1984 de george orwell, uma visão dos governos totalitários



1984 de George Orwell, uma visão dos governos totalitários 

Giordana Maria Bonifácio Medeiros

Resumo:

Esse artigo visa demonstrar que a obra 1984 de George Orwell, uma obra de grande popularidade acadêmica, está extremamente ligada a uma crítica aos governos totalitaristas que se disseminavam a época de sua criação, em 1949. A elevação de uma União Soviética stalinista em contraponto com o idealizado governo socialista, que visualizava o autor, foi um dos germens para o nascimento dessa obra intensamente política, mas nem por isso menos arte. O autor em diversas ocasiões cita as medidas adotadas nos governos totalitários que fomentaram a ascensão do Big Brother ao poder. Os personagens estão sempre se tratando pela alcunha “camarada”, como faziam os comunistas à época, uma prova de que o objetivo do autor não era outro, senão criticar o meio de governo que se instalou e se expandiu por diversas partes do mundo. A questão do cerceamento das liberdades individuais é bem destacada pelo fato de todos serem vigiados constantemente por “teletelas”, bem como, por cada um dos membros da população. Sem quaisquer direitos, os homens são continuamente manipulados ao bel prazer de seus governantes. Não é por menos que o “ministério da verdade” tratava das mentiras construídas para enganar o povo e o “ministério do amor” era o responsável pelas desumanas torturas infligidas a quem tentasse se insurgir contra o sistema, uma política de engodos e tortura é assim que George Orwell representou o fim dos regimes totalitaristas. É o que pretendemos abordar nessa pesquisa. 

Em 1949, quatro anos após o término da Segunda Grande Guerra, observava-se a bipolarização do mundo e o início da Guerra fria entre as duas potências mundiais em ascensão: Estados Unidos da América e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, a antiga URSS. George Orwell escritor declaradamente adepto das idéias comunistas, choca-se com o sistema político adotado na primeira nação submetida à Revolução do Proletariado. Assume o poder naquele país, Josef Vissarionovitch Stálin, que, ao contrário de balisar as antigas idéias comunistas, começa a construir um estado extremamente totalitário.  Em que, a equalização entre classes, tão amplamente divulgado pelo Ditador, existia tão somente entre os populares, enquanto os membros do partido comunista desfrutavam de todos os luxos que possibilitavam o poder. Assim como os assassinatos e jogos de espionagem tornaram-se extremamente comuns no Estado. Membros do partido desapareciam, sem que se obtivessem jamais notícias de seu paradeiro. Vendo esta realidade, estarrecido, George Orwell escreveu o livro 1984, uma visão de futuro possível caso aquele modelo de governo se perpetuasse.

George Orwell não queria apenas criar uma obra ficcional, mas um meio de protesto. Embora o sentido esteja sendo deturpado por reality shows que usam as idéias para criar programas de inutilidades na televisão. Uma cultura pop que desvirtua o real interesse de uma obra de arte em todo o seu teor político. O cerceamento dos direitos individuais bem como dos meios midiáticos, não se trata de ficção, mas de meios de ação adotados pelos regimes ditatoriais. Nas palavras de Orwell, em seu ensaio Politics and the English Language, presente no livro A Collection of Essays: “A linguagem política destina-se a fazer com que a mentira soe como verdade e o crime se torne respeitável, bem como a imprimir ao vento uma aparência de solidez”. (PILLEGGI, O pesadelo totalitário de George Orwell). É isso que se fazia continuamente no “ministério da verdade”, onde trabalhava Wiston, em adaptar os fatos de acordo com a vontade do partido. Apagavam-se notícias, convertiam-nas de modo a enganar a população, que aceitava pacificamente a mentira como verdade sem qualquer protesto. Wiston sentia-se atordoado pelo modo como calavam o povo e  do embuste que se tratava o Big Brother, cometendo uma “crimidéia”, ou crime de pensamento. Pensar era vedado. Duvidar, muito mais. Ele também cometia o crime de “duplipensar”ou lembrar-se da nova verdade criada para esquecer a antiga. Não aceitava simplesmente que diminuíssem a cota de chocolate e que no minuto seguinte fosse anunciado o aumento da cota que na verdade era uma minoração. Winston estava descontente com a situação estabelecida e procurava destruí-la, mas não teve sequer tempo para isso. Suas atitudes subversivas logo foram descobertas, sendo submetido ele e sua amante às torturas no “ministério do amor”.

As guerras constantes entre as nações totalitárias, (tal qual ocorria na Guerra Fria em que as potências se confrontavam veladamente em jogos de Poder), foi retratada na sua essência na obra que as mostram em constantes desavenças, mudando de aliados e inimigos a todo o momento. Na realidade, se deu da mesma maneira. Estados Unidos e União Soviética, de antigos aliados na Segunda Grande Guerra, tornaram-se inimigos, que disputavam sem cessar a hegemonia entre as nações. Orwell, já tinha a percepção da instabilidade dos acordos entre as nações. Um potencial aliado é também um potencial inimigo. Depende do período em que se abordem essas relações. A fomentação do ódio aos inimigos entre os cidadãos, é parte de uma estratégia bem engendrada de fazer de cada um, um soldado a serviço do regime. Uma verdadeira lavagem cerebral. Wiston, o personagem central da trama, sente-se sufocado por saber de todas essas situações, e quer encontrar meios de derrubar o Big Brother e o regime que ele representa. A possibilidade de se ver livre é tão enganadora que Orwell destitui os leitores da esperança de que o personagem tenha um final feliz. Submetido as torturas mais degradantes, Wiston acaba por aceitar o regime. Até o dia em que desaparece como os demais que ousaram se revoltar contra a ordem instalada.

O Leviatã, de Hobbes, tornou-se o monstro invencível. Aquele a quem se entregam todas as possibilidades de liberdade, em troca de uma proteção que inexiste. “A liberdade”, escreve Wisnton, “é a liberdade de dizer que dois mais dois são quatro”. A liberdade de pensamento e imprensa são os pontos fortes de uma nação democrática. Acontece que os governos totalitários só conseguem manterem-se no poder a custa do cerceamento dos direitos fundamentais dos cidadãos. 

 Segundo Eduardo Akira Azuma:

 

“os meios utilizados pelo Grande Irmão para extinguir a individualidade não se resumem à “teletela”. Na teoria de Hobbes o medo possui papel fundamental, posto que, ele baseia o funcionamento do sistema. A metáfora bíblica do monstro Leviatã também fortalece tal importância na medida em que encarna o medo dos homens em paralelismo ao medo construído pelo Leviatã de Thomas Hobbes.

O poder eclesiástico na ótica de Thomas Hobbes também exerce uma certa repressão espiritual, pois, segundo ele, este seria o meio mais persuasivo de fazer com que as pessoas obedeçam as leis.

Se pensamos em um dos grandes princípios de funcionamento da república segundo Hobbes, a saber, a obediência, compreendemos facilmente que o autor do Leviatã tenha se sentido à vontade ao introduzir a religião e sua hierarquia em sua montagem política. Com efeito, onde já reina a obediência pelo medo de Deus e pelo respeito aos princípios da fé, a edificação de uma república que tende ao respeito destes mesmos valores retomados por conta da paz civil é sem dúvida facilitada. Os meios são os mesmos: obediência, medo e fé. Somente diferem aqueles que o inspiram: Deus ou o Soberano. (ANGOULVENT, 1996: 35)

O medo da morte também é visto por Hobbes como uma das paixões que levam o homem em busca da paz. As outras paixões são: o desejo das coisas necessárias a uma vida agradável e a esperança de obtê-las por meio de seus esforços.

Ainda a respeito do medo da morte, Hobbes o considera também como motor da razão humana. Este sentimento faz com que o homem busque de forma institucional, o meio mais eficaz de assegurar a sua sobrevivência, neutralizando os seus próprios inimigos e não obviamente a morte.

Em “1984”, o medo também possui um papel fundamental como meio de persuadir os indivíduos a obedecerem às leis do Grande Irmão. Os enforcamentos perante a multidão, além de terem uma conotação de propaganda política do Estado que protege seus “cidadãos”, possuem também o objetivo de coagir os indivíduos a obedecerem as leis sob pena de morte”.

 

 

Estão bem evidentes os meios de dominação empregados pelo Big Brother, e, portanto, a crítica política ao governo Stalinista, instaurado sobre o medo da população, com o domínio dos exércitos e o poder de decidir sobre a morte ou vida dos cidadãos. E, no livro, Wiston persegue o sonho de liberdade que ficou gravado para nós na imagem do jovem na Praça da Paz Celestial na China, que sozinho, parou uma fila de tanques. E desapareceu entre as rodas dentadas da engrenagem do regime comunista na China. Wiston será forçado a calar-se, será forçado a deixar de amar. Será forçado a submeter-se sob a égide de um sistema de brutalidades e mentiras. E então, como o jovem que sumiu como se jamais tivesse existido, também Wiston transformar-se-á em “impessoa”. Não foi difícil ao autor imaginar o mundo que projetou nas páginas da obra em epígrafe. A ascensão da União Soviética e a possível união da Europa em um megabloco foram previstas pelo por Orwell mediante a situação que vigia no mundo em 1948. O futuro mostrava-se quase como presente. E hoje não estamos a salvo  da realidade ficcional que nos sonda. O futuro é agora. E 1984 pode muito bem vir a ser um 2084. O problema é se o povo vai permitir que lhes destituam dos direitos e garantias fundamentais que foram conquistados a duras penas.

 Não temos idéia de quanto nos foi subtraído mediante escusas transações políticas. O Leviatã mostra-se mais terrível do que costumava ser. E creio que, ainda nesse século, o mundo de 1984 pode vir à tona, com os megablocos, a novilíngua e a tríade que sustenta o duplipensamento: guerra é paz; liberdade é escravidão; e ignorância é força. A guerra será o meio de sustentar uma falsa paz. Como invadir nações em virtude de um chamado “Eixo do mal”. A liberdade é considerada escravidão, por deixar abertas várias possibilidades. Afinal, o Leviatã pode cuidar de seu povo, tomando para si a obrigação de fazer escolhas. A ignorância do povo é a força dos governos totalitários. Essa tríade que tornou possível ao Big Brother manter-se no poder, pode muito bem vir a ser usada pelos governantes que se perpetuam no governo, principalmente das nações sul-americanas. O silêncio imposto à mídia, que se espalha como epidemia entre os países do sul leva-nos ao conceito de verdadeira liberdade: aquela de poder dizer o que está realmente acontecendo, dizer a verdade é a nossa maior conquista. Ocorre que o totalitarismo se dissemina sobre uma população de miseráveis calados pela força. E 1984 está cada vez mais próximo, é provável que chegue o dia que lamentaremos, como Wiston, não termos a liberdade fundamental: a de poder dizer que dois e dois são quatro. E muitos ainda se enganam ao dizer que 1984 trata-se de um livro de ficção científica. É, na verdade, uma crítica ao totalitarismo, para nos conscientizar que não estamos a salvo das “teletelas”, na verdade, elas apenas começaram a nos vigiar por toda parte.

Bibilografia: 

AZUMA, Eduardo Akira, Uma Análise da Obra “1984” de George Orwell a partir de Elementos da Teoria Hobbesiana – A instrumentalização do medo em favor de um Governo Absolutista. Disponível em

 

ORWELL, George, 1984, 29ed, Companhia Editora Nacional: 2007.

 

PILLEGGI, Marcus Vinícius, 1984, O pesadelo totalitário de George Orwell. Disponível em

 

SILVINO, Eduardo, George Orwell e o mundo de 2084. Disponível em

Download do artigo
Autor: Giordana Maria Bonifácio Medeiros


Artigos Relacionados


Resenha De ''intervenção Do Estado Na Propriedade Privada'' De George Orwell

O Leviatã

O Estranho Anonimato De Um Grande Artista: Uma Visita à Obra Do Mestre João Silva

Desenvolvimento Dos Estudos Línguisticos: Uma História Sem Fim.

Nas Entrelinhas Da Cidade De Deus

O Ter E O Ser Se Coadunam?

Parauapebas: Antes, Agora... E O Futuro?