A validade das cláusulas de renúncia à indenização das benfeitorias e ao direito de retenção, presentes em um contrato de locação



A VALIDADE DAS CLÁUSULAS DE RENÚNCIA À INDENIZAÇÃO DAS BENFEITORIAS E AO DIREITO DE RETENÇÃO, PRESENTES EM UM CONTRATO DE LOCAÇÃO.[1] 

André Romero Calvet Pinto Ferreira[2]

 

Sumário: Introdução; 1. O Contrato de Locação como uma Espécie de Contrato de Adesão; 2. Uma Relação Jurídica de Consumo; 3. O Conflito entre o CDC e a Lei do Inquilinato; Conclusão; Referências Bibliográficas.  

 

RESUMO

O presente artigo científico discute a possibilidade legal da existência de cláusulas em um contrato de locação de imóveis que prevêem a renúncia ao direito de indenização pelas benfeitorias introduzidas pelo locatário, assim como a renúncia ao direito de retenção. No seio deste impasse doutrinário está a discussão hermenêutica acerca da natureza jurídica dos contratos de locação, e por conseqüência, se estes poderiam ser regidos pelo Código de Defesa do Consumidor – CDC. A abordagem do tema se revela de grande importância principalmente pelo fato de a doutrina brasileira ainda não consentir em uma “solução correta” para esta questão, embora o Superior Tribunal de Justiça – STJ – já entenda ser inaplicável o CDC aos contratos de locação, em detrimento da aplicação da lei especial de locações – Lei 8.245/91. Neste paper é defendida a tese da aplicabilidade do CDC aos contratos locatícios que representem uma relação de consumo (quase sempre são também contratos de adesão).                   

 

PALAVRAS-CHAVE

Contrato de Locação; Direitos do Consumidor; Lei do Inquilinato.

 

INTRODUÇÃO

Lembrando por um momento a história da humanidade contemporânea, observa-se que ao passar dos tempos as sociedades sempre estiveram em busca dos ideais de igualdade e liberdade que dariam forma a um “Estado Democrático de Direito”. Pelo ao menos na teoria, esse Estado Democrático foi atingido aqui no Brasil.

E neste prisma, o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) se configura como uma ferramenta de fundamental importância para garantir a igualdade material, ao invés da igualdade formal. Ou seja, tratar os desiguais de maneira desigual na medida de sua desigualdade e não, tratar todos da mesma maneira, haja vista sermos diferentes. Somente tendo em mente este raciocínio é que se pode almejar um estado realmente igualitário e livre.    

Neste contexto, o ensaio científico aqui proposto visa discutir se a relação jurídica locatícia de imóveis pode ser interpretada como uma relação de consumo, tendo em vista que ela é tradicionalmente interpretada como “matéria” do direito privado, e mais recentemente por lei específica (Lei 8.245/91).

Vale ressaltar ainda, que a população urbana mundial era de 2,4 bilhões de pessoas em 1990, e nos dias atuais chega aos 6 bilhões. Se analisarmos estes números relacionando-os com a realidade brasileira, observar-se-á que, à medida que a população cresce, cresce também o déficit habitacional, por conta, principalmente, da pequena oferta e grande procura de imóveis, ocasionada pela desigual distribuição de renda no país. O Movimento dos Sem Terra é um exemplo desta situação.           

 

1. O Contrato de Locação como uma Espécie de Contrato de Adesão.  

Para Sílvio de Salvo Venosa, contrato de adesão “é o típico contrato que se apresenta com todas as cláusulas predispostas por uma das partes. A outra parte, o aderente, somente tem a alternativa de aceitar ou repelir o contrato. O consentimento manifesta-se, então, por simples adesão às clausulas que foram apresentadas pelo outro contrastante”. [3] Esta espécie de contrato é fruto do exacerbado consumismo das sociedades modernas, e surge com o intuito de economizar tempo e uniformizar as relações.      

Em outras palavras, contrato de adesão é o oposto do contrato paritário, ou seja, aquele que tem suas cláusulas redigidas e discutidas por ambas as partes contratuais. Nota-se aqui, que por ser redigido por apenas uma das partes, o contrato de adesão já nasce desequilibrando a relação jurídica contratual, já que aquele que cria o contrato, o faz, em regra, a fim de alcançar apenas seus anseios.

 

Nesse sentido, quando tomamos por objeto os contratos de locação de imóveis realizados entre cidadão e imobiliária, atentando ao fato de existirem muitas pessoas interessadas na locação e poucas administradoras de imóveis, podemos concluir que estes representam uma espécie de contrato de adesão.

Destarte, pode-se dizer que aos contratos de locação de imóveis aplicam-se os dispositivos legais pertinentes aos contratos de adesão, entre eles o art. 424 do Código Civil, que reza o seguinte: “nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio”. Entende-se por “direito resultante da natureza do negócio”, aqueles direitos que compõe o contrato independentemente da vontade das partes. Em nosso sentir, o direito à indenização pelas benfeitorias introduzidas pelo locatário, assim como o direito de retenção, são elementos naturais do contrato de locação de imóveis.     

 

2. Uma Relação Jurídica de Consumo.

A relação de consumo não é definida em lei, fazendo-se necessário trazer do Direito do Consumidor os conceitos de “consumidor” e “fornecedor”, para que se caracterize uma relação consumeirista. Deste modo, somente a partir da análise das perspectivas das partes contratuais, é que se pode dizer ser esta uma relação de consumo ou não. Os artigos 2º e 3º do CDC versam a respeito dos conceitos de consumidor e fornecedor:

“Art. 2º. Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

 

Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.

 

Art. 3º. Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. (...). ”

 

Pode-se depreender a partir da leitura dos dispositivos legais, que os conceitos de consumidor e fornecedor são extremamente abertos, possibilitando facilmente que qualquer contrato possa ser caracterizado como uma relação de consumo, desde que obedecidas as características presentes no código. A esse tema, as considerações de Bruno Camilloto Arantes e Ludmilla Santos de Barros Camilloto nos são pertinentes:

“Não importa, portanto, o tipo de contrato celebrado, mas sim se o mesmo se amolda às exigências legais para configuração de um consumidor e de um fornecedor ao mesmo tempo. Logo, temos que contratos de compra e venda, mútuo, depósito, prestação de serviços, etc, poderão ser contratos regidos pelo Código de Defesa do Consumidor, ou seja, tais relações contratuais merecerão a proteção normativa da lei 8078/90. Podemos dizer, então, que o Código de Defesa do Consumidor se sobrepõe13 a outros ordenamentos jurídicos (como por exemplo, o direito civil) lançando sua proteção à relação jurídica caso a mesma se apresente como uma relação consumeirista”. [4]

 

Assim sendo, se levarmos em consideração um contrato de locação de imóveis celebrado entre uma empresa administradora de imóveis (que tem a locação como um negócio empresarial) e um consumidor final (aquele que visa morar no imóvel e não se utilizar dele para fins comerciais), podemos facilmente enxergar de um lado o fornecedor e do outro o consumidor. Caracterizando, portanto, uma relação de consumo nestes tipos de contrato. 

 

3. O Conflito entre o CDC e a Lei do Inquilinato.

Como já foi dito no início deste artigo, há um conflito normativo a respeito de qual ordenamento seria aplicável aos contratos de locação de imóveis, que fossem ao mesmo tempo espécies de contratos de adesão e, caracterizassem-se como uma relação de consumo. Seria aplicada nestes casos, então, a Lei do consumidor (lei 8078/90) ou a Lei de Locações (lei 8245/91)?

Vejamos antes, os textos normativos dos dois diplomas legais que versam sobre o assunto:

Lei 8245/91 (Lei do Inquilinato)

SEÇÃO VI    

Das benfeitorias

Art. 35. Salvo expressa disposição contratual em contrário, as benfeitorias necessárias introduzidas pelo locatário, ainda que não autorizadas pelo locador, bem como as úteis, desde que autorizadas, serão indenizáveis e permitem o exercício do direito de retenção.

Lei 8078/90 (CDC)     

SEÇÃO II

Das Cláusulas Abusivas

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

XVI - possibilitem a renúncia do direito de indenização por benfeitorias necessárias.

 

O Superior Tribunal de Justiça, através da súmula 335, publicada em 07 de maio de 2007, entende ser inaplicável o CDC aos contratos de locação, em face da aplicabilidade da lei do inquilinato “Nos contratos de locação, é válida a cláusula de renúncia à indenização das benfeitorias e ao direito de retenção”. Para o STJ, o Código de Defesa do Consumidor é lei geral, enquanto que existe lei específica para tratar exclusivamente dos contratos de locações (lei do inquilinato).

Entretanto, entendemos que nos casos específicos de contratos de locação de imóveis celebrados pelo consumidor final diretamente com a empresa imobiliária, configurar-se-ia uma típica relação de consumo, devendo este, portanto, ser tratado de maneira distinta dos outros contratos locatícios. Em sentido contrario, alguns doutrinadores que compartilham do entendimento do STJ também se valem do argumento de que a lei do inquilinato, por ser posterior ao CDC, prevalecerá sobre ele. Este argumento não é valido, uma vez que o Código do Consumidor é lei geral de caráter público e não é revogada pela lei especial posterior a ele.

 

CONCLUSÃO.   

Por fim, pelo todo exposto no decorrer do artigo, pode concluir que nos contratos de locação de imóveis, que sejam, ao mesmo tempo, contratos de adesão, celebrados entre “administradora de imóveis” e “consumidor final”, teríamos caracterizado uma típica relação de consumo. Por conseguinte, estes contratos devem ser tratados pela lei pública geral, a saber, o Código de Defesa do Consumidor. Ou seja, o diploma da defesa ao consumidor é mais importante sócio, política e juridicamente do que a lei especifica do inquilinato.               

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

 

MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das relações contratuais. 4. ed. rev., atual., e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

 

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. v.2. São Paulo: Atlas, 2003.

 

__________. Direito civil. v.3. São Paulo: Atlas, 2003.

 

ARANTES, Bruno Camilloto; CAMILLOTO, Ludimilla Santos de Barros. A aplicação do código defesa do consumidor aos contratos de locação: uma análise hermenêutica frente à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Belo Horizonte.


[1] Artigo Científico elaborado para obtenção da segunda nota da disciplina de Contratos Cíveis, ministrada pelo professor Frederico Oliveira.

[2] Aluno a cursar o 4º período de Direito Noturno da UNDB. 2009.

[3] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. v.2. São Paulo: Atlas, 2003, p. 382.

[4] ARANTES, Bruno Camilloto; CAMILLOTO, Ludimilla Santos de Barros. A aplicação do código defesa do consumidor aos contratos de locação: uma análise hermenêutica frente à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Belo Horizonte, p. 4732.


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