O caso entre dois pronomes retos e uns indefinidos



Essa é mais uma daquelas velhas histórias sobre uma mulher, um homem e uma segunda mulher, aqui Ela, Ele e a Outra. E sem ter como fugir ao clichê, eu começo dizendo que “tudo começou quando...” navegando pela internet, elas o conheceram. Elas eram amigas há alguns anos, moravam na mesma rua e partilhavam de uma cumplicidade fraternal. Assim que o conheceram virtualmente, elas foram logo se deixando levar pela gentileza dele, pela alegria. Mas não foi só isto que as encantou, a sua descrição, feita via bate-papo virtual, também despertou interesses. Segundo ele, era branco, alto; o suficiente para deixar Ela louca e satisfazer a sua tara por homens de alta estatura; também era solteiro, o que agradou a ambas, mesmo a Outra, que não dava muito importância para esse negócio de monogamia e fidelidade, tanto de sua parte, quanto de outras. E Ele tinha carro e parecia ser bem financeiramente, isto a ambas não importava muito.
Após saberem de suas qualidades, era hora de conferir se ele era isso tudo mesmo. Aí, então, ele enviou uma foto por e-mail, e com a mesma rapidez que se troca dados pela internet, elas foram checar a caixa de e-mail para ver a foto. Elas abriram e a foto não estava lá, ainda não havia chegado, esperaram um pouco e atualizaram a página, nada. Mais um pouco, atualizaram de novo e nada. A angústia e a ansiedade tomaram de conta, “será que ele enviou? Eu dei o endereço certo? A internet está com problema! Ele não quis enviar...”. Entre um pensamento neurótico e outro elas iam atualizando a página e aumentando a sua aflição, até que enfim o bendito e-mail chegou. Abriram à mensagem, clicaram no link e ficaram aguardando o download mais longo de suas vidas. Cada kbyte transferido era uma parte da angústia que se ia. Download concluído, agora era só clicar em abrir, elas se entre olharam, hesitaram e finalmente abriram. Ufa! Era hora de acabar com aquela aflição, de finalmente ver como ele era, era hora de vê-lo, era hora de... de... de se decepcionar. Não ficaram muito satisfeitas com o produto, para elas era um típico caso de propaganda enganosa, mas a quem recorrer? Ao Procon? No entanto, Ele havia explicado previamente que não estava bem na foto, o que alias é comum a maioria das pessoas. Mas mais uma coisa contribuía para esse quadro de decepção, o fato dele ter sido apelidado pelos seus pares de "rato". Posteriormente, elas também forneceram as suas descrições e fotos.
O jeito foi armar um encontro para ratificar ou retificar as impressões que elas tiveram através do bate-papo e com a foto. Bom, a decepção e o desanimo às vezes faz com que as mulheres percam o seu entusiasmo e a sua disposição em se produzir e arrumar para indivíduos do outro gênero da espécie. Ah ,se arrependimento matasse... o encontro superou as expectativas. Ele era tudo e mais um pouco do que elas haviam pensado e/ou idealizado. Muito educado e sorridente, Ele se apresentou, foi extremamente simpático e conseguiu conquistá-las.
Ela havia gostado do que havia visto, principalmente do nariz. Ela era fissurada em homens com nariz grande, lhe inspirava volúpia. Além do que, ao que parece, Ela conseguia encontrar uma correlação positiva entre o nariz grande e ouras partes do corpo. Mas ficou balançada quando Ele, utilizando-se de um profundo conhecimento sobre a alma feminina e suas inseguranças, disse a Ela: “você não é tudo isso, não. Pensei que fosse mais”. Isso em um tom jocoso, claro, mas causou um certo desequilíbrio nela.
A Outra ficou bastante interessada, o que não era lá nenhuma novidade, pois seletividade não fazia parte do rol virtudes da Outra. Tendo o órgão diferenciador do outro gênero da espécie, já estava bom. Mas a Outra foi a primeira a querer tê-lo, talvez porque fosse carente, mas Ele contava com seus recursos, que não eram poucos, e muito sedutores. Com sua simpatia, alegria e sensualidade, que Ele exalava pelos poros, era capaz de conquistar a qualquer uma.
A partir disso, um tipo de relacionamento foi se constituindo entre eles e a amizade foi nascendo. De início, Ele se intimou mais com a Outra. Ligava para sua casa todos os dias, sempre demonstrando interesse e atenção por aqueles assuntos mais banais, que todos sempre querem que alguém se importe, para, talvez, se sentir mais amados e/ou estimados. Também fazia visitas, um pouco menos freqüentes que os telefonemas, mas com o mesmo grau ou até maior de preocupação, carinho, atenção e simpatia. Com isso, era o começo de uma grande amizade entre Ele e a Outra. Esta torcia para que essa relação evoluísse para algo mais próximo, íntimo.
Em algumas dessas visitas, Ela estava presente, isso fez com que o laço entre Ele e Ela fosse se estreitando cada vez mais. Com o seu já conhecido poder de simpatia e conquista, o mesmo que Ele usou para fisgar a Outra, era natural que também o fizesse com Ela, dito e feito, foi se aproximando aos poucos e assim mesmo a conquistou.
Enquanto isso, a Outra se sentia cada vez mais apaixonada, envolvida. Nutria um amor, uma afeição e apego por Ele muito fortes. Tudo isso fruto dos seus encantos, das suas virtudes e predicados. Mas teria a Outra culpa disso? Quem não estaria na mesma situação diante de tão perfeito homem?
Destoando do comportamento da Outra, Ela, dotada de um pouco de razão, foi cautelosa, tinha medo e não queria se envolver de início, tentou, inutilmente, disfarçar as suas emoções, resistir negar seu sentimentos, negar a si mesma. Mas o que é a razão diante de tal poder de sedução? Diante da clara oportunidade de ser feliz? Sem contar que não ceder a tão irresistível maravilha, não era uma tarefa muito fácil; não ceder a isso seria como não ceder a um convite de um anjo, um convite ao paraíso, às nuvens. E assim foi, seguindo a sua condição humana, Ela cedeu aos seus desejos, as suas ansiedades e a Ele.
Daí surge mais um dilema que a vida volta em meia costuma colocar. Como duas amigas disputariam o mesmo homem sem que uma fosse magoada? Seria uma delas capaz de escolher Ele e abrir mão da amizade, ou escolher a amizade abrindo mão dele? A resposta parece óbvia! É como dizem “os amores são poucos, já os amigos são muitos”. Cada uma iria lutar por aquilo que ansiava, Outra, pelo carinho e atenção que recebia e que a fazia se sentir bem, sentir-se querida e amada. Ela pela chance de finalmente ser feliz, pela chance de se entregar e se realizar, pela chance de amar. O clima era de desputa.
Essa situação se acirrou mais ainda quando Ele, inesperadamente, deixou de fazer os tão sagrados e constantes telefonemas atenciosos e supressores de ansiedade. Também foram se extinguindo as visitas sempre alegres, sorridentes e, é claro, atenciosas. A Outra não entendia.
Entre os pensamentos da Outra estavam, os de onde Ele estaria, o que teria acontecido, seria isto culpa sua? Por que?Para a sua infelicidade, a Outra logo descobriu onde Ele estava, o que havia acontecido... Ele havia se aproximado da sua grande Amiga, Ela,deixando-a de lado.
Como era de se esperar se instaurou um clima desagradável, Ela com a sensação de que a Outra poderia rouba-lo e visse-versa. Não demorou muito e a amizade entre elas foi se tornando insustentável.
Ele permaneceu indiferente a isso e continuou a investir na sua relação com Ela. Estava claro que Ele havia escolhido Ela. Sorte dela?
Já Ela se sentia culpada. Achava que de alguma forma estava traindo a Outra, sua Amiga. Porém, como Ela, pobre mortal, poderia resistir a Ele? Não teve como e Ela se entregou de corpo e alma a Ele, o fez promotor de sua felicidade. Um erro? Talvez...
E o tempo foi se deixando passar... o relacionamento entre eles era de veras concreto para Ela, afinal já se havia feito todos os reclames do social, como ser chamada e apresentada como namorada, além de ambos conhecerem a família do outro. Assim já era público (e bem público!) que eles estavam namorando. Com isso ela foi ficando cada vez mais envolvida, mais apaixonada por Ele. Para Ela era quase impossível pensar em uma existência sem Ele, agora havia um porquê e um sentido em se viver.
Esse tempo também serviu para acalmar os ânimos entre Ela e a Outra. As duas colocaram as coisas em pratos limpos. E, assim, a amizade delas foi se restabelecendo. Elas chegaram ao consenso de que a amizade delas poderia ser maior do que aquilo. Tudo ficou bem novamente entre elas.
Porém, nem tudo estava resolvido. A Outra ainda estava ressentida, não com Ela, mas sim com Ele. Sentia-se usada, achava que “aquele teatro todo”, que Ele fez, só foi para que Ele pudesse chegar até Ela e como isso já havia acontecido, Ele não precisava mais dela, portanto, a descartou.
Ela até entendeu esse sentimento da Outra, mas não podia comungar da mesma opinião, ela não podia pensar isso de seu anjo, Ela simplesmente achou que os acontecimentos que os levaram até ali eram coisa do destino. Também achava que essa postura por parte da Outra denotava uma certa inveja e dor-de-cotovelo.
E a vida a dois não poderia ser melhor para Ela. A cada dia Ele ficava mais atencioso, fazendo questão de ficar junto, de amar, de saber das coisas dela, da sua vida. E, assim como o fazia com a Outra, Ele ligava todos os dias, quase toda hora, só para saber como Ela estava, para ratificar que a amava. As visitas que Ele fazia eram carregadas de atenção, carinho e amor. Toda vez que Ele a visitava, e Ela o via, o seu coração disparava, às vezes dava dor de barriga, Ela tremia, mas ao mesmo tempo era como se Ela reavivasse a cada visita. A cada vista, Ela começava a entender o verdadeiro sentido de sua existência. Ele era o seu vício.
Mas para completar essa tão perfeita união, era necessário um ato. Um ato que completasse a simbiose de almas, que, para Ela, eles já tinham. Era necessário, então, a simbiose de corpos. E assim foi, aquela noite havia sido a melhor noite que Ela já havia vivido, o quarto, o melhor lugar em que Ela já havia estado, lugar onde Ele a fez feliz, onde Ele a fez Mulher. Não era, mas para Ela, esta teve a importância de uma primeira vez.
E assim o conto de fadas seguia, Ele um príncipe, pelas suas qualidades e predicados, Ela uma princesa, assim feita por Ele. E o tempo pôs-se novamente a passar...
O tempo foi que fez esta história, que a construiu e a tramou. Foi este que fez com que a Outra se apaixonasse por Ele, foi este que fez com que Ela se unisse ainda mais a Ele, com que Ela o amasse mais. Mas assim como o tempo é capaz de construir e tramar uma história, também é capaz, com o seu passar, de desvendar uma história, mostrar as suas verdadeiras tramas e seus enredos. Ela e a Outra descobriram isso.
O desvendar dessa história começou quando tudo ainda ia bem. Mas aí, inexplicavelmente, Ele começou a se afastar, quase não procurava mais Ela, não ligava; as visitas se tornaram esporádicas e frias. Ele também criou o hábito de não dar mais satisfações, mesmo aquelas que são corriqueiras a um relacionamento do tipo namoro.
Meio sem acreditar no que estava acontecendo e um pouco confusa, Ela se perguntava onde Ele estaria, o quê teria acontecido, se seria sua culpa e por quê. Ela comungou dos mesmos sentimentos que a Outra outrora teve.
Mas não desistia, ia atrás, procurava, ficava a esperar. Mas nada. Cansou de passar os dias ruminando a sua ansiedade e a sua angústia, sempre a espera de um telefonema ou uma daquelas visitas, tempo pedido.
Estava quase claro que Ele a tinha abandonado. Ela demoraria algum tempo até entender isto. Mas enquanto isso, ficava aos cantos, perdida em seus pensamentos, se culpava, se punia, pensava ter feito algo ou ter deixado de fazer, pensava onde estaria, com quem estaria e o que seria dali pra frente. Mas sempre com fé de que Ele regressaria.
Não fazia nada direito. Sua vida estava contaminada com a desesperança, estava sem Norte. Na rua andava a esmo, pensando ter perdido o sentido se sua vida, não havia mais chão, não havia mais porquê; atravessava de um lado para outra da rua e torcia para que um carro a atropelasse e enfim acabasse com aquilo, com a dor, com o sofrimento com o sem sentido.
Ela estava em uma busca incessante de explicações e causas. E como quem procura acha, Ela, durante o seu garimpo nos perfis virtuais que Ele mantinha, encontrou a tão esperada causa, a explicação para tanto sofrimento e dor. Ele tinha voltado para a sua ex-namorada, com quem estava junto há anos. Eles haviam se conhecido quando ainda eram adolescentes, um foi o primeiro amor do outro, eles trocaram as suas primeiras experiências. Mas brigavam muito e volta e meio havia uma separaçãozinha, e não era nada incomum eles terem relacionamentozinhos contingenciais, só pra passar o tempo, enquanto eles não se entendiam e voltavam. Havia uma série de fotos de “casalzinho feliz” e várias declarações do tipo “amor eterno”, “sempre juntos”, “o melhor da briga é a reconciliação”... Eis que surge um outro pronome indefinido na nossa história, Alguém, que acabou com todas as esperanças que Ela tinha. Agora tudo muda, pois com a chegada de Alguém, Ela passa ser a outra e Alguém volta a ser Ela, somente Ele & Ela.
Para Ela tudo isso foi muito duro, ver que o seu “relacionamentozinho” tinha sido apenas contingencial, e que aquilo não era mais que um passa-tempo. Os seus sentimentos haviam sido minimizados e a sua dor e sofrimento maximizados.
Ainda assim, mesmo diante dos fatos, Ela continuou, entrava quase todos os dias nos perfis para ver o que tinha mudado, para se interar das novidades, do que havia mudado. A novidade era que eles estavam ainda mais felizes e que nada havia mudado. Por muito e muito tempo essas visitas iriam se repetir... Teria Ela tendências masoquistas ou estaria apenas sempre em busca de um pouquinho de esperança que pudesse fazer com que Ela revivesse aqueles momentos tão bons que Ela teve com Ele?
A Outra foi o seu centro de apoio. Foi quem a ajudou a tentar a superar e sair do buraco. Isso ajudou, afinal a Outra tinha now-how em matéria de abandono, já tinha sido antes, e não só por Ele.
Não foi fácil, mas com apoio e entendendo a necessidade de seguir em frente, de se livrar de seu vício, Ela conseguiu entender, Ele não voltaria, Ela havia sido deixada. Porém, não é de costume dos seres humanos irem pelo lado da razão. Ela, demonstrando-se ser um excelente exemplar dessa espécie, mesmo entendendo isso tudo, que Ela havia sido abandonada e que Ele não voltaria, ainda assim, no fundo, nutria uma esperança de regresso, a chama ainda não havia sido apagada.
Sempre após ter passado bastante tempo sem aparecer, sem ligar, sem dar sinal de vida, Ele surgia, fazendo com que essa chama se alimentasse, com que a esperança tornasse a viver, mas depois desaparecia de novo por um longo tempo, em seguida voltava e depois ia... Era um ciclo macabro, um reforçamento intermitente que eliciava dor e alegria, esperança e desespero, amor e ódio.
Esse joguinho se repetiu por algum tempo e sempre quem perdia era Ela. Nunca ao certo por que Ele ia e voltava. Talvez para passar o tempo... A única coisa que se sabia é que isso causava dor e confusão.
Quando um receptor recebe seguidas vezes um estímulo ele pode vir a se tornar inativo. Como quando cheiramos vários perfumes e não conseguimos mais distingui-los. Assim como quando tomamos por várias vezes um remédio e ele passa a perder o seu efeito. Ela, após sentir por várias vezes o cheiro do amor e do ódio, após tomar por várias vezes o mesmo remédio (que ao final se revelou ser um veneno), ficou inativa à influência dele. Seu charme, a sua presença não tinha mais efeito, ela não tremia mais, não tinha mais dor de barriga, estava curada. O sofrimento e a dor, dependendo da forma como são encarados podem ser mecanismos de aprendizagem e restauração, este foi o caso de Ela.
Até hoje Ele continua na sua intermitência, que, aliás, aumentou de freqüência e o espaçamento entre um contato e outro logo depois que Ela demonstrou-se ser imune a Ele. As suas idas e vindas não causam mais efeito.
Hoje Ela entende um relacionamento como uma ida ao mar, no início, antes de conhecê-lo, de sabê-lo e entender os seus verdadeiros perigos, você pode até se apaixonar, se encantar e querer logo se entregar as suas águas, querer logo senti-lo, mas é preciso ter cuidado, pois se em um momento de distração e envolvimento com os encantos do mar, com a beleza e a tentação dele, você pode ser arrastado até fundo e se afogar. É preciso saber lidar com as ondas do mar, saber que elas sempre vêm e vão que não há controle sobre isso. Apenas é preciso ter cautela. Ela hoje é bem cautelosa, mas nem por isso deixa de entrar no mar, de sentir as ondas e as águas, que às vezes podem ser salgadas, apenas vai até onde os seus pés alcançam o chão e depois volta à praia com o seu coração seguro, porém entusiasmado com o balanço das ondas, molhado e refrescado com as águas dos mar.


Autor: Josimar Antônio De Alcântara Mendes


Artigos Relacionados


Amigos Ou Algo Mais ? (i)

Mais Uma Vez

Vida Virtual

Acontece (conto)

O Principe

O PrÍncipe: Um Amor AlÉm Do Amor

Amigos São Para Sempre Amigos São Eternos!