Interdição e silenciamento na pedofilia



Interdição e silenciamento na pedofilia

                Há algum tempo foram intensificadas as divulgações sobre os casos de pedofilia especialmente no Brasil. Casos envolvendo alguns líderes da Igreja Católica Apostólica Romana em todo o mundo desencadearam uma onda de incentivo à denúncia dessa ocorrência nefasta na sociedade. Trata-se de agressão ao futuro não somente de uma criança, mas de toda a humanidade, visto que, comprovadamente, por estudos psicológicos e psiquiátricos, deixa marca indelével no indivíduo abusado e também em sua família, acarretando prejuízos a toda a sociedade.

                Diante do interesse de que os casos sejam denunciados, punidos e tratados, várias áreas de estudo resolveram investigar o tema. Nesse sentido, uma das pesquisas realizadas, e divulgada pelo Correio em reportagem há cerca de dois anos, mostrou que muitos casos, 50%, aconteciam no ambiente familiar. Se fossem incluídos aí parentes que não moram na mesma  casa – pode o tio, o avô, o primo – a taxa passaria de 70%. Na mesma pesquisa, constatou-se que, em ambiente religioso, a porcentagem se situ abaixo de 2%.

                Os estudos da linguagem têm buscado contribuir para a sociedade de várias formas. A sociolinguística, a psicolinguística e a análise de discurso crítica (ADC), entre outras vertentes, têm acrescentado conhecimento sobre o assunto. Tenho trabalhado na pesquisa com a pedofilia interessado em compreender a influência do discurso e também a sua representação na sociedade a respeito dessa violência absurda. Esse crime conta com algumas particularidades, uma delas a incapacidade de a criança se comunicar efetivamente sobre sentimentos, percepções e ameaças que sofre, logicamente, por ainda não ter a clareza do que isso realmente representa. A outra, a aversão da sociedade de falar sobre dois temas no mínimo constrangedores: sexo e violência.

A ADC tem entre suas propostas trabalhar de forma multidisciplinar, recorrendo a outras áreas de estudo para compreender e explicar os fenômenos discursivos. Com esse apoio, chegamos à compreensão de que esses fenômenos que contribuem para a perpetuação da violência sexual contra crianças envolvem silenciamento e interdição. O primeiro vem da contribuição de estudos sobre gênero social e trata de uma marca da identidade que tem sua voz silenciada. A criança muitas vezes não é acreditada e recorre ao silêncio para que não passe por desconfiança ou para não atacar alguém evidentemente respeitado e admirado – paradoxalmente, o abusador. Já a interdição trata de assuntos que causam constrangimento e não podem ser discutidos em público ou em qualquer ambiente. Esses são o sexo e a violência. Pior, quando o fato envolve os dois ao mesmo tempo.

                Superar o silêncio imposto e abrir a discussão sobre o assunto é uma maneira de não perpetuar a agressão. Isso porque o abusador conta, sim, com essa condição da criança, um indivíduo silenciado e desacreditado. Além disso, falar sobre o crime é constrangedor, até mesmo para os menores. Devemos ter o cuidado de não vulgarizar o tema pela exposição permanente e desnecessária, a ponto de nos deixar insensíveis. É necessário recorrer a apoio psicológico para saber lidar com o discurso sobre o assunto com as crianças. Elas devem ser preparadas para conseguir fazer o que é possível no tocante a essa violência. E na dificuldade e imaturidade, o menor conta com quem? Os pais ou responsáveis. É importante tenha abertura suficiente e conte com a confiança de seus cuidadores.

                Em entrevista à revista Quem em 2010, a atriz Claudia Jimenez considerou importante mostrar que já passara por tal problema e que na época não conversou com a família por medo do pai, pela visível amizade que ele tinha pelo senhor que abusava dela. No mesmo depoimento, apelou para que a família cuide das crianças e as defenda com as seguintes palavras: “Os pais precisam tomar muito cuidado. Nunca devem deixar os filhos frequentar sozinhos a casa de outras pessoas, por mais respeitáveis que pareçam. É tudo muito perigoso e doloroso. A pedofilia é grave, é preciso que se fale dela e que ela passe a ser considerada crime hediondo, para que a punição aos pedófilos seja mais severa”.

                Note nas palavras de Claudia a importância de se falar do assunto, por mais doloroso que seja, e dar espaço para que as crianças sintam confiança para falar com os pais ou responsáveis sobre qualquer situação que lhes pareça estranha.

 

Sandro Xavier

Doutorando em linguística, UnB

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Publicado no Correio Braziliense, em 24 de dezembro de 2011, sábado.


Autor: Sandro Xavier


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