Da imunidade aos templos de qualquer culto: iptu sobre imóveis pertencentes à igrejas



A questão da imunidade tributária sobre patrimônio e renda de determinadas entidades determinadas pelo Constituinte têm estreita relação com a utilização adequada das propriedades e o fim social a qual se destinam. Nesse aspecto é imperioso considerar como propriedade não somente os bens físicos mas todo o capital e patrimônio de uma determinada pessoa jurídica.

A Constituição de 1988, atualmente em vigor, consigna o princípio da função social de uma forma mais explícita, mostrando a evolução do conceito e sua aplicação no nosso ordenamento jurídico.

O assunto é tratado de forma abrangente em dois capítulos: dos direitos e deveres individuais e coletivos e o da ordem econômica e financeira.

No primeiro capítulo, o art. 5º, inciso XXII assegura o direito de propriedade enquanto o inciso XXIII o condiciona à satisfação de sua função social.

No segundo capítulo constitucional, o art. 170 atribui à ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, a finalidade de garantir a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social e observados os princípios da soberania nacional, propriedade privada e, novamente, da função social da propriedade, vejamos:

“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
I – soberania nacional;
II – propriedade privada;
III – função social da propriedade.”

DO INTERESSE PÚBLICO

Em se tratando de proteção à propriedade, paralelamente à sua função social temos também o interesse público que norteia o uso, gozo, fruição e disposição do patrimônio religioso em tela.

A noção de interesse público, por ser difícil de ser enquadrada com objetividade nas categorias jurídicas ou sociológicas existentes sempre foi objeto de preocupação na legislação, como se afere nos parágrafos abaixo.

A lei nacional de licitações, Lei nº 8.666/93, menciona o interesse público em diversos momentos.

Seus artigos 58, inc. I, e 78, inc. XII, por exemplo, prevêem expressamente que a Administração Pública deve perseguir, antes de mais nada, o melhor e mais justificável interesse público ao concluir contratos com particulares.

A Lei Federal nº 9.784 de 29 de janeiro de 1999, que regula o processo administrativo no âmbito da administração pública federal, estabelece que a administração pública

“obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência” (art. 2º, caput), e deverá perseguir o “atendimento a fins de interesse geral” (art. 2º, parágrafo único, inc II).

Com isso entendemos que o princípio do interesse público está expressamente previsto no artigo 2º, caput, da Lei nº 9.784/99, e especificado no parágrafo único deste mesmo artigo, com a exigência de “atendimento a fins de interesse geral, vedada a renúncia total ou parcial de poderes ou competências, salvo autorização em lei” (inciso II).

Neste sentido, a doutrinadora Maria Sylvia Zanella Di Pietro[1] ministra esta aguda lição:

“Apesar das críticas a esse critério distintivo, que realmente não é absoluto, algumas verdades permanecem: em primeiro lugar, as normas de direito público, embora protejam reflexamente o interesse individual, têm objetivo primordial de atender ao interesse público, ao bem-estar coletivo. Além disso, pode-se dizer que o direito público somente começou a se desenvolver quando, depois de superados o primado do direito civil (que durou muitos século) e o individualismo que tomou conta dos vários setores da ciência, inclusive a do Direito, substitui-se a idéia do homem como fim único do direito (própria do individualismo) pelo princípio que hoje serve de fundamento para todo o direito público e que vincula a Administração em todas as suas decisões: o de que os interesses públicos têm supremacia sobre os individuais.(…).”

Já o Professor Jessé Torres Pereira Junior[2] assim leciona:

“A Lei nº 8.666/93 estreitou o espaço discricionário da Administração ao qualificar as “razões de interesse público’. A começar pelo fato de que estas significam mais do que as “razões de interesse do serviço” da lei revogada, porquanto o serviço correlaciona-se ao objeto do contrato, ao passo que o interesse envolve circunstâncias superiores ao contrato. As duas, porque criou nada menos do que quatro vinculações delimitadoras da discrição administrativa na aferição e proclamação dessas razões.”

É importante ressaltar que o interesse público é sempre maior, mais abrangente e mais relevante que o mero e pontual interesse ocasional da Administração Pública.

Sob esse aspecto, parece comum o senso de que a Religiosidade em conjunto com a Assistência Social se tratam de indistintas, generalizadas, difusas, precisas e imprescindíveis metas governamentais, nada tendo de ganância, imediatismo ou egocentrismo.

Ofensivas na área de respeito e incentivo ao papel das instituições Religiosas, cuja história se confunde com a instituição do Estado Brasileiro, assim como das instituições de Assistência Social, sempre foram entendidas como medidas próprias de estadistas antes preocupados com o futuro remoto de seus governados do que, talvez, com as próximas eleições ou com os dividendos imediatos advindos dessa atividade.

Foi nesse exato sentido que Antônio Roque Citadini[3] , cuidando de licitação e contrato administrativo, soube expressar uma verdade significativamente maior que esses assuntos ao afirmar: “posto que, em qualquer circunstância, os atos da Administração devem estar afinados com o interesse público.”

A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA NA LEGISLAÇÃO

É verdadeiro consenso entre os doutrinadores Pátrios que as IMUNIDADES tributárias são as concedidas pela Constituição da República. A citar os dizeres da Professora Luciana Batista Santos:

“Enquanto a imunidade é sempre norma constitucional, pois, restritiva do próprio poder de tributar, a isenção, ainda que permitida na Constituição Federal, é sempre concedida por norma infraconstitucional, no momento do exercício da competência tributária por parte das pessoas da federação”.[4]

Assim, no que tange à legislação, temos que a origem da Imunidade tratada tanto no presente recurso quanto no requerimento exordial que deu início ao processo administrativo em tela inicia-se na Constituição Federal, nos dispositivos reproduzidos abaixo:

Receitua o art. 150 da Constituição Federal que:

“(…) Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(…)
V-
VI – instituir impostos sobre:
(…)
b) templos de qualquer culto;
c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei (…)”.

E o parágrafo quarto do aludido artigo acentua que:

“(…) § 4º. As vedações expressas no inciso VI, alíneas b e c, compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas (…).”

Tais dispositivos encontram-se regulamentados pelo Código Tributário Nacional, que nos termos da Doutrina possui caráter de Lei Complementar `a Carta Magna em razão da matéria[5] regulamenta a matéria da imunidade tributária impondo seus requisitos. Dentre seus requisitos não encontra-se, reitera, qualquer menção à necessidade do ente imune de buscar o reconhecimento de sua imunidade de qualquer forma.

O artigo 9, do Código Tributário Nacional, por sua vez, dispõe que:

Art. 9º É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I – instituir ou majorar tributos sem que a lei o estabeleça, ressalvado, quanto à majoração, o disposto nos artigos 21, 26 e 65;

II – cobrar imposto sobre o patrimônio e a renda com base em lei posterior à data inicial do exercício financeiro a que corresponda;

III – estabelecer limitações ao tráfego, no território nacional, de pessoas ou mercadorias, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais;

IV – cobrar imposto sobre:

a) o patrimônio, a renda ou os serviços uns dos outros;

b) templos de qualquer culto;

c) o patrimônio, a renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, observados os requisitos fixados na Seção II deste Capítulo; (Redação dada pela Lcp nº 104, de 10.1.2001)

d) papel destinado exclusivamente à impressão de jornais, periódicos e livros.

§ 1º O disposto no inciso IV não exclui a atribuição, por lei, às entidades nele referidas, da condição de responsáveis pelos tributos que lhes caiba reter na fonte, e não as dispensa da prática de atos, previstos em lei, assecuratórios do cumprimento de obrigações tributárias por terceiros.

§ 2º O disposto na alínea a do inciso IV aplica-se, exclusivamente, aos serviços próprios das pessoas jurídicas de direito público a que se refere este artigo, e inerentes aos seus objetivos.

Ainda o Código Tributário Nacional
“(…) Art. 14. O disposto na alínea c do inciso IV do artigo 9º é subordinado à observância dos seguintes requisitos pelas entidades nele referidas:
I – não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título;
II – aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais;

III – manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão.

§ 1º Na falta de cumprimento do disposto neste artigo, ou no § 1º do artigo 9º, a autoridade competente pode suspender a aplicação do benefício.

§ 2º Os serviços a que se refere a alínea c do inciso IV do artigo 9º são exclusivamente, os diretamente relacionados com os objetivos institucionais das entidades de que trata este artigo, previstos nos respectivos estatutos ou atos constitutivos (…)”.

As entidades Religiosas passaram a ter, sob a interpretação Constitucional oriunda da expressão “templos religiosos”, imunidade não somente sobre os locais de culto mas, sobre todo o patrimônio e renda da entidade. A imunidade tributária aos Templos Religiosos é, a tempos, estendida à todo o patrimônio que seja vinculado ao estrito cumprimento de seus objetivos estatutários.

Tal direito garantido na Constituição é uma proteção aos grupos religiosos, para que não sofram restrições em suas atividades por parte dos poderes públicos. Em um Estado Laico como o que vivemos, todas as religiões, na sua expressão jurídica de Entidade Religiosa, com o cumprimento da legislação, são IMUNES.

Quanto ao direito, o art. 150, VI, da Constituição da República estabelece imunidades tributárias relativas a impostos, dentre outros, em favor dos templos de qualquer culto (alínea “b”). Porém, o § 4º, do mesmo dispositivo é expresso em determinar que as vedações ao poder de tributar compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades mencionadas.

Sobre o alcance da imunidade relativa aos templos religiosos, preleciona Roque Antônio Carrazza[6]:

“Nenhum destes impostos – nem qualquer outro – pode incidir sobre os templos de qualquer culto, em consequência da regra imunizante agora em estudo.”

É fácil percebermos que esta alínea “b” visa a assegurar a livre manifestação da religiosidade das pessoas, isto é, a fé que elas têm em certos valores transcendentais. As entidades tributantes não podem, nem mesmo por meio de impostos, embaraçar o exercício de cultos religiosos. A Constituição garante, pois, a liberdade de crença e a igualdade entre as crenças (Sacha Calmon Navarro Coelho), o que, de resto, já vem proclamado em seu art. 5º, VI:

“é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.

Uma das fórmulas encontradas para isto foi justamente esta: vedar a cobrança de qualquer imposto sobre os templos de qualquer culto.

A palavra templos tem sido entendida com uma certa dose de liberalidade. São considerados templos não apenas os edifícios destinados à celebração pública dos ritos religiosos, isto é, os locais onde o culto se professa, mas, também, os seus anexos. Consideram-se “anexos dos templos” todos os locais que tornam possível, isto é, viabilizam o culto ou dele decorrem. Neste ponto, não há espaço para qualquer preconceito sob pena de afronta ao desígnio constitucional e todos os imóveis pertencentes à uma instituição Religiosa, ainda que locados à terceiros, são imunes dos tributos sobre patrimônio, desde que atendidos os requisitos do art. 14 do CTN.

A teoria moderna sobre o conceito jurídico de Templo, sob a ótica da Imunidade Tributária é no sentido de equivale-lo à Entidade, na acepção de Instituição, organização ou associação, encaradas independentemente das coisas e pessoas objetivamente consideradas[7]. No sentido jurídico, possui acepção mais ampla que pessoa jurídica, indicando o próprio “estado de ser”, a “existência”, vista em si mesma.

Na medida que essa concepção “TEMPLO como ENTIDADE” extrapola o formato universitas rerum, destacado na teoria clássico restritiva, e a estrutura universitas juris, própria da concepção clássico liberal, indo ao encontro da concepção de organização religiosa, em todas as suas manifestações[8].

É imperioso ressaltar que essa concepção moderna é oriunda do próprio texto Constitucional que menciona o vocábulo entidade em cinquenta e duas vezes no exato sentido de associação, organização[9].

Vê-se que a imunidade tributária constitucional alcança, não apenas os imóveis em que os cultos são realizados, mas também os seus anexos, ou seja, aqueles em que são realizadas atividades correlatas e desde que sem fins lucrativos.

[1] In Direito administrativo, 12ª ed. Atlas, SP, 2.000, p. 69, 70/1
[2] In Comentários à lei de licitações e contratações da administração pública, 5ª ed. Renovar, SP, 2002, p. 723/4.
[3] In Comentários à lei de licitações e contratações da administração pública, 5ª ed. Renovar, SP, 2002, p. 723/4

[4] In Direito Tributário, 1ª Ed. Lúmen Juris, MG, 2008, p. 70
[5] SANTOS, Luciana Batista, idem p. 74.
[6] no Curso de direito constitucional tributário, 18. ed., São Paulo: Malheiros, 2002, pp. 652/653
[7] SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico, 27 ed. Rio de Janeiro: Saraiva, 2006.
[8] SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário, 3ª Ed. São Paulo, 2011.
[9] CAMPOS, Flávio. Imunidade tributária na prestação de serviços por templos de qualquer culto. Revista Dialética de Direito Tributário, in: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.), n. 54, mar. 2000, p. 44-53.


Autor: Fabiano Eustáquio Zica


Artigos Relacionados


A Não Incidência Tributária Sobre Os Templos De Qualquer Culto

Imunidades Tributárias

Imunidade Tributária Das Entidades Filantrópicas

A Imunidade Tributaria Das Entidades De Assistencia Social.

Tributação Sobre Templos De Qualquer Culto – Imunidades Conferidas Pela Constituição Federal De 1998.

Imunidade Tributária Para Templos De Qualquer Culto - Parte Ii

Os Tributos Cobrados Das Entidades Religiosas, Filantrópicas, Educacionais E De Assistência Social Pelas Fazendas Públicas