Crime organizado: histórico, características e problema conceitual



CRIME ORGANIZADO: HISTÓRICO, CARACTERÍSTICAS E PROBLEMA CONCEITUAL 

A existência de um Poder paralelo ditado pelo crime organizado é real, as regras contrárias a lei são difundidas e aplicadas à sombra de um Estado que não consegue cumprir seu dever constitucional de promover a segurança pública. Os problemas sociais não são causas exclusivas que justificam essa modalidade de crime, mas tem sua contribuição, juntamente com a ineficiência das leis que tratam do assunto e os elevados casos de corrupção de agentes do estado, responsáveis por combater o crime acabam por aliar-se a ele. 

  1. 1.            Histórico

O fenômeno das organizações criminosas não é uma realidade apenas da sociedade brasileira, visto a incidência de grandes grupos de notoriedade mundial que marcaram a história da criminalidade no decorrer do tempo, como as máfias italianas (a Cosa Nostra e Comorra, mais conhecidas), a Yakuza japonesa, Tríade chinesa, Cartel de Cali na Colômbia e as “gangs” dos Estados Unidos da América. Considerando o fato de que cada uma dessas organizações possui peculiaridades que vão da localidade geográfica ao fato gerador que as levam a associação ao crime, analisaremos brevemente as fontes históricas das principais organizações criminosas como uma forma de melhor entendermos da estrutura e seu mecanismo. 

1.1         Organizações internacionais

Iniciamos com a organização criminosa considerada a mais antiga, as Tríades chinesas, que remontam ao ano de 1644, quando o império Ming foi invadido e uma movimentação popular organizou-se a fim de expulsar os invasores. Séculos após, no ano de 1842, Hong Kong era colônia britânica e naturalmente houve a migração de seus membros para essa colônia e também para Taiwan, com interesse de incentivar os camponeses a cultivarem papoula e explorar o ópio, já que esse era trazido da Índia. Com milhões de camponeses engajados, o cultivo da papoula para produção do ópio se tornou a principal economia da China. Tempos após, a produção e comercialização desse entorpecente foi proibida, entretanto as Tríades não deixaram de explorá-lo, e sem concorrentes, passaram a comandar o tráfico da heroína com exclusividade.

No século XVIII, no período do Japão feudal a exploração de atividades ilícitas é o negócio mais rentável, tais como: cassinos, prostíbulos, tráfico de mulheres, turismo pornográfico, drogas, armas, lavagem de dinheiro, entre outros. É nesse contexto que surge a Yakuza, que além das atividades proibidas, possuem negócios legalizados, como: cinemas, teatros, eventos esportivos, tudo isso para escapar da fiscalização do Estado e anunciar seus outros empreendimentos. Em outro momento, em que o Japão está em pleno desenvolvimento industrial, os componentes da Yakuza, chantageadores profissionais, aproveitam-se da cultura japonesa da sociedade ser muito moralistas, começam a praticar a denominada chantagem corporativa, que funcionava da seguinte forma: um agente da organização criminosa se infiltrava nas empresas, adquirindo ações e conhecendo do seu funcionamento, exigiam lucros excessivos para não revelarem os segredos da empresa aos seus concorrentes.

As organizações mais reconhecidas mundialmente estão na Itália, fato que se deve a grande exposição pela mídia nas décadas de 80 e 90, principalmente, comumente conhecidas como máfias italianas, sua origem foi a partir de uma reforma agrária na região da Sicília que restringiu o poder dos príncipes e as regalias vindas do regime feudal. Desse modo, com intuito de protegerem suas terras os príncipes contrataram homens, os quais compuseram associações secretas, as máfias. Com o fim da realeza esses homens continuaram coligados, mas com um propósito diferente, a batalha pela independência da região, ganhando notoriedade dos populares que viam essas ações como de caráter patriótico.

 Em período mais recente, na segunda parte do século XX, as ações da máfia se dedicaram ao exercício de atividades criminosas de fato, na junção de homens ambiciosos e outros tendentes ao crime com interesses unicamente econômicos, que passavam seus fundamentos de forma hereditária e que seguiu às sombras de um Estado pouco atuante, como afirma John Dickie apud Mendroni (2009, p. 287 - 288): 

A organização “mafiosa” propriamente dita teria surgido da união de cidadãos de Palermo, contrabandistas, ladrões, agricultores, advogados que se especializaram na “indústria da violência, com finalidade de acumular poder e riqueza. Estes homens teriam transferido os seus métodos aos seus familiares, e se tornaria “máfia” quando o Estado italiano tentou reprimi-los. Então, por volta de 1875, a máfia já tinha a sua estrutura celular, o seu nome, os seus rituais, e um Estado não confiável como seu concorrente.

 

Desta feita, dividiu-se em vários grupos como: a Comorra, ‘Ndrangheta, destacando-se: a Cosa Nostra. Esta, da região Siciliana vista como a mais poderosa, construiu seus alicerces com uma idéia de independência e defesa, conquistando adeptos e admiradores a partir da ausência dos governos estrangeiros (espanhóis e franceses que sucederam o trono), a sensação de abandono e marginalização por parte do povo o que levou o reconhecimento da lei ditada pela máfia como algo superior ao poder do Estado.

Já no século XX essa sociedade organizada mantém um elevado status, investidas de poder político, cometendo fraudes e apropriações de dinheiro público, justificando-se em investimentos públicos, manobras financeiras nas bolsas de valores, iniciam ações internacionais quando parte da sociedade se instala nos Estados Unidos, em 1960, e se aperfeiçoa no setor de construção civil, atravessando um período de empreendedorismo urbano, explorando a terceirização e desenvolvendo a vida urbana. Em outra fase, o negócio girava em torno de contrabando de cigarros, intimidação aos concorrentes e corrupção em obras públicas, além de furtos e roubos, mas sempre autorizados por alguém que estava acima na escala hierárquica. O tráfico de drogas e armas conquistou o espaço como mercado principal em meados dos anos 1970, trazendo um grande lucro e acumulo de riquezas para os chefes da organização, que escapavam do Estado burlando o sistema financeiro de comprovação de renda. Os “mafiosos” se infiltraram também em outro setor, na política, controlando as eleições na Sicília, obtendo maioria nas votações no parlamento. Nesse diapasão, Mendroni (2009, p. 295 - 296) expõe:

 

A Cosa Nostra se assemelhava a um Estado, especialmente por exercer domínio territorial e “taxar” as suas atividades de proteção, que se denomina “venda de proteção”, à diferença que cobram taxas tanto das atividades legais como das ilegais. Aqueles que pagam, recebem a proteção dos mafiosos. Os que não pagam são por eles fortemente intimidados e posteriormente agredidos. Não há alternativa ao empresário honesto, mas tampouco ao criminoso. Ao mesmo tempo que pode ser considerada um “Estado Paralelo”, não existe um “governo paralelo alternativo” pois os mafiosos se infiltram na própria estrutura do Estado oficial.

 

Assim, expandindo seus negócios dentre vários setores, lícitos e ilícitos na maior parte, a Cosa Nostra de um “negócio de família”, tornou-se a maior e mais poderosa máfia, que abalou seriamente a Justiça italiana e para o seu controle custou a vida de vários agentes públicos, como o assassinato do Juiz Giovanni Falcone, caso de grande repercussão mundial, e do Procurador Paolo Borselino.

Entretanto a disputa interna pela centralização do poder, Dom Corleone, figura lendária e chefe da organização, confrontou-se com outras famílias para se estabelecer no controle absoluto, desviado o foco de contrariar o Estado, este por sua vez buscava formas de neutralizar as ações dos criminosos. O que se sabe é que diante de duras batalhas travadas entre o Estado e o crime organizado não houve um combate, mas um controle. Haja vista, a sua subsistência e sua reestruturação, segmentadas em antigos padrões e remodelados atendendo a evolução natural da sociedade e do crime. Recentemente, em dezembro de 2011 foi preso o principal chefe da máfia da Comorra, Michele Zagaria, considerado como “rei do cimento”, pois conseguia contratos ilegais no setor da construção em várias regiões da Itália, foragido desde 1995 e condenado à prisão perpétua por associação à máfia, homicídio, posse ilegal de armas e extorsão, o mafioso estava em um esconderijo escavado localizado sob uma casa na cidade de Casapesenna, em uma província no sul da Itália[1], isso demonstra que passado tanto tempo, esse tipo de crime sobrevive em um país onde o estudo sobre a criminalidade organizada alcança um elevado patamar, refletido na sua severa legislação.

Ainda percorrendo a história, já no fim de 1920 nos Estados Unidos da América, a proibição da fabricação, distribuição e comércio de bebidas alcoólicas levaram a ascensão das chamadas “gangs”, estas já existentes e anteriormente formadas de um modo espontâneo, apenas da união de delinqüentes sem grandes aspirações, seus principais negócios eram a prostituição e a comercialização de proteção. Em uma versão mais elaborada, esses grupos contrabandeavam o álcool e chantageavam os empresários, juntamente de uma peça chave que sempre está presente, a corrupção de autoridades ligadas ao Estado, em especial os policiais, no intuito de angariar lucros consideráveis e manter um nível em que pudessem entrar em confronto com o Estado.

A figura mais notável dentre os criminosos desse ramo foi Al Capone, ele chegou a ter controle de 70% do comércio em Chigago, seu local de comando, além de manter sociedade com criminosos de cidades como Nova York, San Francisco e New Orleans, onde estavam os principais grupos de contrabando.

Em momento posterior, a “Lei seca” já revogada devido à reivindicação popular, as gangs ao invés de sucumbirem, ganharam mais propulsão com o aparecimento de novas células coordenadas entre New York, Chicago e Filadélfia.  Na década de 70 com a imigração das mafiosas famílias italianas almejando a ampliação e qualificação de suas ações criminosas, origina um novo segmento de máfia, a italiano-americana, esta regida por um código de conduta original em aspectos gerais com algumas alterações, exemplos disso: os americanos possuíam mais aliados não pertencentes a mesma família, os italianos tentavam penetrar na política diretamente na disputa de cargos, enquanto os americanos preferiam a corrupção dos políticos que já estavam, a figura da família na Itália era mais valorizada, o mafioso devia total respeito a sua esposa sendo proibido expressamente de traí-la, ao oposto do que ocorria na América.

Dessa feita, juntamente com outros grupos de rua como irlandeses, ingleses, escoceses, asiáticos o crime organizado nos EUA tem uma conotação étnica e também social, pois a falta de oportunidades é sempre um bom atrativo para a vida do crime.

A conjuntura na América do Sul principia com a exploração da coca pelos colonizadores desde o século XVI, expandindo o comércio para o Peru e a Bolívia. Em seguida, a coca é transformada em pasta base para refinamento de cocaína, ocasião em que a Colômbia passa a controlar essa atividade, mormente em Cali e Medellín como principais sedes, dando uma nova face ao crime organizado. Grupos da região imperavam originando os cartéis do narcotráfico, disseminando a droga para os Estados Unidos da América, Europa e demais países sul americanos, como o Brasil.

O expoente do narcotráfico na cidade do Cali nos anos entre 1970 e 1980 era Pablo Escobar, comandante que vislumbrava a unificação de todos os cartéis, o que o levaria a um poder supremo no mundo da cocaína. Há relatos que ele construiu uma pequena cidade (Los Olivos) para os pobres do seu território, lá ele era o próprio Estado, proporcionando boas condições de vida para a população, fornecendo água, luz, saneamento básico, saúde e segurança, lá não havia incidência de crimes. Lutando com ideal de unificação, foi morto no começo da década de 90 pela guarda presidencial, mesmo com as especulações de que o próprio Exército colombiano o protegia, causando a derrocada do cartel de Medellín, restando ainda o seu rival em Cali, que tempos após também foi desmantelado.

De tal modo, a queda das principais organizações, o que parecia uma solução para o problema, motivou pequenas células a continuarem com a produção e exportação de cocaína, dificultando o seu combate não só na Colômbia, mas em toda sua área de atuação.

Faz-se oportuno a alusão do terrorismo não considerado uma organização criminosa, na mesma acepção raciocina Garrido apud Silva (2009, p.5):

Apesar dessa identidade estrutural no campo criminológico, a tendência atual é para que no terreno jurídico-penal o terrorismo seja tratado de forma autônoma, em razão de predominância de seu conteúdo ideológico sobre o intuito econômico.                               

                                     

À vista disso, mesmo possuindo características como a sua definição de atividade criminosa, com propósito definido e respeito às suas próprias regras, a doutrina atual prefere não o incluir na classificação de crime organizado e o manter em uma categoria independente.

 

1.1.1.   Organizações brasileiras

Em território brasileiro, autores como Antônio Carlos Olivieri e Eduardo Araújo Silva, noticiam o cangaço chefiado por Virgulino Ferreira, Lampião, como primeiro grupo organizado na prática de crimes, pela presença de algumas características, são elas: sua disposição hierárquica e acúmulo de dinheiro, resultantes de extorsões, ameaças, sequestros de pessoas importantes, saques em vilas, fazendas e cidades, isso tudo com a colaboração de ricos fazendeiros, influentes chefes políticos e policiais corruptos que facilitavam o acesso a armas e munições. Não se pode deixar de trazer à baila o caráter social, determinante na época e presente hodiernamente na evolução das associações do crime.

A infração da Lei de Contravenções Penais, com a prática do “jogo do bicho”, por volta do ano de 1980, elevou o nível e a qualidade da criminalidade do país, proporcionando aos grupos que o monopolizavam a aquisição de verdadeiras fortunas, como informa o Doutor Guaracy Mingard: “Na década de 80, os praticantes dessa contravenção movimentava cerca de U$ 500.000 por dia com as apostas, sendo 4% a 10% desse montante destinados aos banqueiros.” Isso tudo, pelas sombras da lei, conseguido através do suborno de policiais e envolvimento de políticos. Passados alguns anos, uniu-se a exploração do jogo uma inovação mais lucrativa, a exploração de máquinas programadas, popularmente conhecidas como caça-níqueis, mais uma prática ilegal que para se manter necessitou da corrupção de quem deveria coibi-la.

Em outra perspectiva, acredita-se que os primeiros passos do crime organizado no Brasil se deram em meados da década de 70, no Instituto Penal Cândido Mendes, na Ilha Grande, litoral do Estado do Rio de Janeiro que ficou conhecido como “Caldeirão do Diabo”, por ter capacidade de 540 presos chegou a contar com 1.284 homens amontoados e por ter sido palco de sangrentas disputas internas.

Esse presídio foi construído em 1920, inicialmente para abrigar condenados idosos nos últimos anos das suas penas, estes trabalhavam na agricultura, cultivando as terras em torno do Instituto, também recebeu condenados por crimes de caráter político no governo autoritário de Getúlio Vargas, o escritor Graciliano Ramos ali esteve nesse período.

Mas foi em meados dos anos 60 e 70, tempo crítico da ditadura militar, que uma alteração na Lei de Segurança Nacional (Decreto-lei nº 898 de 1969), esta definia os crimes contra a segurança nacional, a ordem política e social, estabelecendo seu processo e julgamento entre outras providências, causou sérias consequências, o jornalista Carlos Amorim (2008, p.58 e 59) relata como começou:

 

A iniciativa do regime militar, transformada em legislação especial aprovada apressadamente pelo Congresso Nacional, foi regulamentada pelo artigo 27 do Decreto-Lei 898 de 1969. A medida da junta de ministros militares, que substituiu o presidente Costa e Silva, foi enviada ao legislativo federal em caráter de urgência e aprovada numa sessão extraordinária da Câmara dos Deputados, onde o governo contava com folgada maioria da Aliança Renovadora Nacional (ARENA). A morte do general-presidente levou ao poder o segmento mais duro do regime, disposto a eliminar radicalmente toda oposição não-parlamentar. O alvo principal de repressão eram os setores que enveredam para a luta armada a partir de 1967.

 

Dessa maneira, pessoas ligadas aos principais grupos revolucionários como a Aliança Libertadora Nacional (ALN), Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), Partido Comunista do Brasil (PC do B), entre outros estiveram no “Caldeirão do Diabo” até 1975, quando começaram a ser transferidos aguardando a anistia.

Com a criação do artigo 27 da Lei de Segurança Nacional, a intenção do governo militar era tentar desagregar o caráter político das atuações armadas de esquerda e não chamar a atenção internacional às denúncias de tortura e os pedidos de anistia, incluindo nesse artigo, criminosos que agiam contra bancos e instituições financeiras (o roubo era o crime mais praticado na época), como dispõe a letra da lei:

 

Art. 27. Assaltar, roubar ou depredar estabelecimento de crédito ou financiamento, qualquer que seja a sua motivação:

Pena: reclusão, de 10 a 24 anos.

Parágrafo único. Se, da prática do ato, resultar morte:

Pena: prisão perpétua, em grau mínimo, e morte, em grau máximo.

 

Vale ressaltar que nesse período de vigência da Lei de Segurança Nacional a pena de prisão perpétua e de morte estava presente não só nesse, mas em diversos dispositivos. Entretanto quanto a sua aplicabilidade, o homem acusado de matar um sargento da Aeronáutica, condenado a pena de morte, fugiu da prisão para o exterior e obteve asilo político.

O resultado disso tudo foi uma natural união de presos políticos com criminosos convivendo na situação precária da Ilha Grande, dividindo-se em grupos, de acordo com a arquitetura das galerias, na disputa do território interno defendendo-se uns dos os outros. Batalhas sangrentas marcaram a época de tentativas de unificação em um só grupo dentro da prisão, uma série de regras foi estabelecida e cada grupo queria fazer valer seu código interno. Assim surge, da denominada Falange LSN do Cândido Mendes a Falange Vermelha, tendo como fundadores, figuras conhecidas dos noticiários policiais, estes dentre outros: o pernambucano William da Silva Lima (o Professor) e José Carlos dos Reis Encina (o Escadinha) promovendo os primeiros ideais em que a palavra de ordem é organização, e sua máxima era: “Luta permanente contra a repressão e os abusos", tornou-se posteriormente o Comando Vermelho, maior facção criminosa do país.

Apesar de um episódio narrado pelo Diretor do estabelecimento criminal na época, o Capitão Nelson Salmon, que encontrou na posse de um detento um livro, com trechos sublinhados, A guerrilha vista por dentro, de Wilfred Bulcher, edição considerada para os militares como um manual de guerra, e também o livro do guerrilheiro Che Guevara, Guerra de Guerrilha, induziu doutrinadores a atribuir aos presos políticos a responsabilidade de ter passado conhecimentos e literatura de guerrilha para os chamados “presos comuns”, como uma forma de justificar o organismo bem sucedido que se formou no confinamento, como cita Roberto Porto: “Dos presos políticos, a facção incorporou a ideologia e organização, aliada às técnicas da guerrilha urbana.”

Todavia, o mais coerente a se concluir é no sentido de que o alicerce do conceito de coletividade entre os presos foi o fator decisivo para as raízes não só dessa, mas de outras facções que nasceram de um sistema prisional não ressocializador, onde o ócio e condições subumanas posicionam os encarcerados contra o sistema penal.

Superado essa fase originária, na década de 90, com a transferência ou fuga de presos da Ilha Grande para outras penitenciárias e posteriormente a sua implosão, fez com que os princípios daquela célula organizada se propagassem para outros institutos penais, exemplo disso Bangu I, germinando uma nova etapa do Comando Vermelho. A prática de roubo a bancos, crime mais típico como uma forma de arrecadar capital para libertar os companheiros ainda presos, deu espaço para o tráfico de drogas, contrabando de armas de guerra e operações de lavagem de dinheiro e sequestros. Nesse novo momento, o novo expoente do Comando se chama Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-mar, preso desde 2001, encontra-se atualmente na Penitenciária Federal de Mossoró, no Rio Grande do Norte, por homicídio e tráfico de drogas, é associado com as Forças Armadas Revolucionárias da Colombia (FARCs), além de relatos da polícia que ele chegou a passar ordens de presídios por onde esteve, informação extraída do jornal Estadão de São Paulo:

 

De acordo com a Polícia Federal, depois de mais de um ano e meio de investigações, foi provado que Beira-Mar, mesmo custodiado em estabelecimentos prisionais, detinha o controle e dava ordens a seus advogados e parentes, com envolvimento em crimes de tráfico internacional de drogas, associação para o tráfico, lavagem de dinheiro, homicídio e tráfico de armas, entre outros.

                                                                                                                    

Pode também responder pelo crime de tráfico de drogas nos Estados Unidos da América, com uma pena de prisão perpétua e multa de U$ 10 milhões.

Outra facção criminosa surgiu no Rio de Janeiro em 1998, a Amigos dos Amigos (ADA), liderada por Uê (Ernaldo Pinto de Medeiros) antes membro do Comando Vermelho (C.V), quando assassinou um companheiro e foi expulso. Resolveu aliar-se ao Terceiro Comando (TC), mais um dissidente do C.V, com intenção de diminuir a influência do grupo comandado por Fernandinho Beira-Mar. Figuraram uma disputa pelo comando de pontos de tráfico de drogas em diversas favelas cariocas até que Uê foi assassinado em Bangu I por detentos rivais, pondo fim na sociedade com o T.C. Recentemente o chefe da ADA, controlador do tráfico na comunidade da Rocinha, Antônio Francisco Bonfim Lopes (o Nem) foi preso em operação de pacificação da favela, quando tentava fugir para São Paulo, em busca de proteção na maior organização do estado de São Paulo, o PCC, que veremos a seguir.

Ainda no Rio de Janeiro, grupos de policiais reformados, expulsos da corporação e até mesmo os que ainda estavam na ativa formaram as denominadas milícias, extorquindo dinheiro dos moradores em troca de proteção, forneciam serviços clandestinos de luz, transporte e TV à cabo, diziam ter o objetivo de expulsar o crime organizado das comunidades, mas usavam de intimidação e violência, e inclusive competir pela posse do tráfico de entorpecentes no local, diante de tanta arbitrariedade tinham o apoio de políticos e líderes comunitários.

Em São Paulo, na Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté, nasce o Primeiro Comando da Capital – PCC, organização criminosa que se expandiu além das fronteiras do Estado de São Paulo, começou como um time de futebol que disputava partidas internas e em um desses jogos houve a morte de pessoas do time adversário, em meio a essa desordem os presos reclamavam por melhores condições e acabaram se unindo nessa facção. A sua estrutura atendeu as mudanças no sistema carcerário, pois quando os líderes eram transferidos, os outros ficavam sem comando, relata Roberto Porto (2008, p. 74): “Esta estrutura piramidal foi alterada ao longo dos anos. Hoje o Primeiro Comando da Capital é dividido em células, de modo a permitir a continuidade das atividades criminosas mesmo com o isolamento dos líderes”.

Os líderes ou “fundadores” são escolhidos pela autoridade imposta em relação aos outros componentes da organização, em uma escala abaixo estão os “batizados”, são membros ativos da associação criminosa e recebem as regras concordando em obedecê-las. “Pilotos” e “torres” são detentos que chefiam presídios ou pavilhões na ausência dos “fundadores”, essas últimas funcionam como último patamar antes do líder geral. Os pavilhões ou penitenciárias são denominados como “raio” e no seu interior se repete a estrutura hierárquica.

O comando geral do PCC é atribuído pela polícia a Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, além dele a Polícia Civil e o Ministério Público do Estado de São Paulo identificaram e processaram mais de 60 líderes da facção entre 2001 e 2004.[2]

Suas principais ações são roubo a bancos e carro-forte usados em transportes de valores, extorsão mediante sequestro, extorsão de presos, promoção de rebeliões e resgates de presos, e ainda o tráfico ilícito de drogas conexo com organizações internacionais. A maior rebelião que se tem conhecimento ocorreu em 18 de fevereiro de 2001, pelo comando do PCC, 29 presídios em ações simultâneas participaram de um motim de afronta ao Estado.

Seguindo os passos do Rio de Janeiro, em São Paulo o Terceiro Comando da Capital (TCC) teve as mesmas origens do Terceiro Comando do estado vizinho, um membro expulso da sociedade criminosa e transferido para outra penitenciária recruta presos também excluídos, fortalecendo o grupo.

Coincidências que percorrem o histórico e principalmente o mesmo interesse econômico fizeram o CV e o PCC se aliarem, com o objetivo de monopolizar o tráfico por todo o país, em entrevista feita a um dos líderes da organização paulista ele afirmou: “Estamos associados. É tudo que posso dizer agora.” [3] Levando em consideração que atualmente a capital paulista figura como maior armazenador de droga no Brasil, como confirma o delegado João Caetano de Araújo, da Delegacia de Repressão a Entorpecentes da Polícia Federal: “São Paulo é o entreposto da droga do Brasil. É o atacadão.” Não haveria melhor negócio, pois na organização carioca estão os mediadores que exportam os entorpecentes da Colômbia, Bolívia e Paraguai, que são depositadas em São Paulo para ser distribuída para todo o país.

Ainda existem inúmeras organizações atuando em diversos setores, como o tráfico de animais silvestres e comércio de madeiras extraídas de modo ilegal. Em Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) constatou que a biopirataria movimenta cerca de US$ 1 bilhão por ano no País, chegando a ser a terceira maior geração de renda, ficando atrás do tráfico de drogas e de armas.[4]

A respeito do surgimento das organizações criminosas Carlos Amorim (2008, p.29): “E o comando Vermelho foi a primeira forma de organização do criminoso comum do Brasil. Agora existem muitas outras, mostrando que o crime continua num processo de organização tão rápido que é difícil acompanhar”.

Desse modo, a capacidade de associação entre as facções, ou até mesmo o aniquilamento delas devido às disputas pelo poder é um entre tantos outros obstáculos para a classificação e combate das mesmas. E em uma análise mais ampla podemos vislumbrar em todas as organizações elencadas acima, internacionais e nacionais, contam com o fator comum da corrupção dos agentes do Estado e problemas sociais, que deixaram uma lacuna ocupada por atividades ilícitas.

1.2.       Características

Para um melhor entendimento desse fenômeno criminológico é oportuno nesse momento abordar as principais características que circundam as organizações criminosas, mesmo considerando a existência de inúmeras delas, cada organização possui aspectos peculiares que englobam fatores territoriais, sociais, econômicos, as observaremos em linhas gerais a classificação dada por Eduardo Araújo da Silva.

Primeiramente, o acúmulo de poder econômico dos seus componentes, especificamente dos que administram, é um ponto característico nas organizações. Procuram um campo ilícito para sua atuação, pois o que o Estado proíbe certamente gera lucros excessivos, movimentando cerca de 322 bilhões de dólares por ano no mundo, segundo relatório do Escritório das Nações Unidas de luta contra o narcotráfico e o crime organizado (UNODC), configurando como negócio mais lucrativo o tráfico de entorpecentes.

Como consequência da concentração de riquezas, temos o poder de corrupção das autoridades públicas: polícia judiciária e militar, políticos, juízes. Desta forma, apregoa Eduardo Araújo da Silva: “Com a paralisação de parte do aparelho estatal, notadamente aquela voltada para a repressão criminal, as organizações criminosas têm atuado com certa liberdade em diversos campos.” Assim, favorecem as ações criminosas ao invés de cumprirem o seu papel de garantidores da ordem pública e da aplicabilidade das normas de Direito para um bom funcionamento do sistema estatal.

A “lavagem" de dinheiro é também uma consequência, operações de investimentos em atividades legais com dinheiro vindo do crime é uma saída para aquisição de mais lucro, só que teoricamente, dentro da legalidade. A existência dos chamados “paraísos fiscais” entre eles: Ilhas Cayman, Ilhas Virgens Britânicas, Uruguai, Panamá, contribuem para essa prática reduzindo taxas ou isentando a tributação das operações bancárias e restringindo à abertura de sigilo bancário. O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) dividiu em etapas o processo de “lavagem” de dinheiro, inicia-se com o lançamento do dinheiro vindo de atividades ilícitas através de depósitos em contas de banco e compra de bens de modo que dificulte a identificação da sua origem; em outro momento movimentações eletrônicas e transferências para contas anônimas ou depósitos em bancos ocultam a verificação do sistema contábil; o negócio passa a ser formal a partir de investimentos que promovam as organizações criminosas, por fim, depois de todos os passos executados a legitimação do dinheiro é quase certa.

Essa manobra é vista como uma via de mão dupla para os criminosos, pois tem sido frequente a desarticulação desses crimes pelas autoridades competentes.

O alto poder de intimidação aos seus integrantes e a população em geral é outra característica dos órgãos criminosos e a violência sua principal ferramenta. Como sabemos cada organização possui uma espécie de regimento interno, então as infrações de suas normas remetem aos mais cruéis tipos de pena, tanto aos seus membros quanto aos seus familiares, logo a “lei do silêncio” se torna um facilitador para que as suas ações ilegais continuem às escuras, expandindo a criminalidade organizada e dificultando a identificação dos seus agentes para sua repressão.

Outra particularidade é a existência de conexões locais e internacionais do crime, a demarcação de territórios entre os grupos e as associações em busca de um melhor negócio e com as facilidades de comunicação e aproximação com outros países permitiram possibilidades de abrangência de seus mercados, e crimes econômicos e financeiros que se tornam mais frequentes, isso tem se refletido principalmente no tráfico internacional de drogas, de modo que países como a Colômbia são típicos fornecedores de cocaína para todo o mundo, assim como a Europa abastece todos os continentes com drogas sintéticas.

E por fim, a estrutura piramidal das organizações, no tocante a hierarquia existente, a repartição de tarefas e especialização em diferentes setores, que chega a fundamentos empresariais. Os denominados “soldados” são responsáveis nas realizações de diversas atividades na sua seção, gerenciados por um outro em escala hierárquica superior, que por sua vez recebe as diretrizes e financiamento do que compõe o topo da pirâmide. Dessa característica decorre outra, a multiplicidade dos componentes dos grupos, utilizando métodos para conseguir novos integrantes, que geralmente são os “favores” prestados a comunidades que não recebem o devido apoio do Estado ou o atrativo da ascensão social, vinda da facilidade em se ganhar dinheiro.

Em análise aos crimes característicos do crime organizado, o autor Marcelo Mendroni divide aqueles em três ordens: crimes principais; crimes secundários ou de “suporte”; e crime do terceiro nível.

São crimes principais os que são praticados com a finalidade de obter proveitos em larga escala, exemplos: tráfico de drogas, armas, pessoas (mulheres), contrabando, sequestros, roubo ou furto de cargas, entre outros.

Os considerados secundários oferecem “suporte” às atividades principais, não é fonte de arrecadação de capital, ao contrário podem até gerar ônus, entretanto ajudam na perpetuação da organização, são eles: corrupção, ameaças e intimidações, falsificações de dinheiro, tráfico de influência, crimes de informática e até homicídios.

 A lavagem de dinheiro é contemplada como crime de terceiro nível, como uma forma de dar um caráter lícito aos rendimentos vindos de meios ilícitos, é um elemento constitutivo e de relevante importância para todas as organizações criminosas, haja vista a sua rentabilidade.[5]

 Dentre as técnicas de lavagem de dinheiro estão: a compra de bens, criação de empresas de fachada, transferências de fundos. Um esquema utilizado pelo Comando Vermelho, descoberto recentemente pela Polícia Federal, utiliza o sistema bancário nacional, fazendo com que moradores das comunidades influenciadas por essa organização criem contas em nome de pessoa física nos bancos e depositem semanalmente pequenas quantias em dinheiro advindas de modos ilegais em contas de empresas de “faixada” que ao fim de tudo seu destino será revertido para o crime.[6]

 

1.3.       Conceito

Sabemos dos problemas que envolvem o crime organizado em nosso país vão além de uma falha conceitual, entretanto o tema não é menos importante, sendo adequado considerá-lo como ponto relevante no presente estudo.

Ao tratar de um conceito para o que seria definitivamente uma organização criminosa no Brasil, inicia-se um incessante debate pelos doutrinadores, pois a inexistência de uma definição abrangente e própria dessa modalidade de crime na legislação brasileira cria um vácuo que impossibilita uma eficaz atuação das autoridades competentes, uma das críticas relevantes é de como combater algo não descrito penalmente do que venha a ser a figura do crime organizado.

No ordenamento brasileiro, a Lei nº 9.034 de 3 de maio de 1995 foi criada para tratar sobre a criminalidade organizada, conceituando-a em seu artigo 1º com o seguinte texto: Esta lei define e regula meios de prova e procedimentos investigatórios que versarem sobre crime resultante de ações de quadrilha ou bando.

 

Contudo, o referido artigo apenas equiparou uma nova modalidade de crime a um tipo já existente no Código Penal, ao crime de formação de quadrilha ou bando, nos termos:

Art.288 – Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.

Parágrafo único. A pena aplica-se em dobro, se a quadrilha ou bando é armado.

Assim, ao comparar as ações do crime organizado com as de quadrilha ou bando nasce um mal estar entre os juristas e aplicadores do direito, na crítica quanto à diferenciação entre tal posição, apregoa Mendroni (2009, p.09):

A diferenciação entre ambas as situações jurídicas se aclara. Enquanto na primeira, Formação de Bando ou Quadrilha, constata-se apenas uma “associação” com solidariedade entre os seus integrantes, no caso da segunda, Organização Criminosa, verifica-se uma verdadeira “estrutura organizada” com articulação, relações, ordem e objetivo, com intenso respeito às regras e à autoridade do líder.

Não restando dúvidas da distinção entre ambas, de um lado as que possuem a mínima noção organizacional quanto ao seu planejamento antecipado e o bom aproveitamento dos resultados seguros preservando os seus membros, consequente de um esquema estudado e bem elaborado, de lado oposto grupos que almejam a mesma finalidade, mas de uma forma aleatória, caracterizando-se pelo simples fato de haver a reunião de três ou mais pessoas, podendo até ser premeditado, mas não atende aos requisitos básicos de organização.

A partir disso, o legislador editou a Lei nº 10.217, de 11 de abril de 2001, alterando a redação do artigo 1º da Lei nº 9.034/95, atendendo em parte as ferrenhas críticas daqueles que compunham o meio jurídico, introduzindo no conceito a expressão “organizações ou associações de qualquer tipo”, como dispõe a nova redação:

 

Art. 1º - Esta lei define e regula os meios de prova e procedimentos investigatórios que versem sobre ilícitos decorrentes de ações praticadas por quadrilha ou bando ou organizações ou associações criminosas de qualquer natureza.

Essa leve alteração se mostrou pouco eficaz em relação ao problema conceitual em busca de uma definição clara da conjuntura do crime organizado, de modo a suprir a ausência na legislação, faremos alusão a alguns conceitos.

A INTERPOL trata o crime organizado como sendo: “Qualquer grupo que tenha uma estrutura corporativa, cujo principal objetivo seja o ganho de dinheiro através de atividades ilegais, sempre subsistindo pela imposição do temor e a prática da corrupção.” [7]

A ONU o define como:

Organização de grupos visando à prática de atividades econômicas; laços hierárquicos ou relações pessoais que permitem que certos indivíduos dirijam o grupo; o recurso à violência, à intimidação e à corrupção; e à lavagem de lucros ilícitos.[8]

 

Na doutrina brasileira, o autor Guaracy Mingardi (1998, p. 82) conceitua:

Grupo de pessoas voltadas para atividades ilícitas e clandestinas que possui uma hierarquia própria e capaz e planejamento empresarial, que compreende a divisão do trabalho e o planejamento de lucros. Suas atividades se baseiam no uso da violência e da intimidação, tendo como fonte de lucros a venda de mercadorias ou serviços ilícitos, no que é protegido por setores do Estado. Tem como características distintas de qualquer outro criminoso um sistema de clientela, a imposição da Lei do silêncio aos membros ou pessoas próximas e o controle pela força de determinada porção de território.

 

Nessa mesma baliza a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional em 15 de novembro de 2000, adotada em Nova York ratificada pelo Brasil através do Decreto nº 5.015/04 definiu como grupo criminoso organizado:

Grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material.

 

Mesmo com um conceito melhorado, vigorando como lei ordinária este decreto acaba inaplicável para fins de imputação criminal por tratar de crimes transnacionais e pela a ausência de uma pena.

A Lei nº 11.343/06, Lei de Drogas, ainda menciona o fenômeno do crime organizado nos artigos 33, §4º quando veda a “conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, e não se dediquem às atividades criminosas”; e no artigo 37, disciplinando como crime a colaboração na figura do informante, junto a grupo, organização ou associação destinada às atitudes criminosas descritas na mesma lei; cita muito embora não o conceitue.

Vendo as inúmeras definições acima citadas, dentre tantas outras existentes, percebemos as inúmeras possibilidades na formação de um conceito sobre o assunto e que mesmo assim nem todas as características conseguem ser descritas em um só conceito, pois são muitas organizações com pontos comuns, mas também divergentes, e uma rapidez na propagação de novas atividades criminosas para alimentar a organização, então um tipo penal taxativo discorrendo sobre suas peculiaridades obrigaria o legislador a viver em constante alteração da lei para que esta se adéque as mudanças.

Em contraponto, a ausência de uma tipificação penal leva a sérios problemas no âmbito jurídico, pois para o controle ou combate de um crime é necessária uma legislação que descreva o fato como criminoso e estabeleça uma pena a quem infringir tal regra.

Uma definição muito ampla, como no caso da lei vigente brasileira permite que qualquer tipo de grupo, mesmo os não organizados, incorram na pena prevista, ferindo o princípio da proporcionalidade, grandes facções criminosas de tráfico mundial de entorpecentes, por exemplo, sofrerão a mesma sanção de um grupo que decide roubar uma residência. Sobre a atuação do legislador salienta Luiz Flávio Gomes (1995, p.68-78): “O legislador deu ao crime organizado o mínimo, que é o crime de quadrilha ou bando, e deixou por conta de intérprete a tarefa de fixar os restantes contornos da organização criminosa”. Complementa esse entendimento Luiz Vicente Cernicchiaro (2006, p.201), no tocante a impossibilidade de interpretação extensiva a partir de outro tipo penal e o desrespeito ao princípio da taxatividade, diz ser: “inadmissível, ademais, interpretação extensiva para capitular novas condutas, no direito penal do fato, cujos limites sem dúvida, são coordenados pelo garantismo jurídico!”.

Por fim, o mais razoável seria a elaboração de um conceito que elencasse em termos gerais, mas não vago, as principais características de uma reconhecida organização criminosa, de uma maneira a não cometer equívocos e contribuir para uma eficaz aplicabilidade da lei.

Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei 6.578/2009, que define o que é crime organizado, possui 36 artigos com boas inovações crimes que atingem o Estado são colocados em evidencia, prevendo a punição de políticos e servidores públicos contribuintes ilícito, entretanto ainda espera votação, esbarrando na morosidade do sistema.

 

CONCLUSÃO

Ao tratarmos da história do crime organizado internacional vimos que a sua existência não está correlacionada a países subdesenvolvidos, visto a grande influência desses grupos em países como Itália, Japão, China, Estados Unidos, Alemanha. Quando analisamos o histórico brasileiro percebemos uma série de acontecimentos que deixam o Estado em uma situação delicada, desde a precária situação prisional mantida da década de 70 (possivelmente origem da criminalidade organizada) até hoje, passando pelos abusos legislativos da Lei de Segurança Nacional, em tempos críticos da ditadura militar, até o descaso em relação ao problema, vendo a retardada resposta legislativa de em média 20 anos para a vigência de uma lei sobre o assunto, que não satisfaz todas as necessidades para sua eficiência, a começar pela falha conceitual ao definir o que seria crime organizado.

 Apesar de em cada país a origem ser sob condições distintas, outra constatação foi sobre o único ponto em comum em todas as organizações criminosas, a presença da corrupção de membros do Estado, correspondendo a sua parcela de culpa por não ter uma efetiva investigação e punição aos que desrespeitam a sua função pública.

 

 

REFERÊNCIAS

AMORIM, Carlos. CV – PCC: a irmandade do crime. Rio de Janeiro: Editora Record, 2008.

BRASIL. Código Penal. Vade Mecum. São Paulo: Saraiva, 2009.

BRASIL. Lei nº 7.170, de 14 de  dezembro de 1983. Define os crimes contra a segurança nacional, a ordem política e social, estabelece seu processo e julgamento e dá outras providências. Brasília: Presidência da República. Disponível em:. Acesso em: 13 maio 2011.

BRASIL. Lei nº 9.034 de 3 de maio de 1995. Vade Mecum. São Paulo: Saraiva, 2009.

BRASIL. Lei nº 10.217, de 11 de abril de 2001. Vade Mecum. São Paulo: Saraiva, 2009.

_______. Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006. Vade Mecum. São Paulo: Saraiva, 2009.

CERNICCHIARO, Luiz Vicente. Organização criminosa. Direito Penal especial, processo penal e direitos fundamentais: visão luso-brasileira. São Paulo: Quartier Latin, 2006.

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DANTAS, George Felipe de Lima. A escalada do crime organizado e o esfacelamento do Estado. 01 julho 2010. Disponível em: . Acesso em: 10 maio 2011.

GOMES, Luiz Flávio; Cervini, Raul. Crime Organizado: enfoque criminológico, jurídico (Lei 9.034/1995) e político criminal. São Paulo: Editora RT, 1995.

MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime organizado: aspectos gerais e mecanismos legais. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2009.

Michele Zagaria, principal chefe da máfia da Camorra, é detido na Itália. Veja, 07 dezembro 2011. Disponível em:. Acesso em 10 dezembro 2011.

MINGARDI, Guaracy. O Estado e o crime organizado. São Paulo: IBCCrim, 1998.

PORTO, Roberto. Crime Organizado e Sistema Prisional. 1.ed. São Paulo: Atlas,2008.

SILVA, Eduardo Araújo da.Crime organizado – procedimento probatório. 2.ed.  São Paulo: Atlas, 2009.

SPIGLIATTI, Solange. Mesmo preso, Beira-Mar comanda o tráfico, diz PF. Jornal Estadão de São Paulo. 22 de novembro de 2007. Disponível em:. Acesso em: 15 agosto 2011.

[1] Michele Zagaria, principal chefe da máfia da Camorra, é detido na Itália. Veja, 07 dezembro 2011. Disponível em:. Acesso em 10 dezembro 2011.

[2] PORTO, Roberto. Crime Organizado e Sistema Prisional. 1.ed. São Paulo: Editora Atlas, 2008, p.76. Conforme denúncia oferecida junto à 3ª Vara Criminal da Capital. Inquérito policial nº 050.06.057.864-5.

[3] AMORIM, Carlos. CV – PCC: a irmandade do crime. Rio de Janeiro: Editora Record, 2008, p.30.

[4]  CPI da Biopirataria - Câmara dos Deputados. Disponível em:. Acesso em: 20 setembro 2011.

[5] MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime organizado: aspectos gerais e mecanismos legais. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p.25.

[6] Bilhetes de Beira-Mar mostram esquema de lavagem de dinheiro. Globo.com/Fantastico, 20 março 2011. Disponível em: . Acesso em: 13 maio 2011.

[7] DANTAS, George Felipe de Lima. A escalada do crime organizado e o esfacelamento do Estado. 01 julho 2010. Disponível em: . Acesso em: 10 maio 2011.

[8] Conferência da ONU em novembro de 1994. MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime organizado: aspectos gerais e mecanismos legais. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2009.

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Autor: Gabrieli Vitorino Bacurau


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