Chico timóteo



 

Começo

 

Bem das bandas do mundo

Sem despeito, nem toca nem prumo

Nasceu um caboclo no negrume

De uma noite sem incandescência

Nada alumiava, nada tinha clemência

Era mais um pobre pra fome do mundo

Não carecia ser vidente

 nem profeta pra prever o rumo

Que este infeliz um dia ia tomar

Era de se ver o coração cortar

A goela num engasgo da moléstia

Por que era pra vim viver na miséria

Que as pessoas um dia eram paridas

E de carinho e alegria na chegada

Era dor e agonia na saída?

Meu sinhô dor é pouco pra pessoas

Que sem nada a valer-se um dia da vida saltava

Como calango pulando solo quente sem água

E assim acortinava uns olhos marejado

Até quem sofria ficava acostumado

A penosa ladainha da fome

Mas quem liga pra seca, pra abandono

Quando tem um rebento saído do bucho

A Firmina sorrindo abraçava aquele menino

Como um prato cheio de comida

Ia assim mimando pra lida

Era o que de seu ventre tinha luz

Mesmo que pra escuridão fosse servido

Não ia de modo algum deixar ele sozinho

Nem um instante, nem com o dia sem caminho

Daria amor, coisa que no valente sertanejo sobra

Que poeta nem repente nenhum sabe nem prova

Uma pitada de sal no amargo do dia

Era sim que Firmina sentia

Que o Chiquinho dela crescia

Como o mais formoso afeto

Que pela vista recebera

 

 

Nasceu assim nosso herói  sertanejo

Comendo o pão dividido ao meio

Com mais quatro irmão esfomeados

Numa mesa de tábua maciça

Com um banco embaixo atolado

Num candeeiro onde todos rezavam

Olhando o céu sonhando com a chuva

Pro modo de um dia cair sem penúria

E arar a comida e a vida toda

Nada fazia mais sentido nem tinha ser sem a boca

Tá cheia de comida sem ser palma

Pro gado e pra gente miserável

Dividir como se fosse rico banquete

Todo pobre, é pobre por desinteresse

De alguns em uma humana natureza

Esqueceram num pedaço de caatinga

Um bando de indigente que só tem o nome

Que come vergonha atolada com farinha

Até encher a boca rachada

Morrendo com o bucho cheio de brisa

Arrastando um mundo cheio de retalho

Como a mais ditosa alegria

Era tudo que já possuía

Severinos como dizia o poeta

Pra lá e pra cá, como ave de rapina

Que quer dá o bote num pouco de vida

Como os ricaço que dorme sem medo

Que de noite o pesadelo da seca

Venha buscar a criança franzina

A mãe Firmina queria perder tudo, menos a criança

Que com tanto afeto tinha parido

Podia até o sol levar sumiço

Mas não aquele rosto pequenino

Que sorria sem dente, pra essa sem dente mãe envelhecida

Pela vida tão maltratada

Com uma chita na cabeça amarrada

Cantando como as lavadeira que ouvia

Desde pequena na beira do rio de água limpa

De onde fugiu com um homem que amava

Que morreu dois meses antes de tocaia

Porque ia com um tantinho de dinheiro e água numa botija

 

Não queria perder a Chiquinho sua cria

Mesmo com tudo que assombrava

Como uma santa se sustentava

Pra dar do peito murchando o leite ralo

Que Chico tomava sem parar até o talo

E a doída mulher continuava

A viver procurando com calma

Um pedaço de chão pra arar

Um pedaço de chão que vivesse

Que da chuva chupasse e retivesse

Por um tempo semente que nasce

Que com o tempo desse fruto, desse colorido

Ao sertão que via amarrado

Como num tronco de pau-arara que saía

Madrugada adentro sem descanso

Cheio de gente pobre como ela era

Com a barriga na fome de tudo

Com o choro aperreado arreliando

O juízo das mãe aflitas

Queria Firmina achar pra sua vida

Destino desse diferente

Queria ficar no presente

E viver até a rachadura encher de água

E dá aos filho a certeza das letras

Que nunca viu nem branca nem preta

Não assinava nem o nome direito

Tinha só a esperança no peito

De ver os “fio” criado, médico engenheiro

Importante e com luxo na vida

Pra dizer que viveu pelas cria

E ao menos morria satisfeita

Por saber de continuação direita

Cada um teve sem ter que fazer coisa errada

A Firmina era a mãe que amava

Sem querer nada pra ela

Só queria ver além de comida na panela

Prazer na cara maltratada dos filhos

Com saúde que o resto vem com o trilho

Da modernidade

Que dela até vida faltasse

Mas que eles crescessem com  saúde

Não tivesse a doença da pobreza

Sentasse numa verdadeira mesa

Com comida, com sustento com direiteza

E a mãe com o tempo ia entristecendo

Só sofrimento nos menino e nela crescia

Não sabia mais o que fizesse

Pois não nasce do chão o que se queira

Não nasce cria, nem felicidade

Aprendeu a não sonhar, que a realidade

Machuca como o espinho do mandacaru

Que espeta e vai até sangrar

Rasgando a pele indefesa

E o que fazer  a mãe zelosa

No caixão da filha mais nova

Desnutrida de noite morrera?

Não tinha lágrima, só a tristeza

Não tinha força pra trazer o anjo  na rede

Como uma sertaneja olhou a parede

Era descascada de barro repisado

Era uma oca sem luz, água, e agora sem a vida

De um choro fraquinho toda noite

Por que tinha que ter mais esse açoite

Agora com um bebê no colo

Morrendo a míngua esquecida

Queria dar a prole recém nascida

O direito de ter alma crescida

Mas o que fazer se a tudo escapa

A vontade e só sobra o desespero?

 

 

 

A selva de Timóteo

 

Era tão triste a cena, de morta gente enterrada

Dum lado a outro da porta de madeira podre encardida

Tinha uma muda ladainha entoada

Como se aquela sofrida gente ainda

Depois da pele pelo sol tão marcada

Saísse da vala ressequida

Para um dia entoar na madrugada

A descida de um sinhô, e amolecida

A algema não doesse mais a alma

Fizesse verde a planta intumescida

Fizesse nascer alguma água

Não é a fé que fronteira eriça

Que a mesma derruba de uma só hora

 

No canto a sinhorinha desfalecida

A dor de parir sentia

Suava como um sol de tempesta

Mas não tinha nada meu sinhô

De lando nenhuma daquela sala seca

De barro o chão cheio

Uma parteira gorda sem dente

Pregada nas perna da muié sofrendo

Penando pra tirar pra fora um menino

Que aos pouco com sangue ralo empoçado

Saía troçando da escura vala que estava

E nascia, nascia o Timóteo já na dor instalado

Com um olho novinho encheu de lágrima

Um choro que era alegria e tristeza de dá dó

Era o primeiro altivo e dengoso

De muitos mais fracos e famintos

De um farelo de pão e de água

De vida Severina como diz o poeta

De vida angustiada de pó na cabeça e no pé

Numa agonia sem ver alma viva nem mirage

Queria só ter a coraje

De não morrer em cada olhar que dou nesse povo sofrido

Maltratado, morto esquecido

Como gado num pasto sem palma

Que de magro morre aos poucos sem nada

Numa música de tão agonizante marcha

Ainda ontem era uma família grande

De madrugada dois entregaram as alma

Da lágrima fina da mãe fatigada

Que chora e desmaia de fraqueza

De um pai encharcado pela impotência

Que resolve dá o descanso na terra morta

Aos corpos desfigurados

Como esqueletos vivos com pele

Óia só que penúria nesse lar!

Que acabou de parir um menino

Enterra um e põe outro no mundo

Ave dia que de noite se empesta

Que dor, que dor da moléstia

Que não cabe mais em peito sozinha

E assim nasce o cabra Chico Timóteo

Bem pras banda de um sertão estalado de seco

Não tem cor, é tudo marrom cor de barro

Sem alma, desembesta a ter só a réstea

De uma coisa que antes vivia

Diz-se que há muito perto um ribeirão corria

Onde peixe era farto e rico

Passarinho tudo assoviando a vida

Agora nada além de uns três urubus raquítico

Assolando e assustando o povo que restava

Era uma terra pior que inferno, que Geena

Nenhuma alma, uma devastidão incontida

Um mar de dor, sem for nem pra gemido

Um cadinho de pão ninguém possuía

Os amém era tudo que se tinha

De povo resignado e infeliz

Que mesmo sofrendo se diz

Merecer castigo de um divino

Sofre porque não sabe fazer outra coisa

Morre porque pra isso não precisa ser rico

Ser forte, ser santo, pecador ou puro

Bem que a noite poderia ser só durmida

Se o dia acordasse com mel de urucu na mesa

Bem com fiapo de carne nos dente

Com sorriso e brincadeira de criança

Mas as crianças dali eram adulta

Morta e matando tudo de desgosto

Como numa guerra os corpo amontoado

Meu sinhô a guerra ali era com o traiçoeiro

A boca grande da fome

Que assustava e matava com tanta força

Que ninguém se sentia com força de questionar

Os cachorro uivando de desespero

Antes de morrer enrolado nos pés do dono

Com a barriga relada na poeira do chão sem brecha

Onde daí um pouco os urubu vinha roer os ossos

Do que trazia vida no latido

Era morte, tudo morte, tudo morte, e morte sem compasso

Morte e morte que se via

E ali Chico Timóteo nascia

Bem pior que um nazareno

Bem pior que um rebento na vala no sereno

Sofria por nascer desde pequeno

Era assim que o valente Chico surgia

E descia pela vida com galhardia

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Autor: Eustáquio José


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