Rivaliza



RIVALIZA

CAPÍTULO I

Contexto Histórico

Por volta de 1850, o Amazonas foi experimentado um pouco da revolução industrial que impulsionava o mercado europeu. Barcos feitos de ferro que funcionavam a vapor foi assim, diminuindo um pouco, as barreiras geográficas entre o Amazonas e o restante do Brasil, e também entre a capital – Manaus e os Municípios. Estes barcos traziam produtos da capital para trocarem com os ribeirinhos durante a trajetória de suas viagens. Como funcionavam a lenha, deviam parar nos portos já ponteados, ou escalados para pegarem lenha para abastecer seus estoques. Um desses barcos chamava-se Rivaliza. Rivaliza, assim como os outros barcos, tinha também suas paradas definidas para abastecer. O dono dela, Tom Cavalcante, adorava suas longas viagens pelo Solimões, pois sabia que além de trocar mercadorias industrializadas por produtos da região, tais como: borracha, castanha e mantas de pirarucu, também, com sua esperteza de homem vivido da cidade grande, se aproveitava das pobres donzelas que nos portos de paragem, encontrava.

O Encontro

Só que nestas idas e vindas no Rivaliza, Tom Cavalcante encontrou sua alma gêmea, sim, àquela que estava procurando para amar e além de passar toda a juventude com ele, deveria ser a mãe de seus filhos. Este encontro aconteceu em um dos portos que seu adorável e confortável barco parou para abastecer, o local era chamado de Porongaba. Ali vivia uma adorável mulher chamada Isabel, seus olhos, por vezes, verde ou azul de acordo com o contato dos raios ultravioletas que o sol proporcionava à donzela, um charme natural, sua pele morena e seus cabelos castanhos, impressionou e chamou a atenção do cobiçoso olhar do viajante. Ela por sua vez, moça de família, nunca antes sujeita a tal situação, constrangeu-se ao se sentir invadida ou quase devorada pelo olhar tão cobiçoso do Regatão. Tom percebendo o constrangimento que expôra à donzela, abriu logo um sorriso para descontrair a moça, e, é claro, ganhar um simples sorriso dela, que a princípio, era o que lhe importava por enquanto. Tom além de ficar impressionado com a beleza da jovem indagava consigo mesmo.

- Como pode uma jovem tão linda morar neste buraco? – Ela deveria estar estudando na cidade.

Mas, Tom nem ao menos imaginava quem eram os pais da moça, e muito menos o que lhe poderia acontecer se houvesse uma aproximação entre ambos. O pai de Isabel, vivido também, já conhecia quem eram os Regatões, e o que eles costumavam fazer com as moças de famílias que de porto em porto encontravam. Manuel Vidal, privava, proibia Isabel de simplesmente olhar na janela de sua casa, mas, só que naquele dia, a jovem estava justamente no porto tomando seu banho, e o encontro dos dois foi inevitável, ou melhor, um simples trocar de olhar foi o suficiente, para que seu Manuel percebesse e escorraçasse a moça do porto: Isabel, depressa, suba logo com este pote, sua mãe deve estar precisando de você! – Disse seu Manuel.

Isabel, cabisbaixa e envergonhada com os gritos de seu pai, não ousou em desobedecê-lo, subiu o barranco e foi-se. Mas, esta, jamais esquecera do moço que havia visto no barco, pelas suas indagações mais tarde a sua mãe, percebeu-se depois o interesse no viajante.

Como haviam outros barcos que faziam as viagens e mercandeavam por essa região, e cada barulho de máquina ouvido bem distante por Isabel, trazia-lhe à a lembrança o olhar daquele homem que quase a devorara, e sempre que podia, olhava pelas gretas das janelas, para saber se era o RIVALIZA, mas, muitas das vezes eram os outros barcos, e a ansiosidade de Isabel continuava, pois já fazia uns dois meses que o Rivaliza não aparecia pela Região, e esta demora fez com que Isabel pensasse em uma estratégia para se aproximar do dono daquele barco, não pensava em se oferecer como faziam as outras que moravam próximo de seu porto, mas, com sua beleza e simplicidade obter algum sinal de interesse do viajante.

CAPÍTULO II

Isabel negocia com os Regatões

Isabel decidiu então, se interessar pelos negócios do pai, e não mais se conformava em somente tecer crochêr com sua mãe. Esta queria agora saber o que era uma arroba? Quanto custava? Com quantos ouriços de castanha dava uma caixa? Que tipo de mercadoria ela poderia trocar com uma caixa de castanha com os Regatões que traziam de tudo. O interesse da moça pelos negócios do pai, lhe trouxe uma recompensa tamanha, seu pai Manoel Vidal tinha lhe dado plenos poderes sobre os negócios, e é claro, total confiança, e o velho tabu havia sido quebrado, o “o lugar de mulher não é só na cozinha é também nos negócios”. Aquele pequeno porto parecia que tinha se tornado parte do Rio de Janeiro ou São Paulo, afinal, somente em cidades grandes era que o homem confiava que a mulher tomasse a frente dos negócios da família e fosse um pouco autônoma. Nas cidades pequenas, e, ainda mais sendo no Amazonas em simples Barracões as mulheres eram somente lembradas para os afazeres domésticos e é claro a noite, para o ato, para a realização dos desejos carnais dos homens.

Pois bem, após ter recebido autoridade para negociar com os regatões, Isabel fazia cada negociação com bastante eficiência para não desgostar seu pai, e, é claro, não perder a oportunidade de continuar na frente dos negócios para encontrar novamente o tão esperado barco Rivaliza, que trazia Tom Cavalcante.

Passaram-se dias, meses e até que enfim, o tão esperado chegou, mas, o pai de Isabel, apesar de não estar a frente das transações, acompanhava a filha para protegê-la dos gaviões, que a muito, desejavam possuí-la. As conversas de transações, quebrou a frieza da aproximação entre os apaixonados, e serviram para estreitar laços antes distanciados pelo protecionismo excessivo do pai. Todo o diálogo tratava-se somente de negócios; os sorrisos eram tímidos, ambos temiam uma abrupta interrupção da conversa, e por isso, cada gesto de afeto ou carinho, eram quase imperceptível a seu Manuel Vidal. Um piscar de olhos, um aperto de mão suave e escorregadio confirmava as intenções e interesses que tom tentava passar em um olhar, mas, o olhar fora mais profundo, que Isabel fez de tudo para lhe passar uma pequena carta que demonstrava também o interesse da jovem pelo rapaz.

A carta dizia: - A primeira vez que você me olhou, seu olhar penetrou nas entranhas de minha alma e acendeu dentro de mim um desejo profundo de conhecê-lo melhor. Acredito que percebestes o quanto sou protegida por meu pai. Mas, estou pronta para abandonar todo o conforto que tenho para ser sua.

Se já sem cartas ou declarações o lobo devorador fazia de tudo para deflorar suas vítimas, quanto mais uma declaração tão forte que fez com que o galã investisse a todo vapor, nesta que possivelmente disse estar enamorada por ele. Ora, em outros portos este devorador já havia prometido que casaria com todas com quem antes se deitava, mas, não havia comprometido o coração, pois este pertencia a Isabel. Pois bem, subia o Solimões, parava em cada porto antes ponteado, entrava no Rio Anamã, fazia transações, e nada de um encontro concreto, mais direto com a amada, que virou a cabeça e moldou os sentimentos de Tom. As outras jovens se inquietavam e passavam a se perguntar: Por que ele não nos procura mais?

AS FESTAS DOS REGATÕES

Em cada porto que os regatões chegavam, estes costumavam fazer festas, pois traziam a cachaça que se encarregava de embriagar os ribeirinhos nos portos, para que ficassem mais soltos e não se importassem com suas filhas que costumavam adentrar a floresta com os lobos tarados que após se realizarem esqueciam suas promessas de casamento, de filhos, e de morar na cidade grande.

Mas, infelizmente não fora assim tão fácil no porto “Porongaba”. Apesar de Isabel gostar muito do viajante, não se rendia facilmente aos desejos do forasteiro. Pensava em constituir família, ter filhos e fazer parte da vida do dono do Rivaliza, por isso, pediu ao rapaz que pedisse sua mão em casamento, pois seu pai apesar de ser protecionista, não negaria seu pedido.

Finalmente, Tom Cavalcante convencido pela moça, decidiu ter uma conversa séria com o pai dela, e foi pedir a mão da mesma em casamento, prometendo obviamente fidelidade e que cuidaria muito bem da moça.

Seu Manuel Vidal, a princípio não gostou muito da idéia de perder sua querida filha, pois esta cuidava dos negócios da família e muito mais sabendo que este regatão era famoso desonrador de donzelas nos portos não muito distante dali. Mas, como o regatão insistiu, seu Manuel prometeu que pensaria no pedido de Tom e que daria somente a resposta quando este, subisse o Solimões.

No mês seguinte, no porto da Porongaba, tudo ocorria exatamente como de costume, Isabel na frente dos negócios, verificando no depósito do casarão, fazendo anotações sobre quantas caixas de castanhas, quantas mantas de pirarucu ou quantas toneladas de borracha existia, para as eventuais transações. Quando de repente, ouviu bem distante um barulho de máquina, e logo seus instintos fizeram a ligação. Certamente é o Rivaliza, que vem trazendo meu Tom. E como antes seus instintos não erraram, logo após alguns minutos o Rivaliza aparece, quebrando ondas e espalhando as águas do Solimões agitadas pelo vento. E bem na proa vinha seu comandante com seus cabelos pretos sendo também agitados pelo vento e seus dentes de fora dando um ar de felicidade.

Ao encostar no barranco, Isabel, juntamente com seu pai vão receber aquele que além de trazer mercadorias para a necessária negociação, possivelmente seria o futuro membro da família. As coisas haviam mudado naquele porto. Seu Manuel desta vez, tinha até convidado seu futuro genro para tomar café em sua casa. Isabel toda recatada, saúda ainda timidamente Tom, mas, fica rezando em seu coração para que seu pai seja favorável a seu desejo.

Bem, enquanto o café é servido..., Tom curiosamente pergunta:

- E aí seu Vidal, o senhor pensou bem no pedido que lhe fiz? Saí de Manaus pensando no casamento com sua filha.

- É claro que pensei, ah! E como pensei! – Concedo sim minha filha a você em casamento, mas, tem um, porém, minha filha é muito querida por mim e estar a frente de meus negócios, ela certamente será uma perca muito grande, e consequentemente me fará muita falta. Disse seu Manuel.

Seu Manuel Vidal, diz ainda: Ouvi que você é muito mulherengo e que costuma fazer muitas mulheres sofrer. Não faça minha única filha sofrer, hein!  Tom, sentindo-se um pouco encurralado pela cobrança disse com voz meio trêmula: - O que é isso seu Vidal, amo sua filha e jamais faria algum mal a ela. Ora esse discurso, essa palavra de comprometimento ele já tinha feito a todas as demais jovens que inocentemente tinha se apaixonado pelo viajante, mas, esse comprometimento era realmente sério, pois desta vez, ele havia comprometido também seu coração.

Muito bem, a conversa passava-se na casa, enquanto isso, Isabel procedia às negociações no porto. Seu Vidal com seu futuro genro desceram juntos para o porto, para também saber se as negociações ocorriam bem. Tom  não conseguia esconder o sorriso de felicidade e decidiu anoitecer ali naquele porto, para a noite tornar público seu noivado à vizinhança.

Ora, logo acima do rio, morava uma outra família, que era conhecida como “os mitosos” estes também negociavam com os regatões, e por algumas vezes, entravam em discórdia com a família de seu Manuel Vidal, as vezes era por disputa de terra, por árvores de seringueira, mais o que era mais comum era as fofocas e ciúmes que as filhas dos mitosos tinham de Isabel. Mas, como Tom gostaria de festejar seu noivado, aproveitou o momento para convidar os “Mitosos” para a festa.

O NAUFRÁGIO

A festa por sua vez, era animada por alguns tocadores existentes nos portos vizinhos que tocavam pelo simples prazer de tocar e também pela cachaça que era de graça. Naquela noite, com a cachaça de graça todos se embriagaram, exceto Isabel, sua mãe e seu pai. Tom fez a festa, despediu-se no outro dia de seu possível futuro sogro, sogra e é claro, esposa, e seguiu Anamã a dentro para trocar suas mercadorias e também convidar nos demais portos algumas pessoas que ele estimava muito para o seu casamento. Enquanto o seu barco adentra percorrendo o sinuoso e calmo Rio Anamã, passando mais ou menos um kilômetro e meio da terra “Vermelha” bate em um tronco de piranheira – árvore da região e naufraga. O comandante vai a loucura é claro, pois a maioria de sua mercadoria que seria trocada por produtos, agora, foi-se em segundos, levada para o fundo do rio. Os tripulantes nadam para a margem do rio para se salvarem temendo que algum jacaré ou até mesmo alguma cobra grande os puxem para o fundo do rio.

Na margem do rio, Tom Cavalcante viu somente o burbulhar de seu barco, soltando fumaça pela chaminé e algumas mercadorias que de bubuia ficaram. Por vezes pensava no prejuízo com as mercadorias, por outras, pensava em sua Isabel que nem ao menos chegou em se casar e quase esta ficara quem sabe para outro. Tom a princípio preocupou-se com o barco, mas, logo depois lembrou-se que o mesmo estava no seguro e seria fácil depois repor as perdas.

Após ter retornado a Manaus, procurou por profissionais que mergulhassem, pois queria pelo menos retirar a máquina. Ao chegarem no local onde tinha ocorrido o naufrágio, os mergulhadores ao vasculharem pelo fundo observaram que era impossível retirar a máquina, e que somente algumas peças de cobre seria possível resgatar. Das mercadorias, somente algumas garrafas de cachaça haviam sido encontradas.

E ... mais, por aquelas bandas, ainda havia um tesouro que ainda impulsionava o viajante para que continuasse navegando por aquela região, Isabel. Seu casamento deveria acontecer depressa, pois o naufrágio havia criado nele um complexo de medo de naufragar novamente, e temia que alguma coisa negativa interferisse em seu casamento. Após o casamento, sumiu para Manaus com sua esposa e mercandeava no porto de Manaus e nunca mais quis saber de navegar pelo Solimões. Felicidades para Isabel, pois apesar de amá-lo sabia que seu esposo adorava os portos dos ribeirinhos, ou melhor as filhas dos ribeirinhos.

Quanto a mim, 93 anos depois, após colher dados importantes e motivado pelo interesse de conhecer um pouco sobre a história do Rivaliza, acabei me empenhando por descrever os fatos ocorridos na época e fazendo assim, uma juntada, que envolve paixão, amor e negócios.


Autor: Ednilson Dos Anjos Antunes


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