Reflexões sistêmicas sobre as concepções e práticas dos operadores do direito e dos profissionais que atuam em casos de disputa de guarda acerca do princípio do melhor interesse da criança



1. INTRODUÇÃO
Este estudo faz parte de um Projeto mais amplo sobre o princípio do melhor interesse da criança, com estudos realizados em Fortaleza/Ceará e em fase de coleta de dados no Rio de Janeiro, sob as mais diversas perspectivas teóricas.
O advento do movimento feminista na segunda metade do século XX levou a discussões e redefinições nas relações entre homens e mulheres, bem como nas estruturas familiares, a legalização do divórcio é uma das consequências disto (SCHABBEL, 2005). No Brasil a legalização do divórcio veio em 1977, com a promulgação da lei nº 6.515.
A sociedade ocidental tem observado nos últimos tempos o crescente número de divórcios, o que tem refletido nos serviços de Justiça, responsáveis por conduzir os processos de separação entre os casais (RIBEIRO, 2002; SANTOS; FONSECA, 2003).
O processo de separação é bem complexo, Féres-Carneiro (2003) reflete que no movimento de unir-se a outro, o par conjugal passa por um processo de modificação e organização internas, em especial no que se refere aos elementos identitários destes sujeitos. Assim, durante a separação, a identidade conjugal, construída ao longo do casamento, vai se desfazendo, o que exige dos cônjuges a busca por uma redefinição de suas identidades individuais. Ainda segundo a autora, os casais não se separam por não acreditarem mais no casamento, por desqualifica-lo, mas sim por valoriza-lo de tal forma que não conseguem aceitar que a relação conjugal não mais corresponda às suas expectativas.
Dentro dessa complexidade, a separação conjugal pode se constituir como um evento do Ciclo de Vida das Famílias, que pode trazer significativas mudanças nas relações entre a díade conjugal, entre os pais e os filhos, destes com os pais e entre a díade conjugal, enquanto pais (RIBEIRO, 2010). Esse tipo de separação é mais ampla do que a separação legal, o divórcio, pois ela implica na interrupção da relação marital, da troca de afetos, da intimidade conjugal e também da relação sexual (SANTOS, 2010).
O divórcio pode representar uma legalização da discórdia entre o casal, que leva a uma reorganização da estrutura doméstica e da convivência entre pais e filhos, gerando angústias e incertezas em todos os membros da família e ameaçando a estabilidade pessoal destes, causando mudanças na dinâmica familiar (SCHABBEL, 2005).
A qualidade das relações entre pais e filhos, bem como a garantia e conservação do melhor interesse destes últimos, está intrinsecamente ligada à forma de relação e comunicação
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que o par parental irá adotar após a separação. Frequentemente, a relação e a comunicação entre os pais separados são atravessadas por questões conjugais não resolvidas ou mal resolvidas, levando-os a uma interação que costuma deteriorar, além do respeito mútuo, o melhor interesse dos filhos.
A situação do divórcio e da disputa de guarda é um fenômeno de grande impacto dentro de um sistema familiar e pode provocar uma série de reações nos filhos, entre elas o medo consciente ou não de que o outro genitor também vá embora e a ideia de que os adultos não são confiáveis/honestos (SCHABBEL, 2005).
Assim, por ter um grande potencial para provocar instabilidades e mudanças na dinâmica familiar, nos papeis e nas relações interpessoais entre os membros de uma família, o fenômeno do divórcio pode precisar de atenção e cuidados especializados de operadores jurídicos e não jurídicos, com vistas à retomada do ciclo de crescimento das famílias e, em especial, do desenvolvimento psicossocial congruente dos filhos (SCHABBEL, 2005).
Para Zuim e Leite (2010), as dinâmicas dos conflitos expressos nos serviços da Justiça que atendem famílias em situação de disputa de guarda, geralmente têm continência com a lógica do transcurso processual, onde se busca sempre o culpado pela dissolução da união conjugal, o ataque mútuo a imagem do outro e a autopromoção. Ainda segundo as autoras, de acordo com a forma de operação do Direito, as partes litigantes podem sentir-se instigadas à competição e ao litígio, através de reforços do próprio sistema judiciário.
Desta forma, a dinâmica e comunicação conjugal tendentes ao conflito e ao litígio, que já existiam mesmo antes da separação, combinam-se a uma lógica maniqueísta de operação do Direito, que reforça estereotipias e acirra os conflitos entre os cônjuges. Isto faz com que o bem-estar dos filhos fique em segundo plano.
As crianças e os adolescentes são pessoas em um continuum, em devir, encontram-se em um franco processo de formação/consolidação de sua personalidade e identidade, são, portanto, sujeitos em desenvolvimento peculiar, como preconiza todas as normativas acerca dos direitos e da proteção da criança e do adolescente. Por isso, é que a Justiça, seja através dos operadores do Direito, seja através dos profissionais forenses, deve se ocupar em garantir que o melhor interesse da criança esteja sempre em primeiro lugar.
Diante dessa realidade, levando-se em consideração que nos casos de disputa de guarda deve-se considerar o “melhor interesse da criança”, bem como as possíveis consequências emocionais causadas quando os direitos da criança não são resguardados e
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ainda levando-se em conta a fragilidade emocional das partes em litígio, surgiu o interesse em realizar uma pesquisa junto aos operadores do direito que atuam nas varas de família, bem como os peritos técnicos, através da análise do discurso deles sobre as garantias do princípio do “melhor interesse da criança” em casos de disputa de guarda e as demais implicações que esta possa suscitar.
A identificação desses fatores poderá contribuir no planejamento e manejo adequado de profissionais para trabalhar em prol do que melhor atender ao interesse da criança, tentando minimizar os danos que uma separação pode causar para os filhos e para a família como um todo, além de contribuir para a ampliação dos trabalhos nesta área específica do conhecimento.
2. REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 – Perspectiva Sistêmica: Um Novo Paradigma para a Ciência Jurídica
A noção de sistema sempre existiu para o homem, ainda que intuitivamente, vide o homem selvagem que, fazendo uso da noção de sistema, criou referenciais de ordenamento para compor seus mitos e para promover a ocupação dos espaços (LIEBER, 2011). Contudo, somente no século XX é que as teorizações sobre os sistemas começaram a surgir, a partir da Teoria Geral dos Sistemas de Ludwing Von Bertalanffy e da Cibernética de Norbert Wiener.
O termo “sistema” tem raiz no grego synistanai, que remete a reunir, juntar, colocar juntos. Na perspectiva sistêmica, o conceito de sistema refere-se a uma unidade, um todo integrado, o qual as propriedades e características emergem das relações e conexões existentes (GÓMEZ; SOLER, 2009). Nesse sentido, ainda segundo estes autores, a vida cotidiana gira em torno de sistemas complexos, os quais o homem tenta dar um aparente ordenamento para aquilo que ele consegue perceber.
A perspectiva sistêmica não se propõe a estabelecer semelhanças entre as ciências, mas sim a combater a superficialidade científica que se encontra arraigada nas mais diversas áreas do conhecimento (GÓMEZ; SOLER, 2009). Não há, então, como conceber uma relação sujeito-objeto sem que os cientistas possam compreender também a relação circular entre a parte e o todo na divisão do conhecimento (PAES; AMIN, 2010). Nesse sentindo, a perspectiva sistêmica faz um afronte direto ao paradigma positivista, que se ocupa em
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estabelecer relações de causa e feito, proporcionando uma compreensão linear e rígida de fenômenos, dinâmicas e de estruturas que são essencialmente complexos.
A contemporaneidade vivencia uma crise do conhecimento, na qual os paradigmas tradicionais de produção científica, bem como as suas visões de mundo e de homem, não contemplam mais a realidade das demandas que lhes são impostas, eles não conseguem mais apresentar respostas para os problemas da sociedade (GÓMEZ; SOLER, 2009; PAES; AMIN, 2010). O mesmo ocorre com os paradigmas hegemônicos da Ciência Jurídica, que é influenciada pelas ideias de Descartes, ícone responsável por promulgar o conhecimento reducionista, com uma concepção mecânica do homem e do universo (PAES; AMIN 2010). Assim, “tal conhecimento ignora o fenômeno mais importante, que podemos qualificar de sistêmico, da palavra sistema, conjunto organizado de partes diferentes, produtor de qualidades que não existiriam se as partes estivessem isoladas umas as outras” (MORIN, 2000 p. 03).
No Brasil, o positivismo foi o modelo que regeu e ainda rege as relações jurídicas por mais de um século, desde a promulgação da primeira Constituição brasileira em 1891, na qual estava expressa o ordenamento lógico dedutivo de validade formal de Kelsen, um importante teórico positivista da Ciência Jurídica (PAES; AMIN 2010).
Nesse sentido, o Direito, por ser essencialmente positivista, tende a não reconhecer a complexidade dos fenômenos, transpondo isso para a sua prática, o que é claramente percebido pela lógica do transcurso processual, a qual, necessariamente, tem que apontar uma vítima e um réu, um requerente e um requerido. A dicotomia entre vítima e réu, requente e requerido favorece a formação de nichos de juízos de valor que sedimentam e engessam os papeis de cada um durante o transcurso processual, além de permear desde o rito do processo até a sentença. Isto não costuma promover a resolução do conflito em si, mas sim e apenas o processo.
Nesse sentido, a perspectiva sistêmica, propõe uma mudança da visão reducionista do mundo e
“plantea la necesidad de visualizarlo desde una perspectiva integral, holística (del griego holos - entero) con la finalidad, primero, de comprenderla adecuadamente, y en segundo lugar, para que a partir de esa comprensión, pueda establecer un abordaje pertinente de la situación existente en busca de soluciones y planteamientos adecuados a cada
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situación concreta.[grifo nosso]” (GÓMEZ; SOLER, 2009 p. 01).
2.2 – O Direito de Família
Nos últimos tempos, pôde-se observar um franco processo de judicialização das questões do dia-a-dia, dos problemas e das relações sociais (PEDROSO, 2001). As questões da vida privada, que antes eram resolvidas também no privado, hoje são levadas a público, através de processos judiciais. Entre os vários processos de judicialização da vida privada, estão as questões ligadas ao Direito de Família. Este se restringe a regular as relações entre os seus membros constituintes da família e as influências que estes exercem sobre as pessoas e os bens (WALD, 2002).
Wald (2002) ressalta que o Direito de Família tem o seu caráter próprio e singular, em relação às outras áreas do Direito. Para o autor, essa prática do Direito tem primordial importância ligada ao elemento social e ético, por muitas vezes expressando um conteúdo moral. Assim, “o Direito de Família se preocupa com o status ocupado pela pessoa dentro do quadro familiar, defendendo os interesses não apenas do indivíduo, mas sim do grupo” (WALD, 2002 p.06).
Segundo Barreto e Galdino (2007), o Direito de Família pode ser dividido em alguns princípios: (1) princípio da dignidade humana; (2) princípio da monogamia; (3) princípio do melhor interesse da criança/adolescente; (4) princípio da igualdade e respeito às diferenças; (5) princípio da autonomia e da menor intervenção estatal; (6) princípio da pluralidade de formas de família e (7) e princípio da afetividade.
2.2.1 – Guarda e Proteção dos Filhos
Tepedino (2004) discute o conceito de guarda, a sua crítica consiste na ideia de que a palavra “guarda” expressa uma ambivalência ao indicar a guarda em um sentido de vigilância, sentinela, que se aproxima da perspectiva unilateral do dono de alguma coisa guardada, distanciando-se, então, da noção bilateral de diálogo e troca que deve haver na educação e formação da personalidade dos filhos. O autor ainda reflete que, tradicionalmente, a guarda era tratada como um instituto subjetivo, conferido a um dos genitores, cabendo ao outro genitor o direito a visitas e que isso destitui de tal instituto a sua função primordial de garantir
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o melhor interesse da criança ou do adolescente. Ainda para Tepedino (2004), a concessão da guarda a um dos cônjuges com base na vida pregressa conjugal, antes da separação, estabelecendo-se um culpado e um inocente, também não atende ao princípio do melhor interesse da criança.
De acordo com Cahali (2005), quando da separação do casal, o Novo Código Civil versa que os ex-cônjuges devem decidir por comum acordo sobre a guarda dos filhos, estabelecendo-se o detentor da guarda de fato e o regime de visitas. Contudo, nos casos em que isso não seja possível, deve o juiz, visando o bem dos filhos, decidir com quem fica a guarda, bem como a respectiva regulamentação de visitas. Assim,
“no pressuposto de que os genitores não tivessem chegado a um denominador comum a respeito, o juiz homologaria simplesmente a separação pessoal dos cônjuges, aplicando aos filhos a solução que melhor atende os interesses deles [grifo nosso]” (CAHALI, 2005 p. 234).
Em último caso, de acordo com o Art. 1.584 do novo Código Civil brasileiro, §5º, não podendo os filhos permanecer sob a guarda de seus genitores, pois isso seria pernicioso, eles devem ter a sua guarda entregue a um terceiro, de preferência que tenha algum grau de parentesco com a(s) criança(s), além das relações de afinidade e afetividade.
Estando sob a guarda de um ou outro genitor, ou ainda sob a guarda de terceiro, entende-se que a regulamentação de vistas é um direito que assiste tanto aos genitores, quanto as crianças, uma vez que isso constitui parte do dever dos genitores, estando juntos ou não, de zelar pelo bem-estar e educação de seus filhos, atendendo o melhor interesse destes (CAHALI, 2005).
Em 2008, o Novo Código Civil brasileiro sofreu alterações na forma da lei nº 11.698 para contemplar o instituto da guarda compartilhada. De acordo com o artigo 1.583 do referido Código, em seu §1º, compreende-se por guarda compartilhada “a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns”. Desta forma, a guarda estaria sobre a tutela de ambos os pais, sendo ambos igualmente responsáveis, na letra do Código, por propiciar “afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar; saúde; segurança e educação”.
Outra possibilidade de configuração para os cuidados com os filhos é a guarda alternada, na qual a criança é literalmente dividida entre o pai e a mãe, alternando períodos de
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convivência na casa de um e de outro. Há ressalvas quanto a esse tipo de organização, uma vez que, dentre outro fatores, é importante que a criança possa ter um referencial de lar, além de um ambiente estável e seguro para o seu desenvolvimento. Além disso, pode ocorrer, por parte da criança, a experiência de uma percepção objetal, na qual ela se vê como um objeto ao ser transferida constantemente de genitor para outro (FIORELLI; MANGINI, 2009).
2.2.2 – O Princípio do Melhor Interesse da Criança
As rotinas e as práticas das Varas de Família são quase sempre atravessadas por questões que envolvem o bem-estar físico e mental de crianças e adolescentes. Por isso, as ações dos operadores do Direito e dos profissionais que trabalham com as famílias e suas crianças devem se guiar pelo prisma do “melhor interesse da criança”, visando priorizar e salvaguardar o bem-estar físico e metal dessas crianças e adolescentes.
Na Ciência Jurídica existem várias acepções acerca do que seria um princípio jurídico, amiúde, este se constitui como um arranjo de ideais, pensamentos e normativas que têm como base, alicerce, uma ideia central, um mandamento nuclear de um sistema, do qual todas as demais normas derivam e fazem referência, reconduzindo-se ou subordinando-se; essencialmente, no Direito, o princípio significa fundamento, base (ESPÍNDOLA, 2002; MELLO, 1980; SILVA, 1989).
A concepção do princípio do melhor interesse da criança e da proteção dela tem sua origem no instituto do parens patriae, que era uma prerrogativa utilizada pelo Rei da Inglaterra para proteger aqueles que não podiam fazê-lo por si sós (PEREIRA, 2000). Posteriormente, essa atribuição passou a ser das Cortes de Chancelaria inglesas que se incumbiram de proteger todas as crianças, bem como os loucos e débeis, porquanto, pessoas que não teriam total capacidade para administrar os seus interesses; em seguida foram feitas distinções para o parens patriae de proteção dos loucos para o da proteção das crianças (PEREIRA, 2000).
Ao longo dos anos, os preceitos e a filosofia do “melhor interesse” se transferiram das cortes para os tribunais e a questão da proteção da criança foi se constituindo um instituto tradicional das normativas de vários países, indo desde as Cartas Magnas até os Códigos jurídicos (PEREIRA, 2000).
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Na nossa contemporaneidade, a ideia de “melhor interesse da criança” foi sendo construída e debatida ao logo dos anos desde a Declaração Universal dos Direitos da Criança em 1959 até a Convenção Internacional dos Direitos da Criança em 1989. No Brasil, a Convenção foi referendada no ano de 1990, através do decreto nº 99.710 (PEREIRA, 2000; LAURIA, 2003). Assim, como ressalta Pereira (2000), a proposta da Convenção pode ser bem expressa através do seu artigo 3.1 que diz: “todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituições públicas ou privadas de bem-estar social, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente, o interesse maior da criança” [grifos nosso]. Ainda segundo a autora, o princípio do melhor interesse se funda no direito comum, servindo para a dissolução de engodos entre os direitos e interesses da criança e os de outra pessoa, como no caso do divórcio, no qual os interesses da criança devem prevalecer sobre os de outras pessoas e/ou instituições.
Lauria (2003) e Pereira (2000) esclarecem que o termo “melhor interesse da criança” advêm da tradução do termo em Inglês “best interest of the child”, que consta originalmente na Declaração Universal dos Direitos da Criança e também na Convenção. As versões em Português costumam trazer os termos “maior interesse da criança” ou “supremo interesse da criança”. Para esses autores, o uso do “melhor” ao invés de “maior” ou “supremo” é o mais adequado por garantir e por valorizar o aspecto qualitativo do princípio e não o quantitativo. Para Lauria (2003), o qualitativo “opõe-se ao critério quantitativo através da valorização do único, em oposição ao corriqueiro, ao vulgar; é a valorização do que é original, raro, irreparável” (p. 31). A escolha pelo qualitativo, pelo “melhor”, se justifica pela própria condição única, singular em que a criança se encontra durante o seu desenvolvimento, que tem natureza transitória e com possibilidades de sequelas irreparáveis, caso não receba atenção e cuidados específicos e necessários (LAURIA, 2003).
Além desses acordos e tratados internacionais, a Constituição de 1988 também legitima esse princípio no seu art. 227, que diz
“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e a convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
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discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão” [grifo nosso] (BRASIL, 1988).
É difícil a tarefa de querer estabelecer parâmetros pra se dizer qual seria o conteúdo de tal princípio, isso porque este conteúdo está à mercê das particularidades de cada caso a ser submetido a uma avaliação, sendo, então, extremamente importante a participação de outras áreas do conhecimento, como Psicologia, Serviço Social, Medicina e etc. nesta avaliação (LAURIA, 2003).
2.3 – O Estatuto da Criança e do Adolescente e o Princípio do Melhor Interesse da Criança
No Brasil, a instituição do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em 1990 representou a consolidação de todas as normativas e convenções internacionais que legislavam sobre a proteção integral à criança e ao adolescente, além da própria Constituição de 1988, visando sempre o melhor interesse daqueles.
Historicamente, o ECA representa a consolidação da criança e do adolescente como sujeitos de direitos, gozando de direitos individuais e sociais (CHAVES, 1997). Antes do ECA, a relação de crianças e adolescentes com a sociedade e com o Poder Judiciário era mediada através do Código de Menores, que tinha a concepção de “situação irregular”, ou seja, eram irregulares aquelas crianças e adolescentes desviantes da norma, do padrão, as crianças e adolescentes de rua, abandonadas, drogaditas ou infratoras. Ao estabelecer diretrizes para o asseguramento de direitos básicos como direito à saúde e à vida, personalidade, convivência familiar, educação, cultura, esporte e lazer, o ECA endossa e instrumentaliza o princípio do melhor interesse da criança (CHAVES, 1997).
Com uma concepção mais complexa e congruente em relação ao continuum de desenvolvimento de crianças e adolescentes, o estatuto além de garantir direitos e ações de prevenção e proteção, implica a família e o Estado na defesa e na garantia desses diretos que engendram o princípio do melhor interesse ao estabelecer que
“é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
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liberdade e à convivência familiar e comunitária.” (BRASIL, 1990, Art. 4º)
No contexto da disputa de guarda, o ECA estabelece a circunscrição da guarda e os direitos e deveres do guardião que deve sempre primar pelo bem-estar biopsicossociocultural da criança ou do adolescente sob sua guarda, bem como as modalidades de guarda e suas implicações (ISHIDA, 2000).
2.4 – A Criança no Contexto da Disputa de Guarda
A necessidade de definição de uma guarda pela Justiça só se faz por conta da separação dos genitores. O termo separação designa processos de rompimento de vínculos familiares, referindo-se, juridicamente, a separação, divórcio e dissolução de união estável (FIORELLI; MANGINI, 2009).
Definir com quem irá ficar os filhos, após a separação, faz parte do processo de divórcio. Contudo, existem outros aspectos que compõe essa separação, processos que costumam intervir de forma significativa na promoção do melhor interesse dos filhos.
Por parte dos filhos, a separação dos pais nunca vai significar algo bom, ainda que eles tenham maturidade suficiente para entender que aquela é a melhor decisão a ser tomada. Isso porque a separação seria vista por eles como uma espécie de traição à ideia de que os pais permaneceriam juntos para sempre (FIORELLI; MANGINI, 2009; BRITO, 2002). O que se pode fazer é tentar minimizar os danos e tornar a vivência da separação dos pais menos prejudicial possível. Essa minimização dos danos é de responsabilidade do par parental e está intrinsecamente ligada a forma como eles irão se comunicar após a separação, respeitando ou não um ao outro, a imagem e os afetos que os filhos têm em relação ao outro genitor e, por fim, respeitando o direito e a necessidade do contato dos filhos com genitor não guardião.
2.4.1 – Dificuldades Parentais e o Melhor Interesse dos filhos
Frequentemente as relações conjugais desfeitas simbolizam a existência de uma colusão, que é quando o parceiro descobre que o outro não corresponde às expectativas, fantasias e anseios que lhe foram depositados outrora por este parceiro, gerando conflitos, frustações e sofrimento para ambos (FIORELLI; MANGINI, 2009). Desta forma, é comum
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que os cônjuges levem para o casamento questões que não puderam ser atendidas em suas famílias de origem (SANTOS; FONCECA, 2003). A tensão entre o casal aumenta, intensificando os desgastes relacionais de tal forma, que a única alternativa que lhes resta é a separação. Contudo, muitas vezes o conflito persiste.
O conflito é inerente às relações e às instituições, como a família, a existência dele per si não representa algo ruim, o que pode gerar esta qualidade é a incapacidade de lidar com ele de forma assertiva. No caso das famílias, a busca por uma decisão judicial pode representar o único caminho encontrado para o enfrentamento de conflitos (LIMA; CAMPOS, 2003; FIORELLI; MANGINI, 2009).
Quando ocorre a separação, o par parental se separa conjugalmente, mas não parentalmente, ou seja, eles deixam de ser marido e mulher, mas continuam sendo pai e mãe. A relação parental surge e se torna indelével a partir do nascimento ou adoção de um filho.
O que se observa em grande parte dos casos de disputa de guarda, é que os pais costumam se perder nas suas frustrações, angústias e ressentimentos em relação ao casamento desfeito e se esquecem de olhar para os filhos e para o melhor interesse deles. Desta forma, a relação entre os aspectos conjugais e parentais se mostra como grande complicador para a promoção do bem-estar dos filhos após a separação.
2.4.2 – Os Casos Tidos como Alienação Parental
O conceito de Alienação Parental surgiu na década de 80 e foi postulado pelo psiquiatra americano Richard A. Gardner. Segundo ele, a alienação parental seria a situação em que um dos genitores, frequentemente o guardião, programaria a criança no sentindo de desqualificar e macular a imagem do genitor não guardião, fazendo com que a criança o odeie e o deprecie de maneira injustificada e exagerada, além de se vincular e estabelecer um pacto de aliança com o genitor alienante (FONSECA, 2006; BARBOSA; JURAS, 2010).
O uso da alegação de Alienação Parental, pelas partes litigantes, como argumento pleiteador da guardar dos filhos tem aumentado sobremaneira nas Varas de Família. Com isso, os magistrados e os profissionais forenses também têm feito uso deste termo para conduzir as suas práticas e também para a tomada de decisão.
Fonseca (2006) esclarece que há uma diferenciação entre a Alienação Parental e a Síndrome de Alienação Parental. A primeira seria quando ocorre o afastamento do filho de
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um dos genitores, perpetrado pelo outro genitor guardião. Já a Síndrome de Alienação Parental se constituiria como as sequelas emocionais e comportamentais, as quais a criança padecerá.
Para Barbosa e Juras (2010), o termo Alienação Parental tem sido usado pelo sistema jurídico brasileiro sem a reflexão crítica necessária acerca da cientificidade e aplicabilidade do termo. Observa-se que há um afinamento entre o termo e as práticas e concepções jurídicas e, por isso mesmo, o termo tem sido tão útil nos processos de guarda.
O cenário “genitor alienante” e “genitor alienado” satisfaz a lógica jurídica na qual sempre deve haver uma vítima e um réu. A defesa da Alienação Parental como argumento jurídico para tomada de decisão em relação à guarda nos remete ao paradigma tradicional do Direito, que é cartesiano, linear e simplificador das relações interpessoais. A própria teorização sobre a Alienação Parental é cartesiana, linear e simplificadora e, por este motivo, encontra ressonância nos pressupostos da Justiça e de seus atores.
O uso do termo tem sido aplicado amplamente e de forma generalizada, ignorando-se, assim, as especificidades de cada caso, as dinâmicas relacionais e familiares postas e a co-responsibilização parental diante da situação vivida pela família (BARBOSA; JURAS, 2010).
3. PROBLEMA
As novas configurações familiares e o aumento da dissolução do casamento podem gerar conflitos, levando os ex-cônjuges a disputarem a guarda de seus filhos na Justiça. Isto tem suscitado questões tanto a respeito do lugar que a criança ocupa neste contexto em relação à preservação de seus direitos enquanto sujeitos em formação, quanto ao papel dos peritos e operadores do direito das varas de família, que devem levar em conta o princípio do melhor interesse da criança em casos de disputa de guarda. Surge então a seguinte questão: O que garante no âmbito jurídico o melhor interesse da criança em casos de disputa de guarda?
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4. OBJETIVOS
4.1 - Objetivo Geral
Conhecer, junto aos operadores do Direito e aos profissionais do Serviço Psicossocial Forense, que atuam nas Varas de Família do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), quais elementos garantem o melhor interesse da criança em casos de disputa de guarda.
4.2 - Objetivos Específicos
- Compreender as concepções e práticas dos operadores do Direito acerca do melhor interesse da criança;
- Compreender as concepções e práticas dos profissionais do Serviço Psicossocial acerca do melhor interesse da criança;
- Identificar se há dissonâncias entre as concepções de melhor interesse da criança entre os operadores do Direito e os profissionais do Serviço Psicossocial;
- Investigar quais os interesses da criança que devem ser levados em conta em casos de disputa de guarda na perspectiva de todos os entrevistados.
5. MÉTODO
5.1 – Delineamento da pesquisa
A pesquisa se conduziu através da perspectiva qualitativa que se caracteriza pela compreensão da lógica interna dos grupos, instituições e atores sociais quanto aos valores culturais, às representações acerca de sua biografia e/ou temas específicos, a relação entre os indivíduos, as instituições, os movimentos sociais e processos sociais e históricos (MINAYO, 2008).
Como características gerais da pesquisa qualitativa têm-se: (1) compreensão como princípio do conhecimento; (2) a construção da realidade, a pesquisa é um ato de construção subjetiva da realidade; (3) objetiva a descoberta e construção de teorias e (4) ciência baseada
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em textos, a coleta de dados produz textos que, a partir das diferenciadas técnicas analíticas, são interpretados hermeneuticamente (FLICK et al., 2000 apud GÜNTHER, 2006).
Esse tipo de pesquisa não se atém a um conceito teórico e/ou metodológico unificado, assim, a perspectiva individual e subjetiva se constitui um ponto de partida inicial (FLICK, 2009). Nesse sentido,
“o método qualitativo é o que se aplica ao estudo da história, das relações, das representações, das crenças, das percepções e das opiniões, produtos das interpretações que os humanos fazem a respeito de como vivem, constroem seus artefatos e a si mesmos, sentem e pensam” (MINAYO, 2008 pp. 57).
5.2 – Participantes
Os participantes da pesquisa foram juízes, promotores, psicólogos e assistentes sociais, que trabalham com os casos de disputa de guarda em varas de família do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios.
5.3 – Instrumento
O instrumento utilizado foi a entrevista semiestruturada. A entrevista qualitativa tem como finalidade atender os objetivos traçados pela pesquisa e ela pode ser usada como a única técnica de pesquisa (FRASER; GONDIM, 2004). Deste modo, “o propósito da pesquisa pode ser apenas o de compreender os significados e as vivências dos entrevistados no que tange a determinadas situações e eventos” (FRASER; GONDIM, 2004 p. 145).
Fraser e Gondim (2004) assinalam que o uso desse tipo de instrumento se justifica pelo fato da pesquisa qualitativa ser uma abordagem que pretende compreender a realidade particular e tem um forte compromisso com a transformação social, através da autorreflexão e da ação emancipatória que se propõe a desencadear nos próprios participantes da pesquisa.
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5.4 – Procedimentos de coleta de dados
Para o contato com os profissionais do Serviço Psicossocial do TJDFT, a proposta deste trabalho foi apresentada a instituição, solicitando-se a devida autorização para a condução da pesquisa nas dependências da Secretaria Psicossocial - SEPSI. Após o deferimento, deu-se início as entrevistas com esses profissionais nas dependências da SEPSI. Foram entrevistadas uma assistente social e uma psicóloga.
O contato com os juízes e promotores foi feito junto aos respectivos gabinetes, mediante carta de apresentação e em anexo o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) (ANEXO I). Foram contatados sete promotores/as e quatro juízes das Promotorias e Varas de Família de duas cidades satélites do Distrito Federal. Por oportuno, vale ressaltar que os peritos técnicos atendem os casos dessas duas cidades.
O contato com os promotores/as não foi dificultoso, talvez pelo fato do pesquisador fazer parte do corpo de estagiários de uma dessas promotorias. Uma promotora e um promotor, responderam ao convite e foram entrevistados.
Já o contato com os juízes se mostrou bastante difícil, dois responderam que não tinham interesse em participar, um não respondeu e apenas outro se propôs a participar da pesquisa.
Desta forma, foram entrevistados uma assistente social, uma psicóloga, uma promotora, um promotor e um juiz. Para a análise, decidiu-se utilizar os dados de um profissional de cada área. Só na categoria dos promotores é que havia mais de um participante. O critério de seleção foi por sorteio, no qual foi escrito a inicial do nome de cada um dos promotores, em seguida dobrados igualmente e sorteados, o participante escolhido foi o promotor. Todos tinham mais de cinco anos de experiência na Vara de Família, com exceção da assistente social, que se encontra nesse serviço há aproximadamente três anos.
Após o preenchimento do Termo, bem como a dissolução de possíveis dúvidas em relação ao mesmo e/ou a pesquisa, foram conduzidas e gravadas as entrevistas semiestruturadas mediante roteiro de entrevista pré-definido (ANEXO II) de acordo com os objetivos da pesquisa.
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5.5 – Procedimentos de análise dos dados
Após a degravação das entrevistas e leitura dos transcritos, as informações obtidas passaram por uma análise construtivo-interpretativa, visando a construção de Zonas de Sentidos, baseada nas teorizações de González Rey (2005).
O princípio dessa análise é composto por processos reflexivos que se integram e desintegram ao longo da produção teórica, que transbordam os processos de indução e dedução, estando em constante movimento (GONZÁLEZ REY, 2005). Este percurso de construção de informações é descrito por Arrais (2005) desde os indicadores até a elaboração das Zonas de Sentido. A autora aponta que esta análise pressupõe uma elaboração de indicadores, que são construídos a partir dos elementos que mobilizam o sujeito, considerando discursos tanto por via direta, quanto implícita. A autora ainda comenta que este processo é considerado dialógico e hipotético no processo de construção das informações e culminam na formação de núcleos do sentido. Estes núcleos de sentido não são construídos de forma rígida e não são realizados pelos pontos mais frequentes, mas sim pelo o que mais significa para os sujeitos (ARRAIS, 2005). Diante disso, podem ser elaboradas zonas de sentido, que valorizam o conhecimento e permitem a legitimidade de novas realidades acerca do que foi apreendido.
6. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Nesse processo de análise, todos os participantes da pesquisa foram entendidos como atores jurídicos no processo de disputa de guarda e a assistente social e a psicóloga como profissionais forenses.
Para a construção das Zonas de Sentido, foi feita uma leitura atenta dos transcritos, em seguida o levantamento dos indicadores, que foram distribuídos em um diagrama de análise, de acordo com nichos temáticos. Posteriormente, foi feita uma nova leitura flutuante para estabelecer alguns núcleos se sentidos e através da interação desses núcleos, chegou-se as seguintes Zonas de Sentido.
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6.1 – A Primazia pela Convivência Familiar como Promotora do Melhor Interesse da Criança, a Dimensão Jurídica-Psicossocial desse Interesse e a Intervenção a Nível de Sistema Familiar
Os atores jurídicos têm uma concepção congruente acerca do melhor interesse da criança. Contudo, houve uma dificuldade, por parte dos operadores do Direito, em definir o que vem a ser o princípio do melhor interesse da criança, uma vez que ele se constitui como princípio, sendo vago e tendo a função de nortear ações, seria, então, uma norma inspiradora de ações ou até mesmo de outras normas que fazem referência a este princípio.
Promotor
“É difícil a gente dar uma definição do que é o melhor interesse da criança, porque se trata de um princípio, aonde ele tem que se apresentar como uma norma mais aberta”
Juiz
“É um conceito vago de propósito”
Lauria (2003) aponta que a dificuldade em estabelecer conceitualmente este princípio é comum, uma vez que sua compreensão estaria à mercê das particularidades de cada caso, podendo então, conforme apontado pelos operadores do Direito, o princípio se compreendido como uma diretriz. Essa inconsistência é importante na medida em que cada família tem a sua dinâmica própria, não funcionando, necessariamente, de forma análoga a outros sistemas familiares (FIORELLI; MANGINI, 2009), haja visto que a família é um sistema aberto, cuja interação entre os seus membros e sujeitos extrafamiliares gera uma circularidade, ou seja, um movimento comum e singular da família, sem começo ou fim (RODRIGUES; LIMA, 2003). Assim, essa compreensão “aberta” do princípio além de trazer uma “folga normativa” para os magistrados, possibilita uma não padronização das dinâmicas familiares, tendo continência com as diversas complexidades e pluralidades familiares existentes.
Os entrevistados também evidenciaram que o melhor interesse da criança está ligado a duas dimensões, a jurídica e a psicossocial.
A dimensão jurídica se faz através do entendimento de que o melhor interesse essencialmente é um princípio jurídico, além de estar garantido e previsto em várias
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normativas nacionais e internacionais. Nesse sentido, juridicamente esse interesse é promovido quando há a garantia de direitos fundamentais, como direito à vida, à liberdade, à dignidade, além do provimento de segurança e acesso à educação, saúde e lazer.
Já a dimensão psicossocial se refere à garantia de convivência familiar, que, apesar de se constituir juridicamente, foi abordado pelos atores jurídicos como importante fator para o desenvolvimento e constituição da personalidade das crianças, além de valorizarem a afetividade. Também colocaram a questão da preservação da criança quanto aos danos psicológicos, ocasionados pela separação e pela disputa de guarda, não sendo posta e nem usada no meio do conflito conjugal.
Promotor
“Há uma preocupação, nesses casos de disputa de guarda, de permitir com que a criança tenha garantido o seu direito de convivência familiar”
“A criança precisa de valores a serem transmitidos por ambos os genitores, ambos são peças fundamentais no desenvolvimento desse menor.”
Juiz
“(...) para que a criança possa continuar a ter convivência com os dois [genitores]”
“(...) [a gente] busca que a criança tenha uma rotina mais próxima possível daquela situação anterior, quando o casal estava junto, morando juntos.”
“Principalmente tranquilidade. A criança precisa ser poupada do ambiente de hostilidade que envolve a disputa mesmo”
Assistente Social
“Proteção em primeiro lugar”
Psicóloga
“respeitar a criança no direito dela de amar e ser amada, ser protegida, ser cuidada por todas aquelas pessoas que estão ao redor dela e que precisam fazer isso por ela, pessoas que são responsáveis por ela.”
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Os atores jurídicos entendem a garantia da convivência familiar, ou seja, com o pai e a mãe descasados, como a principal forma de manutenção e asseguramento dos interesses da criança nos casos de disputa de guarda. Para eles, a criança precisa das referências e dos cuidados de ambos os genitores para poder ter um desenvolvimento saudável. Isso corrobora com a ideia de que os pais têm um papel fundamental no desenvolvimento psíquico, emocional, social e cultural dos filhos (RIBEIRO, 2010).
Complementar a isso, eles evidenciam que, para a promoção do melhor interesse da criança, é importante que de fato se possa reconhecê-la como um sujeito de direitos e que, nesse sentido, ela também possa ser ouvida, que lhe possa ser oferecido um espaço legítimo onde a sua fala possa ser reconhecida. Ribeiro (2010) reflete que nesses processos, onde os interesses da criança estão em foco, a própria criança acaba sendo desqualificada enquanto sujeito no processo de decisão de guarda, onde a sua escuta deveria ser prioritária e essencial no decorrer do estudo psicossocial.
Todos os participantes ressaltam que é importante legitimar a fala da criança e não coloca-la na posição de decisão em relação à guarda. Brito (2002) reconhece essa postura como desejável no sentido de que seja dado a criança o direito de expressar os seus sentimentos, angústias e dúvidas. A autora também faz uma ressalva quanto ao deslocamento de responsabilidades e decisões para a criança.
Ainda nesse sentido, os atores jurídicos evidenciaram a preocupação de que a garantia desse interesse possa ir além de provimentos materiais como alimentação, vestimentas e questões imobiliárias, baseando-se essencialmente nas relações e na afetividade.
Assistente Social
“os interesses não são só interesses materiais, não são só se ele está bem alimentado, ou se está estudando em uma boa escola.
Promotor
“(...) e aí a gente tem que olhar o lado da proteção, tem o lado financeiro, mas não é um lado que assume relevância no momento de se decidir uma guarda”
Essa apreensão de um princípio jurídico que extrapole as letras da lei evidencia a evolução do pensamento humano que provoca no Direito, como uma ciência social, um eterno
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processo de adaptação (PAES; AMIN, 2010). Isso corrobora com os apontamentos de Crisigiovanni e Siqueira (2009) que consideram que o magistrado não pode aplicar a lei de forma acrítica, pois ele é um agente político, além de está inserido no contexto sócio-histórico e cultural do país.
As profissionais forenses trouxeram uma preocupação maior no que se refere à liberdade da criança no contexto da disputa, liberdade de ir e vir, de não ser colocada no meio da disputa, mediando conflitos ou fazendo alianças. Esta é uma preocupação importante, pois, de acordo com Juras (2009), muitas vezes as crianças são trianguladas nos conflitos parentais, colocadas como mediadoras ou ainda parentalizadas. A autora descreve a triangulação em situações nas quais a tensão parental aumenta, atingindo um nível de ansiedade insuportável, sendo, então, o filho triangulado para reduzir a tensão existente no sistema. Ainda segundo autora, a manutenção desse padrão comunicacional e relacional pode implicar em prejuízos significativos no desenvolvimento psicossocial dos membros da família, em especial as crianças. Já a parentalização remete a uma atuação comportamental ou fantasiosa da criança, se apropriando de papeis parentais, o que pode dificultar o seu desenvolvimento futuro congruente (JURAS, 2009).
Outro aspecto importante é a garantia da preservação dos valores culturais parentais, pois é direito da criança e atende ao seu interesse que, através da convivência com ambos os pais, ela possa, dialeticamente, encontrar um senso de identidade e pertencimento nos valores culturais de cada genitor. Esta acepção tem ressonância com as prerrogativas do ECA, que em seu artigo 28, §6º, inciso I, estabelece “sejam consideradas e respeitadas sua identidade social e cultural, os seus costumes e tradições”[grifo nosso].
As profissionais forenses também frisam que, para a real promoção do melhor interesse da criança, é preciso compreender e lidar com a família como um sistema, tornando o atendimento em função do sistema, mas com foco na criança. Desta forma, elas entendem que para a criança estar bem, é preciso que a família, como sistema protetor, também o esteja. Além disso, elas entendem que o estudo deve ir além do par parental e até mesmo da família, indo buscar uma rede de proteção que envolva a criança.
Assistente Social
“a gente não trabalha com questões isoladas, a gente trabalha com conjunto da obra, com as questões que envolvem o sistema familiar”
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Psicóloga
“Eu acho que a gente trabalha em função de um sistema e o foco é ela [a criança]”
A própria primazia pela convivência familiar, já evidencia essa necessidade. Essa percepção deriva da compreensão de que o atendimento é centrado na criança, mas ela não pode ser isolada do contexto no qual os seus interesses de fato são ou não respeitados, a família. Essa compreensão é pertinente quando se entende que a família, enquanto sistema, é uma complexa rede de relações na qual o indivíduo, no caso a criança, cresce e se desenvolve, formando a sua identidade e adquirindo referências de pertencimento e desenvolvendo a sua autonomia (LIMA; CAMPOS, 2003). Nesse sentido, a intervenção sistêmica, ao se preocupar com a família, percebendo e intervindo juntos as suas dinâmicas relacionais, seus padrões e disfunções, contextualiza o melhor interesse da criança no principal lócus provedor desse interesse, a família.
A concepção dos atores jurídicos acerca do melhor interesse da criança revela o caráter complexo e sistêmico daquele, englobando aspectos jurídicos, psicossociais e a concepção da família com um sistema.
6.2 – O Divórcio como Parte do Ciclo de Vida Familiar e o Divórcio Destrutivo Atravessando o Processo de Guarda e a Garantia do Melhor Interesse
Os atores jurídicos compartilham da ideia de que a situação de divórcio é bastante complexa para a família, em especial porque a família, frequentemente, não tem e nem consegue encontrar recursos para lidar com esse momento que é de crise, o que leva algumas famílias até a Justiça. Isto sinaliza a ideia de que o poder de decisão do judiciário pode resolver de vez os problemas emocionais que a família está passando (FIORELLI; MANGINI, 2009).
Os discursos dos participantes trazem duas concepções para a situação de separação conjugal, o divórcio como parte do Ciclo de Vida das Famílias e o Divórcio destrutivo, tendo ambos diferentes implicações na garantia do melhor interesse dos filhos.
Para os operadores do Direito, a separação é uma mudança na vida das pessoas que não é esperada, sendo, por vezes, traumática para todos da família, pois representa um projeto
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de felicidade que deu errado e isso leva às famílias a uma situação de sofrimento e conturbações de tal maneira que, às vezes, fica difícil não transpor isso para as crianças.
Juiz
“A separação, na verdade, é uma coisa traumática para todos. É um projeto de vida e de felicidade que deu errado”
“a situação de separação é uma mudança na vida das pessoas que muitas vezes as pessoas não esperavam”
Essa ideia da separação como uma mudança na vida das famílias é consoante com a compreensão de que o divórcio pode fazer parte do ciclo vital da família, que exige inicialmente uma adaptação e uma vivência do luto pelo casamento desfeito (LIMA; CAMPOS, 2003; SOUZA; MIRANDA, 2009). Se isso não é feito, a tendência é que os conflitos e a litigância só aumentem, fazendo com que a vivência do divórcio seja mais traumática e dolorosa do que precisaria ser, levando a família a uma situação de divórcio destrutivo.
O divórcio destrutivo pode ser entendido como a situação na qual o ex-casal, após a dissolução da união, passa a apresentar um padrão interacional e comunicacional conflituoso, isso ocorre porque o casal ainda não é capaz de superar emocionalmente o divórcio, o que mantém as brigas e os desentendimentos mesmo após a separação (JURAS, 2009). Por conta disso, esse tipo de divórcio pode envolver grandes disputas e expressões de violências (COSTA et al., 2009) Esta dinâmica gera uma instabilidade no sistema familiar e pode implicar no prejuízo aos interesses dos filhos.
As profissionais do serviço psicossocial coadunam com concepção dos operadores do Direito no que diz respeito ao divórcio como um momento de crise, um período conturbado para a família, de difícil aceitação e transposição, contudo, elas focam mais nas potencialidades do divórcio, enquanto uma mudança na vida das famílias, que pode levar a uma melhor qualidade de vida dos seus membros.
Psicóloga
“A separação sempre é uma possibilidade de uma vida com melhor qualidade. Ela pode ser uma saída saudável pra uma família”
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Ribeiro (2002) entende que o divórcio não é o fim da vida da família, mas apenas uma das transformações possíveis ao longo do seu ciclo vital, entende também que os litigantes continuam sendo membros de uma família, só que uma família descasada ou binuclear. Costa (1991) vai além ao entender que a família descasada pode possuir as mesmas habilidades e competências que qualquer outra configuração familiar, podendo ser a separação, então, a representação de um movimento de mudança necessário e inevitável no padrão relacional da família, esta mudança não é em si boa ou ruim, é apenas uma mudança na qualidade de interação familiar.
Há que se observar outro aspecto importante da relação litigante, a separação se dá porque o ex-casal percebe que o amor, o respeito, o cuidado e o carinho já não conseguem mais mediar a sua relação deles, diante disso, eles buscam a litigância, o ódio, a raiva e os ressentimentos para mediar a relação e, assim, manter-se ainda ligados de alguma forma. Neste contexto, a busca pela Justiça pode representar a busca da manutenção da relação através da litigância, sendo mediada por diversos interlocutores (magistrados, profissionais forenses, advogados), onde, necessariamente, irá haver um vencedor e um perdedor (LIMA; CAMPOS, 2003).
O divórcio que se inscreve no processo natural do desenvolvimento familiar é entendido como parte integrante do Ciclo de Vida das Famílias. Neste caso, o ex-casal e a família consegue superar e dar conta de toda a instabilidade e carga emocional que a separação dos conjugues pode proporcionar, conseguindo, então, a família passar para a sua próxima etapa de desenvolvimento.
As profissionais forenses também entendem que é possível que seja feita uma separação que proteja os filhos, atendendo os seus interesses. Isso poderia ser feito através do cuidado e da preocupação em se manter a criança no mesmo espaço, na mesma escola, conservando-se os vínculos que se mostram como referência para ela (FIORELLI; MANGINI, 2009).
Aliado a essa realidade, como um fator complementar, existe outro dificultador que atravessa a avaliação e garantia do melhor interesse da criança: conjugalidade x parentalidade.
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Promotor
“muitas vezes a gente inicia um processo onde as pessoas estão muito ressentidas, muito magoadas e não conseguem enxergar o menor no meio daquilo, aonde o menor é utilizado como uma forma de manifestar poder”
Juiz
“a separação, às vezes, é feita em um ambiente de mágoa, de dificuldade e ninguém busca lembrar-se da criança, como vai ser situação do filho, os pais e mães acham que estão se separando, mas não se separam dos filhos”
Assistente Social
“é muito comum que os pais, na disputa de guarda, muitas vezes estejam visando seus próprios interesses.”
Psicóloga
“O aprisionamento é tão grande que ficam tão cegos às necessidades afetivas daquela criança.”
Santos e Fonseca (2003) reconhecem que separar os papeis conjugais dos parentais tem se mostrado, nos casos de disputa de guarda, realmente a maior dificuldade dos ex-casais. Isso ocorre porque o par parental estabelece uma dinâmica na qual um avalia a competência parental do outro a partir da competência conjugal apresentada no decorrer do casamento (RIBEIRO, 2002). Além disso, as fronteiras filiais, parentais e conjugais ficam difusas, pois as interações familiares pós-divórcio se ocupam em evitar a elaboração do sofrimento e do luto, o que pode levar a família a um prejuízo no seu desenvolvimento saudável (JURAS, 2009).
Os atores jurídicos encontram em sua prática muitos genitores que estão emaranhados, presos a suas dores e frustações referentes à relação conjugal, existentes antes mesmo da separação. Essa situação faz com que estes genitores fiquem cegos, não enxerguem os filhos no contexto da disputa, visando apenas interesses próprios. Ribeiro (2002) sinaliza que esses pais podem se utilizar dos filhos para manterem o litígio, representando uma forma
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disfuncional de alcançarem o “divórcio psíquico”. Assim, esse tipo de interação pode se estabelecer quando o ex-casal se vê incapaz de se restabelecer da desilusão e frustrações que o fim da relação amorosa representa e, desta forma, privilegiam o conflito ao invés dos cuidados e preocupações com os filhos (LIMA; CAMPOS, 2003).
Fica evidente para os participantes da pesquisa que os pais, os quais não conseguem diferenciar as questões conjugais das parentais, encontram-se, na maioria das vezes, com o diálogo prejudicado, contaminado por mágoas e ressentimentos. Este pode ser um fator prejudicial para a manutenção do bem-estar dos filhos, uma vez que este irá depender da capacidade do ex-casal para negociar as questões que dizem respeito aos filhos, sendo, então, ambos os pais co-dependentes na tarefa de criá-los (RIBEIRO, 2002). A situação litigante desfavorece este arranjo.
Para os atores jurídicos, em especial os operadores do Direito, o que ocorre também é que, ao não saber separar as coisas e não se preocupar com a situação dos filhos, esses pais passam a entrar em uma disputa de poder, na qual o filho é tido como um troféu.
Juiz
“Muitos aí entendem a criança como um troféu na hora da separação, então isso já revela uma imaturidade pra estar com a criança.”
O contexto da disputa de guarda pode ser evidenciado de forma perversa ao ser marcado pelo empenho dos pais na busca de maior poder (FIORELLI; MANGINI, 2009).
Outro fator, apontado apenas pelos operadores do Direito, foi a situação de Alienação Parental. Para eles, a manifestação da Alienação Parental é bastante prejudicial, uma vez que priva a criança do direito à convivência familiar, ao contato com o genitor não guardião.
Promotor
“Como fator negativo na hora de se decidir pela guarda de uma menor, sem dúvida nenhuma nós temos a Síndrome de Alienação Parental”
“[a criança] vai interiorizar aquele dano emocional e, provavelmente, vai externar isso na fase adulta, causando sofrimento nela mesma, em seus familiares, caso venha constituir uma família (...) [a SAP] pode influenciar negativamente na formação da personalidade desse menor”
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Juiz
“Depois vem essa ideia de ter a criança como um troféu, na verdade, de “a criança vai ficar comigo” e daí decorre aquela questão da alienação parental também que é uma coisa problemática”
Barbosa e Juras (2010) discutem essa apropriação do termo Alienação Parental por partes dos atores jurídicos que atuam nos processos de guarda, elas sinalizam que as teorizações acerca desse conceito surgiram no próprio contexto do litígio jurídico entre casais, onde as argumentações enfáticas e dramáticas se fazem necessárias para que as partes alcancem seus objetivos. Desta forma, as perspectivas individualizadas, simplistas e reducionistas têm relação direta com o positivismo científico, predominante no Direito, além de coadunar com a lógica do transcurso processual (BARBOSA; JURAS, 2010; ZUIM; LEITE, 2010).
Uma das críticas mais contundentes que se faz a esse termo é o foco prioritário que é dado ao indivíduo, o genitor alienador, ignorando-se o sistema familiar como um todo, abrindo-se mão de uma apreensão mais complexa das relações e do contexto no qual os indivíduos se inserem (BARBOSA; JURAS, 2009), não abarcando as complexidades e os paradoxos das dinâmicas do divórcio destrutivo, no qual a Alienação Parental se inscreve, marcado por rompimentos e interdependências ao mesmo tempo (JURAS, 2009).
Diante do exposto, o que aparece como um desafio para os operadores do Direito é como conciliar os direitos fundamentais da criança, como o direito a convivência familiar e a preservação de outros interesses, quando a própria convivência com o genitor apresenta-se perniciosa para criança, a exemplo dos casos em que há uma dificuldade em se diferenciar as questões conjugais das parentais e a situação de Alienação Parental.
6.3 – Realidades, Angústias e Dificuldades no Trabalho com as Famílias
Os atores jurídicos reconhecem o seu trabalho como muito complexo e dentro dessa complexidade, surgem outros fatores que atravessam significativamente as questões da guarda e do melhor interesse da criança, a exemplo das realidades familiares encontradas. Eles percebem que a clientela que atendem é, em sua grande maioria, composta por famílias com baixo poder aquisitivo e que, frequentemente, as questões socioeconômicas, até mesmo as de
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sobrevivência, se fazem mais emergentes e urgentes do que as questões da guarda, uma vez que, por conta dessa situação de vulnerabilidade, a família encontra-se desprotegida, tendo o seu potencial de proteção à criança prejudicado.
Gomes e Pereira (2005) entendem que a vida em família, compreendendo a coesão familiar e a proteção dos filhos, para ser efetiva e eficaz depende das condições existentes para sua sustentação e manutenção dos vínculos da família, em especial no que se refere as condições socioeconômicas. Assim, a precariedade de condições para a subsistência pode pôr os interesses da criança em segundo plano. Nesse sentido, é importante intervir para garantir necessidades básicas como alimentação, isso é feito a partir do encaminhamento aos programas assistenciais do Governo. Santos e Fonseca (2003) sinalizam que, na maioria das vezes, que o Estado só intervém quando a família se encontra na Justiça.
A angústia mobilizada durante os atendimentos às famílias também foi expressa por alguns participantes. Além de realidades socioeconômicas extremas, o que também lhes trás angústia é a dinâmica da disputa, que se mostra bastante densa e perversa para a criança, além, é claro, de influenciar todos os demais membros da família, gerando conflitos e sofrimento.
Promotor
“Esses casos de guarda são casos que muitas vezes nos trás muita angústia”
Psicóloga
“Então eu acho que isso sempre me mobiliza muito, perceber que a criança está sendo sempre cerceada na sua expressão, no seu olhar, na sua expressão verbal, na sua expressão de afeto”
Esses sentimentos são mobilizados porque o rompimento da relação conjugal pode ser entendido como um drama judicial, envolvendo afetos e emoções muito fortes, carregados de tristeza, silêncio e ódio, despertando desconforto, temor e ansiedade tanto nas famílias quanto naqueles que as atendem (FIORELLI; MANGINI, 2009; LIMA; CAMPOS, 2003).
As dificuldades encontradas pelos atores jurídicos, e que compõem a complexidade que é a garantia do melhor interesse das crianças, se referem também a aquilo que as famílias esperam da Justiça, a ausência do Estado, a falta de integração entre os atores que atuma nos casos de disputa de guarda, as condições de trabalho e as questões da prática profissional.
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Muitas famílias recorrem à Justiça com a esperança de que ela possa dar-lhes a solução definitiva aos seus problemas e angústias, isso além de dificultar o trabalho dos atores jurídicos, que entendem que o poder de resolução está na mão das famílias e não na deles, gera angústia e incomodo, mediante a frustração dessas expectativas. Zuim e Leite (2010) entendem que o próprio litígio pode ser alimentado por essas expectativas em relação à decisão judicial, como se esta pudesse resolver todos os problemas da família, reorganizar a vivência psicológica e restaurar as emoções destruídas pelo divórcio. Essa decisão também estabelece, necessariamente, no entendimento das famílias, um vencedor e um perdedor, por isso que há o acirramento do litígio quando se aproxima da decisão. O problema é que o bem-estar da criança corre paralelo ou em plano secundário à disputa entre o par parental, pois essa lógica da disputa contraria o princípio de cooperação mútua entre os pais, que visa o atendimento do bem-estar da criança (ZUIM; LEITE, 2010).
Ainda no sentido de algumas dificuldades de compreensão por parte da família, tem-se a ideia de que a guarda e a sua concessão se restringe única e exclusivamente às questões econômicas, ou seja, quem tem maior poder aquisitivo é que deveria ficar com a guarda. Muitas famílias se frustram com isso, uma vez que os atores jurídicos entendem que as questões relacionais e afetivas têm mais peso do que as financeiras. O mesmo ocorre em situações em que as partes já chegam à Justiça com um pré-acordo para que seja homologado, na grande maioria das vezes esse acordo não corresponde aos interesses da criança e, por isso, não é homologado. A decisão do juiz gera um impacto no sistema familiar, deferindo ou não a guarda, podendo se constituir um instrumento terapêutico ao instaurar uma reparação emocional ou estabelecer limite ao comportamento e atitude da pessoa (ZUIM; LEITE, 2010), a frustração vivenciada em relação a não homologação desses acordos também pode ser terapêutico para os genitores e protetor para a criança ao sinalizar para as famílias que aquele arranjo não atende aos interesses da criança.
Outro problema apontado pelos participantes da pesquisa é a dificuldade em sensibilizar alguns pais quanto as suas responsabilidades parentais. Essa dificuldade se deve ao próprio emaranho do par parental em suas frustrações, angústias, mágoas que foram sendo fomentadas ao longo da vida conjugal. Quando os pais não conseguem olhar para os filhos, para o interesse detes e entender quais são as suas responsabilidades parentais, isso pode sinalizar a incapacidade de diferenciação das questões parentais das conjugais (RIBEIRO, 2002; SANTOS; FONSECA, 2003; LIMA; CAMPOS, 2003), como já exposto.
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A ausência do Estado está em não fornecer, como deveria, uma rede eficaz de proteção à família e à criança, a exemplo das dificuldades socioeconômicas já citadas que dificultam a garantia do melhor interesse. Carvalho e Almeida (2003) entendem que a família tem sido fragilizada pelos processos e pelas mudanças que marcam a nossa realidade atual e vê crescer, paradoxalmente, as suas responsabilidades como mecanismo de proteção social. O Estado e a sociedade impõem à família o dever de proteger e zelar pelo bem-estar de seus membros, em especial as crianças, mas não oferece subsídios para que a família se estruture nesse sentido, o que faz com que essa cobrança acabe sendo perversa muitas vezes.
Também há falta de integração entre os atores jurídicos e os outros atores extra sistema judiciário, que atuam no interesse da criança, como os Centros de Reverência em Assistência Social (CRAS e CREAS), o Conselho Tutelar, a Vara da Infância e da Juventude - VIJ, escola, entre outros.
Em termos de condições de trabalho, as profissionais do serviço psicossocial sinalizam que o espaço dentro do Tribunal de Justiça para a atividade psicossocial cresceu nos últimos anos e que continua a crescer, tendo os profissionais dessa área a sua importância reconhecida. Contudo, paralelo a isso, ainda reside a dificuldade de uma equipe pequena em relação ao volume de processos que são recebidos, volume que só aumenta, junto com o reconhecimento do serviço por parte dos operadores do direito. Costa et al. (2009) refletem sobre como o excesso de demanda pode implicar em estudos psicossociais feitos em um número padrão de encontros com a família, o que gera na equipe uma angústia, quando se dão conta de que as intervenções feitas podem não ter sido minimamente terapêuticas. Além disso, o tempo de intervenção junto às famílias se constitui uma importante variável em um contexto de decisão, notadamente quando se trata de um divórcio destrutivo, situação que exige um tempo maior com as famílias para a construção e elaborações no campo psicológico e emocional (COSTA et al., 2009).
Com esse excesso de demanda, tem-se também uma questão importante que é prejudicada, a atualização profissional. As profissionais entendem que o seu trabalho é bastante complexo e de extrema importância para a sociedade e que, por isso, precisam constantemente estar reciclando os seus conhecimentos e adquirindo novos, mas que com o denso volume de trabalho, não há espaço suficiente para isso, embora a própria instituição tenha a política de capacitar os seus profissionais através de cursos de formação.
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O tempo, no tocante a morosidade da Justiça, também se mostra um dificultador e algo que acaba prejudicando o melhor interesse da criança. Isso porque as situações de risco e de violação dos direitos da criança podem, por conta da falta de celeridade, se manter por mais tempo do que o desejável/aconselhável.
6.4 – O Processo de Disputa de Guarda e o Estudo Psicossocial como Instrumentos de Promoção do Melhor Interesse da Criança e como Espaço de Escuta das Famílias
As ações descritas pelos atores jurídicos evidenciam que o trabalho deles se concentra em três eixos. O primeiro deles e o inicial é o de investigação, investigar a situação real, o que está ocorrendo. Este movimento inicial serve tanto para subsidiar as intervenções posteriores, quanto para se verificar qual é a real situação da guarda. Eles demostraram preocupação em verificar casos de simulação de guarda, tanto em situações para fins previdenciários, quanto em situações nas quais há o esquivamento de alguns pais em relação ao desempenho de seus papeis e responsabilidades parentais, atribuindo isso a terceiros, em geral os avós. Ambas as situações descritas dizem respeito aos interesses dos adultos e não das crianças.
O segundo eixo é complementar ao primeiro, neste a preocupação dos atores jurídicos é verificar se está ocorrendo a garantia dos direitos da criança, no que se refere à segurança, acesso à educação e saúde. Posterior a isso, eles podem dar orientações e/ou fazer encaminhamentos para que os interesses da criança, que, por ventura, estejam sendo negligenciados, para que possam ser preservados.
O terceiro eixo se refere às ações no sentido de promover um apaziguamento dos ânimos e uma sensibilização do par parental e da família em relação à situação da criança no contexto da disputa, que, muitas vezes, vai contra o bem-estar dela e contra os seus direitos.
A separação entre esses eixos é meramente didática e não se constitui um “passo-a-passo” das ações realizadas pelos participantes da pesquisa, os eixos têm uma interação dinâmica e visam, fundamentalmente, a promoção e a manutenção dos interesses da criança, mas mais do que isso, os entrevistados percebem as audiências e o estudo psicossocial como um importante espaço para o acolhimento da família e suas angústias, entendendo que por trás do processo e da disputa pode haver outras demandas ou somente a necessidade das pessoas em serem ouvidas e terem reconhecido e legitimado esse espaço de fala.
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Os operadores do Direito reconhecem, enquanto atributo de sua prática, a habilidade de ouvir atentamente a família, tendo paciência e sensibilidade para compreender aquele momento de crise que a família está passando.
Promotor
“eu procuro estar muito compromissado no sentido de entender, de ter toda paciência possível pra ouvir as partes, pra entender o problema, pra verificar a melhor solução”
Juiz
“porque a gente tenta pelo menos resolver o problema, conscientizar de alguma maneira, as pessoas vêm aqui e saem entendendo alguma coisa de como funciona a mente da legislação”
Esse fenômeno é importante, pois, como apontam Rodrigues e Lima (2003), dessa forma as famílias estão podendo descobrir, no contexto da Justiça, não só a dimensão da disputa e do litígio, mas também o da compreensão, que é um importante interveniente para a resolução dos conflitos expressos.
Desta forma, eles identificam a importância desse espaço para as famílias, mas acreditam que o espaço da sala de audiência tem as suas limitações, por conta da formalidade, atribuindo maior mérito, nesse sentido, aos profissionais que fazem o estudo psicossocial, por terem menos formalidade em seus espaços de atuação e por serem profissionais preparados para tal. De fato, a realização do estudo psicossocial pode representar um espaço para a transformação da demanda de litígio da família em um movimento em busca de ajuda e soluções para os problemas daquela família (LIMA; CAMPOS, 2003), isto configura, então, a busca pela Justiça como um pedido de ajuda, que, sendo bem manejado, pode representar um caminho para as intervenções (RIBEIRO, 2002).
6.5 – Percepções Sobre o Trabalho Interdisciplinar e Algumas Limitações
Pela estrutura de atendimento aos processos de disputa de guarda, composta por operadores do Direito e profissionais forenses, fica claro a interdisciplinaridade do trabalho desenvolvido. Isso é importante, uma vez que a interdisciplinaridade se mostra como uma das estratégias para a garantia de uma atenção à família enquanto sistema integrado e complexo
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(RESENDE; SANTOS, 2003). Os atores jurídicos apresentaram algumas percepções sobre essa relação interdisciplinar.
Os operadores do Direito revelaram ter grande apreço pelo trabalho desenvolvido pelos profissionais do Serviço Psicossocial, entendendo o estudo psicossocial, e posterior parecer técnico, como sendo de fundamental importância para a tomada de decisão, por este trazer uma profundidade da realidade dos fatos e das relações familiares, o que não seria possível ser feito apenas em audiência.
Promotor
“O estudo tem um papel fundamental nas decisões. Grande parte das decisões acompanham as conclusões do estudo”
Juiz
“a gente acompanha muito aqui essa questão do estudo psicossocial que é feito aqui pelo Tribunal, esse eu entendo que é um serviço de excelência, tem nos servido muito bem”
Nesse sentido, Fiorelli e Mangini (2009) refletem que a perícia psicológica se fundamenta na possibilidade de se investigar e clarificar qual é a dinâmica familiar em questão e qual são as interações entre os membros daquela família, trazendo, assim, elementos aos magistrados para auxilia-los em sua decisão.
Contudo, os operadores apresentam uma ressalva quanto a alguns pareceres que apresentam a conclusão de forma “aberta”, sem apontar objetivamente qual configuração familiar atenderia os interesses da criança.
Promotor
“a gente passa a vivenciar algumas dificuldades quando a gente tem o estudo, mas a conclusão ficou aberta”
Brito, (2002) percebe que nessas situações há a expectativa, por parte dos magistrados, de que sempre seja indicado o genitor que mais se adequa para obtenção da guarda, ela avalia que algumas regulamentações profissionais sinalizam que esta prática evidencia um julgamento por parte do profissional, função que não lhe cabe. Complementar a isso, Rodrigues e Lima (2003) sinalizam que na confecção do parecer, é mister a preocupação e o
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cuidado para que ele não sirva como prova, nem para uma parte, nem para a outra, favorecendo, assim, o prosseguimento da dinâmica litigante da disputa.
Os operadores também reconhecem uma deficiência no diálogo entre eles e os profissionais forenses, apontando que seria interessante aumentar o diálogo e o contato entre eles.
As profissionais forenses reconhecem que os operadores do Direito cada vez mais têm confiado no trabalho que é exercido pelo Serviço Psicossocial, haja vista o aumento dos processos que são encaminhados para este serviço. Resende e Santos (2003) também apontam o reconhecimento e a qualificação dos profissionais do Serviço Psicossocial por conta da demanda de processos para estudo. Apesar disto, uma das profissionais entrevistadas apontou uma falta de compreensão por parte dos operadores do Direito acerca da complexidade do trabalho que o Psicossocial exerce, tendo, às vezes, o seu trabalho reduzido apenas a procedimentos simples como “fazer visita”. Por outro lado, percebe-se também uma mudança no judiciário e nas posturas dos operadores do Direito quanto uma compreensão mais complexa das questões que envolvem a família e também no trato desses atores junto às famílias.
Os operadores do Direito apontaram como algumas limitações a falta de formação e capacitação para lidar com situações específicas como atendimento a crianças vítimas de violência, a preocupação é não revitimizar a criança por conta de uma intervenção não adequada e não técnica.
Juiz
“o que eu esperava era que nós mesmos juízes e promotores talvez tivéssemos um treinamento melhor nessa área”
Crisigiovanni e Siqueira (2009) reconhecem as dificuldades encontradas pelos magistrados e atribuem a isso uma formação que não os subsidia para lidar com questões deste tipo, apontam ainda que o desenvolvimento e a formação do magistrado tem que ser permanente, implicando em constantes formações, treinamentos e aperfeiçoamentos em diversas áreas, além da jurídica.
Outra limitação apontada é a contraditoriedade do uso de alguns instrumentos que, em tese, são para garantir o melhor interesse da criança, mas que acabam por prejudica-las
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emocionalmente, como o caso da “busca e apreensão de menor”, na qual o Oficial de Justiça e policiais vão até a residência da criança, busca-la e apreende-la para entrar ao outro genitor. Uma das profissionais também apontou essa questão, ao considerar que ações como estas, muitas vezes são equivocadas, pois têm impactos psicológicos significativos sobre a saúde mental da criança.
7. CONCLUSÃO
O objetivo central deste trabalho era apreender a concepção que os atores jurídicos tinham acerca do princípio do melhor interessa da criança e como, a partir disso, eles o aplicavam em sua prática. Entendemos que esse objetivo foi alcançado, pois identificamos que concepção do melhor interesse da criança e as práticas dos atores jurídicos acerca dele evidenciaram o seu caráter complexo e sistêmico ao eleger o sistema familiar como objeto de intervenção, contudo, mantendo-se o foco na criança e nos seus interesses. Fica claro também que a principal garantia desse interesse se dá através da continuidade do contato com os genitores descasados, ou seja, da garantia de convivência familiar.
Também era intenção deste trabalho verificar se haviam divergências entre as concepções e práticas dos operadores do Direito e as dos profissionais forenses. O que se pôde verificar é que elas não são divergentes e nem se mostram mais valorativas uma em relação à outra, há sim a qualidade de complementaridade entre elas, de interseção, o que é desejável para um trabalho interdisciplinar.
Porém, os operadores do Direito parecem aderir ao senso comum que compreende o divórcio como uma catástrofe familiar, algo devastador que traz muito sofrimento e que se mostra bastante difícil de superar. O divórcio é sim um momento de crise para família, mas não porque a coesão familiar só possa ser obtida com a manutenção da relação conjugal e com todos os membros sob o mesmo teto, mas sim porque é uma situação que exige um rearranjo, uma reconfiguração familiar para a mudança que se mostra iminente. Este processo promove instabilidades no sistema familiar em busca do equilíbrio e da homeostase perdida com a realidade inegável da separação e que dão a este momento a qualidade de conturbador para a família.
Ao privilegiar as potencialidades das situações de divórcio, privilegiam-se também as potencialidades da família para resolver os seus problemas e conflitos, ajudando-as
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compreender o processo de separação como mais uma etapa do desenvolvimento daquela família e que o poder de resolução de seus conflitos encontra-se nas mãos da família e não da Justiça. Fica evidente que, concomitante a isso, deva-se fazer um trabalho de suporte para que as famílias possam elaborar as suas frustrações, sua dores, suas mágoas e suas fantasias acerca do divórcio.
Essa postura propicia não só o fomento da qualidade nas relações das famílias descasadas, mas também atua como importante instrumento na manutenção e garantia dos interesses da criança, uma vez que a promoção destes se dá, prioritariamente, no seio das relações familiares.
Entender como e quais interesses da criança eram levados em conta durante o transcurso do processo, também era um dos objetivos desse trabalho. O que se pode depreender em relação a isso é que, como já dito, o interesse da criança reside na primazia pela convivência familiar, na manutenção de rotinas e referências, na proteção da criança frente ao conflito parental, para que ela não seja envolvida, triangulada ou parentalizada.
Dentro disso, é preciso também que se tenha em mente a necessidade de garantir às crianças um espaço legítimo para a escuta de suas angústias e sofrimentos em relação à situação de divórcio, bem como para que elas possam externalizar suas impressões e até mesmo fantasias ou receios sobre a configuração familiar pós-divórcio e perdas. No entanto, é mister que a criança não seja posta em lugar de decisão da guarda, com quem ela irá morar, o que se pretende é que, através desse espaço legítimo de escuta, a criança possa realmente ser entendida como um sujeito de direitos ao participar de um processo que diz respeito aos seus interesses e a sua vida.
As formas de interação e comunicação entre o par parental após a separação são fundamentais para a manutenção do desenvolvimento saudável da família e da garantia dos interesses dos filhos, facilitar ações e atitudes familiares e parentais que favoreçam isso é também garantir o bem-estar e melhor interesse da criança. Porém, o que se observa são interações atravessadas pelos ressentimentos conjugais, pela raiva, pelas frustrações e pela busca de poder. Isso não favorece o desenvolvimento saudável da família, que fica situada em um processo de divórcio destrutivo, que destrói, corrói as relações familiares, a saúde mental de seus membros e principalmente o bem estar dos filhos, que frequentemente são parentalizados ou triangulados nos conflitos parentais, como já dito.
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Muito disso ocorre porque os ex-casais apresentam dificuldades em separar os papeis e as competências conjugais dos papeis e competências parentais. Dentre as possíveis explicações para essa dificuldade, encontra-se outra dificuldade que é conciliar a separação física, dos corpos, da separação afetiva. Muitos ex-casais se engajam, frequentemente de forma inconsciente, em situações de litígio e disputa para, assim, continuar a manter a relação. O litígio é, então, uma forma de relação, uma forma de relação adotada por aqueles ex-casais que perderam as suas referências relacionais baseadas no amor, no carinho, nos cuidados e nos planos em comum.
As realidades adversas que os atores jurídicos encontram em sua prática, bem como as limitações em relação a aspectos ou condições do trabalho são mobilizadores de angústia. Isso é positivo a partir do momento em que se entende que o “humano em sofrimento” faz ressonância com o humano que há dentro desses atores jurídicos e isso tem reflexos na prática deles, na medida em que eles tentam ajudar esse “humano em sofrimento”, seja na busca de recursos sociais para minimizar a situação de vulnerabilidade dessas famílias, seja no oferecimento de uma escuta ativa para a família e os seus problemas.
A necessidade de uma maior articulação entre os atores jurídicos e outros atores não jurídicos que têm participação direta e ativa na promoção dos interesses da criança é fundamental para a consolidação de um trabalho interdisciplinar e também para a constituição de uma rede de proteção à criança e de apoio à família, uma vez que, nesse quesito (e em outros), o Estado costuma falhar. O Estado ao se ausentar tanto na garantia de proteção e apoio às famílias, quanto na garantia de profissionais e espaços suficientes, no contexto da Justiça, para o atendimento destas famílias, assume para si a responsabilidade dos risco e prejuízos sociais inerentes da situação de famílias em situação de vulnerabilidade e fragilizadas, quanto os prejuízos na manutenção dos direitos e dos interesses da criança. Assim, faz-se necessário a constituição e consolidação de políticas públicas que possa garantir de forma efetiva e real a proteção à família e à criança.
Em termos do sistema judiciário, é importante que cada vez mais a Ciência e a prática jurídica possam se abrir para as novas epistemologias que surgem e que se mostram mais próximas da nossa realidade e da compreensão crítica e complexa dos problemas que se apresentam, a exemplo da perspectiva sistêmica. É preciso questionar o paradigma hegemônico da Ciência Jurídica, o positivismo, que reduz e compreende de forma linear as demandas que se apresentam à Justiça, tornando a tramitação dos processos cada vez mais
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longa. Mais importante que estabelecer uma vítima e um réu, é compreender as demandas, os desejos, a simbologia e as expectativas que encontram por traz dos autos, de forma subliminar.
Entende-se que este trabalho tem a sua contribuição a partir do momento em que se propôs a discutir e a refletir sobre as práticas forenses nos casos de disputa de guarda e na promoção do melhor interesse das crianças. Contudo, é necessária a continuidade de pesquisas e estudos nesta área para que se possa promover, cada vez mais, uma crescente discussão crítica e compromissada com as complexidades que envolvem a questão do melhor interesse da criança no casos de disputa de guarda.
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SYSTEMIC REFLECTIONS ON THE CONCEPTION AND PRACTICES OF LAW OPERATORS AND PROFESSIONALS WHO ACT IN CUSTODY DISPUTE CASES ABOUT THE CHILD’S BEST INTEREST PRINCIPLE
JOSIMAR ANTÔNIO DE ALCÂNTARA MENDES
ABTRACT: Conjugal separation constitutes an event in family life cycle which may represent significant changes in familial relationships, especially regarding the children. The principle of child’s best interest must guide judicial actors’ actions and decisions in custody dispute cases. This principle is present in national and international regulations and is referred as a child’s peculiar developmental condition, understood as biopsychosocial-cultural. This work aims to reflect about conceptions and practices of Law operators and forensic professionals that act in custody dispute cases, concerning this principle. The theoretical fundament is based on the Systemic Perspective and on some Law fundamentals. A magistrate, a prosecutor, a psychologist and a social worker participated in this study, all of them acting in custody dispute cases, in two satellite cities of Federal District, Brazil. The research was orientated by a qualitative methodology, using the qualitative semi-structured interview. The analysis was based on the Zone Sense Formations, proposed by González Rey. The results evinced a complex understanding on this principle and its judicial-psychosocial dimension, as well as on its relation with the familial relationships, which at times cross the custody process and hamper the evaluation and guaranty of the best interest. Some realities, anguishes e difficulties in the work with the families were also revealed.
Keywords: Judicial Psychology, child’s best interest, custody dispute
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Autor: Josimar Antônio De Alcântara Mendes


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