E se tudo acabasse em 10 segundos




 

... E se você estivesse apenas digitando uma mensagem, fazendo um curso além do expediente, ou, mesmo, tomando um café? E se você estivesse quase terminando um dia de trabalho e indo embora para casa; arrependido de não ter assistido ao filme que queria, ou ler o livro que ainda não comprou no último final de semana? Ter o filho que gostaria de ter; feito a matrícula no curso que queria fazer; ou preocupado com contas a pagar e o material escolar dos filhos naquele dia? E se estivesse apenas feliz e cantarolando, saudoso do aconchego de casa, do beijo e abraço dos amores? E se você apenas estivesse respirando, apenas respirando e em paz com a vida, celebrando o dia comum que teve, com a graça de Deus? E se fosse você, se fôssemos nós, naqueles prédios desmoronando e o fim dos tempos se evidenciando em avalanche de escombros pelo tempo interminável de dez segundos? E se fôssemos nós, vitimados pela profecia do calendário maia do final do mundo naquela noite comum de 25 de janeiro fatídico, cruel, inconcebível, de 2012?
É fato ser a morte uma fatalidade. É certo que caminhemos a cada segundo ao seu encontro, queiramos ou não. Seres dotados de razão – o homem é o único animal capaz de compreender o significado desse fenômeno, em si – bem sabemos que a hora da partida pode chegar de qualquer forma e a qualquer hora. Por que, então, vivemos como se não fôssemos morrer? O que poderia distinguir aquelas pessoas de qualquer um de nós? Por que o mundo acabou para elas enquanto nós permanecemos vivos e abrigados em nossas redomas de proteção?
Todas as histórias são importantes, toda vida tem uma finalidade que transcende a nossa pouca compreensão. Os que vão deixam mensagens para os que ficam; nunca é em vão uma partida. Mas, quando as partidas são coletivas, inesperadas e trágicas, todos somos atingidos também de maneira coletiva, dolorosa, pesarosa e trágica. Estamos enlutados nesse recém-início de ano.  Todos deixamos marcas; viver é escrever na linha do tempo de toda a humanidade. Viver é influenciar a própria vida e intervir nos acontecimentos a nossa volta. Morrer também o é. A lacuna da nossa partida jamais será preenchida e quem nos tem terá que conviver com essa brecha de presença, essa ausência que ninguém quer vivenciar.  Os que se foram no apocalipse de janeiro, no coração do Rio de Janeiro, são mensageiros de uma mensagem muito maior do que podemos decifrar. Suas vidas extintas em breves 10 segundos nos anunciam a brevidade do tempo, a inexorabilidade da morte. Nos deixam, atônitos que estamos, a mensagem dos verdadeiros valores que devem reger nossas vidas, preencher nosso tempo, instigar nossa atenção. Não é o dinheiro, não é o sucesso, não é o supérfluo. O que precisa urgente preencher nossa mente e nossos corações são os sentimentos, os afetos, as emoções, as conquistas e as riquezas que os ladrões não roubam e o tempo não corrói. Que suas partidas não sejam vãs; mártires do nosso tempo, não podemos deixar de ouvi-los, testemunha-los em suas expiações tão dolorosas. É hora de pensar em Deus, no significado da vida, das coisas, do nada. É hora de apaziguar nossa ansiedade e nossos desejos. Tudo pode se desmoronar em apenas 10 inexoráveis segundos. Por eles, vivamos como se de lá, apenas empoeirados, pudessem ter saído. Mudemos nossos paradigmas, reavivemos nossos valores, alteremos as nossas rotas. Para nós que por aqui ficamos, ainda é tempo. Aproveitemos, então, enquanto o apocalipse não vem e a nossa tão temida hora não chega. Sejamos mais do que fomos ontem, melhor ainda do que somos hoje. Celebremos, por enquanto, a nossa vida.

Maria Angela Coelho Mirault
http://mamirault.blogspot.com

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Autor: Maria Angela Mirault


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