínio com todos os seus consectários. Mas é de observar-se, que desde a imissão provisória na posse o expropriante aufere todas as vantagens do bem, e cessa para o expropriado a sua fruição, devendo cessar também todos os encargos correspondentes, notadamente os tributos reais (MEIRELLES, 2005, p. 516).

2.4 A especulação imobiliária e o Estatuto da Cidade

A especulação imobiliária é um dos piores inimigos do meio ambiente urbano, se não for o pior deles (MILARÉ, 2005, p. 630).

Assim, o Estatuto da Cidade pensou como inibir esta valorização unilateral dos imóveis urbanos, instrumentos estes previstos nos artigos 5º a 8º. Através desses dispositivos legais, o Poder Público poderá determinar o parcelamento, a edificação ou a utilização compulsória do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado. O não-atendimento desta determinação acarretará a incidência de imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU) progressivo no tempo, durante cinco anos. Persistindo o descumprimento da determinação retro, o Município poderá desapropriar o imóvel, com pagamento em títulos da dívida pública.

Tais instrumentos não são cumulativos, mas sim sucessivos, assim, sendo frustrada a etapa anterior passa-se à próxima.

Assim os meios anteriormente citados, quais sejam, o parcelamento e edificação compulsórios, o Imposto Predial e Territorial Urbano progressivo e a desapropriação deve estar inclusos no plano diretor de cada município a fim de dar efetividade às normas trazidas no Estatuto da Cidade.

A premissa fundamental do Estatuto da Cidade é não permitir a criação de vazios urbanos, que historicamente foram objetos de especulação do capital imobiliário e meios de apropriação privada da valorização resultante dos investimentos públicos (SANTOS CAVALHO, 2010, p. 44).

Os instrumentos adotados legalmente têm o objetivo de obrigar o proprietário a um comportamento positivo de promover uma destinação concreta para a sua propriedade. Consistem em ações destinadas a impedir e inibir o processo de especulação imobiliária nas cidades, tornando os imóveis ociosos capazes de cumprir uma função social. Na falta dessa destinação, e havendo previsão no plano diretor, o poder público municipal está constitucionalmente capacitado para tornar social a função da propriedade urbana.

O objetivo de tais instrumentos, segundo Araújo (2003, p. 5), e controlar a retenção especulativa de imóveis urbanos, contribuindo para a redução do ritmo de espraiamento das manchas urbanas, o que acarretaria a mitigação da pressão exercida pelo mercado imobiliário para a transformação de áreas rurais por urbanas, refletindo na preservação do meio ambiente natural do entorno destas cidades (TORRES, 2007, p. 203).

Em linhas gerais para coibir a especulação imobiliária, o Estatuto da Cidade regulamentou o parcelamento, edificação ou utilização compulsórios, que obriga o proprietário a dar uma destinação ao seu terreno dando-lhe uma função social.

O Estatuto da Cidade permite também ao Município aumenta progressivamente,  no decurso do tempo a alíquota do Imposto Predial e Territorial Urbano para os imóveis supramencionados caso seus proprietários não obedeçam aos prazos fixados para o parcelamento, edificação ou utilização compulsória. Por fim, como ultima ato permite o Estatuto que se proceda a desapropriação, como meio mais drástico de forçar o proprietário urbano a dar uma destinação social à sua propriedade.

Tem-se, portanto, que o Estatuto traz meios de combater a especulação imobiliária reconhecendo que por muitas vezes a má destinação de imóveis urbanos ocorre na busca pelo lucro e que é necessária uma intervenção estatal, no sentido de coibir tal prática. Pois a especulação apresenta-se nociva à sociedade visto que tem como consequências a supervalorização de determinadas áreas e a periferização dos centros urbanos.

Esses meios, já estudados anteriormente, dão poder à municipalidade de combater esse mal da sociedade capitalista atual e exigir o aproveitamento adequando das áreas urbanas ociosas.

 

 

3 CONCLUSÃO

A especulação imobiliária é tema de uma discussão importante e necessária porque envolve diferentes questões relativas a direitos públicos e privados, principalmente em direitos considerados fundamentais, qual seja o direito de propriedade. E no que concerne ao âmbito do direito público envolve a questão da função social da propriedade.

O direito de propriedade está entre os direitos fundamentais e reflete-se sobre os poderes de usar, gozar e dispor da propriedade privada. Esse direito apresenta diversos pormenores quais sejam apresentam diferentes aspectos, sendo um deles civilista e outro constitucional. Considerando as diferenças entre os aspectos têm-se constitucionalmente diferentes formas de intervenção estatal na propriedade privada, essas formas de intervenção buscam tornar efetiva a função social da propriedade.

A função social da propriedade é meio pelo qual se busca demonstrar que nem sempre prevalece o direito individual, ou privado, em muitos casos tem-se uma prevalência do direito coletivo ou público sobre o privado. Considerando que um direito individual ultrapassa muitas vezes um direito público, de toda uma sociedade, onde neste caso o Estado deve intervir no sentido de limitar tais direitos em busca de uma convivência social harmônica.

Para tanto, surge o instituto da função social, ou seja, em diversas situações exige-se uma função social, seja das empresas, seja dos contratos e no caso em análise da propriedade. Assim práticas como a especulação imobiliária deixam as propriedades urbanas sem a devida destinação e muitas vezes, acarretando assim no não cumprimento de tal função social.

Da mesma forma, exige-se uma função social das cidades, o que se reflete numa organização adequada dos centros urbanos no sentido de que a todos os habitantes da cidade sejam garantidas condições dignas de sobrevivência com a disponibilização adequada dos equipamentos urbanos, bem como acesso a diferentes garantias, como saúde, esporte, lazer, educação.

A especulação imobiliária reflete-se como meio de obtenção de lucro fácil, prática pela qual apenas pelo não uso de determinadas áreas promove-se a valorização financeira das mesmas, seja pelo fato de que inevitavelmente o poder público disponibilizará a infraestrutura necessária, como por exemplo, asfalto, saneamento básico entre outros. A especulação imobiliária valoriza áreas ainda porque os vazios urbanos criados ficam numa localização mediana entre o centro das cidades e a periferia, essa localização privilegiada valoriza os terrenos.

Por outro lado a especulação imobiliária proporciona uma periferização das cidades, ou seja, pela incapacidade de pagar os altos preços exigidos por essas áreas supervalorizadas a população mais carente instala-se em áreas cada vez mais distantes dos centros das cidades, essas áreas muitas vezes não possuem a infraestrutura adequada proporcionando uma diminuição da qualidade de vida bem como impossibilitando o acesso a alguns serviços.

 Essa periferização afasta a cidade do cumprimento de sua função social, considerando que esta não proporciona iguais possibilidades a todos os cidadãos que pelo princípio da isonomia são iguais perante a lei.

Ressalte-se que essa expansão das periferias afeta principalmente um direito constitucional e individual, o direito à moradia, a inexistência de áreas devidamente urbanizadas favorece à favelização da população o que configura desrespeito ao direito de moradia, pois a população começa a instalar-se em áreas sem saneamento básico adequado em locais sem o mínimo de condições de sobrevivência, como, por exemplo, barracas de lona, que não possuem estrutura física, nem sanitária necessária à sobrevivência com dignidade, conforme preceituado pelo princípio da dignidade da pessoa humana.

Outro ponto negativo é que os imóveis objetos da especulação imobiliária não cumprem sua função social, pois ao ficarem sem destinação, podem ainda trazer aspectos negativos como a má utilização, o acumulo de lixo a instalação inadequada de serviços, entre outras questões.

Essas propriedades têm como único objetivo viabilizar o lucro de poucos e muitas vezes podem ocupar espaços para instalação de equipamentos urbanos necessários como escolas ou hospitais.

Feitas essas considerações entende-se que o Estatuto da Cidade surge como meio de combater a especulação imobiliária e apresenta meios para efetivação do cumprimento da função social da propriedade pelos imóveis urbanos e indiretamente ao cumprimento do princípio básico da dignidade da pessoa humana.

O Estatuto determina que seja elaborado um Plano Diretor, de competência municipal, tendo em vistas as diferenças regionais que determine previamente os meios a serem utilizados para fins de evitar a especulação imobiliária. Tanto o Estatuto das Cidades como o próprio texto constitucional trazem como meios de combate à especulação imobiliária o parcelamento e edificação compulsória, a progressividade das alíquotas de Imposto Predial Territorial Urbano e por fim a desapropriação.

Esses meios devem ser aplicados sucessivamente, sempre que um não surtir o efeito esperado passa-se ao próximo. A utilização desses métodos tem como objetivo o cumprimento da função social da propriedade urbana e de consequência combater a especulação imobiliária, considerando que em virtude dos gastos a serem dispensados pelo proprietário, podendo culminar com a perda da propriedade torna desvantajosa a pratica de especulação, considerando que o lucro a ser obtido no final do processo pode ser superado pelas perdas sofridas pelo proprietário.

Conclui-se por fim que a especulação imobiliária é uma pratica presente e atual no âmbito dos municípios brasileiros, tendo como principal consequência o enriquecimento de poucos e a marginalização de grande parte da população. Cabendo aos municípios quando da aprovação de seus planos diretores incluírem os dispositivos trazidos pela Carta Magna e pelo Estatuto da Cidade para fins de combate a tal prática nociva à sociedade.

 

 

 

referências

 

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[1] Aluno do Curso de Direito do Iles/Ulbra de Itumbiara-GO.


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