Preciosidades



Preciosidades


O que eu senti, na primeira vez em que a vi? O mesmo que sente uma criança, numa manhã de natal. Depois, não me recordo. Nada pode resumir uma palavra. Coleciono primeiras edições. A primeira vez que estive aqui, não me dei conta da cor das paredes. Sentei no chão e me lembrei de outras vezes, noutros lugares. Coleciono fragmentos possíveis de se recordar com alento. Desde a alvorada, sempre me foi difícil discernir entre o pão e a palavra. Na primeira vez em que a vi, fazia sol, e era o início. Coleciono coisas para serem colecionadas, mas não duram muito. O que eu senti, na primeira vez em que ouvi aquela música? Que fora feita pra mim, e que iria ouvi-la para sempre. Coleciono teorias. O emprego das palavras certas depende do fato de se estar acordado para o emprego das palavras certas. Que apesar do acordo não depende de nada. Nem mesmo de serem de fato palavras, e muito menos de serem certas. Em algum momento elas deixam de ser. Hoje tenho uma cadeira de pano. É possível ver a vida confortavelmente, por alguns instantes, sentado numa cadeira de pano. E comendo pão. E escolhendo paulatinamente os pensamentos que são palavras, os que são imagens, os informes e os que se tornam ambos. Não saberia o que explicar, da última vez em que a vi. Disseram-me que ela não voltava. Lembro-me de ter franzido o cenho, à procura de alguma palavra. Coleciono ensinamentos rápidos, que chegaram para mim do nada, para o nada voltaram, não sem antes repassá-los, ainda que de modo inadequado. Disseram-me que teriam menos serventia ainda, caso assim não procedesse. O que eu senti a primeira vez em que a li? Nada. Ou... Ah sim, finalmente chegara em casa. Era verão, e havia um longo caminho pela frente.

 


Autor: Bernard Gontier


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