Auto-retrato com uma bola de futebol



Por: Laércio Becker, carioca radicado em Curitiba-PR.

 

Minha relação com o futebol nunca foi exatamente um amistoso.

A primeira vez que fui a um estádio, justamente o Maracanã, nem foi para assistir a uma partida, mas para ver o Papai Noel descer de helicóptero no meio do campo. De qualquer modo, a primeira multidão a gente não esquece. Nem o forte cheiro de xixi nos corredores do estádio.

Minha primeira ida ao Maracanã para ver um jogo de futebol data mais ou menos de 1976 ou 1977. Chegamos cedo para conseguir um bom lugar. Ganhei camisa, boné e bandeira do Fluminense, mas minha impaciência literalmente infantil impediu que esperássemos o início do jogo. Resultado: incrivelmente, fomos embora antes do pontapé inicial...

Aos sete anos, alguma coisa mudou. Incentivado pelas transmissões da Copa da Argentina, por meu primeiro (e último) álbum de figurinhas de futebol, que guardo até hoje, e uma bandeira do Brasil, que pendurei na janela por alguns dias (é a “pátria em chuteiras”) e depois desbotou, passei a chutar uma bola de papel dentro do apartamento. Coitada da vizinha de baixo. O gol era uma cortina, que estufava feito o filó, tuf!

Nesse microcosmo de um jogador só, eu era o craque que driblava as cadeiras. Mas, no futebol “de verdade”, nas aulas de educação física, que eu detestava, na hora de compor os times, fui sempre dos últimos a serem escolhidos. Eu e os gordos, na missão de ficar escondido num cantinho da zaga, para não atrapalhar. Aliás, eu já avisava antes do jogo: favor não passar a bola para mim que eu perco. Quando alguém ameaçava de cometer essa imprudência, eu fazia sinal de não, com o dedo, pois já conhecia a bronca que sobrava. Era fatal. Um poste jogaria melhor.

Nessa mesma época, minha turma de amigos fez, no playground do edifício, nossa primeira partida oficial. Fomos todos comprar nossos uniformes. Eu seria o goleiro, por demérito. Ganhei camisa, luvas e joelheiras. O que se achava centro-avante (depois tentou a sorte no Vasco, mas os joelhos não colaboraram) passou um tempão marcando com giz uns 50 lugares numerados na “arquibancada”. Ocupada que foi por meia dúzia de familiares entediados. Foi a primeira e última partida daquele time. E também do meu uniforme zero-quilômetro, que foi para a gaveta de onde só saiu novamente para doação a um orfanato.

Eu gostava de ler histórias em quadrinhos. Meu personagem predileto era o Zé Carioca (mascote do Madureira). Por esse motivo, ganhei a 2ª edição do Manual do Zé Carioca, de 1978, na vã esperança de que trouxesse histórias do próprio. Só que o manual é basicamente um livro de futebol escrito para crianças. Entrou na minha prateleira como um cavalo-de-tróia: sob o disfarce do papagaio malandro, foi meu primeiro livro de futebol. Por isso, li com uma pontinha de decepção. Mas sei lá o “estrago” que fez no inconsciente.

Na década de 80, mudamos para Curitiba e fui acometido por uma estranha febre de futebol. Eu montava – para mim mesmo – campeonatos com meus times de botão, só que com direito a zebras monumentais. Eram torneios inimagináveis, em que participavam, p.ex., America, Bonsucesso, Cruzeiro, Fluminense, Madureira, Olaria, Ponte Preta, Portuguesa Santista e São Cristóvão.

Quando ia ao Rio, acompanhava jogos na praia e depois assistia a uma mesa redonda na TV Record, com Luiz Orlando, Oldemário Touguinhó e Armando Marques (até o então presidente do CND, Manoel Tubino, chegou a participar). Gostava do estilo simples de se fazer TV naquela época. O programa não tinha nenhum efeito especial: só debate, às vezes acalorado – e algum merchandising, é claro. Em Curitiba, a TV Manchete transmitia outra, com Márcio Guedes e Paulo Stein. João Saldanha estava numa das duas, só não lembro qual. Aliás, eu lia as colunas dele, republicadas na Gazeta do Povo. Também lia a Gazeta Esportiva, especialmente os resultados das outras divisões do Paulistão – Radium, Velo Clube, Inter de Bebedouro...

Nos jogos pela TV, minhas recordações mais diferentes são um Goytacaz x Botafogo (narração de Januário de Oliveira: “tá lá um corpo estendido no chão”) e um Toledo x Pinheiros. Fui assistir a alguns jogos no Couto Pereira e no Joaquim Américo. Nos domingos, estudava (se é que é possível...) ouvindo partidas no rádio, não importa de quem: Colorado, Grêmio Maringá, Operário Ferroviário, tanto faz. Ia dormir com o rádio ligado ouvindo os comentários. No dia seguinte, procurava no jornal os resultados de times como Apucarana, Pato Branco e Grêmio Maringá. Na hora do almoço, assistia a outra mesa redonda, com Edson Luiz, Luiz Augusto Xavier e Foguetinho. Acho que era na Rede OM. Tudo isso sem torcer para nenhum time paranaense. Como diria Januário: “sinistro, muito sinistro”...

Depois a febre passou. O antitérmico foi ministrado pelos escândalos todos que vieram. Por isso, prefiro ler sobre o futebol do passado. Dessas leituras é que resultaram alguns artigos nos sites Campeões do Futebol e Webartigos, bem como o livro Do fundo do baú. O futebol de hoje só me interessará, de verdade, daqui a uns cem anos. Isso numa perspectiva imediatista, é claro...


Autor: Laércio Becker


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