Qualidade de vida docente



QUALIDADE DE VIDA DOCENTE

 

Ana Rúbia Cirino

Mônica de Jesus Aparecida

Nívia Jesus do Carmo

Patricia Sousa Rodrigues

Rosa Fernandes Rocha

Rosiene Sousa Santos[1]

 

 

 

RESUMO: Este artigo trata-se de um estudo qualitativo cujo objetivo é abordar sobre a qualidade de vida do professor (a), como as situações enfrentadas no exercício da profissão influenciam a vida pessoal desse profissional e afeta sua saúde. Para o desenvolvimento deste trabalho, foram realizadas algumas leituras e entrevistas com professores do ensino fundamental da rede pública, no município de Vitória da Conquista – Ba. Por meio das entrevistas foi possível perceber e compreender melhor o tema segundo o olhar de quem vive essa realidade.

 

Palavras-chave: Profissão. Qualidade de vida. Professor

 

 

 

Introdução

 

Como qualquer profissional, ou como qualquer trabalhador, os profissionais da docência encontram-se com a inevitável evolução surgida no final do século xx, desencadeando algumas questões problemáticas para o campo da educação e principalmente na posição do trabalho docente, em sua vida profissional e pessoal. Isto vem acontecendo devido a um conjunto de circunstâncias heterogêneas, como o desenvolvimento acelerado dos meios de comunicação e os meios tecnológicos, assim rompendo com as barreiras tradicionais de tempo e espaço, transformando o mundo num sistema global e único.

O profissional do magistério enfrenta inúmeras dificuldades no exercício de sua profissão docente. Dentre essas dificuldades encontram-se a falta de reconhecimento por parte dos governantes e da sociedade, o ambiente escolar muitas vezes inadequado para o melhor desenvolvimento da sua atividade, e as doenças que os atingem. São esses profissionais os quais vêm sendo atribuídas diversas funções no cotidiano de suas atividades de trabalho

 

 

Profissão docente

 

O trabalho docente é uma atividade psicossocial, que se desenvolve em contextos espaciais, temporais, sociais, organizativos, com valor educativo e que em cada circunstância tem aspectos singulares e únicos.

O professor, como profissional do humano, tem uma especial responsabilidade sobre sua atuação e, assim, o conhecimento de si mesmo no que é, no que faz, no que pensa e no que diz.  

Refletir sobre o professor enquanto ser concreto exige a busca ao seu mundo de atuação, o qual confronta-se com um leque de desafios, como, por exemplo, a falta de condições de trabalho adequadas: material didático, espaço físico entre outros; a remuneração precária que mal dá para a sobrevivência; sobrecarga de trabalho; ter que lecionar em várias escolas, com projetos diferentes; rotatividade dos professores na escola; além é claro de classes superlotadas com alunos na maioria das vezes mal comportados e violentos, que não reconhecem o valor do educador.

Em função dessas colocações os professores se sentem desprestigiados, sem apoio, injustiçados, afinal tanto se investiu para sua formação, e na maioria das vezes a dedicação para com os alunos é maior do que com a família.

Esses profissionais levam consigo, durante os anos de docência uma carga de cansaço, desânimo e rotina. Eles reclamam de não ter sido preparados para lidar com essas situações e geralmente enfrentam seus problemas sozinhos. A idéia que se tem é que ao professor coube estar nessa profissão por falta de opção. A situação do trabalho docente tem provocado uma grande desvalorização dessa profissão.

Veiga (1998, p.30), destaca três tendências que contribuíram para a desvalorização e um resultado insatisfatório da profissão do docente nos últimos anos: a dessacralização da ciência e da cultura, a introdução das novas tecnologias e o enfraquecimento dos papéis sociais e tradicionais, os quais vem a ser como um ácido que dilui os contornos clássicos da figura do professor, sua identidade e sua autonomia, criando, assim, uma situação desconfortável no âmbito da carreira profissional, afirma ainda que apesar de suas origens não  ser  atual, mas  seus efeitos começaram  a ser especialmente manifestados nas últimas décadas.

Além dos aspectos diretamente vinculados ao regime de trabalho, as mudanças que aconteceram na escola ao longo do tempo também se configuram numa dificuldade encontrada pelo professor. Muitas vezes o profissional docente é tomado por um forte desejo de mudança, e o que encontra em seu percurso são obstáculos. Segundo Imbernón (2000):

Assim, será necessário formar o professor na mudança e para a mudança. O educador vive no cerne de uma sociedade que está em constante transformação, e como agente que faz parte dessa sociedade, agindo e buscando mudanças, torna-se cada vez mais responsável pelo seu trabalho docente. (IMBERNÓN 2000, P.33).

Com essa mudança ocorrida na escola o perfil do professor também mudou, se os alunos agora são oriundos das classes populares, os professores também estão surgindo dessas classes menos favorecidas.

 O processo de desvalorização dessa profissão não se dá apenas por conta desses problemas, mas a mídia também tem colaborado para que isso aconteça, segundo Candau (1999, p.45) “A desmoralização do magistério e da escola é freqüente nos meios de comunicação e [...] pode afetar significativamente os vínculos entre educação e sociedade”. Isso acontece quando a mesma culpa o professor por todas as mazelas existentes na escola, e que se refere a má  formação do professor, sobretudo em relação a aspectos de sua linguagem, se referindo ao magistério como uma oportunidade para os pobres. No entanto não se refere às condições de trabalho como um dos fatores que tem ocasionado essa desvalorização.

Ao longo do tempo os profissionais da educação foram se adaptando às mudanças ocorridas no processo educativo, mas na maioria das vezes não se percebe uma melhoria nas condições de trabalho do profissional docente. O que se percebe é uma cobrança deste profissional, exige-se desses profissionais boa qualificação, qualidade de ensino, contínua atualização de conhecimento, sem que lhes sejam dados subsídios para isso.

Mesmo diante de tais dificuldades, o professor procura se atualizar para melhor desenvolver sua função. Para Imbernón (2000, p.31) “[...] uma das mais importantes funções ou tarefas docentes: é a de pessoa que “propõe valores”, impregnada de conteúdo moral, ético e ideológico”.

As responsabilidades e exigências atribuídas a esse profissional só têm aumentado atualmente, havendo assim uma transformação no papel do educador. Para Freire (2000 apud FEITOSA, 2008, p.54): “[...] os seres humanos se vão formando em suas relações sociais. Sempre poderão saber, descobrir, fazer coisas novas, diferentes; não se pode dizer que são obras “terminadas’, mas, pelo contrário, são seres em projeto, em mudança constante”.

 E muitos ainda não conseguem lidar com essas mudanças. São várias as suas queixas: é o cansaço, desconforto, um mal-estar generalizado. Os professores (as) se sentem coagidos, a família transfere toda a responsabilidade ao professor (a) e a escola, gerando assim uma crise de identidade.

 

 

Qualidade de vida do professor

 

A cansativa jornada de trabalho do professor tem ocasionado várias complicações que podem até tirá-lo da sala de aula por algum tempo. A maioria das doenças que atingem os docentes, tais como: problemas com a voz, alergias, esgotamento físico e mental, entre outros, estão diretamente ligados ao ambiente no qual ele exerce sua função, e também com a forma que ele lida com as situações adversas que surgem no ambiente escolar.

A maioria dos professores justamente por lecionarem no ensino fundamental ministram mais de uma disciplina, estão em mais de uma escola ou em dois turnos.

Leciono cinco disciplinas: Português, Matemática, História, Geografia e Ciências. (Professora A).

 

Todas as disciplinas, pois leciono na 3ª série da educação infantil.

 (Professora B).

 

Leciono em apenas uma escola, mas trabalho no período da manhã e da tarde, totalizando 40 horas. (Professora B).

 

Ensino em duas escolas. (professora D).

 

A principal ferramenta do professor é sem dúvida a sua voz, sem ela seria mais difícil transmitir conhecimento para os alunos, por isso cuidar da voz é fundamental para manter a qualidade de vida e profissional do docente. Esse é um dos problemas que os professores apresentaram:

Tenho problemas sérios nas cordas vocais. (Professora C).

 

A minha voz já era baixa, mas com o tempo foi piorando. (Professora E).

 

Tenho problemas alérgicos devido ao uso prolongado do giz. (Professora A).

 

Os motivos que levam ao desgaste vocal dos professores são, principalmente, a falta de preparo, o uso inadequado da voz e as condições impróprias de trabalho. Mas não apenas os professores são prejudicados, os alunos também perdem em qualidade de ensino.

Nota-se que além do desgaste com a voz, (pois pra ser ouvidos muitas vezes eles precisam elevar a voz), as condições de trabalho que os professores enfrentam no seu dia a dia são bem difíceis, existem escolas que ainda possuem quadro de giz, grande inimigo dos docentes  o que agrava ainda mais as complicações das cordas vocais.

Não apenas da voz vive o professor, outros tipos de desgaste também atingem e podem afetar seriamente sua carreira e qualidade de vida. Problemas de posturas, fadiga mental e má alimentação, que podem ocasionar queda do sistema imunológico e causar outras doenças também são preocupantes.

Como qualquer outro profissional os docentes também estão sujeitos a doenças ocupacionais, ou seja, causadas por conta do trabalho, (movimentos repetitivos, problemas circulatórios por ficar em pé por um longo tempo, manter o braço acima do ombro escrevendo ou apagando a lousa, sistema nervoso, disfunção endócrina, enxaqueca, lombalgia etc.), de manhã em uma escola; durante a tarde em outra; provas para corrigir; atividades para preparar; disciplinas para explicar; são horas e horas em pé; falando ou inclinado para elaborar as próximas aulas.

Já tive problemas na coluna e no braço devido à viagem diária dentro de uma Van, a gente não consegue ter conforto e por isso a nossa coluna ao final do dia está dolorida. No braço tive uma lesão por conta de escrever muito no quadro. Mas não pude me afastar, pois não tinha outra pessoa para me substituir, o jeito era escrever menos no quadro e ditar as atividades. (Professora B).

 

Já tive dores fortes nos braços devido à coluna cervical. (Professora C).

 

Quando na creche onde trabalhei as crianças adoeciam, devido ao contato com elas já peguei gripe, viroses e piolho (Professora F).

 

O que existe é um grupo de doenças que ataca as pessoas que trabalham nessa área. Por isso, o docente deve tomar todos os cuidados que qualquer outro profissional precisa ter. Visitas a um clínico geral, fonoaudiólogo, fisioterapeuta e outros profissionais da saúde, para a prevenção de doenças mais sérias. O problema é que não falta iniciativa e consciência por parte dos professores em se cuidar, o que falta é tempo e condições favoráveis, eles sabem que precisam ter uma vida melhor, mas não conseguem tê-la por causa das suas condições de trabalho. Isso fica evidente nas colocações deles:

Não tenho como parar pra cuidar de mim, da minha família. Da saúde quando fico doente aí tenho que ir ao médico, mas caso contrário, não tiro um tempo pra isso. (Professora B).

 

Não tenho tempo, trabalho o dia todo e só chego em casa à noite, mas sei que  precisa mesmo. (Professora D).

 

[...] quase não dá tempo pra ir ao médico por conta do trabalho. (Professora F).

 

Percebemos que os professores se dedicam de forma exclusiva ao trabalho, são poucos os que conseguem reservar algum tempo para a vida pessoal, e aqueles que têm filhos precisam se desdobrar em suas responsabilidades. É difícil conciliar os dois, pois eles passam a maior parte do tempo preparando aula e corrigindo provas.

Um dos fatores que afetam também a saúde do professor é o estresse gerado no ambiente escolar. Os professores revelam que às vezes é inevitável os desentendimentos e conflitos.

Considero uma boa relação com alunos e colegas, quando temos respeito e carinho pelas pessoas, as coisas fluem melhor. (Professora A).

 

Com meus colegas é o mais profissional e cordial possível, mas às vezes a gente se desentende, por conta das diferentes idéias. Com meus alunos eu procuro entender a realidade deles, pois a maioria é pobre e nem todos tem o material para estudar. Muitas vezes a gente tem que ser artista, pois é difícil trabalhar sem material e em condições precárias com eles. Mas eu tento me relacionar com eles da melhor forma possível. (Professora B).

 

 

Vimos que os docentes abarcam também os problemas dos alunos, esses profissionais se desdobram para exercer o seu trabalho mesmo em condições desfavoráveis. Assim como aponta Imbernón (2000, P.14) “O contexto em que trabalha o magistério tornou-se complexo e diversificado”. Fica mais do que em evidência o descaso do governo para com a educação pública. Uma das professoras desabafa:

Na atual conjuntura é muito difícil ser professor (a), a família está sendo destruída a cada dia. Há muita permissividade e pouca responsabilidade por parte dos pais, tanto os ricos como os pobres. Por isso, na escola o aluno não respeita mais o professor. O descaso das autoridades é grande. Só existe muita propaganda e pouca ação, pouco empreendimento. O salário é irrisório, o que contribui mais ainda com a desvalorização da educação. Muitos professores trabalham três turnos. Isso é desgastante e doentio. O professor não rende o suficiente na sala de aula. Espero ainda alcançar a educação como prioridade em nosso país. (professora C).

Mesmo com todas estas dificuldades encontradas nos caminhos da docência, os professores investem em sua formação, estão sempre buscando atualizar os seus conhecimentos apesar de terem bastante tempo em sala de aula.

Sou Pedagoga e Pós-graduada em educação infantil. Leciono há 18 anos. (Professora A).

 

Tenho o Magistério e atualmente estou cursando Pedagogia. Leciono a mais de cinco anos. (professora B).

 

Sou Pós-graduada. Leciono há 30 anos. (professora C).

 

Embora a formação seja um fator importante no desenvolvimento profissional do professor (a), ele não é o único, Imbernón (2000, P.44) aponta outros fatores considerados por ele importantes: A melhoria da formação ajudará esse desenvolvimento, mas a melhoria dos outros fatores (salário, estruturas, níveis de decisão, níveis de participação, carreira, clima de trabalho, legislação trabalhista etc.) tem papel decisivo nesse desenvolvimento.

Algo que nos chamou bastante a atenção é o fato de que a maioria dos professores entrevistados, disseram com convicção que amam a profissão que escolheram e se sentem realizados apesar dos impasses enfrentados todos os dias.

Posso dizer que me sinto realizada. Faço o que gosto e me especializei nesta área. (Professora A).

 

Ser professora sempre foi o meu sonho. Graças a Deus e a minha mãe, eu consegui realizá-lo. Sou uma professora muito feliz. (Professora C).

 

Me sinto realizada sim, amo demais. (Professora D).

 

É uma realização pessoal e profissional, me sinto como útil às pessoas, realizada. Gosto de estar com as pessoas, me sentir importante enquanto profissional. (Professora F).

 

Ser professor é sem dúvida desgastante sim, mas é possível se prevenir e evitar complicações que venham possivelmente a afastá-lo da sala de aula.  Neste sentido faz-se necessário a participação do Estado, da sociedade e dos educadores, destacando a importância do diálogo, na busca de medidas concretas que tenham por finalidade a valorização da educação, do magistério e principalmente que dê as condições de trabalho necessárias e humanas a esses profissionais.  

  

 

Conclusão

 

Ao analisarmos as questões trazidas neste artigo percebemos que ao se tratar de qualidade de vida docente, deve ser considerada ao avaliar as condições do exercício profissional, todos os elementos que afetam, direta ou indiretamente a saúde do trabalhador.

É importante pensar que a atividade de trabalho está fortemente ligada ao processo de adoecimento dos trabalhadores, Vale lembrar que as insatisfações, constrangimentos a que são expostos ao longo de sua história profissional, é um dos motivos que vem a acarretar vários prejuízos para a sua saúde física e mental sendo que a atividade docente é exigida diariamente o físico e o psicológico, desta forma fica claro que as condições de trabalho, a precarização do ensino e a percepção que o professor tem sobre sua realidade profissional, tem relação direta com sua saúde física e mental.

 

 

 

 

Referências

 

CANDAU, Vera, LUCINDA, Maria da Consolação, NASCIMENTO, Maria das Graças. Cotidiano escolar e violência. In: _________. Escola e violência. Rio de Janeiro: DP&A,1999.

 

FEITOSA, Sônia Couto Souza. Método Paulo Freire: a reinvenção de um legado/ Idem. - Brasília: Líber Livro Editora, 2008.

 

IMBERNÓN, Francisco. Formação docente e profissional. São Paulo-SP: Ed.Cortez, 2000.

VEIGA, Ilma Passos Alencastro (org.). / Caminhos da profissionalização do magistério – Campinas, SP: Papirus, 1998. - (Coleção Magistério: Formação e trabalho Pedagógico.


[1] Alunas do V semestre do curso de Pedagogia da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia-UESB.

 

 

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