Um encontro feliz enquanto procurava "a morte feliz"



 

 

Um encontro feliz enquanto procurava a “Morte feliz”

 

Ele sai do consultório da analista na Rua da Quitanda; entra na Rua 7 de setembro. Ao lado direito, na direção da Rio Branco, está a “Livraria da Travessa”. Não resiste. Nela entra. Que mundo! É a sua perdição. Dessa vez ele entra lá sabendo o que queria. Até tem procurado e não tem encontrado. Esgotado. Sim, ele busca o livro "A morte feliz", do genial Albert Camus. É isso mesmo, o cara que escreveu "O estrangeiro", "A peste", "A queda", entre outros. Um escritor excelente. Ótimo existencialista. Sectário de Sartre, do qual depois se divorcia. Certo que ele tem muito o que ler em casa. Mas ele é assim mesmo, gosta de ler mais de um livro ao mesmo tempo. No momento está lendo “A noiva do Tigre”, que ganhara de presente de aniversário. Aguardam: “Clarabóia”, do Saramago, “Orlando”, de Virgínia Wolf, entre outros.  

Antes de procurar o livro "decididamente definido" se perde naquele universo de milhares de livros, milhões de seres querendo sair de suas páginas. Porém eles só saem quando temos contato com  eles (livros), lendo- os. Como é bom tocá-los abraçá-los, feitos criança, folheá-los calmamente, sentir àquele cheiro de papel ainda sem mofo. Em tais momentos, ele se lembra de sua infância. Ansiava para o início do ano escolar, apesar dos pesares, para receber os livros novos, com tal cheiro. Lembrou-se também das provas mimeografadas, que antes de respondê-las gostava de sentir o cheiro de álcool, àquele cheiro…Ah, até mesmo os livros moafados dão-lhe alegria, gosta de frequentar os sebos. Mofo.  Lembrou-se de “Morangos mofados”, livro com ótimos contos do também genial Caio Fernando Abreu  (o Cazuza da literatura), o mesmo que escreveu “Onde andará Dulce Veiga?”.

  A livraria, por si, é um paraíso. "A travessa" não é uma livraria em que tem na vitrine livros descartáveis, do tipo autoajuda etc. Lá mesmo já são exibidos os melhores do mundo. Os que são para sempre, os clássicos. E entre estes ele se perde. Olha também o que há de novo, ufa! que bom! Nada de "Ágata"(é isso?), do Pe. Marcelo Rossi nem livros do tal de Augusto Cura,  por exemplos.  

Foi enquanto olhava os livros recém-lançados que sentiu uma presença muito forte. Uma presença que se acreditasse em céu fora da Terra dizia que ela vinha desse céu. É, a presença dela é algo sublime. O cheiro familiar. Sentia que havia uma deusa ao seu lado, só podia ser. Olhou melhor. Era ela. Como sempre: linda. Vestia um lindo vestido branco (ela sempre se veste bem, aliás, de forma discreta, mas bem elegante, é do seu ser), que não ofuscava sua beleza, ao contrário, caía-lhe muito bem sobre seu lindo corpo, em perfeita harmonia com este,  o tecido humano com o tecido de algodão ou de seda, não sabia a diferença; ainda   esbelta, sem ser esquelética; a pele macia, perfeita como a de um bebê recém-nascido; o cabelo perfeito para àquela obra de arte que seus pais fizeram; e o sorriso...  Não resistiu, falou o nome dela, de forma não habitual, ou seja murmurou bem baixinho, como se fosse um segredo, ou medo dela sair dali rapidamente, desaparecer como uma fada ou como uma borboleta... como um anjo.  

Não podia assutá-la. Afinal, ele já a assutara tantas vezes. Tanto o é que ela se afastara dele.  Nem mais respondia seus emails. Ele sentiu depois que ela estava mesmo  assustada. Mas ao ouvir seu nome ela disse "Eu", com o belo sorriso, mostrava os belos dentes e seu jeito- mesmo sem gestos,  que se existem são tão singelos-  de uma mulher incomum, no sentido que ela realmente é  encantadora, ou seja, nada de vulgar. Ela é celestial. Veio em seguida  o beijinho de cumprimento, bem natural, sem a intesidade de antes...   

Falaram pouco. Sobre o trabalho dela, sobre o dele. Quem leu o início sabe que ele acabara de sair do analista, e de lá, é bom informar, saiu ainda com mais "depressão deprimida". Se eles não estivessem agindo como estranhos, àquele encontro teria sido a cura, momentânea, mas naquele dia seria. Como sempre acontecia quando a encontrava.  Foi um encontro bom, mas frio, o que não era comum. Para eles o encontro numa livraria foi coisa mais do que natural, como se fosse num teatro, num cinema: eles amam tudo isso.

Ele calmo, como nunca fora, caso contrário estaria sendo até chato: agarrnado-a, tocando sua pele, coisas assim, talvez por pensar que ela não fosse real. Assim, era precisa tocar-lhe, senti-la. Rapidamente ele se lembrou de uma vez que estiveram meio bêbados passeando pela Av. Atlântica, da primeira peça de teatro a que assistiram juntos,  no CCBB, que foi "Como aprendi a dirigir o meu carro" (em que a Andréia Beltrão  lhe provou que é mesmo uma grande atriz); também do primeiro filme "Old Boy" (belo filme, e bons filmes  os asiáticos vem sabendo fazer), no –que pena, foi fechado- Estação Paço, ali na Praça XV.  .... E dos  chopes...

Ele disse que procurava o livro 'A morte feliz". "Ah, eu vi alguns por ali do Albert Camus", disse ela. "Oquei, vou dar uma olhada", disse ele. E mais um beijinho de despedida. Pareciam dois estranhos. Era como se não fossem  duas "almas" que adoravam esses encontros imprevistos. Ele saiu  para consultar os livros, ela se foi. 

De relance, ele a  viu saindo até desaparecer como um um ser etéreo.

 

 

Assis Rodrigues é escritor

(Rio, 19 de janeiro de 2012)

 


Autor: Francisco Nascimento


Artigos Relacionados


Conversa Sobre Meu Medo...

Ja Ta Na Hora

Inexplicável

Poema De Amor

Vento

Liberdade! Liberdade!

Mulher Ii