Cinema novo brasileiro e representações sociais: diálogos entre sétima arte e sociologia



CINEMA NOVO BRASILEIRO E REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: DIÁLOGOS ENTRE SÉTIMA ARTE E SOCIOLOGIA

Ailton da Costa Silva Júnior

RESUMO:
O presente artigo foi solicitado pelo professor Breitner Tavares, como instrumento avaliativo da disciplina Teoria Social Clássica, e se propõe a relacionar alguns traços do movimento cinematográfico brasileiro conhecido como Cinema Novo e o conceito de representações sociais proposto pelo sociólogo Émile Durkheim em sua obra As Regras do Método Sociológico. De maneira a aguçar a reflexão a cerca da sétima arte e seu reflexo na sociedade, serão correlacionados, alguns elementos provenientes das pesquisas de pensadores como Walter Benjamin sobre a arte e a lógica existente nas imagens cinematográficas, as de Christian Metz em seus estudos sobre linguagem do cinema, dentre outros pesquisadores que realizaram estudos sobre o Cinema Novo brasileiro. Partindo da ideia de que a sociologia observa o cinema como uma ferramenta de representação das diferentes realidades sociais, será feita, em primeiro momento, uma breve descrição do movimento cinemanovista e seu perfil antidogmático seguida de uma análise de cunho sociológico onde discutiremos as representações sociais.    

Palavras – chaves: Representações sociais. Cinema. Sociologia.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Esta pesquisa apresenta como temática uma reflexão sobre as representações sociais e o movimento cinematográfico brasileiro conhecido como Cinema Novo. Partindo do pressuposto de que o movimento cinemanovista, com seu estilo vanguardista e inovador, tenha adquirido um lugar de destaque no que diz respeito à construção de uma realidade social especifica, será feita uma ponte de ligação com o conceito de representações sociais, o qual foi inicialmente caracterizado por Émile Durkheim em sua obra As Regras do Método Sociológico.   
O primeiro teórico a utilizar o termo “representações sociais” foi o sociólogo francês e pai da Sociologia moderna, Émile Durkheim. O termo foi empregado por ele como “representações coletivas”, que seria um conjunto de categorias que explicariam ou justificariam a realidade, no campo das Ciências Sociais. O estudo das representações sociais é de suma importância para a compreensão das relações entre indivíduo e sociedade.
A problemática da pesquisa envolve o interesse pelo movimento cinemanovista, bem como as suas características estéticas e representacionais dentro do cenário cultural brasileiro e a lógica existente nos estudos sobre representações sociais promovidos por Durkheim. O Cinema Novo foi o responsável por uma gigantesca ruptura com o estilo cinematográfico existente na década de 1960 no Brasil. Tendo como slogan a frase celebre de Glauber Rocha: “Uma ideia na cabeça, uma câmera na mão”, esse novo ideal de cinema veio romper com o estilo preexistente de fazer cinema norte-americano. A proposta dos pioneiros do revolucionário movimento era a de criar um cinema voltado para a crítica social, distanciando-se do ideal de cinema apenas comercial.
Como base teórica conceitual serão utilizados alguns periódicos de teóricos como Walter Benjamin, um dos integrantes da chamada “Escola de Frankfurt”, e seus estudos que se destinaram a evidenciar o cinema como sendo um elemento dos meios de comunicação de massas e Christian Metz que se propôs a estudar o cinema com suas peculiaridades artísticas e a importância de se entender como se dá processo de transmissão de significados para os espectadores.
Para compreender como surgiu o Cinema Novo utilizaremos obras como A Geração do cinema novo: Para uma antropologia do cinema de Pedro Simonard que oferece um perfil desse novo cinema, como também as pesquisas que se destinaram a analisar a reação da crítica cinematográfica fora do Brasil através da obra de Alexandre Figueirôa intitulada de Cinema novo: A onda do jovem cinema e sua recepção na França.
Dessa maneira se pretende compreender o cruzamento existente entre cinema e relações sociais, tendo em vista que tais representações sociais são caracterizadas pelas trocas existentes entre indivíduo e sociedade, entendendo que a sétima arte pode servir de palco para o desencadear de tais manifestações de troca.


1.    CARACTERÍSTICAS DO CINEMA NOVO BRASILEIRO
Dos muitos conceitos de cinema criados ao redor do mundo sobressaiu-se o Cinema Novo brasileiro que era tido em nosso país como “o grande destruidor do cinema convencional”.
 Diferenciado-se de outros estilos cinematográficos essa nova forma de construção fílmica fez crescer no Brasil o interesse de um grupo composto por jovens cineastas, uma necessidade de fugir do padrão estético norte-americano e suas características que se voltavam, quase que unicamente para um tipo de filme comercial.
“O Cinema Novo procurava, sobretudo, uma independência cultural para o filme brasileiro. Isso não significava ter apenas temas nacionais, mas encontrar um cinema capaz de traduzir a realidade nacional com base em uma estética autenticamente brasileira.”  (FIGUEIRÔA, 2004, p. 31)

A falência das grandes produtoras cinematográficas de São Paulo em meados da década de 1950 culminou com o surgimento de idealizadores que apostavam no cinema de cunho crítico social. Completamente inserido no processo de afirmação dos grupos menos favorecidos, Glauber Rocha e mais uma série de cineastas e pensadores da época observavam o movimento cinematográfico como sendo o libertador de todas as paixões, e em seus muitos discursos acrescentava:
"Continuo fechado com minhas posições de um cinema terceiro-mundista. Um cinema independente do ponto-de-vista econômico e artístico, que não deixe a criatividade estética desaparecer em nome de uma objetividade comercial e de um imediatismo político." 

A citação de Glauber Rocha resume o pensamento dos jovens cineastas da época que tinham interesse por produções de baixo orçamento voltadas para a realidade brasileira. A sociedade necessitada de representação foi aos poucos sendo inserida na tela, de forma artística por Glauber, embora que inicialmente tenha adquirido um perfil extremamente distanciado de interpretação pelo público brasileiro.
Chamado por muitos de Cinema Novo e tendo como um de seus principais criadores o cineasta Baiano Glauber Rocha, esse estilo de fazer cinema assumia um papel único no cenário nacional, o baixo orçamento imperava nas produções, as histórias eram bem próximas, o primeiro filme que veio a inaugurar essa nova fase foi Rio 40 Graus, realizado em 1955 por Nelson Pereira dos Santos, a influência do cinema expressionista Italiano e o vanguardista Francês, baseado na Nouvelle Vague de Françoise Truffaut e Jean Luc-Godard, alimentavam as mentes dos pioneiros do novo cinema.
Traços do estilo europeu de filmografia eram colhidos e ganhavam uma releitura através das mãos dos inovadores cineastas brasileiros. O Neo-realismo italiano do pós-guerra também teve grande significância no processo de “reeducação” de idéias dos cineastas brasileiros.
A primeira fase do Cinema Novo (1960 – 1964) vai ser marcada pelo interesse de seus realizadores em denunciar as mazelas da região nordeste brasileira, o trabalhador rural e a miséria da sociedade são os principais pontos da crítica, filmes como Deus e o diabo na terra do sol de Glauber Rocha e Vidas Secas apresentam um roteiro carregado de crítica social, os detalhes filmados de forma natural engrandeceram as obras e foram aos poucos sendo inseridos no imaginário da população brasileira.
Os cineastas que fizeram parte do movimento cinemanovista apresentavam uma postura totalmente contrária a dos militares brasileiros depois do golpe de 1964. A produtora estatal EMBRAFILME, criada em 1969, pelo então governo militar, tinha como objetivo analisar todo tipo de material audiovisual brasileiro e validar ou não a sua distribuição. Inúmeras dificuldades surgiram neste período no cenário cultural brasileiro, tais dificuldades estendiam-se pelo campo da música, passando pelo teatro, cinema, rádio e televisão.
Existia essa forte vontade de acabar com o padrão americano de cinema sem conteúdo que era feito apenas para entreter – excluindo nessa atribuição o diretor Robert Rosenstone que tinha a preocupação em transformar o filme em um discurso visual.

“Para os cineastas, o que era verdadeiramente novo na sua relação com o cinema de autor era a possibilidade de mudar a realidade brasileira na qual estavam inseridos. Eles podiam abordar livremente não importa que tema, pois isso, segundo eles, reconduzi-los-ia necessariamente a uma ação que todos tinham em comum. Para eles, o Cinema Novo não era um cinema fechado ou dirigido para certas peculiaridades sociais ou políticas, mas uma arma ideológica para melhor conhecer a realidade na qual viviam.”  (FIGUEIRÔA, 2004, p. 32-33)

Expor os problemas de ordem social em telas de cinema já era algo freqüentemente usado por grandes cineastas, no Brasil não poderia ser diferente, em Vidas Secas o homem do nordeste permanece como protagonista da pobreza, juntamente com sua família e filhos ele se põe a vagar pelas fazendas a procura de emprego e moradia, terminando por migrar para as terras do sul.
Esse migrar para as terras do sul é algo veemente utilizado tanto em peças de teatro quanto em citações que adornam colunas de jornal, “a saída do nordestino de sua terra natal”, “a seca vence novamente e expulsa uma família”, a eliminação da esperança persegue a história do sertanejo, a natureza dessas histórias permeavam a mente dos homens que adentravam a noite escrevendo seus roteiros, desejosos em realizar filmes que oferecessem ao público algo mais.
“O Cinema Novo foi um movimento amplo e diferenciado. Não havia um programa rígido que servisse como dogma a ser seguido pelos seus participantes. Havia isso sim, princípios de ação política que construíram sua força na união e na camaradagem do grupo.” (SIMONARD, 2006, p. 19)
E estes homens desafiaram poderes do Estado na década de 1960, e elaboraram seus filmes. A imagem às vezes ressoa mais alto do que as palavras em qualquer panfleto, ela detém um poder supremo, e a mídia faz uso de desse poder, no caso de filmes como Vida Secas as cenas fazem refletir e estigmatizam a mente.
Os criadores do Novo cinema não estavam preocupados em mostrar grandes acontecimentos históricos, a precisão maior estava em acompanhar as classes desfavorecidas, as pequenas histórias que se desenrolam aos montes por entre as vielas e becos, desde os confins do sertão entre as caatingas até as poluídas e intermináveis ruas de São Paulo, o mesmo povo, a mesma dificuldade em se viver.
Os filmes que são produzidos permanecem como janelas das épocas, a carga de informações é tremenda, seja por mostrar reviravoltas políticas de um tempo ou o simples cotidiano de uma população. A comunicação que é feita entre cineasta e espectador fundamenta debates de cunho sociológico até hoje, oferecendo representações de cunho social em diferentes aspectos é possível compreender essa troca de informação que é feita mediante a obra fílmica.
Em Deus e o Diabo na Terra do Sol Glauber Rocha utilizou a região nordeste brasileira como cenário de sua história, no filme percebemos a Odisséia de Manuel e sua mulher Rosa que na tentativa de comprar um lote de terra partem numa viagem até a cidade para vender algumas cabeças de gado que acabam por morrer no percurso, isso causa a ira do coronel que é proprietário dos animais, depois de um significativo desentendimento Manuel acaba por matar o coronel fugindo logo em seguida com sua esposa.
A estória mescla a idéia de exploração do trabalhador rural pelo latifundiário, com o misticismo religioso, no decorrer do filme Manuel une-se a um grupo de “revolucionários” que tem um líder espiritual chamado de Beato Sebastião, o feiticeiro acaba por reeducar Manuel com promessas de uma vida nova, sua esposa Rosa é deixada de lado e aos poucos vai criando um sentimento de revolta e ódio pelo beato Sebastião.
A miséria, a fome e o coronelismo são traços marcantes dos filmes realizados no nordeste brasileiro, os diretores que surgiram com a proposta do Cinema Novo preocupavam-se antes de mais nada com a grandeza de detalhes das suas obras, baseando-se no estilo de cinema Norte americano Western ou Western spaghetti  , como são conhecidos os produzidos por diretores italianos, este trabalho de Glauber ainda faz uso de planos abertos que mostram uma paisagem seca e quase sem vegetação, com um sol forte e escaldante, nesse cenário desenvolve-se toda uma trama que apresenta a personagem Manuel que personifica a figura do homem do sertão nordestino.
A questão messiânica também é enxertada no filme e é trazida a tona através da figura do beato Sebastião, os visionários estão inseridos em muitos contos nacional e são típicos no nordeste brasileiro, homens que destinam suas vidas a ajudar populações de cidades interioranas que buscam desesperadamente a salvação.
O diretor de Vidas Secas assemelha-se a Glauber Rocha tanto pela genialidade em conceber filmes críticos quanto pelo desempenho exercido por trás das câmeras, o que parece ser um traço tanto que peculiar entre os cineastas desse novo movimento estético cinematográfico.
O cinema oferece um campo de pesquisa extremamente amplo sobre o que entendemos como realidade, como é apresentado por Christian Metz em sua obra A Significação no Cinema:
“O cinema é assunto amplo para o qual há mais de uma via de acesso. Considerando globalmente, o cinema é antes de mais nada um fato, e enquanto tal ele coloca problemas para a psicologia da percepção e do conhecimento, para a estética teórica, para a sociologia dos públicos, para a semiologia geral.” (METZ, 2010, p. 16)

2.    REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E CINEMA
]O termo “representações coletivas” foi criado por Emile Durkheim, com o intuito de separar o pensamento social do pensamento individual. O principal objetivo de Durkheim era o de afirmar a Sociologia como ciência, rompendo com as idéias e o senso comum, apresentando-a com um objeto de estudo e um método de analise aplicável. Em sua obra intitulada As Regras do Método Sociológico, publicado em 1895, são apontados o conceito e as principais características do “fato social” sendo elas: anterior e exterior ao indivíduo, coercivo ou geral e coletivo. Chegando a conclusão de que o fato social é uma coisa, e o objeto de estudo da Sociologia.
“É fato social toda maneira de fazer, fixada ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior, ou ainda, toda maneira de fazer que é geral na extensão de uma sociedade dada e, ao mesmo tempo, possui uma existência própria, independente de suas manifestações individuais”. (DURKHEIM, 2007, p. 13)
Deixando claro que existe um distanciamento entre o objeto de estudo da sociologia e o da psicologia. Os estudos da consciência coletiva cabem a sociologia que afirma que a realidade social só pode ser compreendida mediante um estudo das leis e representações dessa coletividade. A análise da vida social consiste em criar um discurso de cunho científico que se baseia nas diversas relações coletivas.
Indivíduo e sociedade são colocados em espaços específicos pela ótica durkheimiana, a fim de tornar mais objetivo o estudo do todo que forma a realidade social, partindo do emaranhado de relações existentes entre os seres que a compõem. É possível encontrar no pensamento de Durkheim elementos significativos no que diz respeito aos estudos de representações de cunho artístico, como o cinema, e aqui particularmente o movimento cinemanovista brasileiro.
O principal objetivo do cinema é representar uma determinada realidade por meio de uma sequência ininterrupta de imagens postas em velocidade constante numa tela. A necessidade de fazer valer o mundo das experiências e sua complexidade frente a realidade objetiva e palpável.
Existindo também uma parcela de subjetividade na apreciação fílmica, a qual é submetida a interpretação de seus vários espectadores. A realidade é apresentada sob a forma de uma representação, o plano real oferece os traços necessários a essa construção fantasiosa que é posta na tela e oferecida ao público tornando-se real.
Para que a película exista é necessário que se crie um método de orientação que possibilite a uma equipe orientar-se no processo de criação, surge dessa forma uma linguagem cinematográfica que apresenta inúmeros estilos e formas, a sétima arte engloba todas as artes criadas pelo homem nesse jogo representacional, onde elementos reais agrupam-se dando forma a algo aparentemente surreal. Christian Metz em sua obra A Significação no Cinema, discorre sobre a importância do cinema no campo da representação da realidade.
“Estas considerações pretendiam apenas lembrar um aspecto, entre outros, do problema da impressão de realidade no cinema. O “segredo” do cinema é também isto: injetar na irrealidade da imagem a realidade do movimento e, assim. Atualizar o imaginário a um grau nunca antes alcançado.” (METZ, 2010, p. 28)   
Metz analisa o cinema através da potencialidade que ele exerce na sociedade, a imagem é o fio condutor dessa representação, a fotografia apresenta certa potencialidade, mas quando se põe a narrar se torna cinema. As ciências sociais, e sobretudo o pensamento sociológico do final do século XIX deve muito de seu crescimento ao cinema que veio possibilitar um estudo mais aprofundado da sociedades e seus costumes específicos, da política, do cotidiano, mudanças de classes dentre tantos outros fatores.
Inaugurando um discurso totalmente novo, a câmera de filmagem tornou-se uma fonte de pesquisa que rompia com o estereótipo de mero apetrecho de registro de imagens, conceituando-lhe como um instrumento onde são gravados fatos de ordem social, que mais tarde passaram a ser agrupados pelo pesquisador servindo de arcabouço em determinada pesquisa.  O cinema opera coletando imagens da vida social que mais tarde são agrupadas por um montador o qual é responsável pelo produto final ganhando uma visão de mundo distinta.
As diferentes manifestações artísticas encontraram no cinema uma forma de validação jamais imaginada, a difusão realizada pela propaganda fílmica viria a alcançar todo o globo. O experimento criado pelos irmãos Lumiére na França do final do século XIX, seria o ponto de partida de uma nova variante da comunicação.
Ideologias seriam reveladas e propagadas percorreriam nações inteiras por meio do cinematógrafo, inserindo em determinados grupos uma série de conceitos políticos, culturais e filosóficos as telas carregariam consigo o poder da linguagem através da imagem, incidindo-se nos processos estruturais que formam o pensamento social, criando representações que agiriam no âmago dos grupos, como explica Walter Benjamin Mágia e técnica, arte e política:
 “O filme serve para exercitar o homem nas novas percepções e reações exigidas por um aparelho técnico cujo papel cresce cada vez mais em sua vida cotidiana. Fazer do gigantesco aparelho técnico do nosso tempo o objeto das inervações humanas – é essa a tarefa histórica cuja realização dá ao cinema o seu verdadeiro sentido.” (BENJAMIN, 1987, p. 174) 
O cinema tornasse completo mediante o olhar de seus receptores, o produto finalizado que é submetido à apreciação é a obra de arte que diferentemente do quadro oferece não apenas uma única imagem, mas uma composição de series de imagens. Foi através desse jogo que é estabelecido entre equipe montadora do filme e público espectador que o cinema alcançou significância, seja ele o cinema expressionista alemão, a Nouvelle vague ou o Cinemanovismo brasileiro, colocado aqui como o ponto de partida de nosso debate sobre as representações sociais.
Os estilos surgem com características distintas, o público analisa a obra fílmica, decifrando-a por meio do seu entendimento à cerca do mundo. As diferentes imagens buscam a atração do olhar a fim de adquirir significação em sua essência representacional. As representações sociais de que nos fala Durkheim apresentam inúmeras variantes, desafiando o pesquisador a se questionar sobre a realidade e os por quês existentes na psicologia individual e no que concerne o entendimento a cerca da sociedade.
“Com efeito, o que as representações coletivas traduzem é o modo como o grupo se pensa em suas relações com os objetos que o afetam. Ora, o grupo não é constituído da mesma maneira que o indivíduo, e as coisas que o afetam são de outra natureza. Representações que não exprimem nem os mesmos sujeitos, nem os mesmos objetos, não poderiam depender das mesmas causas. Para compreender a maneira como a sociedade representa a si mesma e o mundo que a cerca, é a natureza da sociedade, e não a dos particulares, que se deve considerar.” (DURKHEIM,2007, p. XXIII)     
O cinema adquire o significado de representante das manifestações de cunho cultural e dessa forma, por meio da arte e sua significância, é possível compreender as diferentes relações sociais que fundamentam a sociedade.
Walter Benjamin destaca o crescente envolvimento entre homem e aparelho reprodutor de imagens no final do século XIX e início do XX. Primeiro a observação da realidade e a coleta de imagens desconexas, depois o estudo de cada plano a partir de uma lógica específica, e por fim a reunião ordenada do grande número de imagens dando sentido à obra final que é o filme, um produto da liberdade.
A realidade recriada pela ótica do cineasta pode ser compreendida de diferentes maneiras, a forma com a qual os diferentes sentimentos são postos em destaque na construção fílmica, expressando a necessidade de afirmação de um estilo ou um ponto de vista, que até dado momento existe apenas no imaginário, a reunião das imagens que tem o propósito de gerar um filme é entendida na ótica de Walter Benjamin como a criação de “um espaço de liberdade”, o qual é dotado de elementos que escapam a percepção.
 “Uma das funções sociais mais importantes do cinema é criar um equilíbrio entre o homem e o aparelho. O cinema não realiza essa tarefa apenas pelo modo com que o homem se representa diante do aparelho, mas pelo modo com que ele representa o mundo, graças a esse aparelho. Através dos seus grandes planos, de sua ênfase sobre pormenores ocultos dos objetos que nos são familiares, e de sua investigação dos ambientes mais vulgares sob a direção genial da objetiva, o cinema faz-nos vislumbrar, por um lado, os mil condicionamentos que determinam nossa existência, e por outro assegura-nos um grande e insuspeito espaço de liberdade.” (BENJAMIN,1987, p. 189) 

É por meio dessa representação do real que os indivíduos a percebem buscando relacionar-se com ela, o movimento de troca de sentidos orienta o espectador transformando-o em agente participante dessa construção.
As representações sociais associam-se com o ideal artístico por meio do cinema. Um novo sujeito surge das telas, o filme cria um novo olhar sobre a realidade, recriando espaços antes inexistentes, transferindo para o plano real e socializando-os com os demais indivíduos idéias e conceitos que antes perdiam-se na imaginação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A proposta deste trabalho era reunir o cinema e a teoria das representações sociais proposta por Émile Durkheim, por meio de uma discussão de cunho sociológico. Buscou-se compreender como os sentidos do real são agrupados adquirindo significância no meio social através das imagens. Fez-se uso do movimento cinemanovista brasileiro, em primeiro momento, com o intuito de apresentá-lo como exemplo de representação artística inovadora.
Utilizando elementos provenientes de pesquisas de teóricos específicos foi realizada uma reflexão sobre o cinema e o seu potencial, o qual reúne em sua essência atributos de ordem histórica, social, cultural e artística. No primeiro capítulo desse artigo houve a necessidade de se explicar os elementos que vieram a gerar o Cinema novo brasileiro e os fundamentos que impulsionaram a revolução artística do mesmo.
Foi a partir dos estudos feitos por Alexandre Figueirôa em seu livro Cinema Novo: A onda do jovem cinema e sua recepção na França, que foi possível compreender qual era a pretensão dos jovens cineastas brasileiros com a criação de um estilo de filmagem totalmente novo, o qual diferenciava-se da estética comercial norte-americana. Dentro da pesquisa de Figueirôa pode-se compreender como a crítica européia observava o cinemanovismo brasileiro que oferecia uma temática que girava em torno da crítica social e política.
O livro A geração do Cinema Novo: Para uma antropologia do cinema de Pedro Simonard permitiu analisar o cenário político e cultural brasileiro existente no decorrer do final da década de 1950, aonde o Cinema Novo viria nascer. Por meio de um grande número de entrevistas reunidas em sua obra pode-se compreender como os pioneiros do movimento vieram se reunir em torno do ideal que consistia em criar um tipo de filmografia totalmente nacional.
Prosseguindo com a proposta de reunir nesta pesquisa arcabouço teórico valido, que viesse a objetivar a temática do nosso trabalho, foi feita uma breve reflexão sobre a linguagem cinematográfica e o poder que a imagem adquire sobre o público que ficou a cabo de Christian Metz em sua obra intitulada A significação no cinema. A obra de Metz permitiu avaliar os diferentes signos cinematográficos e a relação exercida por eles na construção da realidade.
Os estudos feitos a partir da obra Magia e técnica, arte e política de Walter Benjamin, encerra esta pequena reflexão que colocou o cinema e o movimento cinematográfico brasileiro conhecido como Cinema Novo em destaque. A tentativa foi a de associar características dos dois conceitos com as pesquisas que se voltam para as representações sociais e por meio delas tentar abrir o campo da pesquisa sociológica que tem como objetivo analisar as relações que se criam entre os homens, aqui refletido sobre a luz do cinema.


REFERÊNCIAS
BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, Obras Escolhidas, v. 1, 1987.

Disponível em http://www.pensador.info/GlauberRocha. Acesso em: 27 de fevereiro de 2010.

DURKHEIM, Émile. As Regras do Método Sociológico. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

FIGUEIRÔA, Alexandre. Cinema Novo: A onda do jovem cinema e sua recepção na França. Campinas, SP: Papirus, 2004.

METZ, Christian. A significação no cinema. São Paulo: Perspectiva, 2010.

SIMONARD, Pedro. A geração do Cinema Novo: para uma antropologia do cinema. Rio de Janeiro: Muad X, 2006.



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Autor: Ailton Da Costa Silva Júnior


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