Filosofia hoje: o que é isso?



Esta pergunta não foi tirada de obra alguma de Martin Heidegger e de seus livros famosos e extremamente intrigantes e pertinentes, mas é uma pergunta pela prática, ou melhor, pela relevância da filosofia em dias e vidas como as nossas.

            Nós temos um mundo onde duas palavras ganham força extrema e uma um desprestígio e anonimato perigoso. Comecemos pelo lado positivo: hoje em dia ser interdisciplinar e cooperativo entre disciplinas virou padrão. Vemos cada vez mais grupos organizados em torno de temas chamados guarda-chuva como “Democracia” e vemos cientistas políticos, cientistas sociais, antropólogos, historiadores e mesmo filósofos políticos que confluem para versões de democracia que chega até a ser um curso de pós-graduação em Universidades conceituadas da Europa como a de Salamanca e Coimbra. Tem-se muito a dizer sobre o “Homem”, sobre a “Democracia”, e sobre estudos Neuropsicológicos do homem além do Universo, contudo a nossa velha filosofia tem cada vez menos a dizer do que frases de efeito e algumas observações questionáveis e reduzidas a macro-narrativas perigosas quando o assunto são ciências humanas.

            Num exemplo prático da questão árabe que tomou conta dos noticiários no ano que se passou e continua sendo notícia neste início de 2012 não se viu muitas opiniões filosóficas justamente porque muitas das questões tratadas por mais repaginadas que sejam saem do colo da filosofia e são assuntos bem mais sociais, políticos, econômicos e religiosos. Não tem muito a dizer do que invocar teorias ou conceitos que não explicam genocídios e crimes contra humanidade e evocação de direitos humanos ou origem do mal entre os homens que fatalmente explicam pouco ou quase nada acerca de rebeliões e ataques planejados em países como Iraque, e a fome e falta de organização em outros. O que quero dizer? O discurso filosófico virou ou parece ter se tornado somente um esclarecedor de termos e um auxiliar de luxo de outros discursos quando uma ou outra parte do discurso parece não se encaixar ou ter o floreio ideal.

            Não se tem como saber se tem a ver com a estagnação e o se voltar para dentro de si de muita da filosofia que é dita “dar certo” que se retirou dos problemas do mundo apenas discutindo em seus simpósios e encontros e dando opiniões e criando contendas apenas acompanhadas em revistas especializadas. Tirando poucos exemplos no Brasil como o do professor Paulo Ghiraldelli Jr e Susana de Castro entre pouquíssimos outros não temos filosofia aparecendo na mídia nem por bem nem por mal a não ser com o polêmico projeto, e justo, diga-se de passagem, de tentar dar o último grau de responsabilidade à filosofia: ou se torna uma profissão como todas as outras e dá respostas práticas a sociedade ou míngua e desaparece de vez em sua constelação de professores e pesquisadores que escrevem para publicar somente para seus pares. Sem vinculação alguma à mídia, apenas quando é o caso, e sem penetração popular porque fala de problemas claramente inúteis à maioria da população que parece não se importar exatamente com o que seja o fim do homem, mas que homens batem em mulheres e refletem violência atrás de violência sem nenhum respeito e consideração. Mas não há teses filosóficas sobre isto, pois a Filosofia ainda se considera fundamento de pensamento e com lugar cativo para ruminar tudo que as outras ciências já pensaram.

            Da segunda metade do século XX até hoje a imensa maioria dos pensadores destacadas nos rincões da filosofia negaram o epíteto filósofo e isso tem uma razão. Michel Foucault, Hannah Arendt, Gianni Vattimo, Richard Rorty, entre outros conseguem e chamam atenção com suas teses que fogem do âmbito filosófico (onde são vistos com ressalvas e preconceitos) e se destacam em diversas áreas de conhecimento da comunicação até a história com coisas muito mais importantes e pertinentes a dizer por que parecem desde cedo recusar o purismo e o classicismo platonista que contaminou a filosofia.

            Quando Karl Marx e sua poderosa análise social, política e econômica da sociedade burguesa e a necessidade de uma revolução poderosa das classes oprimidas rumo ao comunismo ou iríamos à barbárie taxou-se logo de muito amplo e que não cabia numa espécie de conservadorismo teórico da filosofia. E toda a narrativa forte marxiana foi reduzida a poucos retalhos dentro dos departamentos para se poder falar em filosofia de Marx e apenas os que se formam em suas teses se informam de seu pensamento e percebem que tanto ele, quanto Nietzsche e Freud são exemplos de que a filosofia não era mais seus objetivos, aliás, no caso de Freud em momento algum houve a alegação e concepção de filosofia diretamente ligada Psicanálise e, talvez, esta filiação recaia sobre o floreio ou mesmo algumas pequenas ideias, curtos insights que fizeram parte do que se pode chamar de realização profissional em outras áreas de estudo.

            Assim a conclusão é simples e notória e pode ser discutida em torno de uma concepção de filosofia enquanto fornecedora de retórica e aí esta se aproxima daquele grupo que esta sempre aboliu que foi a retórica e se enlaça, como quis Rorty, por exemplo, com a literatura, dando assim sinais de entrar na cooperação e interdisciplinaridade em condições iguais às demais ciências, ou será apenas um nome bonito no museu de nenhuma novidade. A filosofia está agora não num confortável divã como podem dizer alguns, mas extremamente sentada no banco dos réus não do tribunal da razão kantiano, mas no tribunal da utilidade social para ver se resiste francamente ao apelo de dar algum consolo, resposta e caminho para o ser humano seja um indivíduo, ou seja, um grupo social. Não é uma conclusão feliz para que alguém formado em filosofia tome ou assuma, mas não se pode e nem se deve tapar o sol com peneiras. A filosofia deve explicações de seu discurso e de sua utilidade social contemporânea e está mais do que na hora de começar a refletir sobre uma humildade que a faria crescer e uma profissionalização que melhoraria pelo menos o humor de outras áreas em relação a ela em futuras colaborações e parcerias.

            Por termos sido tão afetados pela megalomania polímata da filosofia moderna somos agora reféns-herdeiros (numa condição nada boa) de muitas expectativas que sempre estamos frustrando com discursos pouco interessantes e decisões nada convincentes. Basta ver que a nossa mania de grandeza obliterou nossa visão e não percebemos que as questões do mundo não são mais as nossas e que os sintomas das doenças mundo afora mudaram drasticamente. O que o romance fez de um século a outro, inclusive, no Brasil, junto com a arte, passando pela reforma completa e “modernização”, o que se viu de figuras como a que Richard Rorty chama de “Homem das Letras” que apareceram do nada e começaram a tomar espaços e a dar opiniões fortes e fazer poemas no tempo livre e a ascensão do político e em anexo do econômico como áreas autônomas e responsáveis pelos olores no mundo fez da filosofia alguém com defasagem de discurso (e isso fica visível em debates interdisciplinares, com raríssimas exceções) e com dificuldade de relacionamento com outras áreas e pessoas. Tornando assim a filosofia de rainha das ciências a alguém que apresenta sintomas claros de autismo ou distúrbio psicótico grave. O que não queremos.

            Como não sou da opinião nem da geração que quer ser conhecida como fechada a diálogos e a formas convencionais de ensino e passagem de filosofia advogo veementemente que a filosofia pode ainda ter sua necessidade e servir para algo desde que seja convicta de que precisa e para ontem de se adequar ao que se diz hoje e usar de seu passado para compor o presente e pensar o futuro como fazem todas as outras ciências em inúmeras áreas do saber. Não dá mais para sacralizar filósofos e manter intactas suas teses descontextualizadas e nem mais para querer purismo de discurso. Temos que nos formar e entrar no ingrediente do grande bolo que é a compreensão da nossa realidade dando não só palpites, mas propondo vias e planos que passem de uma retoricidade para uma retórica boa e aprazível, em palavras mais diretas, temos e podemos ser mais ativos. Sem essa transformação, sem esta dolorida metamorfose kafkiana (a aproximação com a literatura é um ótimo caminho) seremos, de uma vez por todas, espécie descompensada e desarmada para o mundo, em palavras mais duras: peças não tão atraentes de museu. Não adianta dar um F5 na filosofia como era, pois a filosofia como antes tem seus dias já todos contados e nosso caminho é se adaptar como diria Arnaldo Antunes em momento inspirado, quem sabe pela própria sensação que a filosofia, pelo que representou e já fez possa ainda dar alguma contribuição, mas desde que seja nova, ao que se tem visto por aí desde primavera na Arábia até um Brasil onde uma esquerda a cada dia é mais acusada de direita. E o que diremos a respeito? Repetiremos Maquiavel ou elaboraremos discursos que sejam sem pretensão de entender a realidade toda, mas os contextos múltiplos que a cercam? Agora é só questão de escolha e eu torço muito para que filosofia não vire um fóssil estranho esquecido como elo perdido de alguma era humana... Torço muito mesmo!

Eustáquio José


Autor: Eustáquio José


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