Definição da arte clássica



segundo Boileau 

De nada serve uma obra ser aprovada por um pequeno grupo de conhecedores se esta não for acompanhada por certo consentimento e por uma pitada de sal próprio a satisfazer o gosto geral das pessoas. Sem esses requisitos jamais passará por uma boa obra. Se me perguntarem o que é esse consentimento e esse sal, eu responderei que é um não sei o que (je ne sais quoi) muito mais para ser sentido do que para ser dito. Em minha opinião, consiste principalmente em só apresentar ao leitor pensamentos verdadeiros e expressões justas. A cabeça das pessoas é naturalmente cheia de grande número de idéias confusas sobre a verdade, percebem apenas parte dela, e nada lhes é mais agradável do que quando aparece alguém que lhes apresentem algumas dessas idéias de maneira bem clara e no momento certo. O que é um pensamento novo, brilhante, extraordinário? Não é nem um pouco, como imaginam os ignorantes, um pensamento inédito, que ninguém teve. Pelo contrário, é um pensamento que deve passar pela cabeça de todo mundo, e que alguém pioneiramente descobre qual é a melhor maneira de exprimi-lo. Um pensamento de valor é aquele que exprime o que cada um pensa, mas de uma maneira viva, com elegância e de forma inesperada e nova. (Boileau, prefácio da edição de 1701).

Explicação do texto

Para a primeira edição coletiva de suas obras (1701), Boileau escreveu um importante prefácio, em que ele enuncia algumas de suas idéias fundamentais. Suas obras fizeram sucesso; ele o deve ao cuidado que sempre teve em agradar ao público. Mas Boileau cessa logo de falar de si, para se dedicar a considerações gerais de estética literária: ele relaciona a satisfação do público ao valor absoluto da obra, e estabelece as condições dessa satisfação como define o mérito de um pensamento.

O texto comentado

Um bom livro é aquele que agrada ao público, não o que é aprovado pelos críticos. A primeira frase é toda construída sobre a oposição entre um reduzido número de conhecedores e a apreciação geral das pessoas. Os críticos são os membros de grupos que pretendem conduzir ou corrigir os conceitos do público: os pedantes, como Lysidas, na Crítica da “Escola de mulheres”, louvam ou condenam as obras de acordo com as regras da arte. A essa sua maneira de julgar, Boileau opõe o gosto geral dos homens, ou seja, um público relativamente grande de nobres e burgueses que aclamaram Molière, que, na corte ou na cidade, comentaram com simpatia as Sátiras e as Epístolas. Estes não são ofuscados pelas regras e nem se ocupam em aprovar doutamente. Mas, quando uma obra lhes despertam a atenção ou lhes agradam, manifestam espontaneamente seu interesse.

Deles deverá vir a avaliação se uma obra é boa, pois Boileau pensa como Molière de que “a grande regra é a de saber agradar”. Este postulado, que é um dado de bom senso, é o fundamento da doutrina clássica. Daí a necessidade para os críticos de reconhecer, afinal, seu erro, se o sentimento do público contradisser seu juízo “a priori”.

Ora, o público prefere os pensamentos verdadeiros e expressões justas. Boileau indica as condições que garantem o sufrágio do público: pensamentos verdadeiros, quer dizer conformes à realidade; expressões justas, ou seja, adequadas aos pensamentos. Como se explica esta correspondência entre o prazer do leitor e a expressão adequada de um pensamento verdadeiro? Boileau, cartesiano, toca o fundo da questão. A razão, faculdade que discerne a verdade do erro é inata no homem: cada um possui naturalmente, em si mesmo, idéias confusas do que é verdadeiro; e raros são aqueles que desfrutam plenamente de um conhecimento claro. Ajudar os homens a discernirem o que eles vêem num lusco-fusco, é responder à aspiração profunda de sua natureza, logo, é agradar-lhes. Contudo, não basta descobrir-lhes a verdade, é preciso atrair sua atenção para ela através de uma apresentação feliz e que impressione. O papel do escritor apresenta assim dois aspectos: sua razão esclarece a idéia, e com arte a apresenta de maneira favorável e simpática.

Portanto, o mérito do escritor, consiste, não em surpreender por um pensamento inédito, mas em saber impressionar pela feliz expressão de uma verdade comum.

Conclusão

Em algumas linhas, Boileau define o objetivo e os meios da arte clássica. Ao enunciar as idéias que lhe vem do coração, Boileau se revela um dos representantes mais típicos do século XVII.

Ao mesmo tempo, ele apresenta um modelo de arte. Ao envelhecer, Boileau não perdeu nada de seu vigor de espírito. Suas frases são cheias de reflexão e experiência. Seu testamento literário é o de um verdadeiro clássico.

(Textos comentados – Manuel des études littéraires françaises – séc. XVII – G. CASTEX, P. SURER E G. BECKER – Hachette 1966 – ps. 217-218)

Boileau – (Nicolas) escritor francês (Paris, 1636-1711) autor de Sátiras, de Epístolas, da Arte Poética. Imitador de Horácio consagrou-se à poesia moral e satírica. (Dicionário Larousse, 1978 – p. 1040)


Autor: Luiz Antonio Moraes


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