Federalismo e cidadania: as peculiaridades no reconhecimento do município como ente federativo



 

FEDERALISMO E CIDADANIA:

 

As peculiaridades no reconhecimento do município como ente federativo [1] 

 

Keila da Silva Ferreira Castro²

 

Liliane Rubim Aguiar Coqueiro

 

Stephanie Correa Serejo Sousa 

 

Sumário: Introdução; 2 Perfil histórico do Federalismo no Brasil; 3 As peculiaridades no reconhecimento do município como um ente federativo; 4 O município e a democratização do direito; Considerações finais; Referências.

 

RESUMO

 

O presente trabalho é oriundo de pesquisa histórica e conceitual, no qual discutirá um tema de suma relevância no que tange a forma de organização territorial do Brasil. Procurando, a partir disso, abordar o Federalismo numa perspectiva política e social. Buscando compreender a especificidade e o processo de reconhecimento do município como ente federativo. Trazendo uma visão crítica deste suposto “progresso”, detalhando todos os benefícios e malefícios expostos pela carta magna de 1988. Com ênfase nos resultados, edificar-se-á uma compreensão sobre o cidadão no âmbito municipal, explanando as formas de acesso as instituições públicas e sociais nesse contexto democrático de direito. 

 

PALAVRAS-CHAVE

 

Federalismo. Município. Cidadão. Direito 

 

“Os cidadãos moram nos Municípios e não na União” ³

 

Celso Ribeiro Bastos 

 

INTRODUÇÃO

 

A Federação é uma forma de organização de Estado que ao longo do tempo ganhou um espaço mais significativo em nossa sociedade, esta, por sua vez, marcada pelas heterogeneidades territoriais conflitivas (SOARES, 1998). Válido resgatar um pouco sobre a origem do Federalismo, procurando compreender como se deu a sua adoção no Brasil. Portanto, o presente trabalho ao traçar um recorte teórico e histórico abordará desde as raízes do Federalismo. A forma federativa de um lado é apresentada como uma solução para estados que dificilmente se sustentariam sozinhos, possibilitando a eles uma unidade potencialmente mais forte, por outro lado, é também uma ferramenta disfarçada no intuito de facilitar ao governo detentor de um território continental a satisfação de aspirações locais, tendo em vista a sua marca principal de heterogeneidade (CHAGAS, 2006). Ao discorrer acerca das características demonstrar-se-á, com ênfase, a inovação que a Constituição de 1988 traz, quando conferiu ao município a característica de ente federado. Assim, estudando o Município como um ente peculiar dentro da federação, considerou-se nesse trabalho as doutrinas de Direito Constitucional, utilizando-se dos pensamentos dos Professores José Afonso da Silva, Paulo Bonavides, Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino como norte para a construção crítica acerca dessa característica peculiar do município. Para um enfoque mais sociológico, destinou-se como fonte de estudos a análise de artigos críticos versando acerca do acesso as instituições públicas nos municípios, após o seu reconhecimento como ente federativo, pois como afirmaria o entendimento de Hely Lopes Meireles (1998, p.42) “o município seria uma entidade político-administrativa de terceiro grau”. A fim de edificar um posicionamento acerca dos desafios da autonomia dos municípios no Estado Brasileiro, relata-se sobre as instituições públicas presentes nesse ente federativo, almejando entender como se dá esse processo de democratização no direito do cidadão, abrangendo a forma como este ente é visto frente a organização desse Estado. Ademais, é imprescindível compreender a distribuição de competências, mostrando a possível vinculação do município à esfera estadual e federal, resgatando o papel desempenhado por suas instituições que devem garantir o acesso e o respeito aos direitos dos cidadãos.

 

 

 

2 PERFIL HISTÓRICO DO FEDERALISMO NO BRASIL

 

Sabe-se que a organização de estados independentes, autônomos, ligados por um governo central configura o Federalismo. Historicamente, essa forma de organização tem suas raízes arraigadas no território Norte-Americano, isto é, no contexto em que as treze colônias inglesas se tornaram independentes e precisavam lutar para se protegerem das invasões de sua antiga metrópole. A priori formaram uma confederação que não resultou positivamente, posto que houvesse o direito de secessão e, este contribuiu para a ausência de um poder central forte, levando-os a adotarem mais tarde a forma federativa de organização, ou seja, um conjunto de preceitos constitucionais acordados entre forças divergentes (centrípetas e centrífugas). Assim este surgiu, ao passo que, as colônias deixaram de lado alguns aspectos próprios em prol da construção de uma identidade única e nacional para assegurarem principalmente a sua autonomia política (SOARES, 1998).

 

Na história, o federalismo brasileiro foi “introduzido juntamente com a República por meio do decreto nº 01, de 15 de novembro de 1889, em substituição ao Estado unitário descentralizado existente à época Império” (CHAGAS, 2006). Sendo que, somente com a promulgação da Carta magna do ano de 1891, que o Brasil assumiu essa forma federalista.

 

Ratifica-se então José Afonso da Silva (2007):

 

Tomba o império sob o impacto das novas condições materiais, que possibilitaram o domínio dessas velhas ideias com roupagens novas, e “um dia, por uma bela manhã, uma simples passeata militar” proclama a República Federativa por um decreto (o de nº 1, de 15.11.1889, art.1º).

 

 

 

Com o passar do tempo, constatou-se uma oscilação de acordo com os regimes políticos. Durante os regimes ditatoriais no que diz respeito às suas constituições o princípio federativo constava apenas no papel. Na prática, os Estados federados não possuíam nenhuma autonomia. Nos períodos em que foi respeitada a Ordem democrática, os estados federados puderam exercer as competências asseguradas pelo Poder Constitucional. Conforme as mudanças ocorridas na sociedade, o Brasil adotou oito constituições no decorrer do tempo com as transições sociais, todavia foi somente com a Carta Constitucional Vigente (CF/88) que se instaurou formal e constitucionalmente a forma federativa para organizar o Estado Brasileiro (id, ibid).

 

Contextualizando as constituições é valido afirmar que:

 

A Constituição de 1934, se por um lado marcou a entrada do Brasil no Constitucionalismo Social, por outro acentuou as características centralizadoras presentes na constituição de 1891, o que fica patente em se observando a ampliação dos instrumentos intervencionistas da União em face dos Estados-membros e o crescimento das competências federais trazidas por aquela Carta. Essas características centralizadoras foram retomadas nas Constituições autoritárias de 1937, 1967 e 1969. A tentativa de restaurar a Federação por parte das constituições democráticas de 1946 e 1988 não romperam por completo essas características (CHAGAS, 2006).

 

 

 

É imprescindível destacar que a Constituição Federal de 1988 somente gravou como cláusula pétrea a forma federativa de Estado (CF, art.60, § 4º, I), não fazendo o mesmo em relação à forma de governo (república) e ao sistema de governo, o presidencialismo (PAULO; ALEXANDRINO, 2010). É sabido que o Federalismo brasileiro possui peculiaridades, divergindo de outros países onde a adoção não trouxe tantas modificações sendo uma delas trazida como fato inovador na Carta Constitucional vigente (CF/88), “o município como ente federativo”. Destarte como está previsto no caput de seus art.1º: “a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito...”, é ratificado na redação do art.18º quando esta traz: “a organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição”.

 

Estes dispositivos, segundo Meirelles (1998), atribuíram ao município suas competências, colocando-o no mesmo patamar de condições da União, dos Estados e do Distrito Federal, todos integrantes da Federação. No entanto, essa afirmação pode trazer um sentido explicitamente político, a fim de elevar o destaque a importância política que se procurou atribuir aos municípios. Dessa forma, buscar-se-á reconhecer as conseqüências positivas ou negativas dessa suposta “autonomia” cedida a esse ente federativo, para entender essa relevância política conferida nesse processo.

 

 

 

3 AS PECULIARIDADES NO RECONHECIMENTO DO MUNICÍPIO COMO ENTE FEDERATIVO

 

Compreende-se que a Constituição de 1988 inclui o município não só como um componente da “estrutura federativa”, conforme pensa José Afonso da Silva (2007), mas como um ente federativo autônomo tomando o posicionamento de diria Paulo Bonavides (2004). Nos termos da Carta Constitucional vigente, o município é um instituto estatal integrante da Federação, como um instituto político-administrativo e financeiro. Sendo assim, a inclusão do município como ente federativo, como já mencionado, trouxe resultados que podem ser tanto positivos quanto negativos.

 

A inclusão do município na estrutura da federação teria que vir acompanhada de consequências, tais como o reconhecimento constitucional de sua capacidade de auto-organização mediante cartas próprias e a ampliação de sua competência, com a liberação de controles que o sistema até agora vigente lhe impunha, especialmente por via de leis orgânicas estabelecidas pelos Estados (SILVA, 2007, p.639).

 

 

 

Salienta-se que, historicamente, os municípios desempenharam um papel no Brasil, ora relevante ora de pouca valia, mas eles se fizeram presentes no contexto social, político e histórico do Brasil. Sobre isso, têm-se:

 

O município no período colonial era uma instância de poder bastante forte e ampla. Nos primeiros anos de colonização, os governos gerais eram frágeis e as câmeras municipais exerciam o poder político de faro. Ao final do século XVII, quando a descoberta do ouro aumentou o interesse de Portugal pela colônia, houve uma centralização do poder, e os municípios perderam suas unções judiciárias e seu poder político, caminhando para o modelo de município administrativo. [Na república, os municípios mantiveram sua autonomia, assegurada através dos Estados–Membros] (BIDERMAN, 2004, p.422).

 

Sabe-se que a Constituição de 1967 juntamente com a emenda de 1969 impôs um extremo centralismo político ao adotarem um regime de Ditadura Militar, ou melhor, de exceção. Dessa forma, ao se criar uma nova Constituição em 1988 a função do Constituinte, nesse contexto, foi de buscar promover um equilíbrio entre os entes que compunham a Federação, com vistas no findar daquele centralismo imposto pela Constituição anterior, atendendo aos anseios democráticos que estavam aflorados (CHAGAS, 2006). De fato, o município aparece nesse ínterim, revestido com o objetivo de gerar uma descentralização do poder político dentro do Estado Brasileiro, acolhendo o desejo “redemocratizador” da sociedade brasileira.

 

Logo, segundo Paulo Bonavides (2004), foi somente com o advento das prescrições do novo estatuto fundamental de 1988 a respeito da autonomia municipal, que se configurou o mais considerável avanço de proteção e abrangência recebido por esse instituto em todas as épocas constitucionais da história de nossa sociedade. Convém ressaltar, que o mesmo trata a característica federativa desse ente seria uma conquista adquirida no decorrer do tempo e não uma “inovação”.

 

Constatou-se que a qualidade de ente federativo atribuída aos municípios modificou de tal maneira a vida social e política do país, que se passou a vê-la baseada na pretensão e clamor de toda a sociedade brasileira. Posto isso, segundo o Prof. Jorge Miguel (1989, p.130): “O novo Estado Democrático veio para assegurar a todos os exercícios dos direitos sociais e individuais e estabelece como valores supremos a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça”.

 

Antes dessa inovação, a ingerência nos assuntos municipais cabia aos Estados-membros e estes tinham determinados poderes reservados sobre aqueles e, por isso, eram responsáveis por organizá-los, definir as suas competências, e tambem as suas estruturas até mesmo de seu governo local e limitando-os. Quanto a isso, corroborando o de antemão dito, apenas a partir da Carta Constitucional, que vige atualmente, é que as normas constitucionais se voltaram para os municípios e, por conseguinte, limitou os Estados-membros (SILVA, 2006).

 

Neste sentido é importante lembrar, que embora muitos questionamentos se direcionem ao fato de ser ou não o Município um ente federativo, o que se tem efetivado pela constituição é que este é sim um ente federativo dotado de autonomia própria, conferida nos art. 1° e 18° da CF/ 88.

 

Conforme o artigo 34, VII, c, a autonomia municipal foi incluída como princípio constitucional sensível constatado nos artigos 18° e 29°, devendo ser respeitado pelos estados membros sob aparo de sujeitar-se a intervenção federal (PAULO; ALEXANDRINO, 2010). Destarte, o município ao ser reconhecido também como uma pessoa jurídica de direito público interno tem a sua autonomia determinada pela capacidade de auto-organização e normatização própria revestido na autonomia de criar sua própria lei orgânica juntamente com as municipais; autogoverno que com capacidade de promover eleições para escolha de seus representantes locais sem a interferência da União e do Estado; e auto-administração a fim de executar ações administrativas, tributárias e legislativas (REIS, 2000).

 

De acordo com Chagas (2006) resultam com o reconhecimento do Município, como ente federativo, dois postulados: um em que o município é dotado de autonomia política possuindo competência para auto-organização, por meio da promulgação de uma lei orgânica própria; e outro, no qual o Município extrai a sua autonomia diretamente da Constituição Federal, a qual não pode ser suprimida ou restringida por quaisquer normas federal ou estadual, ressalvado o poder constituinte federal, seja ele originário ou derivado.

 

Nota-se ademais, que os três poderes passaram a ser representados nas três esferas, a saber: Federal, Estadual e Municipal. Quanto a este último, ressalta-se que os poderes Legislativo (exercido pela Câmara Municipal) e Executivo (exercido pelo Prefeito) estão devidamente representados nos municípios. O que anteriormente, não se tinha, posto que a representação desses poderes fosse limitada somente às duas esferas: a União e aos Estados-membros. No que diz respeito ao Judiciário, este poder não se faz presente no município, quanto a isso, explica-se que o município não tem e continuará a não ter o órgão jurisdicional próprio, pois aquele que deve atuar neste, constituído em comarca, segundo a Carta Magna deve advir da esfera estadual. Numa outra visão, alguns autores defendem que o constituinte agiu de forma errônea ao atribuir ao Município à característica de ente federativo. Nesse sentido, utiliza-se o pensamento do professor José Afonso da Silva, pois demonstra que “o município é divisão política do Estado-membro”. E por isso, refuta o fato da CF/88 consagrar o município como uma entidade de terceiro grau afirmando que se trata de uma tese equivocada ou como ele mesmo menciona:

 

Não é porque uma entidade territorial tenha autonomia político-constitucional que necessariamente integre o conceito de entidade federativa, pois nem é essencial ao conceito de federação brasileira. Não existe federação de municípios e sim uma federação de Estados. Estes sim são essenciais ao conceito de qualquer federação. (SILVA, 2006, p.475).

 

 

 

Dessa forma, mostra-se que o município enfrenta grandes desafios quanto a sua característica peculiar de ente federativo. Dentre elas, alguns são evidentes na própria constituição, como no art.1° que prevê “a união indissolúvel entre os entes federativos”. Se levarmos em consideração que o município não pode se desvincular do território nacional sob pena de sofrer intervenção, notar-se-á que essa será promovida pelo estado-membro onde está alocado e não pela intervenção federal como prevista aos estados-membros. Demonstra-se que o município está ainda diretamente vinculado ao estado. Ademais a sua criação, incorporação, fusão e desmembramento far-se-ão por lei estadual, dentro da previsão dos art. 18, § 4° redação da EC-15/96 (SILVA, 2006).

 

No que concerne a divisão dos três poderes, a saber, o executivo, legislativo e judiciário, que necessitam estarem representados nas três esferas: municipal, estadual e federal, encontra-se uma anormalidade. O poder judiciário não é representado na esfera municipal, e por isso, alguns autores não consideram o município como um ente federativo efetivo. O que segundo Hely Lopes Meirelles o caso do município não exercer qualquer função judiciária está ligado ao fato de que “essa função foi retirada das municipalidades brasileiras desde os tempos imperiais pela lei de 1.10.1828 (1998, P.130)”, e por isso, declarou-as como corporações simplesmente administrativas.

 

É sabido que no processo de elaboração da vontade nacional da República Federativa do Brasil nem todos os entes federados participam. Isso acontece devido não haver representatividade dos municípios junto ao poder central, isto é, nas duas casas; Câmara Legislativa e o Congresso Nacional. Ratificando que os mesmo não influenciam na decisão nacional. Outrossim, essa ideia é trazida no pensamento dos professores Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino (2010, p.282) ao afirmarem o seguinte:

 

Os estados-membros e o Distrito Federal têm a sua efetiva participação, por meio dos seus representantes no Senado Federal (CF, art.46) e da possibilidade de apresentação de proposta de emenda Constituição Federal ( CF, art. 60, III). Os Municípios, diferentemente, não participam de nenhum modo na formação da ordem jurídica nacional, pois não possuem representação no poder Legislativo federal, nem atuam no processo legislativo de modificação da Constituição Federal

 

 

 

O fato de atribuir autonomia aos municípios assegura-se na Carta Magna de 1988, em que a partir de sua promulgação, eles adquiriram capacidades que ao longo deste texto, foram sendo explicitadas. Entretanto, essa mesma autonomia pode ser encarada como um ponto negativo, pois pode trazer riscos para o princípio constitucional de garantir o bem comum. Isso se explica quando colocamos a teor de estudos as entidades que compõem os municípios, a saber: de educação, saúde, economia, administração e etc.

 

Não obstante à capacidade dada aos municípios de se auto administrarem proporcionando a organização em todos os sentidos e/ou âmbitos que os compõem está à temeridade que o órgão federal deve ter ao repassar fundos aos municípios, para que estes desempenhem seus papéis de promoverem internamente o acesso das pessoas, aos institutos políticos e sociais, aos quais tem direito mediante a CF/88.

 

O que se questiona com isso, é que a forma em que esse ente está vinculado às outras esferas (estadual e federal), pode possibilitar o surgimento de entraves como a improbidade pública, praticada no poder público. De súbito, o que se constata é que o próprio sistema de fiscalização desses setores públicos, em muitas vezes é falho, quando na realidade deveriam ser mais intensas, terminam gerando essas práticas corruptas, prejudicando os direitos dos cidadãos, favorecendo uns em detrimento de outros.

 

 

 

4 O MUNICÍPIO E A DEMOCRATIZAÇÃO DO DIREITO

 

 

 

O bom município se revela em instituições que asseguram que os objetivos políticos básicos da sociedade sejam alcançados. Revela-se, ainda, em uma organização que saiba se defender das tentativas permanentes de captura do patrimônio público, ou, em outras palavras, que assegure que os direitos republicanos dos cidadãos sejam respeitados.

 

Diante do exposto sobre os desafios encontrados no município diante de sua autonomia, este ente enquadra-se numa corrupção local, principalmente quando as decisões passam a ser influenciadas pelos relacionamentos pessoais, o interesse público freqüentemente fica em segundo plano e algumas decisões tendem a ser tomadas em favor de interesses particulares ou de grupos. Esse interesse individual dos governantes tem como conseqüência a estagnação do papel do cidadão e do acesso à justiça, logo, se torna fácil entender a grande taxa de analfabetismo, pobreza e desigualdade que atinge os municípios brasileiros (BIDERMAN, 2004).

 

O administrador municipal está encarregado de uma área territorial menor, tendo condições de dar atenção aos serviços públicos de menor escala e que requerem conhecimento detalhado quanto aos tipos de serviços mais demandados em casa rua ou bairro. Além disso, esse tipo de serviço vai beneficiar os moradores das áreas próximas, que vivem e pagam impostos ao município, que executa a obra (MOISÉS, 2008). Não são poucos os políticos que promovem o desenvolvimento municipal, em uma sociedade como a brasileira, de tradição patrimonialista, clientelista, excludente, as relações paternalistas entre os políticos e os eleitores são de dupla-mão, o que explica a força de sua persistência (CARVALHO, 2010).

 

Resultado das lutas sociais empreendidas por movimentos e organizações sociais nas décadas anteriores, a construção de uma nova concepção de sociedade civil está fazendo parte do cenário cotidiano, reivindicando direitos e espaços de participação social, essa nova concepção cria uma visão ampliada da relação Estado-sociedade. Políticas de parceria, associações civis, ONG´s têm, cada vez mais, assumido papéis relevantes nos processos de mobilização social, planejamento e gestão de políticas públicas e, sendo chamadas, podem contribuir de forma decisiva para a identificação e implementação de alternativas de desenvolvimento municipal (MOISÉS, 2008).

 

De acordo com Carvalho (2010, p.227) têm-se como resultado da “colaboração das Organizações não-governamentais, governos municipais, estaduais e federal” experiências inovadoras no encaminhamento e na solução de problemas sociais. A proposta de certas prefeituras envolverem a população no planejamento e execução de políticas públicas é uma idéia democrática sem os “vícios do paternalismo e do clientelismo” que gera como conseqüência a mobilização do cidadão.

 

Como retrata Fernando Dias Menezes de Almeida (2004, p.82):

 

[...] os municípios são o espaço da vida política dos indivíduos, do que diz respeito à sua convivência cívica, voltada ao seu bem estar, no plano coletivo. Não é à toa que se repete que os indivíduos não vivem na União, nem nos Estados, mas sim nos Municípios.

 

É necessário o interesse no desenvolvimento municipal das lideranças que têm expressão política (participam dos processos decisórios no âmbito local e supra-local): o prefeito e os vereadores, os empresários e suas associações, as lideranças partidárias, sociais, comunitárias, sindicais, estudantis, os agentes governamentais das demais esferas de poder. Os moradores da cidade e do campo que não participam de associações, a quem mais interessa um lugar melhor para se viver, trabalhar, estudar, progredir, podem vir a ser atores e constituir uma poderosa força se, a eles, forem oferecidos canais de informação, participação e expressão sobre os rumos para o futuro. Mas, cada um cumpre um papel diferenciado no cenário político. Nem todos propõem o mesmo caminho para a promoção do desenvolvimento municipal (MOISÉS, 2008).

 

Sabe-se que os Municípios não possuem Poder Judiciário, e assim sendo, precisa-se ampliar a atuação da assistência jurídica no campo da promoção da cidadania, partindo da reestruturação quantitativa e qualitativa do serviço de assistência jurídica municipal. Logo, faz-se necessário, a saber: definir como metas a prestação de assistência jurídica gratuita aos municípios procurando dirimir os conflitos por meio de conciliação extrajudicial e, se necessário, por meio de intervenção judicial; orientar a respeito dos direitos e deveres dos cidadãos, encaminhando-os aos órgãos competentes para a defesa dos seus direitos e interagir com os movimentos sociais e órgãos governamentais para desenvolver mecanismos coletivos de promoção de direitos humanos. Além disso, o acesso à justiça é um direito de cidadania fundamental, pois abre os caminhos para a conquista de outros direitos (FARIA, 2002).

 

O desenvolvimento político pode ser entendido como processo histórico de conquista, por parte da sociedade, da capacidade coletiva organizada de estatuir projeto próprio, em termos de cidadania, associativismo, consolidação democrática e serviço público. “Ressalte-se que não é o Estado que funda a cidadania. O Estado deve ser resultado da cidadania e estar a serviço desta” (MOISÉS, 2008, p.321).

 

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Este artigo expôs o papel do município frente ao federalismo brasileiro. Mostrou-se o conceito do federalismo e o seu perfil histórico. Descreveu o reconhecimento dado ao município com a nova constituição de 1988, contudo este reconhecimento que lhe foi dado é rasteiro perto da autonomia dos estados-membros e da União. Ainda, mostra quais são as reais conseqüências e os possíveis entraves trazidos pela autonomia concedida a esse ente federativo.

 

Ressalta-se a importância de uma maior fiscalização nos municípios, para que todas as políticas públicas sejam realizadas. Demonstrando, assim, o anseio para a continuação dos limites à autonomia municipal, pois, não é a falta de uma autonomia real que vai impossibilitar a sociedade de ter municípios redemocratizados. Aliás, a mobilização da sociedade que contribui para um governo democrático, exigindo seus direitos não como migalhas e participando da execução das obras.

 

É mister frisar o valor do Município na Federação, com as suas competências realiza as políticas públicas de ordem social, um papel como este não pode ser simplesmente ignorado ou submetido a tanta corrupção. Mesmo ‘subordinado’ ao governo estadual e federal, se deve a busca de reformas nas Instituições municipais, para que se tornem capazes de suprirem as demandas da comunidade. Apenas com uma administração municipal íntegra e como instituições eficazes se poderá reerguer a democracia e construir uma ‘cidadania’.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

 

 

ALMEIDA, Fernando Dias Menezes. Crítica ao Tratamento Constitucional do Município como ente da Federação Brasileira. Revista de Direito Constitucional e Internacional. São Paulo, n.68, p.76-85, jul/set, 2004.

 

 

 

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 10ª ed.Atualizada por Izabel Camargo Lopes Monteiro e Célia Marisa Prendes. São Paulo: Malheiros, 1998.

 

 

 

SOARES, Márcia M. Federação. Democracia e Instituições Políticas. Lua Nova: Revista de Cultura e Política. vol.44, pp. 137-163. 1998.

 

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 29a. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

 

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 14º ed. São Paulo: Malheiros,

 

2004.

 

 

 

PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional Descomplicado. 3º ed., ver. e atualizada. Rio de Janeiro:Frorense; São Paulo: Método: 2008.

 

 

 

REIS, Elcio Fonseca. Federalismo Fiscal: competência concorrente e normas gerais de Direito Tributário. Belo Horizonte: Mandamentos, 2000.

 

CHAGAS, Magno Guedes. Federalismo no Brasil: o poder constituinte decorrente na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Porto Alegre: S.A.Fabris, 2006. 246 p.

 

MIGUEL, Jorge. Curso de direito constitucional. São Paulo: Atlas, 1989.

 

 

 

BIDERMAN, Ciro; ARVATE, Paulo. Economia do setor público no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

 

 

 

MOISÉS, Hélvio Nicolau. Município: rede, planejamento, desenvolvimento político e sustentabilidade. O município no século XXI: cenários e perspectivas. São Paulo, n.56, dez. 2008.

 

 

 

FARIA, Eduardo Faria. Direitos Humanos, direitos sociais e justiça. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2002.

 


[1] Paper interdisciplinar apresentado como requisito parcial para aprovação nas disciplinas Direito Constitucional I e Sociologia Jurídica do curso de Direito da UNDB ministrados pela professora Ms. Ana Paula Antunes Martins e professor Antônio Rafael.² Graduandas em Direito na Unidade de Ensino Superior Dom Bosco³ BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 22ºed. São Paulo: Saraiva, 2001.

 

 

Autor: Liliane Rubim Aguiar Coqueiro


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