São Paulo uma lição de respeito, amor e democracia



Quando se noticiou, em São Paulo, no ano de 1954, por ocasião das comemorações de mais um ano da Revolução Constitucionalista de 32, que uma das bandeiras paulistas, na solenidade do Páteo do Colégio seria hasteada por Dona Chiquinha, uma anciã, muita gente pensou que se tratava de alguma fazendeira de café, de uma dessas “capitãs” do progresso econômico de São Paulo. Logo, porém, veio o esclarecimento. “Dona Chiquinha colabora, sim, para esse progresso, não como fazendeira, mas com o seu trabalho e com seus filhos”.
Tinha nada menos que 120 anos. Nascera lá por volta de 1834, filha de mãe escrava e escrava também foi.
Primeiro com seu braço de cativa, depois, com seu braço de cidadã livre, muito trabalhou até que os anos se acumularam e os cabelos se embranqueceram. Dizia, em alusão aos seus cabelos brancos: “O nego quando pinta já passou dos cento e trinta”. E tinha razão...
Já era a vovó Chiquinha e muito já tinha contribuído como milhares de outros escravos e trabalhadores livres, para o progresso de São Paulo e do Brasil.
Durante todos os anos de sua vida aprendeu a amar a terra onde nasceu e onde viveu. Era uma testemunha da tradição pioneira do povo paulista, de suas lutas e de seus anseios – testemunha que tinha tomado parte dos acontecimentos há mais de um século.
Em 1842, com apenas 8 anos, viu marchar batalhões liberais do Tobias de Aguiar; em 1866, viu partirem as tropas rumo ao Paraguai na Batalha do Tuiuti; presenciou as jornadas heróicas da campanha abolicionista e chorou e rezou pelos refugiados negros do Jabaquara; assistiu a alvorada da República; já com 98 anos, viu entrarem em São Paulo os que cruzaram Itararé para estabelecer uma nova ordem no Brasil; com quase um século de vida, irmanou-se com os constitucionalistas de 32.
Nas comemorações de 9 de julho de 1954, São Paulo não foi buscar uma matrona ou uma senhorita das “Paulistas quatrocentonas” para hastear uma das Bandeiras Paulistas que ladearam o Pavilhão Nacional do Páteo do Colégio. Foram sim, buscar essa venerável mulher do povo, símbolo da gente simples e boa que trabalhou, suou e lutou por São Paulo. Mais uma vez, São Paulo mostrava para o Brasil a sua espetacular e democrática forma de tratar seus filhos.
Dona Chiquinha (Francisca Apolônia de Jesus) foi apresentada como uma lição de democracia e de honra ao trabalho. Uma lição para as gerações que surgiam, representada, na época, por uma criança de 5 anos – o menino Alfredo Penteado Rudge que hasteou a outra bandeira de São Paulo. Entre as duas gerações, o general Newton Estilac Leal fez subir para o alto do mastro a Bandeira do Brasil.
Eram São Paulo do passado, a São Paulo do presente e a São Paulo do futuro honrando o símbolo da Pátria única e indivisível. São Paulo do braço trabalhador e São Paulo da tradição, com um só sentimento e uma só afirmação de brasilidade, unida num mesmo ato de fé, exaltando o ideal e honrando os que por ele morreram em 1932.
Era São Paulo mostrando ao Brasil seu respeito para com seus filhos, ali, representados pelo passado, presente e o futuro. Uma lição de amor e respeito para quem construiu esta metrópole.

Pedro Nastri

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Autor: Pedro Nastri


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