Com a morte do filósofo não se mata o seu pensamento: sobre Walter Benjamin



Li recentemente um belo artigo do professor Paulo Ghiraldelli Jr sobre a morte de dois ícones da filosofia, a saber; Walter Benjamin e Richard Rorty, e de como um filósofo passa por este delicado momento que é o da morte. O que eu gostaria de destacar seria a saída da linha da morte para a linha de dois montantes que penso serem importantes na história de Walter Benjamin, justamente um judeu nascido na Alemanha em plena guerra e refugiado num de seus epicentros que era França muito próxima da Alemanha e muito próxima de fazer calar a sua voz diante do horror que era, um ano antes, ter que assistir, depois de suas inclinações marxistas se solidificarem, o líder soviético Stalin unir-se por um acordo a Adolf Hitler (isso se deu em 1939 e provocou o louvado e execrado livro “Teses sobre o Conceito de História” terminado em 1940 – historiadores dizem, e ainda relatos de amigos pessoais, que este livro teria sido escrito sob o calor, ou melhor, sob o horror desta notícia).

Um judeu germânico que precisava salvar a sua vida e, a contrapeso, também seus pensamentos em fase produtiva fugindo de cidade em cidade à procura de primeiro: não se render ao medo de um fim e não se render ao fim de um caminho precocemente. As duas coisas podem parecer a mesma, mas não são: uma coisa é você temer pela sua vida e por tudo que cerca (parentes, amigos, amores) e outra coisa é você enxergar dolorosamente a possibilidade daquilo que você lega como escritor correr o risco de jamais ser concretizado ou jamais vir a ser lido e este caminho jamais ser seguido por ninguém.

Em 1940 não se tinha muito como se esconder de guerras, ainda mais se estando dentro delas e se sendo alvo nelas. Uma hora ou outra Benjamin deixaria a vida. Uns dizem que este antecipou a sua captura matando-se antes que soldados stalinistas ou nazistas o encontrassem, mas muitos dizem que este foi vítima de um desses grupos e a acusação de suicídio seria uma maneira a mais numa guerra de transfigurar ou mesmo transgredir, como é de costume, a moral (que é suspensa e deixada de lado para que tudo lá feito não seja condenável como deve ser em condições normais sem guerra). Assim a dúvida permanece e ninguém se Benjamin morreu só ou foi morto, mas será que é isso que importa mesmo? Para nossos propósitos não.

Voltando ao capítulo antecedente a este último o que importa é o segundo ponto exposto: o caminho, o legado, e o que ficou se é que se pode chamar assim algo de alguém de acabara de falecer. A melhor, como diz o professor Ghiraldelli, de preservar a memória e o trabalho de um pensador é não antecipando os fatos e sim deixando que os textos mesmo sejam e se façam presentes. E aí a incrível importância de um texto como “Teses sobre o conceito de História” em tempos como os nossos onde as guerras continuam ocorrendo, mas com uma ressalva: estas agora ganham vida e capítulos, pois são novelas cotidianas que nós, brasileiros, aprendemos a existir de vez em quando em reportagens “exclusivas”. A informação e seus meios de distribuição continuam relatando um único meio de história: o daqueles que vencem ou são mais cultuados. Onde países são mocinhos e outros vilões desalmados e desumanos. A ONU tornou-se meramente uma organização padrão, isto é, não tem ação firme e nem consegue evitar a sede de ganância e quem queira passar por cima de suas previsões. A catástrofe entre Israel e Irã, por exemplo, parece ser iminente e disto ninguém dá uma palavra que não seja a de dosar a culpa de Israel e jogá-la toda ao Irã, pois os lados já foram escolhidos e o show está prestes a começar. O show de horrores quero dizer!

Então por mais que tenhamos vários anos da morte de Benjamin ele conseguiu a beira da morte nos deixar um sinal e um texto seminal. O mundo acabaria por ali de querer lutar pelo poder e não se preocupar se estamos lidando com pessoas ou com fardas diferentes e mesmo assim vimos que guerras como a do Golfo provaram apenas que câmeras com visão noturna conseguem tirar do escuro o som e a visão obscura e turva da guerra. Os vencedores continuam avançando e depois relatando suas façanhas já não mais com bloco de anotações ou historiadores de rememoração, mas com a informação; com a mídia da era do padrão e codificação de notícias e com a situação caótica que temos de muitos de nós distraídos com problemas menores e com entretenimento de graça em casa entre seriados, telenovelas e filmes com a mensagem já concentrada e bem difundida: - Nós temos razão e eles não!

Enfim do texto que li sobre Benjamin (do Professor Paulo Ghiraldelli Jr) fiquei refletindo não só o que um pensador pode ver ou deveria ver diante da morte eminente, mas aquilo que permanece dele para que em tempos em que outras guerras se anunciam nos ventos e outros movimentos, como os do Norte da África e Oriente Médio, nos dizem sub-repticiamente. Não temos que ser mais mal informados; o problema agora é a forma como a história passou a ser contada em retrospectivas e boletins de jornais e revistas (este fato não é o problema, mas o como estes órgãos o fazem; e não são todos, apenas alguns que se comprometem com um lado em questão e desdizem os outros de forma coercitiva ao leitor e enganosa). Há muitos fatos e o mundo de 1940 para cá cresceu enormemente. Existem muitos países e agora existem muito mais interesses em jogo. Existem muito mais pessoas e muitas destas querendo ansiosamente saber notícias e conter emoções devido ao grande pavor que é estar num lugar como esteve Benjamin e lidar com o medo de acabar e com o medo de acabar com o que mantém no pensamento.

O Brasil ainda não me parece e nem é geograficamente desfavorecido para adentrar de cabeça num problema destes, mas deve prestar muita atenção em como as coisas se dão e em como os respingos podem bater longe demais sem se notar. A porta do lugar onde se está pode bater e este ser o momento final de alguém e o que se pode fazer neste infortúnio é pensar: o que quero deixar para depois? Tenho que deixar algo para depois? Não se fala mais em valises cheias de papéis manuscritos, mas em arquivos, CDs, DVDs, entre outras tecnologias; em grupos como o Wikileaks, entre outros e em uma grande indefinição sobre tudo. Nosso mundo virou uma interrogação, mas aquilo que Walter Benjamim legou para nós foi que mesmo que não se salve o autor e a possibilidade de falar muito mais e de contar muito mais coisas deve-se salvar com grande e potente voz aquilo que este deixou entre aqueles papéis avulsos (numa expressão machadiana) de quem tinha só um objetivo: fugir do horror e da morte, que pena que não conseguiu, mas este texto, que ainda farei um estudo aprofundado e intenso fica como prova de que ainda temos muito o que aprender para hoje em nossas guerras transmitidas ao vivo intencionando uma guerra no IBOPE como pano de fundo.

Quem viu Osama Bin Laden morrer deve ter pensado ser uma cena de júbilo maior do que estava vivo e alerta em 11 de setembro de 2001 quando os prédios caíram bem diante de nossos olhos assustados e atentos. Quem viu o ditador líbio ser pisoteado, estuprado e morto por rebeldes cansados de serem vítimas dele pode muito bem dizer que estas imagens somam-se ao jovem pondo fogo em seu próprio corpo e dando início ao que se chamou de “Primavera Árabe” e ainda a um jovem diante de uma fileira de tanques chineses na praça viu que a História tem histórias e que este livro de Benjamim serve justamente para demonstrar que continuará tendo e continuará sendo plural e não pelo lado dos vencedores que longas vezes contam com a “edição” que desde tempos remotos existe, mas que produzem um caminho que é marca de Walter Benjamin para que nós reflitamos e saibamos sem interferência externo de que lado nos posicionar.

Eustáquio José

Mestrando em filosofia UFPE e Bacharel em Filosofia UFPE


Autor: Eustáquio José


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