Brincando outra vez



Brincando, outra vez.

 

 

Pai, mãe, onde estão vocês? Brincando de esconde-esconde de novo, só para me assustar! Então, surgem rindo às gargalhadas, correndo a abraçar-me com o carinho característico dos pais.

 

Aos poucos, deixamos de brincar de esconde-esconde, de cabra-cega, de amarelinha e de outras diversões que faziam a nossa alegria. Fui crescendo, mas parece que vocês não notaram isso, ou não queriam perceber.  Desejavam que eu permanecesse a menina de sempre, muitas vezes obediente, outras vezes travessa, mas sob o controle estrito de vocês. Que mania os pais tem de não querer que os filhos cortem o cordão, partindo para novas fases e com elas, novas aventuras. Será que essa quase obsessão de não nos permitir o crescimento está relacionada à idéia de que estão ficando mais velhos?

 

Agora, sim, que tudo complicou. Fiquei adolescente como minhas amigas e tornei-me mais quieta. Desejava ficar isolada com meus sonhos e fantasias de namoro, com aquele vizinho de cabelos ruivos e sardas. Meus pais não aceitavam a minha mudança.  Diziam que eu devia estar com sérios problemas, e que só eles poderiam resolvê-los. Achavam que eram os donos da verdade. Qualquer novidade tecnológica que aparecia eu contava para eles. Consideravam tudo bobagem. Queria me individualizar, acreditar que tinha capacidade, mas continuava sendo tratada como criança. Até a profissão queriam escolher para mim.  Meu sonho era ser artista de cinema ou teatro. Eles queriam que eu fosse médica ou advogada. Haja paciência!

 

Não fui atriz. Fiz Jornalismo, conseguindo um emprego numa revista mensal de nossa cidade. E o melhor: fui morar sozinha num edifício localizado numa zona totalmente oposta à de meus pais.

 

Ainda bem que a fase mais difícil da minha vida parecia ter acabado. Agora estava casada, tinha meus filhos, mas ainda era tratada como uma menininha, que precisava de proteção. Nessa altura dos acontecimentos, eu me divertia e fazia piadas com eles, a respeito do assunto.

 

À medida que meus filhos cresciam, eu, agora mãe, pensava na melhor forma de educá-los, sem maiores exigências, com muito diálogo, permitindo suas liberdades de expressão. No entanto, sempre errava em alguma coisa.

 

Lá pelas tantas, comecei a desconfiar que meus pais de uma hora para outra, sem aviso prévio, precisavam de ajuda e dos meus cuidados.

 

Pai, mãe, onde estão vocês?  Se esconderam outra vez para me assustar? Só que agora, me assustei para valer. Encontrei os dois fugindo pelo portão, atravessando a rua, sem ao menos olhar para os lados.  Custei a trazê-los de volta. Precisei pedir ajuda para o meu filho mais velho, para que entrassem em casa.

 

Oh safado Alzheimer, que peça me pregaste!

 

 

Themis Groisman Lopes

 

 

 


Autor: Themis Groisman Lopes


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