O Estado Gerencial
A Constituição Federal de 1988 conferiu a Administração Pública um caráter finalístico, um plano de concretização de suas atividades e uma inserção de valores conjugados ao interesse e a finalidade pública. Tal remodelação de base constitucional interferiu na própria ciência do Direito Administrativo, ampliando o espaço de interpretação das leis reguladoras e adaptando sua efetiva função às imposições da modernidade, da tecnologia da informação, da transparência, das exigências de uma nova realidade jurídica com a participação da esfera privada.
No Brasil pós Constituição surgem mecanismos de controle da eficiência e da administração de resultados. Nasce também o axioma técnico-jurídico sobre o comprometimento das bases do direito, com as metamorfoses legais provocadas por pressões de ordem econômica e política.
O desenvolvimento econômico provocou uma reestruturação administrativa, ensejando a prevenção da eficácia das atividades estatais, bem como o fomento da infra-estrutura científica, tecnológica, industrial, dentre outras medidas básicas para atender as demandas econômicas, de modo a garantir o processo de inserção na competitividade internacional.
As transformações radicais do direito administrativo, ocorridas nos últimos anos, provocaram importantes conseqüências para a cultura jurídica, principalmente no que se refere à aplicação dos princípios norteadores da Administração Pública.
O princípio da eficiência, este erigido como um dos alicerces da administração moderna demonstrou ser um signo indispensável à atividade estatal. A aplicação da legislação está cada vez mais relacionada às situações concretas, estabelecidas entre governo e administrados.
A assunção do Estado frente às novas necessidades sociais cresceu, de maneira a abranger atividades antes reservadas a particulares, o que levou a uma crise quanto à noção do serviço público e induziram a transferência de execução de grande parte dessas atividades a particulares, surgindo, então, as concessões e, posteriormente, a criação de sociedades de economia mista, empresas públicas e parcerias público privadas.
Nesse diapasão, no Estado Gerencial, o elemento subjetivo (manutenção do interesse social) e o elemento formal (regime jurídico) foram profundamente afetados, isto porque, verifica-se um aspecto dualista onde, de um lado, o Direito Administrativo está integrado no Estado de Direito, respeitando e resguardando os fundamentos sociais previstos na Norma Constitucional e, por outro lado, o Estado Social, com a interferência estatal na esfera privada, visando sempre diminuir as desigualdades econômicas e sociais.
O Estado Gerencial fundamenta-se na ampliação da discricionariedade administrativa e outorga de autonomia administrativa, financeira e orçamentária aos dirigentes de órgãos da administração indireta.
No entendimento de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, as transformações no Direito Administrativo decorre de uma democratização da Administração Pública:
Democratiza-se a Administração Pública, com a implantação de novas formas de participação do cidadão, seja para garantir a transparência e o controle, seja para ampliar as formas de colaboração privada ao poder público, por meio de diferentes tipos de parceria (concessão, permissão, convênio, contrato de gestão, terceirização).
A substituição da Administração burocrática para a gerencial decorrente da influência da própria Ciência da Administração e resulta na busca de um regime jurídico mais flexível, que priorize o conceito da eficácia e respalde aspectos de conveniência e oportunidade administrativa.
A Emenda Constitucional 19 introduziu o parágrafo 8o no artigo 37 da Constituição, estabelecendo que:
A autonomia gerencial, orçamentária e financeira dos órgãos e entidades da administração direta e indireta poderá ser ampliada mediante contrato, a ser firmado entre seus administradores e o poder público, que tenha por objeto a fixação de metas de desempenho para o órgão ou entidade, cabendo à lei dispor sobre os critérios de controles, avaliação, responsabilidades (...)
Com efeito, um dos princípios mais discutidos, em razão do processo de evolução administrativa é o da legalidade, vez que os paradigmas do direito administrativo se tornaram, na indicação de alguns doutrinadores, incompatíveis com os novos ideais do Estado gerencial.
No direito positivo brasileiro, o princípio da legalidade continua firme e previsto na Constituição Federal, apesar da suposta crise resultante das reformas administrativas, realizadas na última década. A legalidade se expressa em sentido estrito, impondo restrições ao direito individual e coletivo e em matérias que se submetem à reserva de lei e, em sentido amplo, abrange os atos normativos, que criam direitos ou impõe obrigações ainda que sem previsão legal.
A controvérsia existente entre o novo panorama dos atos administrativos gerenciais e a manutenção dos princípios basilares do direito deve ser objeto de constante diálogo, que permita uma renovação sem a deterioração da legalidade, conforme lição de Joan Pratis i Catalã:
Precisamos de uma renovação gerencial de nossas Administrações Públicas tanto quanto de uma renovação paralela e coerente de seu Direito. Ambos os processos devem avançar conjuntamente e mantendo um diálogo permanente, pois respondem às exigências constitucionais igualmente indispensáveis ao Estado Democrático de Direito e dos princípios da eficácia e eficiência.
Conclui-se, portanto, que um dos efeitos das mudanças ocorridas em função da inserção do Estado Gerencial é a compatibilidade do principio da legalidade com outros princípios mais evidentes na nova ordem administrativa, tais como o a razoabilidade, eficiência e eficácia.
Outro efeito resultante desse processo é a interpretação do Poder Judiciário quanto aos atos administrativos e a análise das situações concretas em que são tomadas certas decisões discricionárias, visualizando não apenas seus aspectos formais, mas o conteúdo subjetivo que revela a manutenção dos direitos sociais.
Observa-se, contudo, que a consecução de ideais gerenciais para a administração pública, embora incorra na argüição de controvérsias e acaloradas discussões, constata-se que, sob uma perspectiva histórica, que os avanços na área social são evidentes, conferindo ao Estado uma qualificação que vai além do gerencial e o qualifica como democrático, uma vez que intensifica a participação do cidadão e busca consensualidade nas relações com o particular, consagrando, portanto, o princípio da supremacia do interesse público.
Autor: Nayá Fonseca
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