Cenário do futuro: o mundo em 2070



CENÁRIO DO FUTURO

Vera Silvia Pessoa Porto

Karine Costa Quirino Pinheiro

Novamente tinha perdido o horário. Eu olhava as horas no painel de meu aeromóvel enquanto tentava voar o mais rápido possível, mas era inútil. Cada aeromóvel, ao definir seu itinerário, era guiado por um computador de bordo que definia quais linhas de tráfego estavam livres naquele horário, o aeromóvel não poderia ultrapassar aquela velocidade ou entraria em rota de colisão com outros aeromóveis que cruzariam a mesma linha pouco tempo antes ou depois. Pensei, com certo desconsolo, que nos tempos de meu avô seria um pouco mais fácil conseguir boas desculpas para os atrasos. Ele sempre contava de como sofria com os constantes e kilométricos engarrafamentos dos chamados automóveis, uma versão terrestre e obsoleta dos aeromóveis, e de como perdia horas preso neles. Vovô adorou andar em seu primeiro “automóvel voador”, como ele chamava, e ficou literalmente nas nuvens.

 Eu amo meu avô, ele já conta 102 anos, e é um homem ativo e saudável. Não é raro ver homens e mulheres com mais de 100 anos atualmente. Neste ano de2070 aWorld United (organização que cuida para que os países se mantenham unidos e responsáveis pelo bem estar de seus habitantes e do meio ambiente) comemorou mais um aumento na expectativa de vida da população mundial. Bem, mas voltando ao meu avô, ele adora contar-me histórias da época em que era jovem e essas histórias são sempre emocionantes e me ajudam bastante a entender o mundo de hoje. Certa vez me disse que por muito pouco a humanidade e todo o planeta Terra iam ser dizimados pelo avanço desenfreado do homem sobre a natureza e sobre ele mesmo. As guerras, as doenças, as desigualdades entre ricos e pobres, países desenvolvidos em detrimento de países miseráveis. O quadro que se desenhava era negro. E não demorou a surgirem os primeiros sintomas do colapso que se aproximava: a escassez de água potável, florestas em agonia, animais extintos, o aquecimento global e muitos outros efeitos que eram ignorados por líderes mundiais e pela população em geral. 2021 foi o ano do colapso. A Terra entrou num ciclo de catástrofes nunca antes vistas em toda sua história. Milhões de pessoas morriam a todo momento. Desesperada e sem outras opções a não ser unir-se, a humanidade deu-se as mãos para evitar o que parecia ser o fim. As guerras cessaram. Países ricos passaram a ajudar os países pobres e essas diferenças foram diminuindo, novas tecnologias, mais limpas e eficientes, foram incansavelmente pesquisadas. O reflorestamento, conservação das florestas que restaram e despoluição das águas foram outras providências tomadas. Graças a isso, hoje temos um mundo livre de guerras, com uma sociedade mais igualitária e países mais unidos. A preocupação com o meio ambiente é algo constante, pois é difícil conciliar alta tecnologia com o ecossistema equilibrado. Existem grandes áreas nas quais os Homens não podem sequer entrar, são consideradas fundamentais para a existência saudável de nosso planeta. A questão da energia ainda é um calcanhar de Aquiles de nossos cientistas. Apesar de grandes avanços terem se concretizado no aproveitamento das energias solar e eólica, mas não é o suficiente para tantos computadores ligados permanentemente em todo o mundo. Tudo o que fazemos há sempre um computador por perto. Máquinas que nos servem para tudo. Até nosso sistema educacional se rendeu a elas. As escolas tradicionais (eu ainda cheguei a freqüentar uma quando pequena) não existem mais. Os professores ministram aula via computador, em vídeo-conferência, com os alunos e estes podem realizar pesquisas e fazer “viagens” sem sair de casa, com óculos especiais em terceira dimensão. Os pais são responsáveis pelo acompanhamento e presença se forem crianças. É bem mais fácil entender números, compreender histórias e conceitos. É como viver cada conteúdo. Fiz minha faculdade operando animais via computador, e era tudo muito real, não sentia falta de animais mortos em minha frente. Aliás, acho isso muito fúnebre!

 Hoje faço pesquisas na área de reprodução animal. Meu ambiente de trabalho é dos mais agradáveis. Uma fazenda urbana. Ninguém quer mais morar em áreas ditas rurais, então foram projetadas as fazendas urbanas. O prédio onde se localiza “minha” fazenda tem 250 andares, mas apenas 50 deles são da fazenda. Cada andar é um setor. Temos produção de leite, carne e derivados. Os que tem plantações são mantidos em ambiente estufa, climatizados e cuidados permanentemente por especialistas.

Estou envolvida agora num projeto bem ambicioso, estamos começando a trabalhar com rebanhos híbridos. Não há tanto espaço nas fazendas urbanas como nos antigos pastos abertos, então o jeito é maximizar a produção e ganhar espaço. Há alguns anos, depois de três décadas de pesquisas intensas e vários fracassos, os cientistas do mundo inteiro comemoraram o desenvolvimento do primeiro mamífero híbrido de nossa história. Uma fêmea chamada ironicamente de Eva, uma vaca da raça Nelore, que conseguia reproduzir-se sem a presença do macho. Um novo órgão reprodutivo independente, que em períodos cíclicos libera gametas sexuais masculinos e femininos, o que possibilita a fecundação de mais de um óvulo. As gestações se tornaram mais curtas, no entanto a quantidade de filhotes aumentou para dois e até trêsem média. Osbois sumiram dos pastos urbanos, não há espaço e nem necessidade deles. A idéia de rebanhos híbridos invadiu todos os pastos urbanos. Nada de touros, porcos machos, ou carneiros, apenas fêmeas saudáveis e eficientes. Obviamente, não só as fêmeas, que ficaram sem seus machos, acharam ruim. Instituições religiosas também protestaram, mas elas já não tem influência sobre a maioria dos governos do mundo. Exceto alguns países asiáticos e africanos que procuram manter com mais empenho suas tradições religiosas. Eu, por exemplo, não sigo nenhuma religião. E estou apreciando as mudanças que vem acontecendo.

Ainda bem que ninguém pensou em fazer isto com seres humanos. Não ia ser muito legal ficar grávida sozinha. A idéia de ter uma família bem estruturada para oferecer aos meus filhos (quero dois) me fazem sonhar com um futuro próximo. Minha família sempre foi muito firme e com valores bem definidos. A sociedade aprecia famílias bem estruturadas, e com a morte de milhões de pessoas há 50 anos atrás durante o caos terrestre, houve um incentivo para que as famílias se unissem e tivessem pelo menos três filhos para repovoar uma Terra combalida. Hoje já não precisamos ter tantos filhos, mas a idéia da família forte e unida permaneceu.

Quinze minutos de atraso. Não foram em vão! Pude apreciar que mundo rico e interessante temos hoje, em quantos aspectos evoluímos e em quantos outros tivemos que voltar ao passado para corrigir erros e é muito bom ver os resultados. Saí de meu aeromóvel mais leve e mais feliz, pensando que eu não gostaria de ter a desculpa do engarrafamento, não devia ser muito agradável ficar horas presa dentro de uma coisa chamada carro! Fui chamada a atenção, mas nem liguei. Estava sorridente por dentro!   


Autor: Vera Silvia Pessoa Porto


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