Olaria, o Clube da Rua Bariri



            Por: Laércio Becker, de Curitiba-PR

 

Morales de los Rios Filho informa que a indústria de telhas e tijolos foi uma das primeiras a se estabelecer no Rio de Janeiro. Antes disso, as primeiras telhas do Rio de Janeiro, usadas nas guaritas do baluarte da Vila Velha, vieram de São Vicente. Em seguida, os moradores passaram a aproveitar a farta matéria-prima existente na região. Primeiramente nas margens ao longo do rio Carioca. Depois no rio Catumbi, na ilha do Governador, na barreira dos franciscanos, na lagoa Rodrigo de Freitas, na Gávea etc.

Brasil Gerson defende que a olaria que deu nome à estação de trem – e, por conseqüência, ao bairro – era de propriedade de Antônio Gonçalves Roma, pai do general Aparício Gonçalves Roma. Porém, outras fontes indicam outra origem. Consta que, por volta de 1820, Francisco José Pereira Rego comprou terras que iam do Caminho da Matriz (atualmente, ruas Diomedes Trota a Itararé) até as imediações da Igreja da Penha. Lá, ele e sua esposa, D. Clara, se dedicavam à agricultura e à pecuária, até que resolveram, com ajuda dos filhos Antônio, João e Joaquim, aproveitar o barro vermelho e as pedras de boa qualidade para instalar duas olarias: uma produtora de louças, outra de telhas. Por isso, a região ficou conhecida como das olarias. E algumas ruas do bairro ganharam o nome de membros da família.

Até 1892, só havia um abatedouro oficial no Rio de Janeiro, que ficava em Santa Cruz. A carne vinha por trem (da EF D. Pedro II) até o Frigorífico São Diogo, que ficava onde hoje está a Avenida Presidente Vargas. Foi então que o comerciante Custódio Nunes obteve da prefeitura a permissão de abater gado para seu açougue. O negócio se expandiu e Custódio comprou terras da Fazenda Grande da Penha para a pecuária de corte. A área ficou conhecida como Invernada de Olaria (nos anos 1960 e 1970, ganhou fama nas mãos da Polícia da Guanabara).

Em 1902, Custódio convidou para sócio Joaquim Leandro da Mota, o Quincas Leandro, um dos gerentes do citado Frigorífico São Diogo. Foi um sucesso. Tanto que, em 1910, foi oficialmente criado o Matadouro da Penha, na Estrada de Maria Angu, atual Rua Comandante Vergueiro da Cruz (mariangu é o nome indígena de uma ave que era abundante na orla, mas Brasil Gerson supõe que por lá havia uma Maria que vendia angu). Ambos enriqueceram bastante. Tanto que, por volta de 1912, Quincas Leandro comprou as terras da família Rego e nelas fez loteamentos.

Custódio também abriu ruas, em que pôs nomes de seus filhos, como a Rua Filomena Nunes, em que morava. A região ainda era ocupada por chácaras e algumas casas. Pois foi no nº 202 dessa rua, onde morava o Capitão Alfredo Oliveira, que foi fundado o Olaria FC, em 01.07.1915, com apoio de Custódio Nunes.

Em 1916, Custódio faleceu e Quincas Leandro convidou o Capitão Goulart para constituir o matadouro Irmãos Goulart S/A. Os funcionários da empresa montaram um time, o Irmãos Goulart FC.

Enquanto isso, o Olaria iniciava suas atividades no campo do Japonez Football Club, que também ficava na Rua Filomena Nunes. Depois, resolveram instalar sede e campo na Estrada de Maria Angu. Em 1917, o clube alugou um terreno baldio na Rua Leopoldina Rego (ver nosso artigo “Bonsucesso, o Rubo-Anil da Leopoldina”), que transformou num campo.

Em 1920, mudou de nome para Olaria AC, por sugestão do presidente Silvio e Silva, que queria ampliar as atividades do clube para o tênis, o remo e o escotismo. Foi então que alterou o escudo, para incluir a bola do futebol, a raquete do tênis, o remo das regatas e uma âncora em homenagem à Marinha de Guerra, devido aos inúmeros marinheiros que participavam de suas atividades. Nesse período, também pretendeu fazer uma fusão com o EC Brasil e o Civil EC (que tinha esse nome porque era formado por policiais civis). A fusão fracassou e o Olaria perdeu o time e o campo, que só conseguiu recuperar na justiça.

Em 1925 (ou 1926) é que finalmente instalou sua sede no nº 251 da Rua Bariri (paralela à Filomena Nunes), onde Custódio Nunes antigamente guardava seus bois e, depois, o Irmãos Goulart FC tinha o seu campo. É onde se mantém até hoje, com seu estádio, um amplo ginásio coberto, um salão de festas, uma churrascaria concorrida, um parque aquático que é considerado o maior da zona da Leopoldina, a Sala de Troféus Leibnitz Miranda e uma excelente boutique de material esportivo e lembranças com as cores e o escudo do clube (p.ex., mochilas, chaveiros, canetas, flâmulas, chaveiros, botons, botões de futebol de mesa, camisas de jogo e de passeio, bolas etc.) – expediente da loja: 2ª, de 15:00-20:30; 3ª a 6ª, de 8:00-12:00 e 15:00-20:30; sábado, de 8:00-13:00; domingo, de 8:00-12:00.

 

Álvaro da Costa Mello, o grande patrono do clube, nascido em Portugal, veio para o Brasil em 1922. Depois voltou para Portugal, fez um giro por Espanha, França e EUA, onde passou três anos economizando para voltar ao Brasil em definitivo. Aqui chegando, construiu uma rede de padarias e adquiriu vários imóveis na zona da Leopoldina.

Nessa época, o Olaria ainda era um clube pequeno que precisava, no prazo de um ano, construir um estádio próprio para voltar à 1ª divisão. Álvaro largou tudo para abraçar o projeto. Contou com o auxílio do botafoguense João Lyra Filho, presidente do Conselho Nacional dos Desportos (CND), que conseguiu um empréstimo na Caixa Econômica. Assim que foi erguido o Estádio Mourão Filho, também conhecido como Alçapão da Bariri, devido às dimensões, que favorecem uma grande pressão da torcida.

O estádio foi inaugurado em 06.04.1947, no jogo Vasco 3x4 Fluminense – o gol inaugural foi de Friaça, pelo Vasco. Sua capacidade, que já foi de 12 mil torcedores, atualmente é de 5.141 (cf. Cadastro Nacional de Estádios de Futebol, da CBF, de 2009), mas seu recorde de público foi de inacreditáveis 18 mil, em 30.04.1997, no jogo Flamengo 3x1 Bangu. Quando foram inaugurados, seus refletores eram os mais modernos do Rio, mas até que os do Maracanã.

O professor Antônio Mourão Vieira Filho, que dá nome ao estádio, foi um político que iniciou carreira no Partido Social Progressista (PSP), de Adhemar de Barros (governador paulista) e Chagas Freitas (futuro governador da Guanabara e do Rio) e Café Filho (vice-presidente da República de Getúlio). Depois passou para o Partido Social Trabalhista (PST), de Tenório Cavalcanti, o polêmico deputado federal que inspirou o filme O homem da capa preta, de Sérgio Rezende. Foi vereador, deputado estadual e candidato ao Senado. Segundo Marco Antônio Tavares Coelho, foi “marchava junto com os comunistas em diversas causas. Era um médico popular nos subúrbios da Leopoldina, prestigiado ao ponto de o estádio do clube de futebol Olaria ter seu nome”. Na realidade, seu nome foi escolhido porque, como vereador, ele ajudou a viabilizar a construção do estádio.

 

O patrono Álvaro da Costa Mello era amigo de José Possi Mano, diretor comercial das lojas Ponto Frio que, em 1972, patrocinou a ida de Garrincha para o Olaria. Como o clube tinha a ambição de tomar o lugar do América e do Bangu no ranking carioca, a contratação de Garrincha atrairia público e ajudaria a impor respeito. No Olaria, Garrincha encerrou sua carreira no futebol profissional, aos 40 anos. Contando os amistosos, pelo Olaria, foram 4 vitórias, 7 empates, 7 derrotas e 2 gols marcados – mas se dependesse do clube, podia continuar. O treinador (e principal jogador) do time era o veterano Roberto Pinto, sobrinho de Jair Rosa Pinto e com 38 anos de idade.

Curiosidades: 1) a última partida profissional de Garrincha, em campeonato oficial (no caso, o carioca), foi em 23.08.1972, justamente contra o Botafogo, em que ele estreara profissionalmente em 1953; 2) o primeiro campinho em que Garrincha jogou peladas, aos 12 anos, em 1945, um descampado de 50m x 30m, de barro seco e esburacado na Rua do Chiqueiro, em Pau Grande (RJ), era conhecido como Bariri, numa referência ao estádio do Olaria, em que ele, 27 anos depois, encerraria a carreira profissional.

 

Na década de 40, o cartunista argentino Lorenzo Molas identificou o Olaria como um “índio bariri”, devido ao nome da rua em que se localiza sua sede e seu estádio. Resultado: o time era jocosamente conhecido como uma perigosa tribo de índios antropófagos e o estádio era chamado de “Taba dos Bariris”.

Ocorre que, de acordo com o dicionário de Leonam Penna, nunca existiu tribo com esse nome. Na realidade, segundo os dicionários tupi-português, “mbae-riry” ou “mba’ri’ri”, que deu origem a Bariri e Barueri, significa corredeira (“corrente veloz da água dos rios, em trechos de sensível desnível”), encachoeiramento do rio, “lugar onde as águas, encontrando obstáculos, fervem e espumam”; “coisa agitada”. A rua, que até a construção do estádio se chamava Cândido Silva, ganhou o nome de Bariri porque, em dias de chuva, ela formava uma grande correnteza.

Decepção? Isso não precisa ser encarado como um “erro”. Porque, como bem mostra o estudo de José Maurício Capinussú, o futebol tem um vocabulário todo próprio, cujas palavras adquirem um significado diferente do usual – p.ex., “chuveirinho” deixa de ser um chuveiro pequeno para se transformar num passe alto dado sobre a área adversária. Sendo assim, no vocabulário boleiro, não há problema na catacrese: “bariri” pode ser uma tribo e ponto final. (PS: o cacique dessa tribo bem poderia ser o famoso (bloco carnavalesco) Cacique de Ramos, que também fica ali na Leopoldina...)

 

OBS.: No arquivo PDF em anexo, fotografias do clube, tiradas por mim em 2010 e 2011.

 

HINO DO OLARIA (autor: Lamartine Babo)

 

Olaria, teu esforço, tua glória,

Estão crescendo dia a dia, Olaria.

Tua vida envaidece a torcida, Olaria.

Tua camisa azul e branco tem um "quê" de simpatia.

Realizando sonhos mil,

Tu serás um pioneiro do esporte no Brasil.

 

Clube de faixa azul-celeste,

Tu vieste à Zona Norte,

Clube da faixa azul-celeste,

És do esporte… pelo esporte.

 

FONTES:

BARROS, Geraldo Monteiro de. Dicionário ilustrado do futebol. São Paulo: Placar, 1980. p. 19.

BORDONI, Orlando. A língua tupi na geografia do Brasil. Curitiba: Banestado, s/d. p. 116.

BUARQUE DE HOLLANDA, Bernardo Borges. O clube como vontade e representação. Rio de Janeiro: 7letras, 2009. p. 231-3.

BUENO, Francisco da Silveira. Vocabulário tupi-guarani português. 2ª ed. São Paulo: Nagy, 1983. p. 60.

CAMPOS, Alexandre; SILVA, Da Costa e. Dicionário de curiosidades do Rio de Janeiro. São Paulo: CIL, s/d. p. 208.

CAPINUSSÚ, José Maurício. A linguagem popular do futebol. São Paulo: Ibrasa, 1988.

CASTRO, Ruy. Estrela solitária: um brasileiro chamado Garrincha. 13ª reimp. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. p. 38, 418-21.

COELHO, Marco Antônio Tavares. Herança de um sonho: as memórias de um comunista. Rio de Janeiro: Record, 2000. p. 229.

COUTINHO, Edilberto. Zelins, Flamengo até morrer. Rio de Janeiro: ed. do autor, 1995. p. 191.

DUARTE, Marcelo (org.). Enciclopédia do futebol brasileiro. São Paulo: Areté, 2001. v. 2, p. 480-1.

FRAIHA, Silvia; LOBO, Tiza. Ramos, Olaria & Penha. Rio de Janeiro: Fraiha, s/d. p. 22, 28, 30-4, 73-4.

GERSON, Brasil Görresen, dito Brasil. História das ruas do Rio. 5ª ed. Rio de Janeiro: Lacerda, 2000. p. 386-7.

PENNA, Leonam. Dicionário popular de futebol. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998. p. 54.

REZENDE, José; QUADROS, Raymundo. Vai dar zebra. Rio de Janeiro: ed. do autor, s/d. p. 249-53, 304.

RIOS FILHO, Adolfo Morales de los. O Rio de Janeiro imperial. 2ª ed. Rio de Janeiro: Topbooks, 2000. p. 297.

SANTOS, Newton Ernesto Pacheco dos. Palco das emoções: uma pequena enciclopédia dos estádios. Curitiba: ed. do autor, 2005. p. 43.

SARMENTO, Carlos Eduardo. Chagas Freitas. Rio de Janeiro: FGV, 1999. p. 42.

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Autor: Laércio Becker


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