A educação tem uma função de mudança social



A EDUCAÇÃO TEM UMA FUNÇÃO DE MUDANÇA SOCIAL

Vera Silvia Pessoa Porto

INTRODUÇÃO

                             

Partindo do princípio que a educação é fundamental para a construção de uma sociedade democrática em suas dimensões social, ética e política escola vem buscando construir mudanças no paradigma da educação através de seus colaboradores. O homem é um ser inacabado, por essa razão está em constante busca e essa busca se dá por meio da educação que deve ser essencialmente um ato de conhecimento e conscientização e que, por si só não leva a sociedade a se libertar da opressão. A escola deve servir como instrumento de conscientização do cidadão, extrapolando assim, sua função de mera transmissora de conhecimento e lançando-se numa ação social diretamente relacionada à formação do senso crítico, direcionada para a intervenção e mudança da realidade social.

A educação escolar sempre foi fator de dominação colaborando na construção de um homem obediente e submisso. A acelerada revolução tecnológica indica transformações radicais em todo o sistema econômico mundial como às mudanças na organização do trabalho que estão a exigir um trabalhador com competência para atuar na sua área e habilidades gerais de abstração, comunicação e integração. Assim, a educação como processo de mudança social, tem seu papel cada vez mais relevante, são muitos os avanços tecnológicos e de comunicação, logo, não basta ao homem receber informações, aprender tecnologias, se nele não forem despertadas motivações para vencer os obstáculos do mundo em vertiginosa mudança e que lhe dêem sentido à vida em todas as dimensões.

Desta forma, a educação deve estar intrínseca ao amor e a esperança, deve ser autêntica, autônoma e coletiva. A responsabilidade social da escola e dos profissionais de educação para o processo de aprendizagem se desenvolve através do relacionamento interpessoal entre escola, professores e comunidade que pensam o currículo de forma a fortalecer a escola como unidade do sistema escolar e consequentemente promover uma mudança social no sentido de reconstruir uma sociedade mais justa e igualitária para todos, ou seja, as mudanças se fazem a partir da nossa ação cotidiana na realidade concreta de forma que se possa aprofundar a democracia como princípio para uma boa convivência humana.

A EDUCAÇÃO AO LONGO DA HISTÓRIA

A atividade educativa acontece nas mais variadas esferas da vida social. A relação educação sociedade é uma relação histórica e dinâmica que vêm sendo construída com a história da própria humanidade, a prática educativa é, portanto parte integrante das relações sociais. E, sendo a educação escolar resultado de uma longa evolução na forma de organização do poder, ela traz em si a idéia de institucionalização desse poder.

Na sociedade evidencia-se de um lado, o poder abusivo, as influências políticas, a corrida pelo poder e pelo consumo, de outro, a falta de conhecimento do povo, a falta de engajamento político, a omissão dos reais agentes de transformação, a alienação dos menos favorecidos. Nesse contexto, a educação tão fundamental para mudança social vem exercendo sua função de forma distorcida, onde o papel principal é legitimar os interesses da classe dominante. Percebe-se o descompasso entre a educação e as transformações ocorridas na sociedade.

Ao longo do século XVIII, muitos foram os fatos que contribuíram para as mudanças sociais. Com a revolução industrial, nasceu à necessidade de “um novo tipo de homem” treinado para atender às demandas surgidas a partir do crescimento das indústrias de faturamento e a escola tradicional era vista como preparadora para os futuros operários.  

A única questão a que faltava responder era a que se realacionava com o tipo de escola capáz de dar respostas às necessidades do modelo industrial, de pacificação social e de formação de um novo tipo de homem adaptado às exigências do novo modelo de produção, e que fosse simultaneamente tão barato que desarmasse a idéia de educação para todos” (Fino, 2000).

 Na França os iluministas almejavam por um sistema de governo onde todos fossem iguais perante a lei. Assim surgiu a sociedade moderna, fruto das transformações que culminaram na Revolução Francesa. Do auge do iluminismo, a educação tornou-se um dos instrumentos necessários e indispensáveis para a transformação da sociedade em todos os níveis. Em nome do progresso, a escola pública surgiu desde esse período, como um componente essencial para a evolução de qualquer sociedade humana estabelecida. Assim, entre outros fatos a Revolução Françesa teve um papel importante na difusão da idéia de progresso, embora saibamos que com ela tornou-se mais forte a predominância da alienação. Pois o caráter alienado da escola é claramente atestado quando da repetição enfadonha de conceitos e fórmulas, do poder da imposição de idéias, das classes de alunos enfileirados em permanente obediência ao professor que por sua vez é mero executor de projetos e atividades que são depositados nos alunos. 

Contudo, vivemos num mundo complexo, de transições e mudanças e da velocidade das transformações enfrentadas pela sociedade contemporânea. Cambi diz que,

“No interior dessas mudanças - entrelaçadas entre si e ligadas de maneira exponencial - colocou-se também a educação, assim como a pedagogia. Tanto as práticas quanto as teorias ressentiram-se diretamente da massifícação da vida social, da evolução de grupos sociais tradicional­mente subalternos, da criação de um novo estilo de vida, do crescimento, da democracia e da participação, bem como, da conformação e do gregarismo. A prática educativa voltou-se para um sujeito humano novo, impôs novos pro­tagonistas, renovou as instituições formativas dando vida a um processo de socialização dessas práticas e de articulação/sofisticação.” ( p.512)

Nesse sentido, a educação pode ser entendida como a porta para mudança de paradigma. Vivemos um momento de transformações estruturais como: globalização, revolução tecnológica, formação de blocos econômicos. É necessário democratizar essas informações a fim de dar ao homem condições que lhe permita entender os contextos históricos, sociais e econômicos em que estão inseridos. Esses pressupostos alicerçam o homem para uma perspectiva de inclusão social numa convivência justa e pacífica e de respeito às diferenças.

Em Pedagogia do Oprimido, Freire acredita numa educação que contribua para a democratização através de um movimento de homens e mulheres que dedicam suas vidas a transformar a realidade. A educação pensada por Freire deve ser para a promoção do homem como sujeito-histórico, movido por um compromisso ético e político com a superação de todas as formas de opressão.

A proposta de Freire por uma aprendizagem para a democracia, através de seu exercício cotidiano e de sua própria existência, implica em aprender democracia pela prática da participação, possibilitando o exercício direto do poder. Poder aqui entendido, não como uma propriedade na qual é passível do exercício de autoritarismo, mas como algo que se possui ou não. Ao educando, é preciso aprender a posicionar-se de forma a compreender as diferenças entre as opiniões, preferências, aprender a respeitar o outro. Viver suas próprias experiências, práticas, histórias, tradições. Tudo isso, numa atmosfera de respeito mútuo. É importante que o educando encontre segurança e abertura para que possa falar e reconhecer nas experiências com os outros, as que lhes são particulares.  Para tanto, deve ser proporcionado a ele incentivo para partilhar com os outros a vivência que tenha fora do mundo da escola, mas que servirá como contribuição para o processo de aprendizagem.

A educação, como diretriz para mudança social, perpassa pelo projeto político pedagógico, a qual deve ser articulada por uma gestão participativa que visualize a dinamicidade do currículo na comunidade escolar e de seu entorno. No entanto, os projetos não podem permanecer apenas nas mentes dos diferentes grupos, não é suficiente, que existam projetos pensados coletivamente, é necessário que os projetos e os seus pensadores assumam uma dimensão política de forma a defender formas de superação da realidade social. Desse modo, podemos entender esse ‘pensar’ sobre educação como uma “nova forma de fazer política”, uma política voltada para os interesses dos grupos num movimento de ação, reação, reflexão, que nos faz compreender “a politicidade inerente aos processos educativos”.

Paulo Freire pensa uma educação voltada para a conscientização sobre essa realidade de dependência dominadora, ou seja, a educação proposta por ele está voltada para a transformação desta realidade e se diferencia da educação tradicional.

O pensamento político-pedagógico de Freire se fundamenta na perspectiva do diálogo, conscientização e pedagogia do oprimido. E, em torno de todo esse movimento discursivo e problematizador em que se constroem as idéias e práticas de Paulo Freire, está associada à idéia de liberdade e democracia.

Paulo Freire defende uma educação voltada para a autonomia onde o educando é agente de sua própria aprendizagem, construindo seu conhecimento pelo diálogo, pela crítica, pela reflexão e pela co-participação. Uma educação cidadã, humanitária, construída através do senso-comum e elaborada com a participação de todos.

Com o avanço no desenvolvimento das tecnologias, dá-se o surgimento de novas necessidades educativas. A escola é equipada de novas ferramentas tecnológicas, o que provoca um novo desafio para os profissionais da educação e desencadeia as mais variadas reações em toda a comunidade escolar. Alguns se apresentam ansiosos, preocupados, com medo do novo; outros são mais positivistas, acreditam na perspectiva de inovação e pesquisam métodos para garantir uma aprendizagem significativa através de softwares inteligentes que propõem atividades que exercitem a habilidade de pensar, refletir e se fazer criativo. Segundo Fino, “Para haver inovação é necessário que a incorporação da tecnologia vise para além da mera rapidez ou eficiência do papel tradicional do professor, enquanto transmissor, e do aluno, enquanto receptor”. No entanto, na grande maioria das escolas existe uma complexidade de fatores que impedem o avanço do desenvolvimento pelo uso da tecnologia, a começar pela necessidade da formação dos profissionais da educação para a orientação na utilização dos computadores como ferramenta que podem apontar para uma aprendizagem construtiva dos alunos, seleção de software adequado às necessidades dos mesmos, realização de atividades atrativas que estimule o aluno à reflexão e os encoraje na tomada de decisões para sozinhos resolver determinadas situações de aprendizagem, planejamento de atividades que gere novas formas de interação com o conhecimento e com o outro e criação de procedimentos que venham a potencializar o conhecimento. “A tecnologia catalisa alterações não só naquilo que fazemos, mas também na forma como pensamos. Modifica a percepção que as pessoas tem de si mesmas, umas das outras e de sua relação com o mundo” (Turkle, 1989: 14-15)

As mudanças no setor educacional dependem fundamentalmente da vontade política dos diversos grupos que fazem à educação em suas variadas instâncias, a começar pela comunidade escolar, que deve participar de forma ativa na busca de soluções para os problemas vigentes da escola e da comunidade em que vivem.

Para o bom caminhar da escola é necessário construir uma relação horizontal, onde faça valer a liberdade de falar, sugerir, opinar e buscar soluções para o bom desenvolvimento da escola. A socialização e a participação ativa e consciente do indivíduo na sociedade contribuem de certa forma, para estimular uma reflexão sobre a realidade sociocultural, educativa e tecnológica e, também para o encaminhamento, das inovações e evolução social, pois, o currículo tem que está com seus objetivos entrosados com os avanços sociais. Assim como os alunos necessitam construir conhecimentos para atuarem na sociedade, também é necessário trabalhar com toda a gama de valores, atitudes, sentimentos necessários a sua existência em uma sociedade em transformação.

São muitas e variáveis as funções da educação e como diz Arroteia (1991), os sistemas educativos se afirmam e cumprem as mais variadas funções, através de fatos e ocorrências imprevisíveis no dia-a-dia de suas instituições.

“A socialização e a preparação para a vida activa contribuem, também, para estimular a maturação crítica e a reflexão sobre a realidade sócio-cultural, educativa e tecnológica, favorecendo por isso a inovação, o progresso e a mudança  social.” (Arrotéia, 1991, p.33)

O diálogo estabelecido entre escola e sociedade busca a construção coletiva e progressiva de consensos em torno da função social da escola para a compreensão da educação como ato eminentemente político, no sentido de que a escola deve servir como instrumento de discussão e socialização de propostas para aprofundar a democracia como princípio da convivência humana e como projeto educativo, como também, a de que todos os processos políticos devem ser profundamente pedagógicos e educativos para que se tornem transformadores da realidade.

Acreditando que a educação tem como função promover mudanças na sociedade e sabendo que a democracia, por preservar os princípios da igualdade e da fraternidade, mantém aberto os caminhos para a construção da liberdade e da justiça entre os homens e as nações, compreendemos que muito há que se fazer a favor da instalação e consolidação de formas verdadeiramente mais justas e democráticas de convivência entre as pessoas e instituições que integram a sociedade. Para que se faça cumprir a função da escola é preciso que além do desenvolvimento da aprendizagem cognitiva o homem também aprenda sobre solidariedade.

 

CONCLUSÃO

A história da sociedade é marcada ao longo do seu desenvolvimento, pela busca da efetivação da educação para uma sociedade harmônica. E, apesar das transformações sociais e da escola, sabemos que muito ainda temos a conquistar. De certa forma o ensino tradicional ainda prevalece na maioria das escolas, busca-se uma educação para a vida democrática onde o homem seja capaz de criar e transformar o seu mundo em prol da humanidade

Em um mundo de constantes mudanças, nem os conhecimentos acumulados, nem a conduta “correta” são tão importantes quanto à capacidade crescente do estudante de identificar os problemas existenciais e de pesquisar por soluções originais e criativas.

Tomando a educação como condição necessária para mudança social, deve ser construída para o processo de democratização das relações de poder na sociedade, como também, pode comportar, ao mesmo tempo, conservação e inovação, podendo funcionar como instrumento para mudanças.   

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARROTEIA, Jorge Carvalho. Análise Social da educação; Roble Edições, Leiria, 1991

CAMBI, Franco. História da Pedagogia; São Paulo. Fundação Editora da UNESP, 1999.

FINO, C. N. “Novas tecnologias, cognição cultura: um estudo no primeiro ciclo do ensino básico” (tese de Doutoramento ). Lisboa, 2000

FINO, C. N. “Um software educativo que suporte uma construção de conhecimento em interação (com pares e professor). In Actas do 3º Simpósio de Investigação e Desenvolvimento de Software educativo.Évora: Universidade de Évora, 1998

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido; Rio de Janeiro. Paz e Terra, 1987

TURKLE, S. O Segundo Eu – Os computadores e o espírito humano. Lisboa, Editorial Presença, 1989


Autor: Vera Silvia Pessoa Porto


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