O Sigilo Do Inquérito Policial E O Profissional Da Advocacia



Apresentação

A normalidade constitucional acaba sendo violada, para se atender reclamos populares e midiáticos de endurecimento penal (punitivismo). O culpado tem que morrer como inimigo, não como cidadão (Rousseau). Todo delinqüente é um inimigo (Fichte): ou convive comigo na comunidade-legal ou perde a vizinhança (isto é, deve ir para o cárcere) (Kant).[1]

O art. 20 do CPP possibilita a autoridade policial deixar o inquérito policial inacessível por completo ao advogado do indiciado, a fim de assegurar-se a efetividade de suas diligencias? O inciso XIV, do art. 7º, da Lei 8.096/94 (Estatuto da OAB) conferiu ao advogado, juntamente com os membros do Judiciário e do Ministério Público, acesso irrestrito aos autos do inquérito policial? Existe um conflito normativo e solução apenas principiológica desta problemática? Quais os eventuais limites a serem aplicados e quais os fundamentos legais para tanto?

Estas são as indagações que o presente trabalho científico visa propor possíveis soluções, longe de exaurir-se o assunto, mas, ao menos, consubstanciar os operadores do Direito, Juizes, Promotores Públicos e Advogados, assim como quaisquer interessados no tema, de argumentos congruente com os ditames legais, jurisprudenciais e doutrinários frente ao conflito de interesses em jogo.

O INQUÉRITO POLICIAL

A necessidade de se institucionalizar a aplicação das sanções aos indivíduos que pratiquem atos em dissonância com os valores caracterizados como aceitáveis pela sociedade é o fundamento para a legitimidade do Direito Penal. Assim, o jus puniendi do Estado somente pode ser deduzida em juízo, mediante uma ação penal, aonde se terá, ao final desta, argumentos suficientes para um aplicação ou não de uma sanção pelo Estado.

Entretanto, para iniciar-se a Ação Penal é necessário que o Estado tenha um mínimo de elementos probatórios que justifique a instauração de procedimentos consagrados no Código de Processo Penal para se apurar a culpabilidade ou não do individuo. Esta é a função do inquérito Policial.

Tourinho Filho (2005), caracteriza o Inquérito Policial como o "conjunto de diligências realizadas pela polícia judiciária para a apuração de uma infração penal e de sua autoria, a fim de que o titular da ação penal possa ingressar em juízo." Fernando Capez (2005) conceitua o inquérito policial como "procedimento persecutório de caráter administrativo instaurado pela autoridade policial". Mirabete (2006) complementa que "o Inquérito policial é todo procedimento policial destinado a reunir os elementos necessários à apuração da prática de uma infração penal e de sua autoria".

Inobstante as muitas vozes doutrinárias calarem-se, na conceituação do inquérito policial, sobre este ter a função da busca pela verdade dos fatos, posiciono-me nesta vertente como medida de impossibilitar que vícios crassos cometidos no decorrer deste procedimento investigativo possam desgastar o Poder Judiciário, ocupando-lhe tempo e recursos, constranger alguém a inconfortante situação de sentar-se no banco dos réus, ou, pior ainda, aprisioná-lo, por fracos e superficiais indícios de suspeita.

Aliás, no próprio art. 20 do Código de Processo Penal, o qual será, exaustivamente utilizado no decorrer deste trabalho científico, fala-se que "A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade" (grifo nosso). Assim, a natureza sigilosa do inquérito policial justifica-se na busca pelo esclarecimento dos fatos, pela verdade do quanto descrito na ocorrência registrado na delegacia, e não uma mera formalidade, dissimulando-se os fatos, por uma tenebrosa busca para encontrar-se um "delinqüente" qualquer que se encaixe no perfil de criminoso para finalizar-se o inquérito.

BREVES CONSIDERAÇÕES A CERCA DA NATUREZA JURÍDICA DO INQUÉRITO POLICIAL E O PRÍNCIPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA

O Inquérito Policial têm como uma de suas características marcantes, a sua discricionariedade, pelo qual a autoridade policial tem o poder de deferir ou indeferir qualquer pedido de prova feito pela defesa ou pelo indiciado. Júlio Fabrini Mirabete (2006) qualifica este procedimento como um dos poucos poderes de autodefesa do Estado, de nítido caráter inquisitivo, pelo qual o réu é um simples objeto de procedimento administrativo.

Inúmeros profissionais da área jurídica, assim como estudantes deste vasto conhecimento, se voltam para a problemática que gira em torno da ausência dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório nesta fase preparatória da Ação Penal.

Muitos dos seus argumentos baseiam-se no art. 5º, LV, da CF/88, o qual preconiza que "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;"

Em que pese o entendimento de alguns doutrinadores[2], o inquérito policial não consubstancia a natureza de processo administrativo, mas sim de procedimento administrativo. O inquérito não visa uma decisão, tendo como fim subsidiar a eventual e futura denúncia do Ministério Público. Seguindo-se o entendimento do Juiz Vladimir Viaconuzzi, do extinto Tribunal de Alçado do Rio Grade do Sul, "(…) o principio constitucional do contraditório pode ser entendido como a possibilidade da defesa dispor, antes da sentença, de oportunidade para se manifestar sobre a prova produzida pela acusação, e de fazer a contraprova. Não antes da realização da prova ou concomitante com ela." (RT 711/378)

Sob tal ótica, sem a intenção de menosprezar as intensas e benéficas discussões em volta da necessidade do contraditório e ampla defesa neste instituto, é forçoso reconhecermos que, por ter caráter probatório e inquisitivo – não conclusivo-, inexiste necessidade de assegurar-se todo o plexo de no andamento das investigações no inquérito policial.

O que mostraremos nesta argumentação é que a questão da possibilidade ou não do acesso do advogado ao inquérito policial sigiloso situa-se acima desta discussão de inexistência da ampla defesa no inquérito policial, seja por uma interpretação exegética, ou principiológica constitucional.

O SIGILO DO INQUERITO POLICIAL E A LEGISLAÇÃO VIGENTE

O Inquérito Policial é regulamentado pelo CPP nos seus arts. 4º ao 23º. Além do CPP, outros textos legais tratam do sigilo nas investigações policiais, como acontece com a própria Constituição Federal, as Leis nºs. 6.368/76 e 8.096/94, e, por uma interpretação harmoniosa, o Código de Processo Civil.

No art. 20 do CPP, o legislador processual penal versa que: "A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade".

A Constituição apresenta em seu art. 5º, que :

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;

LVIII - O preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurado a assistência da família e do advogado. (grifo nosso)

LX - a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem;

O Código de Processo Civil versa:

Art.. 155:"os atos processuais são públicos. Correm, todavia, em segredo de justiça os processos:

I - em que o exigir o interesse público;

II - que dizem respeito a casamento, filiação, separação dos cônjuges, conversão desta em divórcio, alimentos e guarda de menores.

A Lei 6.368/76 (Entorpecentes) no seu art. 26 prescreve:

"Os registros, documentos ou peças de informação, bem como os autos de prisão em flagrante e os de inquérito policial para a apuração dos crimes definidos nesta lei serão mantidos sob sigilo, ressalvadas, para efeito exclusivo de atuação profissional, as prerrogativas do juiz, do Ministério Público, da autoridade policial e do advogado na forma da legislação específica.".

Consultando a legislação específica do profissional da advocacia, O EOAB – Lei nº. 8.906, 04 de julho de 1994, o qual tem efeito erga omnes, de aplicação geral e indiscriminatória, característico de todo ato legislativo, temos:

Art. 7º.São direitos do advogado:

I - Exercer, com liberdade, a profissão em todo território nacional;

XIII - Examinar, em qualquer órgão dos Poderes Judiciário e Legislativo, ou da Administração Pública em geral, autos de processos findos ou em andamento, mesmo sem procuração, quando não estejam sujeitos a sigilo, assegurada a obtenção de cópia, podendo tomar apontamentos; (grifo nosso)

XIV - Examinar em qualquer repartição policial, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de inquérito, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos;

Estas são as fundamentações legais que irão nortear o interessado na problemática a posicionar-se da maneira mais coerente que um procedimento lógico e sistemático de hermenêutica exige.

O Sigilo do Inquérito Policial e os direitos constitucionais do indiciado

Diante da legislação supra, inúmeras autoridades policiais passaram a adotar um sigilo absoluto em toda a extensão do inquérito, deixando os autos inquisitoriais inacessíveis por completo aos indiciados e seus respectivos advogados.Sobre a necessidade e importância da decretação de sigilo neste procedimento administrativo, Fernando da Costa Tourinho Filho elucida:

"(...) Não se concebe investigação sem sigilação. Sem o sigilo, muitas e muitas vezes o indiciado procuraria criar obstáculos às investigações, escondendo produtos ou instrumentos do crime, afugentando testemunhas e, até, fugindo à ação policial. Embora não se trate de regra absoluta, como se entrevê da leitura do art. 20 deve a Autoridade Policial empreender as investigações sem alarde, em absoluto sigilo, para evitar que a divulgação do fato criminoso possa levar desassossego à comunidade. E assim deve proceder para que a investigação não seja prejudicada. Outras vezes o sigilo é mantido visando amparar e resguardar a sociedade, vale dizer, a paz social."[3]

Indiscutível, portanto, a efetividade da autoridade policial valorizar os direitos existentes em jogo, a saber: a intimidade; a privacidade; o interesse público e a aplicação da lei penal. Entretanto, esse sigilo absoluto comentado por Tourinho, com a devida vênia, necessita de explicações maiores a cerca do seu real alcance. Neste sentido, Luiz Flávio Gomes, expressa o seu posicionamento sobre o tema:

"O inquérito policial, elaborado pela Polícia Judiciária para a apuração de crimes e suas respectivas autorias, diferentemente do que ocorre com o processo penal, tem caráter inquisitivo e sigiloso (CPP, art. 20). Mas esse sigilo, evidentemente, não é absoluto. Ele não vale para o juiz do caso, para o promotor que nele atua, nem para os advogados em geral. Qualquer advogado, por sinal, pode examinar os autos de um inquérito policial. É direito assegurado pelo Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94, art. 7.º, incisos XIII a XV). Aliás, para isso, nem sequer necessita, em princípio, de procuração.[4]

Admitir-se a legalidade e coerência da decretação de um sigilo absoluto em torno desta fase, não somente probante, mas elucidativa da real ocorrência dos fatos, seria ir de encontro com o Estado Democrático de Direito, reconhecendo-se a obscura vigência do totalitarismo na nossa República Federativa do Brasil.

Saindo-se de argumentos que se esvaziam na norma, as muitas vozes doutrinárias e profissionais que defendem esta tese de "sigilo absoluto" apóiam-se no principio da proporcionalidade. Argumenta-se que a interpretação dos incisos XV e XIV do art. 7º do Estatuto da OAB deve ser compreensiva com o exposto no art. 20 do CPP, obediente ao princípio da proporcionalidade entre normas jurídicas, fazendo-se uma valoração entre a proteção da pessoa e da sociedade.

Aliás, semelhante a este entendimento e ainda apoiando-se na persistente e incansável discussão a cerca da existência ou não do contraditório e ampla defesa dentro do inquérito, o STJ se pronunciou afirmando que:

"O inquérito policial é peça meramente informativa, constituindo-se em procedimento administrativo investigatório de natureza inquisitorial, não se desenvolvendo sob o crivo do contraditório e da ampla defesa. Assim, é possível opor ao advogado o sigilo decretado no inquérito policial, desde que não haja risco de restrição à liberdade física e patrimonial do investigado. ".[5]

O TRF do Paraná também já se pronunciou sobre o tema:

"a regra insculpida no inc. XIV do artigo 7º da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia) que permite o acesso amplo e irrestrito do advogado aos autos do inquérito policial, deve ser interpretada levando em consideração a supremacia do interesse público sobre o privado. Nessa ótica, mostra-se adequada a restrição à publicidade nos casos em que o sigilo das investigações seja imprescindível para a apuração do ilícito penal e sua autoria, sob pena do procedimento investigatório tornar-se inócuo, em flagrante desatenção aos interesses da segurança social"[6]

Mister o esclarecimento desta tortuosa problemática, pois no caso sob exame, inexiste conflito de normas. O inciso XIV do art. 7º do referido estatuto não faz qualquer distinção entre inquéritos não sigilosos e sigilosos (vide legislação supra), permitindo ao advogado examinar em qualquer repartição policial autos de flagrante e inquérito. Tal permissão legislativa, bastante depois do nosso Código Penal, o qual data de 1941, é nitidamente auto-explicativa. Aliás, quando o legislador quis restringir este aceso a processos sem decretação de sigilo, expressamente o fez, no inciso antecedente ao mencionado, o qual, por explicação já exposta acima[7], não se refere ao inquérito policial, e sim a processos judiciais e administrativos. Ademais, se adotarmos este princípio da proporcionalidade sempre que existirem superficiais conflitos de normas, acabaríamos por admitir a utilização da tortura ou do detector de mentiras como instrumentos legítimos a buscar-se a "verdade" dos fatos, por interesses "maiores" do Poder Público.

Saindo-se para a discussão em torno do simples confronto de textos legais e partindo para uma argumentação principiológica, ainda sim, não cabe razão à existência de contraposição de interesse público – sigilo das investigações, e o interesse privado - prerrogativa profissional do advogado. Mister admitirmos que o direito de defesa do indiciado pelo advogado representa, também, um direito de interesse público, pois ilustra o direito constitucional de exercício livre da profissão, assegurado no art. 5º, XIII, da CF/88.

Diante da análise critica exposta acima, buscando-se fundamentadas contra-razões, urge o esclarecimento sobre a existência de direitos constitucionais do cidadão alvo de investigações policiais que devem ser sopesados num posicionamento sólido sobre o tema.

Inobstante a declaração da inexistência do contraditório e da ampla defesa no inquérito policial demonstrada no primeiro tópico do presente artigo, não podemos tratar o indiciado como objeto, sujeito inerte de investigações administrativas. Assim, são assegurados ao mesmo, direitos fundamentais no curso do inquérito, entre os quais se destaca para a presente argumentação o elencado no art. 5º da CF/88:

"LVIII - O preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurado a assistência da família e do advogado" (grifo nosso)

A constituição Federal assegura ao "preso" a assistência do advogado. Mas, como poderá o profissional da advocacia proteger o indiciado de eventuais arbitrariedades cometidas pela autoridade policial contra o indiciado? Como a prisão efetivada na fase policial (temporária ou preventiva) poderá ter as suas provas combatidas pelo advogado, o qual não tem sequer acesso as mesmas?

           Para que tal direito constitucional seja materializado, urge o acesso do advogado aos autos do inquérito policial que investiga o seu cliente. Por outro modo, estar-se-ia inviabilizando-se um cumprimento de conteúdo constitucional.

Mister a ressalva de que, assegurando-se esta garantia apenas para o indiciado já preso, cometeríamos a injustiça de corrigir eventuais ilegalidades e abusos da autoridade apenas quando o individuo esteja encarcerado, já sofrendo por algo que pode não ter cometido. Assim é o coerente entendimento é o do Ex. Ministro do STF Sepúlveda Pertence:

"A oponibilidade ao defensor constituído esvaziaria uma garantia constitucional do indiciado (CF, art. 5º, LXIII), que lhe assegura, quando preso, e pelo menos lhe faculta, quando solto, a assistência técnica do advogado, que este não lhe poderá prestar se lhe é sonegado o acesso aos autos do inquérito sobre o objeto do qual haja o investigado de prestar declarações."[8] (grifo nosso)

E não foi por outro motivo que em recentíssimo posicionamento o Ministro Celso de Mello do Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o pedido de Habeas Corpus nº. 86.059-1, considerou que o indiciado:

"(...) não se despoja de sua condição de sujeito de determinados direitos e de senhor de garantias indisponíveis, cujo desrespeito põe em evidência a censurável face arbitrária do Estado, a quem não se revela lícito desconhecer que os poderes de que dispõe devem necessariamente conformar-se ao que prescreve o ordenamento positivo da República"[9].

Evidente que o acesso ao inquérito policial pelo advogado não pode ser irrestrito, assim como nenhuma liberdade assegurada em lei ao cidadão. Necessário, portanto, a conciliação entre os interesses da investigação, da defesa à intimidade e a honra, e do direito à informação pelo profissional.

O primeiro dos limites encontrados expressamente pela legislação é a necessidade do profissional estar munido de procuração de seu cliente, caso o procedimento administrativo investigatória esteja correndo em sigilo. Tal necessidade tem como objetivo resguardar as garantias constitucionais do art. 5º, X, da CF., em favor do cidadão, no intuito de preservar-se o direito a intimidade e a honra do mesmo.

Quanto a preservação dos interesses investigatórios, defendidos pela autoridade policial, demais fluida é a solução proposta de restringir o acesso apenas a documentos que digam respeito, exclusivamente a pessoa do investigado. Tal posição não resolveria a problemática, pois o delegado ficaria com a incumbência de selecionar, escolher, as peças pertinentes, ampliando-se perigosamente a possibilidade de arbítrios. Necessário a delimitação desta liberdade.

Objetivo e ponderado o pronunciamento de Fernando Capez sobre estas limitações:

"O sigilo não se estende ao representante do Ministério Público, nem à autoridade judiciária. No caso do advogado, pode consultar os autos de inquérito, mas, caso seja decretado judicialmente o sigilo na investigação, não poderá acompanhar a realização de atos procedimentais (Lei n. 8.906/94, art. 7º, XIII a XV, e § 1º - Estatuto da OAB)."[10]

De forma a evitar entendimentos e posicionamentos errôneos e dissonantes com a nossa legislação, devemos especificar o que seriam estes atos procedimentais. Assim, a acessibilidade do profissional será permitida a documentos cujas diligências investigatórias já estejam concluídas, enfim, que já estejam introduzidas nos autos. O acompanhamento da estrita produção de provas, da execução destas diligencias, estaria de fora da alçada de conhecimento pelo advogado.

A "máxima" de que o delegado deveria proceder da seguinte forma "Sr. Advogado, tendo eu obtido esta ordem judicial, pretendo efetuar a busca e apreensão na casa de seu cliente, ainda hoje, às 17:00 horas, para ser exato...Por favor, nãoavise o investigado sobre o cumprimento do mandado!", não coaduna com os argumentos aqui presentes.  Não estamos defendo o conhecimento antecipado das provas eventualmente utilizadas pela autoridade policial na confecção do inquérito.

As interceptações telefônicas são um exemplo da inviabilidade de acesso do advogado para diligências em curso. Entretanto, em consonância com os argumentos supra, assim que findas as investigações a cerca da escuta, as informações obtidas ficarão sob sigilo para terceiros, mas inteiramente acessíveis para o defensor e o indiciado.

O posicionamento que os nossos ministros dos tribunais superiores têm a cerca da nossa legislação é de extrema importância para a sua aplicação em consonância com os reais anseios sociais de nossa população. A lei procura estabelecer condutas que devem ser aplicadas de forma objetiva e clara, visando-se uma prevenção de conflitos sociais.Entretanto, caso essa prevenção não tenha êxito, a pacificação do conflito já instaurado deverá ser solucionada pela nossa jurisdição, que aplicará o seu entendimento sobre a nossa legislação. Os nossos tribunais superiores, o STJ e o STF, são os parâmetros dessa interpretação, o modo pelo qual os demais juizes irão nortear (não restringir, como pretendem as Sumulas Vinculantes) os seus posicionamentos sobre as normas existentes.

Assim, o reconhecimento do STF de que assiste ao advogado do indiciado o direito de acesso aos autos inquisitoriais, que o estão investigando, mormente a decretação de sigilo, exigindo-se, para tanto, apenas a presença da procuração, representa uma benéfica sintonia da nossa jurisprudência norteadora com os princípios gerais do direito, as normas legais, e as mais argutas vozes doutrinarias sob o tema.

Infelizmente, entretanto, foi necessário um "reconhecimento" de direitos constitucionalmente assegurados, de aplicabilidade imediata, sobre os quais deveriam zelar as autoridades policiais, os promotores, juízes, serventuários da justiça e toda a nossa sociedade, em plena vigência da nossa Carta Cidadã.

Conclusão

A atual sistemática econômico-social em que vivemos, com desigualdades extremas, proporcionando a diminuição de valores como a liberdade e a integridade física, tornam constantes os casos de crimes contra o patrimônio, e em casos mais isolados, de violência sexual (é incontestável a prevalência de crimes como roubo, furto, estelionato sobre estupro, lesões, ect). O sentimento de vulnerabilidade da população frente à violência de seus próprios integrantes que não conseguiram encaixar-se no sistema, devido a um plexo de dificuldades impostas pelo próprio Estado e por deméritos próprios, incute nas mesmas um irracional e reativo sentimento de vingança, de punição generalizada. O encarceramento de quem comete um delito, ou ao menos contribuiu para alguma causa próxima, é levantado como necessidade fundamental para se viver com segurança e tranqüilidade em suas casas.

A prejudicialidade deste pensamento tem um maior alcance danoso quando presente nas motivações de pessoas que tem a função de presidir, comandar, procedimentos ou processos que tenham intimamente ligação com os mais valorosos direitos do cidadão. A autoridade policial deve presar para o êxito de suas investigações, decidindo sobre medidas que assegurarão a finalização de um inquérito coerente, já que o mesmo é uma importante base para a futura e eventual Ação Penal. Mas sempre, dentro das possibilidades legais, principalmente constitucionais.

A possibilidade de acesso, pelo advogado, aos autos do inquérito policial de seu cliente é uma prerrogativa profissional que visa a efetividade de direitos constitucionais do indiciado. Esta liberdade legal, jurisprudencial e doutrinariamente reconhecida apresenta as suas limitações, seja pela necessidade de procuração, seja pela restrição a documentos já inseridos nos autos, cujas diligencias investigatórias findaram-se.

A elaboração de artigos, teses, monografias, enfim, a atuação dos estudantes ( sejam já profissionais ou não) e a acessibilidades destes documentos para a sociedade, proporcionando discussões sobre o tema, permitindo aos políticos imbuírem-se de motivações profundamente contrastadas com o cerne da questão, ajudará para um modificação do triste panorama atual.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

·CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. São Paulo: Saraiva, 1998

·CERQUEIRA, Thales Tácito P. Luz de P.. O sigilo do Inquérito Policial e o "Processo Penal-Constitucional". Juristas.com.br, João Pessoa, a. III, n. 11, 04/03/2005. Disponível em: www.juristas.com.br/revista/coluna.jsp?idColuna-96

·CONSTANTINO, Ernani Carlos. sigilo pré-processual: uma arma à disposição da sociedade.. Disponível em http://www.apriori.com.br/cgi/for/viewtopic.php?p=1219Acesso em 08/08/06

·COUTINHO, J. N. M. . O sigilo do inquérito policial e os advogados: parecer. Revista Brasileira de Estudos Criminais, São Paulo, v. 5, n. 18, 1997.

·GOMES, Luiz Flavio. Advogado pode examinar qualquer inquérito policial. 31/08/2004. Paraná Online. Disponível em : http://www.apriori.com.br/cgi/for/viewtopic.php?p=1219

·HC 82354 / PR – PARANÁ. Relator:  Min. SEPÚLVEDA PERTENCE. Julgamento:  10/08/2004. Órgão Julgador:  Primeira Turma do STF

·HC Nº 51.209 - SP (2005/0207959-7) Relator : Min. ARNALDO ESTEVES . Julgamento: 03/02/2006. Decisão Monocrática. STJ

·MIRABETE, Júlio F. Manual de Direito Processual Penal. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2005;

·PERES, César. Sigilo de inquérito policial. STF concede a advogado o acesso aos autos. Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n. 529, 18 dez. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6059>. Acesso em: 24 mai. 2006

·RMS17691 / SC .2003/0238100-0. Relator Ministro GILSON DIPP. Julgamento: 22/02/2005. Órgão Julgador : T5 - QUINTA TURMA.

·SUMARIVA, Paulo Henrique de Godoy. O sigilo no inquérito policial . Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n. 661, 28 abr. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6640>. Acesso em: 24 mai. 2006.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. v.1. São Paulo: Ed. Saraiva, 1997



[1] GOMES, Luiz Flavio. Advogado pode examinar qualquer inquérito policial. 31/08/2004. Paraná Online. Disponível em : http://www.apriori.com.br/cgi/for/viewtopic.php?p=1219

[2] Para o professor Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, "Dizer-se que o inquérito policial consiste em mero procedimento administrativo e encerra investigação administrativa, é simplificar, ao excesso, a realidade sensível. Resta-se na necessidade esforçada de asseverar, em seguida, que a decisão judicial, embasada em inquérito, volta no tempo e no espaço, judicializando alguns atos de procedimento" (in Inquérito Policial - Novas Tendências, CEJUP, 1986, pág. 21)

[3] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de Processo Penal Comentado. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 1.996, vol. 1, pág. 49.;

[4] GOMES, Luiz Flavio. Advogado pode examinar qualquer inquérito policial. 31/08/2004. Paraná Online. Disponível em : http://www.apriori.com.br/cgi/for/viewtopic.php?p=1219

[5] RMS17691 / SC .2003/0238100-0. Relator Ministro GILSON DIPP. Julgamento: 22/02/2005. Órgão Julgador : T5 - QUINTA TURMA

[6] TRF 4ª Região, 8ª Turma, HC nº 200404010051277/PR, Rel. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro, DJU 14/04/2004

[7] O inquérito policial não é, e nem pode ser, processo, mas sim procedimento administrativo, pela sua característica não conclusiva.

[8] HC 82354 / PR – PARANÁ. Relator:  Min. SEPÚLVEDA PERTENCE. Julgamento:  10/08/2004. Órgão Julgador:  Primeira Turma do STF

[9] Idem

[10] CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. São Paulo: Saraiva, 1998


Autor: Bruno Caldeira Marinho de Queiroz


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