Breve esboço histórico sobre a construção ideológica dos currículos do brasil



BREVE ESBOÇO HISTÓRICO SOBRE A CONSTRUÇÃO IDEOLÓGICA DOS CURRÍCULOS DO BRASIL

 

 

Teresinha Martins Pereira *

 

Professora do Ensino Médio do Estado do Ceará. Graduada em: Pedagogia, História e Direito. Pós-graduada em: Planejamento Educacional e Direito Penal e Criminologia

 

 

 

 

BREVE ESBOÇO HISTÓRICO SOBRE A CONSTRUÇÃO IDEOLÓGICA DOS CURRÍCULOS DO BRASIL

 

 

 República Velha

 

A República Federativa do Brasil na cronologia temporal é dividida tradicionalmente pelos historiadores em: Primeira República dos Estados Unidos do Brasil (1889-1930), que vai da Proclamação de 15 de novembro de 1889 até a Revolução de 1930, denominada de República Velha ou República Oligárquica; a República Nova ou a Era Vargas (1930 a 1945); o Período Democrático do Brasil (1945 a 1964); a Ditadura Militar no Brasil (1964 a 1985) e, por fim, a redemocratização do Brasil, que vai de 1985 até a atualidade.

 

Essa é uma cronologia temporal para facilitar a compreensão dos fatos concretos, realizados através da obra política e cultural da sociedade brasileira, ali situados.

A República Oligárquica foi um período marcado por um grande descaso das autoridades, dos “donos do poder” à parte menos favorecida economicamente da sociedade e pela concentração do poder político nas mãos dos latifundiários, sobretudo dos cafeicultores.

Na visão de Faoro (1987, p. 621):

 

A República Velha continua, sem quebra, o movimento restritivo da participação popular, paradoxalmente consanguíneo do liberalismo federal irrompido no fim do Império. A política  será ocupação de poucos, poucos esclarecidos, para o comando dos maiores analfabetos, sem voz nas urnas. A essa direção política corresponde a liderança econômica e social, em interações mútuas, onde não se deve excluir, por meio de preconceito de escola, o impulso primário dos poderes estatais, em nível federal e local.

 

Durante os idos de1889 a1891 os governos de Marechal Deodoro da Fonseca e o Marechal Floriano Peixoto, respectivamente, promoveram uma tentativa de inovação na área da economia em que realizou incentivo à industrialização.

 

Propostas de Reforma Educacional na República Velha

 

Do início ao final da década de 1910 os governos, representantes das elites, têm como principal preocupação, na área educacional, a problemática do conteúdo ideológico relativo ao currículo no ensino básico brasileiro. É fundamental que se compreenda a sua construção e sua relação com os períodos históricos e com as transformações de cunho sócio-econômico e político pelos quais vem passando a República Federativa do Brasil desde 1889 até os dias atuais[1].

Já os governos do Marechal Deodoro da Fonseca (1889-1891) e do Marechal Floriano Peixoto (1891-1894), buscaram colocar a educação como fundamental para as elites, buscando solução dos problemas brasileiros.

Na gestão de Prudente de Morais, de1894 a1898, estabelece-se que a economia voltará a se vincular com o setor agrário, paralisando o processo de industrialização dos governos anteriores. As oligarquias de São Paulo e Minas Gerais passaram a dominar o cenário político do país.

Em todo o período da República Velha, passando pela “Política do Café com Leite[2]” o papel atribuído à educação esteve restrito à classe dominante, pois para ela o setor rural era o grande “patriarca” que proporcionava ao país a riqueza, o desenvolvimento de que precisava, deixando para um segundo plano a formação institucional da educação da maioria da população, ou seja, da classe trabalhadora.Diante dessa conjuntura é que vêm se forjar as reformas curriculares e sub-reformas de 1890.

Sobre a Reforma de Benjamin Constant, Ministro da Instrução Pública (Decreto nº 981 de 08 de novembro de 1890), no seu artigo 3º, § 1º:

 

A escola primária de 1º grau abrange 3 cursos: o elementar ( 7 a9 anos); o médio ( 9 a11 anos) e o superior ( 11 a13 anos). Prevê que todos eles, gradualmente, far-se-á todas as disciplinas (art. 3º § 1º):Leitura e escripta:Ensino prático e Língua Portugueza; contar e calcular arithimetica. Prática até regra de três, mediante o emprego, primeiro dos processos espontâneos, e depois dos processos systematicos;Systema métrico, precedido do estudo da Geometria prática (tachymetria);Elementos da Geographia e História, especialmente do Brazil;Lições de cousas e noções concretas de Scienciasphysicas e história natural;Instrução moral e cívica;Desenho;Elementos de músicas;Gymnastica e exercícios militares;Trabalhos manuais (para meninos);Trabalhos de agulha (para meninos);Noções práticas de agronomia;A escola primária de 2º grau também foi dividida em três classes e compreende em seu currículo:Calligrafhia;Portuguez;Elementos de Língua Franceza;Arithmetica (estudo complementar);Álgebra elementar. Geometria e Trigonometria.Geographia e História, particularmente do Brazil;Elementos de Scienciasphysicas e História natural applicaveis às noções industriais, à agricultura e a hygiene;Noções de direito pátrio e economia política;Desenho de ornato, figurado e topographico;Música;Gymnastica e exercícios militares;Trabalhos manuais (para meninos);Trabalhos de agulha (para meninas). (BRASIL[3], 1890, p. 3475-3476)

 

O Ministro Benjamin Constant também apresenta a Reforma do Ensino Secundário no Distrito Federal (Decreto nº 981 de 8/11/1890). Uma reforma sob a influência da corrente positivista[4].

A reforma buscou uma aproximação curricular do Humanismo[5] com o Enciclopedismo[6] que lhe conferiram a manutenção do status quo, já que o objetivo central da educação era a formação das elites, visto que o sistema de produção era baseado no modelo agro-exportador. E esta proposta educacional não representava, de fato e de direito perspectiva de mudanças e inovações para os filhos dos trabalhadores, sobretudo, trabalhadores rurais.

De acordo com Neto[7] (2003, p. 97-98):

 

No contexto das relações inter-classes marcadas por situações conflituosas entre interesses antagônicos, a concepção do currículo escolar está a exprimir, antes, não propriamente uma necessidade objetiva de se organizar os elementos necessários  e indispensáveis para se alcançar e transmitir o conhecimento como   objetivo   central    da atividade   pedagógica, mas   pelo contrário, ele tem significado o momento especial em que deverão ser elaboradas estratégias do poder dominante, no sentido de que constitua antes mais um mecanismo instrumental que  institucionalmente  seja  capaz  de  fornecer suporte para os processos de controle, de reprodução e de legitimação, implícito nas ações educacionais, não só dos padrões e normas vigentes da sociedade burguesa, mas também de um tipo de saber que sempre esteve permeado de um forte viés ideológico de natureza classista intrínseca, com o bem satisfaz os interesses da classe dominante.

 

Há outras reformas educacionais na Velha República como o Código Epitácio Pessoa,  como o Decreto nº 3890 de 1º de janeiro de 1901 é o novo regulamento do Ginásio Nacional pelo Decreto nº 3.914 de 26 de janeiro de 1901.

A proposta da reforma de Epitácio Pessoa apresentava algumas ideias inovadoras, como criação da seriação; estabelece para o Ginásio Nacional o curso de 06 anos. A reforma proposta por Epitácio Pessoa não logrou êxito.

Deste decreto 3.914, no Art. 3º, “o Ginásio Nacional compreenderá as seguintes disciplinas: Desenho, Português, Literatura, Frances, Inglês, Alemão, Latim, Grego, Matemática Elementar, Geografia (especialmente do Brasil), História, especialmente do Brasil, Lógica”. (ZOTTI[8], 2010)

Segundo Nagle[9] (1997, p. 279-280):

 

Rivadávia Correacriticou severamente, em 1910, as reformas educacionais propostas anteriormente.Rivadávia Correia apresenta, então, a Lei Orgânica, chamada Lei Orgânica Rivadávia Correa, através do Decreto nº 8860 de 05 de abril de 1911, dentro de uma filosofia liberal em que defende “a liberdade de ensino, com o objetivo de que o ensino secundário formasse o cidadão e não o candidato ao nível seguinte”.

 

Ainda na década de 10, conforme Nagle[10] (1997, p. 278) através do Decreto 11.530 de 18 de março de 1915, surge a Reforma Maximiliano. Este Decreto trata da instrução secundária, que coloca como disciplinas: Português, Francês, Latim, Inglês ou Alemão, Aritmética, Álgebra Elementar, Geografia e Elementos de Cosmografia, História do Brasil, História Universal, Física, Química e História Natural.Relativiza a interferência do Estado nos assuntos de instrução. Retomando, de algum modo, o papel disciplinador e aperfeiçoador da instrução secundária pelo Governo Federal, mantendo-se a tendência elitista da educação brasileira.

Da reforma proposta por Rivadávia Correa, “as seguintes disciplinas obrigatórias são:

 

Português, Francês, Inglês, Alemão, Geografia Geral, Geografia do Brasil e noções de Cosmografia, Matemática Elementar, Física e Química, História Natural, Noções de Higiene, Instrução Cívica e Noções Gerais de Direito, Latim e Grego e suas respectivas Literaturas, História Universal (especialmente da América e do Brasil), Desenho e Ginástica” (NAGLE[11], 1997, p. 281).

 

A grande diferença entre a Reforma Carlos Maximiliano e Rivadávia Correia é que a Maximiliano pretende preparar o aluno para a aprovação no exame vestibular, enquanto a Reforma Rivadávia Correa objetiva a formação do cidadão. Apesar de todo o elitismo da Velha República os governantes estiveram sempre tentando melhorar a educação nos três níveis: primário, secundário e superior.

No âmbito educacional, a década de 20 é caracterizada por movimentos conhecidos como “entusiasmo pela educação” e “otimismo pedagógico” aonde os estudos vem produzir reformas, tanto no nível superior, quanto no secundário e primário. Esse movimento de entusiasmo pela educação e inovações pedagógicas iniciou-se nos Estados da federação, como no Estado do Ceará, com Lourenço Filho e na Bahia, com Anísio Teixeira, ambos precursores da ideia do movimento escolanovista.       

 

 

República oligárquica – Crise

 

Na década de 20, a República Oligárquica se encontra em crise e são vários os fatores internos e externos que colaboram para tal situação. Os fatores externos estão ligados à 1ª Guerra Mundial (1914-1918) que desregulou o mercado internacional. O Brasil sofreu diretamente com essa mudança, pois sua economia vinculava-se à exportação do café, que teve seu preçoem declínio. Como fim da guerra, em1918, aexportação do café estabeleceu-se, mas não integralmente, pois a Europa estava utilizando seu capital na recuperação da economia interna.

 

 

Início de industrialização – Apoio às artes

 

Em relação aos fatores internos, nos anos de1925 a1930, as safras de café tiveram uma considerável alta, fato que proporcionou ao Brasil um certo desenvolvimento industrial. Setores da burguesia industrial brasileira, em especial a burguesia paulista, passaram a apoiar artistas e intelectuais inovadores que buscavam na arte o rompimento das tradições acadêmicas, o fim do conservadorismo e conformismo, a renovação da cultura brasileira e a construção de uma consciência nacional que o movimento artístico denominado Modernismo, teve grande importância, sobretudo com a Semana de Arte Moderna, em 1922.

Esse movimento foi fundamental, pois o Modernismo apresentou, artisticamente, as mudanças e inovações pelas quais passava a sociedade brasileira, em que a oligarquia agrária viu seu domínio enfraquecer-se diante do progresso industrial.

 

 

Movimentos de contestação à república velha

a)     Tenentismo

 

Entre os movimentos de contestação da República Velha, o mais significativo foi a Revolta dos Tenentes ou Tenentismo que teve como principal objetivo a busca e a afirmação das Forças Armadas na política brasileira.

Jovens oficiais do Exército, os tenentes desvinculados da oligarquia dominante, passará a combater a estrutura política predominante: corrupção, coronelismo, fraude eleitoral, entrando em constantes conflitos com o Governo Federal.

Os tenentes defendiam um programa de transformações sociais e políticas, executado por meio de uma política nacionalista e de um poder centralizado. Segundo Fausto etal[12] (1996, p. 07) “não elaboraram um programa antiliberal, mas restringiram a participação nas eleições diretas, deixando implícita a idéia de que a sociedade e o Estado só seriam reformados com a utilização de meios autoritários”.

A ação dos tenentes teve sua maior expressão na Coluna Prestes – um movimento de guerrilheiros militares e civis que percorreu vinte e quatro mil quilômetros pelo interior do país, tentando conquistar o apoio da população rural contra as oligarquias. Perseguidos, os líderes, entre eles, Luís Carlos Prestes, exilaram-se na Bolívia e Paraguai. Mais tarde, alguns desses tenentes participaram da Revolução de 1930.

 

b)     Organização operária

 

Outro movimento que mexeu com as bases da República Oligárquica foi o movimento operário. A organização dos operários deu-se por meio da formação dos sindicatos anarquistas que defendiam uma sociedade sem Estado, sem desigualdade social, na qual haveria a cooperação entre os indivíduos.

Diante de tantos movimentos culturais, sociais e políticos Vianna[13] (2010, p. 67) constata:

 

O presente regime não deu satisfação as nossas aspirações democráticas e liberais: nenhuma delas conseguiu ter realidade dentro da organização política vigente. Estamos todos descrentes dela; todos sentimos que precisamos sair dela para outra coisa, para uma nova forma de governo. Esta nova forma de governo, entretanto, ninguém ainda não pôde dizer ao certo qual deva ser. Não há nenhuma aspiração definitivamente cristalizada na consciência das massas. Nenhum módulo novo de crença se formou ainda no espírito das nossas elites em torno de um movimento qualquer. Há sem dúvida, várias tendências de gravitação em torno deste ou daquele ponto; mas, ainda assim vagamente, indistintamente, de forma imprecisa e indeterminada. Há uma certa tendência de retorno ao poder moderador, exercido já agora por um conselho vitalício. Há uma certa tendência para certas restrições da autonomia estadual, para uma maior extensão dos poderes federais. Há mesmo pequenos movimentos de gravitação para o socialismo alemão, até mesmo para o bolchevismo russo. Tudo isto, porém vago, impreciso, incorpóreo. Tendo perdido a fé no regime vigente, mas não tendo elaborado ainda uma nova fé, estamos atravessando uma destas ‘épocas de fisionomia’, de que falava Timandro, parda, informe, inclusa de atonia, em cuja atmosfera parada, de calmaria giram, circulam, suspensos, germes de futuras crenças, embriões de futuros ideais, mas não são nem crenças, nem ideais ainda.

 

Sem dúvida, sob essa perspectiva, na busca de criar um novo regime político democrático-liberal para o país, presenciou-se primordialmente a manutenção de um regime político baseado em uma ideologia que declara estruturalmente o favorecimento da elite dominante a qual cabe a direção do Estado.  Reduzindo-se, assim a democracia a formalidade.

 

Reforma educacional João Luiz Alves – última da primeira república

 

Esta Reforma é implantada pelo Decreto nº 16.782-A de 13 de janeiro de 1925. Ela é inteiramente diferente das demais da Primeira República. O Brasil se encontra num processo de industrialização, iniciado durante a Primeira Guerra Mundial.

E, agora, ao final dela a economia agro-exportadora vem sofrendo substituição irreversível pela economia industrial urbana. E é nesse contexto que a Reforma João Luiz Alves vai corresponder a essa nova realidade sócio-político-econômico. E na área educacional, vive-se aquele “entusiasmo pela educação e otimismo pedagógico”. E, assim, esta Reforma quanto ao ensino secundário busca inovações no tocante à organização e aos objetivos, bem como a uma expansão quantitativa, fugindo daquele conceito de “secundário preparatório para curso superior; procura de uma outra concepção de instituição aberta à formação dos adolescentes.

Nesse sentido, o Decreto 16.782-A, de 13 de janeiro de 1925, assim se coloca na sua Exposição de Motivos: “o ensino secundário deve ser encarado como um preparo fundamental e geral para a vida, qualquer que seja a profissão a que se dedicar o indivíduo”.

De acordo com este Decreto, fora incluída a disciplina Moral e Cívica. A partir do 6º ano há uma diferença brutal de currículo com o ano anterior, sobretudo porque o aluno já pode prestar vestibular concluído 6º ano. Outro aspecto importante é que a conclusão do 6º ano conferia ao educando, opcionalmente, o grau de Bacharel em Ciências e Letras.

Relata-se a seguir o modelo curricular adotado, de acordo com o Art. 47 do Decreto nº 1.678-2-A:

Art. 47: 1º ano- Português, Aritmética, Geografia Geral, Inglês, Francês, instrução Moral e Cívica, Desenho; 2º ano- Português, Aritmética, Geografia, Corografia do Brasil, historia Universal, Francês, Inglês ou Alemão, Latim, Álgebra, Desenho; 4º ano- Português (Gramática Histórica), Latim, Geometria e Trigonometria, História do Brasil, Física, Química, História Natural, Filosofia, Desenho; 5º ano- Português (noções de Literatura), Cosmografia, Latim, Física, Química, História Natural, Filosofia e Desenho; 6º ano- Literatura Brasileira, Literatura das Línguas Latinas, História da Filosofia, Sociologia. (NAGLE[14], 1997, p. 278)

 

Na reforma curricular acima apresentada, percebemos o surgimento da disciplina “Instrução Moral e Cívica” como um instrumento de controle ideológico devido à situação de crise política na década de 20, já avaliada e que se resultaria na Revolução de 30. A organização do currículo até o 5º Ano nos mostra uma preparação para o vestibular e concluído o 5° Ano, o aluno já podia prestar vestibular. A inclusão ao 6° Ano conferia ao aluno o grau de Bacharel em Ciências e Letras e era opcional.

 

 

 Nova república - A Era Vargas (1930 a 1945)

 

A Revolução de 30 eclodiu em meio a agitações políticas e sociais Washington Luis Presidente à época, ao apoiar a candidatura do paulista Júlio Prestes, rompera o pacto da política café-com-leite, pois ele deveria ter apoiado o candidato mineiro. Essa atitude levou os mineiros e gaúchos, em 1929, aorganizarem uma chapa de oposição – a Aliança Liberal – e lançarem o candidato à Presidência, Getúlio Vargas, e como vice, João Pessoa[15].

Segundo Zotti[16] (2004, p. 06):

 

É nesse contexto que se inaugura a segunda etapa do desenvolvimento industrial no Brasil (1930-1964), caracterizado pelo modelo conhecido como “substituição de importações”, e tem início a ideologia política do nacional-desenvolvimentista. Há, então, um vigoroso crescimento do parque industrial e o Estado passa a ser o principal centro de decisão da política econômica.

Porém, não se pode afirmar que, após a Revolução de 30, uma nova classe social tomou o poder. O grupo que lutou contra a República Oligárquica era heterogêneo: oligarquias dissidentes, Partido Democrático, dissidentes paulistas do P. R. P., tenentes, classes médias urbanas e industriais. Esses setores uniram-se contra um inimigo comum, mas possuíam interesses diversos. Desde o início do governo, Vargas visou à centralização de todas as decisões e a conciliação dos diversos interesses das classes sociais. Quanto à economia, o modelo monocultor agrário exportador é questionado, pois ele tornava o país dependente da importação dos produtos manufaturados, deixando o país em completa submissão frente aos países desenvolvidos.

 

 

A Educação na Era Vargas

 

No que diz respeito ao setor educacional a instituição escolar passa a ser imprescindível como instrumento colaborador do desenvolvimento econômico, especialmente nos âmbitos da industrialização e urbanização.

Era necessário capacitar educacionalmente os trabalhadores para a produção, enquanto se forma uma elite capaz de pensar os destinos do país. Reflete sobre o assunto, Moraes (1992, p.29):

 

A reforma da sociedade se daria pela reforma da educação e do ensino, a importância da ‘criação’ de cidadãos e de reprodução/modernização das ‘elites’, acrescidas da consciência cada vez mais explícita acerca da função da educação no trato da questão ‘social’ (...)

 

Ao se tratar do ensino primário, segundo Moraes (1992, p.25), “o governo provisório manteve os princípios da Constituição de 1841 e o ensino primário permaneceu fora da responsabilidade direta do governo federal.”

Quanto ao ensino secundário, segundo Zotti (2004, p. 08):

 

A reforma instituiu dois cursos seriados: o curso fundamental e curso complementar. O primeiro tinha por objetivo uma formação geral, com ênfase na cultura humanística, apesar da presença no currículo de matérias científicas, com o intuito de preparar o homem para a vida em sociedade e para os grandes setores da atividade nacional, independente do ingresso ao ensino superior. Tinha duração de 5 anos e uniforme em todo o país. O segundo mantinha o objetivo de formação propendêutica, com propostas curriculares diferenciadas e obrigatórias para candidatos à matrícula em determinados institutos do ensino superior.

 

No trato da questão curricular, o Ministro Francisco Campos priorizou no curso Fundamental estudos relativos às humanas; no curso complementar foi mantida a concepção de preparação para o ensino superior; e foram implementadas as disciplinas Sociologia e Psicologia.

Sobre o ensino religioso este era facultativo. É interessante frisar que o ministro, à época, atribuiu à Igreja Católica o aparato ideológico no conteúdo da disciplina, pois era necessário combater as idéias liberais e a ameaça do comunismo.

Quanto à disciplina educação, moral e cívica, o Ministro foi contrário à sua introdução, pois esta “acentuava a organização política do país que Campos e Vargas pretendiam mudar” (MORAES, 1992, p. 25).

Observa-se que a Reforma Francisco Campos efetivada pelo Decreto nº 21.241/1932 não trouxe grandes inovações para o sistema educativo brasileiro, sobretudo no âmbito curricular, pois não ocorreram rupturas com as tradicionais visões pedagógicas, até então, introduzidas no país. Entretanto; o que se efetivou foi consolidar o compromisso pedagógico com a formação intelectual da elite do país.

E, diante dessa visão, a grade curricular do ensino secundário se estabeleceu da seguinte maneira:

 

No curso fundamental as disciplinas Português, Matemática, História da Civilização, Geografia e Desenho estavam seriadas em todos os cinco anos. Havia uma sequenciação entre Ciências Físicas e Naturais previstas na 1ª e 2ª (séries) e Física e Química e História Natural (colocada nas três últimas séries, o Francês para as quatro primeiras séries, diferente de Inglês, Alemão e Latim, estabelecidas em menos séries). A disciplina “Música (canto orfeônico)” era obrigatória nas três primeiras séries do curso fundamental. Nos cursos complementares as disciplinas-chave de cada ramo específico de ensino também estavam presentes nas suas duas séries. Desta forma, Latim e Literatura eram disciplinas seriadas nos dois anos do curso complementar que preparava para o ingresso em Direito; Física, Química e História Natural para o ingresso em Medicina, Farmácia e Odontologia, e Matemática para o ingresso em Engenharia e Arquitetura. (BRASIL[17], 1932, p. 30.317)

 

Quanto à Reforma Capanema, Ministro da Educação e Saúde Pública, a partir de 1934, foi consolidado o pensamento dual do ministro Campos, qual seja: patrocinar o ensino secundário público para as elites e um ensino de nível profissional à classe trabalhadora do país.

A Reforma estabeleceu o primeiro ciclo secundário de quatro anos, ou o chamado ginasial; e um segundo ciclo de três anos, expondo duas escolhas: o curso clássico ou científico.

No que se refere aos currículos, priorizou-se o enciclopedismo, como também a valorização da cultura geral e humanística. A Segunda Guerra Mundial condicionou esta lei a instituir a questão da educação militar para alunos do sexo masculino, e a educação religiosa, para ambos os sexos, tendo como orientação pedagógica a ideologia do catolicismo.

Assim a grade curricular do ensino secundário do primeiro e segundo ciclos apresentou as seguintes disciplinas:

 

O primeiro ciclo abrangeu as disciplinas distribuídas em três grandes áreas: Línguas (Português, Latim, Francês e Inglês); Ciências (Matemática, Ciências Naturais, História Geral e História do Brasil, Geografia Geral e Geografia do Brasil); Artes (trabalhos manuais, desenhos e canto orfeônico). O segundo ciclo corresponde ao curso clássico e ao curso científico. As disciplinas foram agrupadas de acordo com as áreas do curso ginasial, sendo elas: Línguas (Português, Latim, Grego, Francês, Inglês e Espanhol); Ciências e Filosofia (Matemática, Física, Química, Biologia, História Geral, História do Brasil); Artes (desenho). (BRASIL[18], 1946).

 

Em suma, as reformas Francisco Campos e Gustavo Capanema representaram a concretização da modernização do ensino secundário forjada na dualidade educacional reproduzida pela estrutura sócio-econômica e política do país, onde os currículos amarraram em suas respectivas organizações a ideologia da classe dominante.

 

 O Período Democrático (1946 – 1964)

 

Eurico Gaspar Dutra (1946-1951); Getúlio Vargas (1951-1954); Café Filho (1954-1955); Juscelino Kubitschek (1956-1961); Jânio (1961); João Goulart (1961-1964). Dutra assume a Presidência da República em 31 de janeiro de 1946, eleito democraticamente. Com ele foram eleitos os representantes da Câmara e do Senado, e em 18 de setembro de 1946 foi promulgada a Nova Constituição, que determinava: o direito de livre expressão, o direito a formação de CPIs (Comissão Parlamentar de Inquérito), a incorporação de leis trabalhistas do governo de Vargas, a permanência da unidade sindical, onde os sindicatos eram vistos como lócus de colaboração do Estado, o direito à greve regulado por lei.

No momentoem que Dutraassume o poder, o cenário político é marcado pela “Guerra Fria” e pela cultura consumista estadunidense. O governo deixa claro sua posição no mundo bipolar, rompe as relações com a URSS, fecha o Partido Comunista Brasileiro, cassa mandatos dos políticos socialistas e comunistas e enquadra o Brasil na política imperialista estadunidense.

No campo econômico, o governo faz opção pelo liberalismo com a importação em alta, num primeiro momento. O Brasil mergulha numa crise. Dutra faz intervenção nas importações de consumo e estimula a importação de equipamentos e máquinas, instrumentos necessários para a industrialização. Arrochou os salários dos trabalhadores. Mas, a economia voltou a crescer.

 

Leis sobre Educação – Redemocratização de 1946

 

Ainda no ano de 1946, o governo federal lança a Lei Orgânica do Ensino Primário (Decreto Lei nº 8.529 de 02/01/1946). Dutra também se preocupou com a profissionalização, criando SESI e o SESC.

Como afirma no Decreto-Lei nº 8.529/46, Art. 1º:

 

a) Proporcionar a iniciação à cultura que a todos conduza ao conhecimento da vida nacional, e ao exercício das virtudes morais e cívicas que mantenham e a engrandeçam, dentro de um elevado espírito de fraternidade humana.

b) Oferecer, de modo especial, às crianças de sete a doze anos, as condições equilibrada, reformação e desenvolvimento da personalidade.

c) Elevar o nível de conhecimentos úteis à vida na família, à defesa da saúde e à iniciação do trabalho.

Art. 7º- A matriz curricular para o curso primário elementar organizar-se-á:

I- Leitura e linguagem oral e escrita;

II- Iniciação à Matemática;

III- Geografia e História do Brasil;

IV- Conhecimentos gerais aplicados à vida social, à educação para a saúde e ao trabalho;

V- Desenho e trabalhos manuais;

VI- Canto orfeônico;

VII- Educação Física. (BRASIL[19], 1946)

 

A organização da escolarização primária é dividida em fundamental e supletiva, onde a fundamental era destinada às crianças de 7 a 12 anos, com duração de 4 anos e o curso primário supletivo com duração de 02 anos, sua grade curricular correspondendo à seguinte estrutura.

No Art. 9º: “I - Leitura e linguagem oral e escrita; II - Aritmética e Geografia; III - Geografia e História do Brasil; IV - Ciências Naturais e Higiene; V - Noções de direito usual, legislação do trabalho, obrigações da vida civil e militar; VI - Desenho.” (BRASIL[20], 1946)

Observa-se ainda no Art. 10º da Lei 8.529 de 02/01/1946, que os princípios do ensino primário deveriam organizar atividades que desencadeassem a cooperação e o sentimento de solidariedade social além do sentimento de patriotismo, como também revelar tendências e aptidões para atividades profissionais. É dessa proposta que percebemos que o ensino primário é tão somente destinado à classe trabalhadora, pois sua proposta curricular está vinculado, às escolas de aprendizagens técnico profissionais nas áreas de indústria, agricultura e artesanato e, para complementar a lógica, apenas os alunos que completasse o curso primário complementar poderiam pleitear uma vaga no ginasial para dar continuidade aos estudos além dos cursos profissionalizantes. É o que reza o Art. 5º da Lei 8.529/46 (BRASIL[21], 1946).

Conforme a proposta desta lei, o que se verifica é que o ensino primário é um dos setores do aparelho ideológico do Estado, usado para reproduzir uma sociedade segregadora, onde, de um lado, se forjará a grande massa trabalhadora, que dará sustentação à economia capitalista; e, de outro, a elite intelectual e econômica que ditará os valores da sociedade em questão.

Diante dessa percepção, analisa Neto[22] (2003, p. 103):

 

Percebe-se sem dúvida nestas formulações, que, o que está em jogo, nas condições atuais de desenvolvimento da sociedade capitalista, é simplesmente a preocupação com a manutenção das estruturas do poder da classe dominante, bem como o processo de reprodução ampliada do capital. Para Wagner Rossi, o que importa para o capitalista é a aplicação do excedente econômico (mais-valia). Em decorrência desse novo aspecto do desenvolvimento capitalista, a educação escolar deve estruturar-se a partir mesmo de uma nova concepção de saber e de currículo – menos generalizante e mais específico e instrumental – tendo em vista tornar-se economicamente mais produtivo, na medida em que o educando possa adquirir certas competências sociais, o que obrigaria o sistema educacional a não perder tempo com a necessidade de transformação de conhecimentos científicos sistematizados em conhecimentos escolares capazes de fornecer uma visão mais abrangente da própria realidade social educando.

 

Já na Nova Constituição de 18 de setembro de 1946, no seu art. 5º inciso XV, alínea “d”, fica estabelecido que cabe à União a competência para definir as diretrizes e bases da educação nacional.

 

Campanha eleitoral

 

Em 1950, se dá início às campanhas eleitorais para a sucessão presidencial. Nessa disputa concorreram quatro candidatos: Eduardo Gomes (UDN); João Mangabeira (PSB); Cristiano Machado (PSD) e Getúlio Vargas (PSP-PTB). No dia 3 de outubro de 1950, Getúlio Dornelles Vargas vence com 481 votos, de maioria. Getúlio governa de 1951-1954, suicidando-se em 24 de agosto de 1954.

 

 

Segundo Mandato Getúlio Vargas (1951-1954)

 

Getúlio Dornelles Vargas assume seu 2º mandato com grande apoio popular. Embora o PSD (Partido Social Democrático) tenha apoiado o seu candidato Cristiano Machado, apoiou e fez parte do governo Getúlio, eleito pela coligação PSP (Partido Social Progressista) e PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), sua própria legenda partidária.O Presidente Getúlio neste mandato se pauta por uma política democrática e “nacionalista-desenvolvimentista”, por conseguinte, “anti-imperialista”.

Foi esta nova postura que cria uma feroz oposição, sobretudo da UDN (União Democrática Nacional), sob a liderança do jornalista carioca, Carlos Lacerda. Estava-se em plena “Guerra Fria” e o Brasil, que participara da 2ª Guerra, na Itália, sob o comando geral do Exército estadunidense, a este ficaram as nossas Forças Armadas muito ligadas.E, embora Getúlio nada tenha de “comunista”, só o fato de fazer uma administração “nacionalista” já era motivo suficiente para ensejar uma ferrenha oposição da UDN e dos militares.

Vargas no desenvolvimento econômico tomou importantes decisões e encaminhou projetos ao Congresso muito significativos para a nação brasileira; criou empresas fundamentais para o Brasil, sendo uma das principais a PETROBRÁS, até nossos dias, paixão nacional.

Apesar de todas as pressões da imprensa, da UDN, e das Forças Armadas para afastá-lo temporariamente do cargo, ou, até mesmo, a sua renúncia, Getúlio não encontrou outra saída, pois, se permanecesse no cargo, tudo levava a crer que haveria uma guerra civil. Então, a 24 de agosto de 1954, Getúlio suicida-se no Palácio do Catete, no Rio de Janeiro, deixando ao povo brasileiro uma “Carta Testamento”.

O governo Getúlio Vargas se nega à participação na Guerra da Coréia, quando o Brasil é “convocado” pelos Estados Unidos. Em conseqüência, os Estados Unidos se negam a fazer empréstimos financeiros ao Brasil, recursos de que tanto necessitava para seu desenvolvimento industrial e tecnológico.

Apesar da falta daqueles recursos, Getúlio conseguiu prosseguir no trabalho de desenvolver o Brasil. Getúlio, dele falam, até hoje, seus adversários, que fora “pai” dos ricos e “padrasto” dos pobres. Pai ou padrasto dos pobres, o fato é que sancionou muitas leis voltadas aos interesses dos trabalhadores brasileiros e do seu povo.

Criou o IAPI (Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários), em 1951; o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), em 1952; a Petrobrás, em 1953; Plano de Valorização Econômica da Amazônia, em 1954, posteriormente transformado em SUDAM (Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia); e tantas outras instituições.Getúlio estabelece um aumento salarial de 300%, através do Ministro do Trabalho João Goulart. Também revoga o Atestado Ideológico para os sindicatos.

 

 A Educação no Governo Getúlio

 

Na área da educação técnico-profissional Getúlio já criara o SENAC e SENAI, no seu 1º mandato (1930-1945), duas instituições fundamentais para um país que se desenvolvia industrialmente e, consequentemente, na área comercial.

No final do ano de 1950, Getúlio cria o ITA (Instituto Tecnológico da Aeronáutica), que diploma engenheiros. Em 1951, o governo Vargas cria o Conselho Nacional de Pesquisa e em 1952, o IMPA (Instituto de Matemática Pura e Aplicada), no Rio de Janeiro, sede do Governo Federal.Ainda, neste ano, criação da Escola Brasileira de Administração Pública (EBAP), e o Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia.

Em 1953, Getúlio criou o Comitê Brasileiro da Organização Mundial de Educação Pré-Escolar (OMEP) e, ainda, a Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário (CADES). E, em 1954, ano em que Getúlio se suicida, ele cria o Instituto de Estudos Políticos e Sociais (IEPS).

Todas essas iniciativas educacionais estavam voltadas para as necessidades do país no seu desenvolvimento industrial/tecnológico; desde o SENAI e SENAC (o primeiro: Serviço Nacional da Indústria e o segundo: Serviço Nacional do Comércio), voltados para alunos de nível menor de escolaridade; como os Institutos e outros programas, para pessoas de nível intelectual mais elevado, ou seja, classe média e alta, o que significa a “elite pensante” do país.

Não é à toa que nem mesmo o governo Getúlio Vargas tenha se voltado para acabar com o analfabetismo, diga-se, “dos pobres”, pois, em 1960, ao final do governo de Juscelino Kubitscheck, o analfabetismo brasileiro atingia 39,35% da população.

De qualquer forma, embora Getúlio não tenha concluído seu mandato, sendo substituído por Café Filho (1954-1955), deixou um legado nas diversas áreas de grande significado para o Brasil e o povo brasileiro.

Durante o período do seu governo, não há, todavia, uma preocupação em mudanças significativas na grade curricular do ensino primário e secundário que promoveu a melhoria da qualidade de ensino.

Governo provisório e Educação em Café Filho (1954-1955)

 

Café Filho assume o Governo Federal, no auge da maior comoção nacional porque passa o país, com o suicídio do seu governante muito querido pelo povo brasileiro, Getúlio Vargas.

Mesmo assim, em período tão curto do seu mandato, Café Filho, em 1955, criou o Instituto Superior de Estados Brasileiros – ISEB.

 

Eleições presidenciais

 

Neste ano de 1955, realizaram-se eleições à Presidência da República. Concorreram pela UDN (União Democrática Nacional), Juarez Távora; pelo PSP (Partido Social Progressista), Ademar de Barros; pelo PRP (Partido de Representação Popular), Plínio Salgado; e pelo PSD (Partido Social Democrático), com aliança com o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), Juscelino Kubitschek, candidato vitorioso, que inicia seu governo em 1956 e o conclui em 1960.

 

Governo Juscelino Kubitschek

 

O período de governo de Juscelino é, caracterizado, por relativa tranqüilidade, obtida afinal, pelo expressivo apoio social que, por suas propostas de políticas de desenvolvimento, significariam para a sociedade um efetivo instrumento de desenvolvimento do país. Acrescenta-se a este fato ser aquele período marcado pelo grande “fluxo” de capitais estrangeiros voltados para os investimentos produtivos.

Havia à época, grande necessidade de capitais para tornar o processo de “substituição de importações”, viável. Com base na instalação da indústria de bases de produção, o governo JK buscava conciliar o modelo político nacional-desenvolvimentista com o modelo econômico de substituição de importações, porém, com forte presença de capitais estrangeiros.

A tendência predominante do capital “imperialista” na política industrial determina como setores básicos a indústria de bens de consumo de luxo (automóveis, eletrodomésticos, etc.), com consequente monopólio desses setores pelas multinacionais, além do processo da acentuação da concentração da terra pelo latifúndio. A presença marcante do capital bancário financiou o consumo e atuou, especificamente, como capital especulativo.

O período entre 1956 e 1960, foi o período “áureo do desenvolvimento do país”, na medida em que ampliava a demanda, e, consequentemente, necessitava do aumento da mão-de-obra; por outro lado, aumentava e concentrava os lucros, sobretudo dos capitais estrangeiros.

Este aspecto particular do novo desenvolvimento econômico levou muitos estudiosos da área a apontarem contradições e distorções nos diferentes discursos ideológicos, tais como: “um país rico faz um povo rico”; “expansão industrial não significa industrialização e desenvolvimento nacional”; “concentração do progresso nas regiões mais desenvolvidas, renegando aquelas mais carentes de investimentos produtivos”; “tentar conciliar o desenvolvimento industrial numa estrutura agrária latifundiária, ou condicionar novo desenvolvimento à presença privilegiada do capital estrangeiro em nossa economia sufocando ou subalternizando o capital nacional”. Essa orientação da política econômica brasileira termina por levar a um aguçamento do dilema enfrentado pelo país.

Juscelino disposto a desenvolver o país, conforme seu slogan “50 anos em 05”, logo assume o governo, em 1956, imbuído da convicção de que o Brasil necessitava desenvolver-se, também, e, sobretudo, energicamente, cria a Comissão Nacional de Energia Nuclear (NEN).

 

A Educação no Governo Juscelino (1956-1960)

 

O fato é que, embora se fale de “desenvolvimento” do país no governo Juscelino, o seu conceito é bem mais abrangente, pois implica “educação”, “salário”, “melhores condições de vida”, “saúde”, “habitação”, “lazer”, “cultura”, etc.

Na verdade, a preocupação fundamental do governo Juscelino foi, não o “desenvolvimento”, com todas estas características, mas o “crescimento econômico” do país, dentro daquela lógica de que “um país rico faz um povo rico”, o que, nem de longe, é verdadeiro.

 

Eleições Presidenciais - 1960

 

No último ano de mandato de Juscelino Kubitschek, dão-se novas eleições presidenciais. Há uma curiosidade eleitoral, à época. O candidato à Presidência disputava, em separado, do seu vice.

Assim, Jânio Quadros disputara a Presidência, pelo PDC (Partido Democrático Cristão), com apoio da UDN (União Democrática Nacional), contra o general Teixeira Lott, (PSD), que tinha por vice, João Belchior Marques Goulart, pelo PTB. Foram eleitos Jânio Quadros e João Goulart, ambos com grande maioria e, sobretudo, João Goulart, eleito para vice com votação maior do que a do próprio Presidente.

 

 Governo Jânio Quadros

 

Jânio Quadros governou apenas 07 (sete) meses, renunciando em 25 de agosto de 1961.Seu governo, em termos políticos, foi pautado por atitudes contraditórias.Ao mesmo tempo em que condecorou o revolucionário cubano, Che Guevara, com a Condecoração Cruzeiro do Sul, maior condecoração dada pelo Brasil.

Além disso, politicamente, tentou uma postura internacional independente dos Estados Unidos da América, buscando aproximação com países dos blocos comunistas. Tanto que, quando renunciou à Presidência, seu vice, João Goulart encontrava-se na China, país comunista, representando o governo brasileiro.

Por outro lado, internamente, perseguia sindicatos de trabalhadores. De qualquer modo, a maneira independente diante dos Estados Unidos como se portava o governo Jânio, trouxeram-lhe sérias “represálias”.

No campo econômico, embora o Brasil tenha tido, naquele ano, uma produção espetacular de café, e terem sido, sempre, os Estados Unidos o maior importador do produto brasileiro, simplesmente, aquele país não importara um “grão” do nosso café, o que provocou problemas sérios na balança comercial.

Che Guevara, Fidel Castro e outros revolucionários cubanos depuseram o ditador Fulgêncio Batista, apoiado pelos Estados Unidos, e proclamaram a sua “independência” dos Estados Unidos e criaram um  Estado Socialista, em 1º de janeiro de 1959, posteriormente, Estado Comunista. Che Guevara, é como Ministro da Economia que recebe a Condecoração Cruzeiro do Sul.

No tocante à política, às pressões estadunidenses foram fortíssimas, com atuação do seu embaixador no Brasil, o combate intenso da imprensa grande e da maioria do Congresso, outrora aliados do candidato Jânio, e a oposição ferrenha do udenista, o jornalista e governador do Estado do Rio, Carlos Lacerda. E Jânio, ao final dos 07 meses de mandato, renuncia e alega que o fazia sob pressão  das “forças ocultas”.

A imprensa grande sempre analisou esta renúncia como uma tentativa de Jânio de voltar ao poder como “ditador”, colocado pelas Forças Armadas, já que estas repudiavam veementemente João Goulart, futuro Presidente, com a renúncia de Jânio.

No entanto, tem-se uma visão diferente. Primeiramente, as Forças Armadas, já antes, ao final do primeiro mandato de Getúlio, mas, sobretudo no seu segundo mandato, estavam desejosas de se “imporem” ao país, e não seria lógico que colocassem um “civil”, invés de elas próprias.

Em segundo lugar, não nos parece, pois não há “análise científica” que comprove que uma pessoa que em tudo age sob impulso, sem qualquer demonstração de “cabeça fria pensante”, sem qualquer característica de um “estrategista”, pudesse lucubrar tamanho plano.

 

 Educação no Governo de Jânio

 

O governo Jânio Quadros, talvez por haver governado por tão pouco tempo, não apresentou qualquer projeto que viesse a enriquecer e inovar a educação brasileira, nos níveis: primário, secundário ou superior. Jânio Quadros renunciou à Presidência da República deixando com o Ministro da Justiça as razões de seu ato.

 

 

Governo e Educação em Ranieri Mazzili

 

Com a renúncia de Jânio Quadros, assume a Presidência da República o Presidente da Câmara Federal, Ranieri Mazzilli, que governa de 25 de agosto a 07 de setembro de 1961, visto que o Vice Presidente João Goulart, encontrava-se na China, representando o governo brasileiro.

Os militares não queriam a posse de João Goulart. Assim, o Congresso de “joelhos” diante dos militares aprovam o Parlamentarismo, sob cujo regime assume João Goulart, sendo “eleito”, Tancredo Neves, como 1º Ministro do Gabinete Parlamentarista.

Em situação tão esdrúxula, como não poderia ser diferente na Educação, impossível fazer qualquer coisa em qualquer área, a não ser o que Ranieri fez: nada!

 

Governo João Goulart

 

Após a renúncia de Jânio Quadros, assume o governo o Presidente da Câmara Federal, Ranieri Mazzili, em 25 de agosto de 1961 até 7 de setembro de 1961, quando João Goulart assume o governo do Brasil, sob o regime parlamentarista.

É realmente surpreendente que uma Emenda Constitucional tenha sido aprovada em espaço de tempo tão curto: entre 25 de agosto de 1961 até 07 de setembro de 1961, ou seja, entre a renúncia de Jânio e posse de Goulart; precisamente 14 dias.

O Brasil se tornara presidencialista desde o final do Império e a Proclamação da República, a 15 de novembro de 1889. E, repentinamente, em razão de os militares, desde o final do 1º mandato de Getúlio, em 1945, até 1961, não aceitarem Getúlio e seus aliados, sobretudo João Goulart, que fora Ministro do Trabalho no 1º governo Getúlio, e dera 300% de aumento salarial aos trabalhadores, o que contrariou o empresariado nacional e, sobretudo, multinacional; e, repentinamente, uma Emenda Constitucional que retira o Presidencialismo e põe em seu lugar o Parlamentarismo se dê em apenas breves quatorze dias. Este é o recorde dos recordes, poderia ter ido para o Guines Book.  

Enfim, lá está João Goulart recebendo a faixa de Presidente, eleito vice num regime presidencialista, e recebendo a faixa presidencial para governar num regime parlamentarista, ou seja, com seus poderes reduzidíssimos, pois o poder quase total ficaria com o 1º Ministro, eleito pelo Congresso, que constituía o Gabinete Parlamentarista.

Felizmente para o Brasil e o governo Goulart na Emenda do Parlamentarismo havia uma “brecha” que possibilitava ao governo, depois de certo período, solicitar ao Congresso a autorização para propor ao povo brasileiro, através de plebiscito a escolha entre Parlamentarismo e Presidencialismo. E o povo escolheu o Presidencialismo. Assim, João Goulart deixou de ser apenas “chefe de governo” – sem poderes – para se tornar naquilo que o povo escolhera, em 1960, chefe de Estado, com plenos poderes. E, ai, ele começou a apresentar seus projetos ao Congresso e gozar de um espetacular apoio popular.

Antes, porém, Goulart já apresentara ao Congresso um plano de governo, com 3 pontos fundamentais, sem, todavia, obter êxito:- desenvolvimento econômico;- combate a inflação; - diminuição do déficit público.

Sem contar um período de imensa efervescência política. De um lado, a classe média enriquecida, a imprensa grande burguesa, com seu baluarte maior, o político Carlos Lacerda, a maioria do Congresso, subserviente aos Estados Unidos, as Forças Armadas, todos em oposição cruenta a João Goulart.

De outro, o movimento popular e sindical, partidos políticos de esquerda, embora apoiassem o governo, eram-lhe críticos exigindo mais e mais avanço nas políticas governamentais. Faltavam-lhes o equilíbrio, a compreensão de que “numa democracia, um governo não pode tudo”.Os dois lados colocavam João Goulart, cotidianamente, entre a “cruz e a espada”.

E Goulart se segurou nesta corda bamba, até 1º de abril de 1964, quando as Forças Armadas, desfilaram com seus tanques de guerra, destituindo o governo Goulart e massacrando a democracia, através de prisões, torturas, assassinatos, “desaparecimentos” de quantos fizessem oposição à “Ditadura Militar” que se instala por longos vinte e um anos, até o ano de 1985.

 

 Educação no Governo Goulart

 

Já em 20 de dezembro de 1961, com apenas três meses de mandato, e, mesmo assim, com poucos poderes, pois, estava-se no regime parlamentarista, o Presidente João Goulart, encaminha ao Congresso o projeto de LDB – Lei de Diretrizes e Bases, nº 4.024.

De 1946 a1961, foram exatamente 15 anos de debate para lançar a nova Lei de Diretrizes e Bases, que foi promulgada em 20 de dezembro de 1961.A Lei de Diretrizes e Bases nº 4.024 de 20 de dezembro de 1961 teve como a organização estrutural do ensino primário o seguinte ordenamento, segundo Brasil[23] (1961):

 

Quanto à organização, manteve quatro séries, podendo estender a duração por seis anos. Os dois anos complementares tinham por objetivo a ampliação do conhecimento do aluno e a formação para o trabalho para iniciação em técnicas de artes aplicadas, adequada ao sexo e a idade (Art. 26º). Assim ao aluno que havia concluído a 6ª série primaria era permitido o ingresso na 2ª série do ginásio, mas mediante exame de admissão (Art. 36, § único).

 

Quanto ao currículo deste ensino relata Werebe[24] (1963, p. 47):

 

São adotadas na maioria dos estados e municípios, as seguintes disciplinas: leitura e linguagem oral e escrita; Aritmética; Geografia e História do Brasil; Ciências; Desenho; Canto Orfeônico e Educação Física. O enfoque central do currículo estava no ensino da escrita, leitura e cálculo, com a utilização de uma metodologia tradicional e verbalista. A escola primaria não tinha objetivo formador e canalizava todos os esforços para ensinar as técnicas elementares.    O que deveria ser apenas um meio mínimo da educação básica, tornou-se  o único objetivo da escola primária.

 

Sobre as disciplinas de Educação Física e Ensino Religioso relata Zotti[25] (2004, p. 52):

Somente a Educação Física e o Ensino Religioso, na LDB, estão previstas como disciplinas para os níveis de ensino primário e médio. O Art. 22º define como obrigatória a prática de Educação Física em todos os níveis e graus de escolarização. O Art. 97, título XII, “Das Disposições Gerais e Transitórias”, dispõe sobre o Ensino Religioso  como disciplina que deverá constar nos horários das escolas oficiais, de qualquer grau, mas de matrícula facultativa, de acordo com a confissão religiosa do aluno. Quanto ao conteúdo do ensino religioso, conforme parecer  nº 77 de 15/06/1962, de acordo com as diretrizes da nova lei, os programas deveriam ser deixados a critério do professor ou da escola e não da autoridade eclesiástica, conforme previsto na Reforma Capanema.

No tocante ao ensino secundário foi instituída uma flexibilidade curricular e a liberdade de métodos e procedimentos de avaliação. A partir dessa concepção nada impediria que as escolas de grau médio se organizassem com autonomia para a evolução do ensino de qualidade. Mas uma questão deveria ser avaliada, a da competência, ou seja, o compromisso dos profissionais da área para a realização de um trabalho pedagógico priorizado.

A primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei 4.024/61 foi elaborada, sem muita preocupação com o Ensino Básico. Segundo Saviani[26] citado por Zotti (2004, p. 52), “a Lei 4.024/61 era uma lei inócua”.

O sistema educacional brasileiro sempre esteve subserviente às regras dos poderes políticos e econômicos do país. É o que se percebe no enunciado desta lei, como também, dos inúmeros decretos e leis instituídos na história da educação brasileira. Quanto à Lei 4.024/61, ela segue a cartilha dos modelos econômicos agroexportador e urbano industrial, demonstrando uma precisa intenção na manutenção do status quo, se repaginando da pretensão liberal, especialmente quando a lei assume uma tendência tecnicista como referencial para organização escolar brasileira.

Essa tendência primava pelo aprimoramento técnico e a eficiência dos resultados. A questão da quantidade suprimia a qualidade; os meios e as técnicas eram instrumentos indispensáveis na eficiência da formação do ensino, subjugado às demandas da produção industrial.

 

 Ditadura Militar

 

O regime que se instalou no Brasil, após a derrubada de João Goulart, a Ditadura Militar, regime que teve como Presidentes eleitos indiretamente pelo Congresso Nacional, os generais Humberto de Alencar Castelo Branco (1964-1967), Arthur da Costa e Silva (1967-1969), Emílio Garrastazu Médici (1969-1974), Ernesto Geisel (1974-1979) e João Batista Figueiredo (1979-1985).

Do ponto de vista político, a Ditadura implantou uma nova ordem pautada no desmantelamento das organizações populares, subserviência da classe média, abolição do poder de barganha coletivo dos trabalhadores e das livres negociações entre empregadores e  empregados, sujeição dos intelectuais, etc. Todos aqueles que representassem “perigo” para o regime haveriam de ser perseguidos, exilados, torturados e até mortos. Por outro lado, a Ditadura se comprometeu em manter as Forças Armadas no poder político, por longos vinte e um anos.Apesar disso, havia divergências entre os militares; um de linha mais branda, outros chamados de “linha dura”.

No aspecto econômico, a Ditadura se apegou, de acordo com Mendonça e Fontes[27] (2000, p. 42):          

 

O regime pós-64 representou, também, a afirmação da hegemonia do grande capital consubstanciada na aliança entre empresariado, tecnocratas e militares na gestão de um modelo econômico, concentracionista e progressivamente internacionalizado. Orientada para o azeitamento do padrão de acumulação vigente, a política econômica do governo, através dos seus dois eixos – a concentração do capital e da renda versus arrocho salarial e o privilegiamento das multinacionais –, acabou por aprofundar suas contradições latentes. Os limites desse modelo imergiram por volta de 1974, através dos índices inusitados das dívidas interna e externa. Daí por diante, a história econômica do Brasil resumiu-se num conjunto de tentativas inibidoras do binômio endividamento/inflação sem resultados palpáveis.  

 

 

De acordo com o projeto sócio - econômico conservador do regime militar, optou-se por atender as orientações do capital estrangeiro e assim projetou-se para o Brasil ao longo de quatro décadas consecutivamente, índices gritantes de endividamento e percentuais altíssimos inflacionários. No âmbito educacional o regime impôs uma ruptura especialmente quanto ao combate dos profissionais na área de educação, como também de estudantes secundaristas e universitários que resistiam ao regime ditatorial.

 

 

Educação na Ditadura Militar

 

A política educacional deste período foi vinculada à lógica dos militares, o que foi materializada com uma segunda Lei de Diretrizes e Bases – LDB, nº 5.692/71, que submeteu o sistema educativo às metas do Estado capitalista militar, qual seja, a educação deve se alinhar com a ideologia do desenvolvimento com segurança.

Segundo Germano[28] (2008, p. 08):

 

A educação estará novamente a serviço dos interesses econômicos que fizeram necessária a sua reformulação. Essa afirmação encontra fundamento nos pronunciamentos oficiais, nos planos e leis educacionais e na própria atuação do governo militar.

 

 

O Decreto Lei nº 869/69 que já instituía Educação Física, Educação Artística, Programa de Saúde e o Ensino Religioso, este último de oferecimento obrigatório, mas de matricula facultativa, conforme Parecer 853/77 e para fechar o currículo o Decreto 869/69 a partir do Parecer nº 94 de 04/02/1971 define como disciplina obrigatória em pelo menos uma série do curso primário a disciplina Educação Moral e Cívica. (BRASIL[29], 1969)

No orbe ideológico da ação militar no âmbito educacional nota-se a ênfase dada à formação da criança e do pré-adolescente assentada nas noções de uma sociedade harmônica patrocinada pelo lema: “Deus, Pátria e Família” e, nesse aspecto, comenta Zotti[30] (2004, p. 72):

 

... esses componentes curriculares cumpriram um papel fundamental na concretização dos princípios ideológicos da Ditadura Militar. Por exemplo, a Educação Artística esteve pautada numa visão tecnicista do aprender, fazer, do aplicar técnicas e não necessariamente entender esse fazer como produto de ação do homem; a Educação Física, numa concepção militarista,  estava atrelada ao objetivo de disciplinar; a Educação Moral e Cívica juntamente com a Educação Religiosa, cumpriam um papel importantíssimo na reprodução dos valores subjacentes aos interesses dos militares e das classes dominantes.

 

Na questão da grade curricular no período da Ditadura Militar (1964-1985) foram priorizadas algumas disciplinas.

Já em1969, aEMC – Educação Moral e Cívica – recebeu “prestígio” por ser usada como instrumento de dominação ideológica de direita, ou seja, daquele regime.Esta disciplina “obrigatória”, ela o era em todos os níveis de ensino, já a partir da criança, atingindo família e comunidade, pois era prioridade dos militares enquadrar o indivíduo em sociedade harmônica; significando harmônica, em que os indivíduos não têm o direito de discordar do status quo.

Todo este aparato educacional teve como enfoque principal o lema: Deus, Pátria, Família: obediência, cumprimento do dever, não reflexão, alienação mental e política; enfim, um comportado robô.

Com a Ditadura Militar já francamente estabelecida, com seus opositores de esquerda e democratas/progressistas calados por prisões, torturas, assassinatos, desaparecidos, cassação de direitos políticos de parlamentares, intelectuais, estudantes, operários, é, então, o momento em que a Ditadura, com Emílio Garrastazu Médici, o carrasco, tem plenos poderes, entre 1969 e 1974.

Segundo Zambom[31] (2003, p. 367-377):

 

Durante a ditadura militar foi aprovada pelo Congresso Nacional uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação, conhecida como 5.692/71, que modificou o sistema escolar, criando três áreas de conhecimento interdependentes: Comunicação e Expressão, Estudos Sociais e Artes e Comunicação, e o ensino fundamental passou de quatro para oito anos.O Estado atendeu as necessidades da população urbana, aparentemente a escola se democratizou, mas não se conseguiu equilibrar o binômio qualidade/quantidade, isto é, ter um ensino de qualidade com um maior número de alunos e que possuíam  marcantes diferenças culturais e sociais, não se conseguiu pensar na heterogeneidade cultural e social do povo brasileiro. A escola passou a ter um novo perfil social e cultural, foi reduzida a carga horária das disciplinas história/geografia e foram inseridas no currículo as disciplinas de Educação Moral e Cívica (EMC) e Organização Social e Política do Brasil (OSPB), portadoras de forte carga ideológica. Os objetivos centrais foram a formação da cidadania, concebida como a formação do “bom cidadão”, e da identidade nacional pela via da análise do seu processo de formação política. 

 

Nesse período foi intensa a propaganda imagnética de caráter nacionalista, financiada por grandes empresas particulares, e que se apresentava como se fosse de caráter oficial. Era uma propaganda de natureza política que apelava para o sentimento de identidade e cultura nacionais e tinha um caráter nacionalista, desenvolvimentista e popular.

A orientação técnica corresponde à tendência tecnicista que se apresentou na LDB/61. Segundo Gramsci[32] (apud Germano, 1994, p. 175), enfatiza que a escola:

 

De tipo profissional, isto é, preocupada em atender os interesses práticos imediatos, toma à frente que a escola formativa, imediatamente desinteressada “...” esse tipo de escola aparece e é louvada como democrática, quando na realidade se destina a perpetuar as diferenças sociais como ainda cristalizá-las... cada tipo social tem um tipo de escola próprio, destinada a perpetuar nestes grupos uma determinada função tradicional, diretiva e instrumental.

 

A Lei 5.692/71, ao estabelecer a Organização dos Currículos de 1º e 2º graus, com referência ao núcleo comum obrigatório, determina que parte seja de interesse nacional e outra trate da diversificação de interesses locais.

Assim, o Conselho Federal de Educação define as matérias do núcleo comum nas séries iniciais de 1º grau (1ª a 4ª séries): - Comunicação e Expressão; - Integração Social; - Iniciação às Ciências (Matemática).

O CFE estabelece como obrigatórias para as séries de 5ª a 8ª, além das já tradicionalmente determinadas: - Educação Moral e Cívica; - Educação Artística; - Programa de Saúde; - Educação Física; - Ensino Religioso, como reprodução de valores militares; - Formação para o Trabalho, com foco para o trabalho.

A Lei 5.692/71 na Resolução nº 6, art. 1º, altera o Núcleo Comum, acrescentando-lhe Estudos Sociais. Nessa Resolução, o Conselho Federal de Educação privilegia Português e Literatura.

A Ditadura Militar sentiu-se obrigada a cuidar da alfabetização de adultos. Para isto criou o MOBRAL – Movimento Brasileiro de Alfabetização – que, na verdade não logrou êxito.

Os militares, ao darem o Golpe de Estado em 1º de abril de 1964, começaram a fazer, em todos os quadrantes do país, a “caça às bruxas”.

Nesta “caça” cassou os direitos de cidadão do grande educador dedicado à “alfabetização de adultos”, processo rico de conteúdo educativo de conscientização de direitos e responsabilidades de cidadania. Esta maneira de “alfabetizar conscientizando” passou a chamar-se “Método Paulo Freire”.

Paulo Freire influenciou o movimento “Pedagogia Crítica” e é considerado um dos pensadores mais notáveis da pedagogia mundial. Preso e forçado ao exílio, passou por vários países onde trabalhou como educador, inclusive na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos.Retorna ao Brasil em 1980, no ano seguinte à Anistia.

Filia-se ao Partido dos Trabalhadores, supervisionando o Programa para Alfabetização de Adultos. Exercendo o cargo de Secretário de Educação Municipal da cidade de São Paulo, na gestão petista de Luiza Erundina. A sua obra literária pedagógica é vastíssima.Seu trabalho enriqueceu a educação brasileira e mundial.

No que se refere ao currículo do ensino do 2º grau, a Ditadura Militar, através da resolução nº 81/71 diz no artigo 5º inciso II; estabelece como Núcleo Comum às disciplinas: “- Comunicação e Expressão; - Física; - Química; - Biologia; - Língua Portuguesa; - Matemática; - Geografia; - História; - Língua Estrangeira Moderna; - Estudos Sociais; - Educação Física; - Programas de Saúde; - Moral e Cívica; - Organização Social e Política Brasileira (OSPB)”. (CHAGAS[33], 1931, p. 315)

Em 1977, estas matérias são mantidas pelo Conselho Federal de Educação, acrescentando-lhes novas formulações pedagógicas, que objetivam criar nos alunos e alunas uma mudança comportamental, mudança de atitudes e mudança de visões de mundo; claro, dentro da ideologia militarista de direita.


 


[1] Grifo nosso. República Federativa do Brasil: De 1889 a 1988 chamava-se República dos Estados Unidos do Brasil; a partir da nova Constituição de 1988 passa a chamar-se República Federativa do Brasil.

[2] A “Política do Café com Leite” foi um acordo entre São Paulo (maior produtor de café) e Minas Gerais (maior produtor de leite) para se revezarem no poder federal. Este pacto foi quebrado pelo Presidente Washington Luiz, paulista, quando indicou outro paulista, Júlio Prestes, como candidato à Presidência da República.

[3]Documento Brasil.www.histerdbr.fal.unicamp.br/.../decreto%20981. Pesquisa realizada em 08/04/10.

[4] Positivismo: teoria criada por Auguste Comte (1798-1857) que preconiza que todos os fatos da sociedade deve seguir uma natureza precisa e científica. No Brasil, o Positivismo serviu de embasamento social-filosófico-político para vários movimentos políticos do século XIX, como a campanha abolicionista e o advento da República. (Google: www.doutrina.linear.nom.br).

[5] Humanismo: “movimento intelectual difundido na Europa... valorizava um saber crítico voltado para maior conhecimento do homem e uma cultura capaz de desenvolver as potencialidades da condição humana”. (Dicionário Hauiss da Língua Portuguesa).

[6] Enciclopedismo: tendência que conduz ao acúmulo sistemático dos conhecimentos nos diversos ramos do saber (Dicionário Hauiss da Língua Portuguesa).

[7] NETO, Manuel Bezerra. Escola – Pedagogia da Reprodução. Brejo Santo – CE: Gráfica Universitária Crato, 2003, p. 103.

[8] ZOTTI, Solange Aparecida. O ensino Secundário nas Reformas Francisco Campos e Gustavo Capanema: Um olhar sobre a organização do Currículo Escolar. http://www.she.org.br/novo/congresso cbh/4individuais-coautorias/eixo/Solange%20/aparecida%20. Pesquisa em: 08/04/10.

[9] NAGLE, Jorge. O Brasil Republicano, Tomo III: sociedade e instituições (1889-1930). Rio de janeiro: Bertrand Brasil, 1997, p. 279-281.

[10] Ibidem.

[11] Ibidem.

[12] FAUSTO, Bóris ET AL.. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 1996, p. 07.

[13] VIANNA, Salvador Teixeira Werneck. Tese de doutorado - Monografia – Desenvolvimento Econômica eInstitucionais no Brasil: Considerações Sobre a Construção  Interrompida. http//:www.ie.ufr.br data.centurie/pdfs tese.Salvador-werneck.pdf, p. 67. Pesquisa em 08/04/10.

[14] NAGLE, Jorge. O Brasil republicano, Tomo III: sociedade e instituições (1889-1930). Rio de janeiro: Bertrand Brasil, 1997, p. 279-280.

[15]Grifo nosso. João Pessoa, paraibano, fora assassinado em Recife, resultado de inimizades pessoais e políticos regionais. A oposição a Washington Luis conseguiu transformar aquela morte em “questão política nacional”, provocando reações exaltadas de ambas as partes.

[16] ZOTTI, Solange Aparecida. Texto; O ensino Secundário nas Reformas Francisco Campos e Gustavo Capanema: Um olhar sobre a organização do Currículo Escolar. http://www.she.org.br/novo/congresso cbh/4individuais-coautorias/eixo/Solange%20/aparecida%20. Pesquisa em: 08/04/10.

[17] BRASIL (http://www2.camara.gov.br) lergin/fed/1930-1939/decreto 21241-4 de abril d-1932-30317 publicação original 81464-pe  HTML pesquisa em 10/04/10.

[18] BRASIL, Decreto-Lei 8.529 de 02 de Janeiro de 1946. Lei orgânica do Ensino Secundário. Disponível em http://www.camara.gov.br. Pesquisa realizada em 10/04/10.

[19] BRASIL. Decreto-Lei n 8.529 de 02 de janeiro de 1946. Lei Orgânica do Ensino primário. Disponível em http://www.camara.gov.br/legislações/publicações/replica/Pesquisa em 10/04/10.

[20] Ibidem.

[21] Ibidem.

[22] NETO, Manuel Bezerra. Escola – Pedagogia da Reprodução. Brejo Santo – CE: Gráfica Universitária Crato, 2003, p. 103.

[23] BRASIL, Ministério da Educação. Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei 4.024 de 20 de dezembro de 1961. Diretrizes e Bases da Educação Nacional. In Documento n° 01, Rio de janeiro, março 1961. Pesquisa em 12/04/10.

[24] WEREBE, Maria José García. Grandezas e Misérias do Ensino Brasileiro. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1963, p. 47.

[25] ZOTTI, Solange Aparecida. Sociedade, educação e currículo no Brasil dos jesuítas aos anos 80. Campinas-SP: Autores associados, 2004, p. 52.

[26]Savianne idem Zotti.

[27] MENDONÇA e FONTES, Sônia Regina de Virgínia Maria. História do Brasil Recente: 1964-1980. São Paulo: Ática, 2000, p. 42.

[28] GERMANO, M. R. G. Políticas Educacionais e Formação do Progresso. In: Globalização e Interculturalidade: Currículo, espaço em litígio. 2008, p. 08, João Pessoa CEGEPEC. Anpae, 2004 p01-08.http://buscatextual.cnpq busca textual visualizava do? Método apresentar id. Pesquisa em 25/04/10.

[29] BRASIL. Decreto-Lei N° 869 de 12 de setembro de 1969. Dispõe sobre a inclusão da Educação Moral e Cívica como disciplina obrigatória nas escolas de todos os graus e modalidades dos sistemas de ensino no país, e dá outras providências. In: Legislação brasileira do ensino de segundo grau: coletânea de atos federais. Brasília: DEM, 1978.

[30] ZOTTI, Solange Aparecida. Sociedade, educação e currículo no Brasil dos jesuítas aos anos 80. Campinas-SP: Autores associados, 2004, p. 72.

[31] ZAMBOM, Ernesta: Cad. Cedes. Campinas. V. 23. n. 61. p. 367, 377. Dezembro de 2003. Disponível em: http://www.cedes.unicamp.br. Pesquisa em: 26/04/10.

[32] GRMSCI, Antônio. Os intelectuais e a organização da Cultura-8 edição, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira 1991, p. 123. Ibidem Germano.

[33] CHAGAS, Campos Francisco, Exposição de Motivos. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e da Saúde Pública, 1931, p.315.

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Autor: Teresinha Martins Pereira


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