O Sertanejo No Final Do Século XIX, Através Da Obra 'Os Sertões' De Euclides Da Cunha



O SERTANEJO NO FINAL DO SÉCULO XIX, ATRAVÉS DA OBRA´´OS SERTÕES``DE EUCLIDES DA CUNHA.

Sílvia Almada Dutra Dourado*

Resumo: No final do século XIX, os sertanejos nordestinos enfrentaram grandes dificuldades devidoàmá distribuição de terras, falta de emprego, sem condições de sobrevivência milhares de sertanejos percorriam o sertão nordestino, muitos foram embora para outros Estados, outrosviraram cangaceiros, outros jagunços e outros abandonaram tudo, para seguirem beatos, buscando esquecer os males do mundo.Este será o recorte do nosso objeto de estudo.´´Os Sertões``, de Euclides da Cunha, revela a situação miserável do sertanejo nordestino perante a presença do estado, violento e cruel, que em vez de compreender e resolver o problema das desigualdades sociais, age com violência e crueldade. Este livro é considerado uma obra literária de grande valor histórico constituindo-se indispensável para formação da identidade brasileira, pois passa-se a ver o sertanejo como lutador, um forte contra opressão latifundiária.

PALAVRAS CHAVE: ´´Os Sertões``, Canudos, Euclides da Cunha, Sertanejo

Summary:In the end of century XIX, the sertanejos northeasterns had faced great which had difficulties, the bad land distribution, job lack, without survival conditions thousand of sertanejos covered the hinterland northeastern, many had been even so for other States, others turn cangaceiros, other gunmen and others had abandoned everything, to follow devout, searching to forget males it world, and even though as resistance form.''The Sertões``, of Euclides da Cunha, discloses to the needy situation of sertanejo northeastern for the government, that instead of understanding and deciding the problem of the social inaqualities, acts with violence and cruelty.This book is considered a literary composition and of great indispensable historical value consisting for formation of the Brazilian identity.

WORDS KEY:' ' The Sertões``, Canudos, Euclides da Cunha, Sertanejo

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*Graduada em História e especialista em História Política do Brasil pela Universidade Estadual do Maranhão

INTRODUÇÃO

A historiografia do século XIX, tradicionalmente deu preferência a assuntos políticos, aos grandes homens, a elite, desprezando o cotidiano das classes populares, no caso em questão, os sertanejos.

Sabendo que a históriaacontece em todos os lugares e que os anônimos fazem parte da construção da história, tomaremos como objeto de estudo o cotidiano das classes populares na visão de Euclides da Cunha.

Compreender os fatores que provocaram a migração para Canudos, conhecendo o cotidiano sertanejo, na Bahia, no final do século XIX, identificando os laços de solidariedade, messianismo presente entre os moradores de Canudos, desmistificando o conceito de fanáticos criminosos e vadios, construindo a partir do reconhecimento do papel de cada individuo no processo histórico sua identidade.

Utilizaremos comodocumento a Literatura, paraavaliar o dia–a-dia das classes populares, sabendo que uma obra literária não representa um espelho da realidade, mas possui imagens que são retratadas pelo escritor, por sua vez é um agente/sujeito histórico contemporâneo aos fatos/realidade que servem de inspiração para sua obra, trazendo, portanto, fragmentos do real.

Segundo Peixoto:

´´A literatura é como o sorriso da sociedade. Quando ela é feliz, a sociedade o espírito se lhe compraz nas artes e , na arte literária, com ficção e com poesia, as mais graciosas expressões da imaginação . Se há apreensão ou sofrimento o espírito se concentra, grave, preocupado, e, então, histórias, ensaios morais e científicos, sociológicos e políticos são-lhe a preferência imposta, pela utilidade imediata (PEIXOTO, 1970, p.5)``

Para se entender uma obra é preciso situá-la no momento em que foi escrita, pensando os valores vigentes na época. Sobre isso, Roger Chartier afirma:

´´A literatura permite o acesso à sintonia fina ou ao clima de uma época, ao modo pelo qual as pessoas pensavam o mundo, a si próprias, quais os valores que guiam seus passos, quais preconceitos, medos e sonhos (...)A literatura é testemunho de si própria, portanto o que conta para o historiador não é o tempo da narrativa, mas sim o da escrita (CHARTIER, 1990, p.82-83)``

A obra em questão, ´´ Os Sertões ``escrita por Euclides da Cunha, que viveu no final do século XIX e inicio do século XX, época que predominava o positivismo (na qual a história é pensada como a sucessão ordenada dos fatos em direção ao progresso e os fatos sociais importantes são apenas aquelesgarantidos por documentos oficiais) e determinismo(o homem é influenciado pela etnia, por circunstância genéticas e raciais, que se ligam as condições geográficas e ambientais), nessa época os escritores que estavam envolvidos pela belle époque[1], começavam a dar sinais que desejavam o rompimento dos velhos modelos culturais, ou seja as influências européias.

Sentia-se a necessidade de procurar as verdadeiras raízes e os valores autênticos da cultura brasileira. Eram poucos os literatos que conseguiam ver com olhos críticos a realidade da época. Euclides será o primeiro, engenheiro, ex-militar, positivista e republicano, estava impregnado de preconceitos de seu tempo, acreditava que iria encontrarbrutos marginais, mas dianteda realidade que encontrou dos fatos, passa a mudar seu ponto de vista.Em sua obra´´Os Sertões``, coloca-se nitidamente em favor dos sertanejos,situa o fenômeno de Canudos como um problema social decorrente do isolamento político e econômico do nordeste em relação ao resto do país. Como a obra retrata o dia-dia sertanejo, suas mazelas no final do século XIX, este será o recorte do nosso objeto de estudo. A partir dessa obra passa-se a ver os integrantes, não mais como marginais monarquistas, e sim como um movimento novo de resistênciaà opressão dos latifundiários.

O SERTANEJOMARGINAL

Na obra ´´Os Sertões``,o autor se propõe a fazer umaanálise cientifica do fato histórico, A guerra de Canudos. Porém o autor acaba fazendo mais, embora carregado de conceitos deterministas denunciaas condiçõesde vida do nordestino, principalmente daquela camada que ele chama de ´´sub-raças sertanejas do Brasil.``

´´Intentamos esboçar, palidamenteembora, ante o olhar de futuros historiadores, os traços atuais mais expressivos das sub-raças sertanejas doBrasil (CUNHA, 2004,p 17)``

´´O sertanejo do Norte é inegavelmente o tipo de uma subcategoria étnica já constituída. (CUNHA, 2004,p 22)``

O autor baseia-se em teses colonialistas, revela influências da ciência da época e, ao mesmo tempo, o desejo de chegar à verdade dos fatos.

´´O sertanejo é antes de tudo, um forte. Não tem o raquitismo exaustivo dos mestiços neurastênicos do litoral... A sua aparência, entretanto, ao primeiro lance de vista, revela o contrario. Falta-lhe a plástica impecável, o desempeno, a estrutura corretíssima das organizações atléticas... É desgracioso, desengonçado, torto... `` (CUNHA, 2004, p.146)``

Nesse trecho verifica-se as influências das teorias raciais existentes no começo do século XX, mostrando uma ´´superioridade`` do sertanejo emrelação ao litorâneo como justificativa racial, a força do sertanejo tem origem na pureza de sua raça, em oposição à mestiçagem do homem do litoral.

Segundo o autor, os sertanejos se refugiavam na vila de Canudos, onde criaram um estilo comunitário de vida.

´´Era o lugar sagradocingido de montanhas, onde não penetraria a açãodo governo maldito...A sua topografia interessante modelava-o ante a imaginação daquelas gentes simples como o primeiro degrau, amplíssimo e alto, para os céus...Não surpreende que para lá convergissem, partindo de todos os pontos, turmas sucessivas de povoadores convergentes das vilas e povoadores mais remotos...Diz uma testemunha: Alguns lugares desta comarca e de outras circunvizinhas, e até do Estado de Sergipe, ficaram desabitados, tal aluvião...Causava dó verem-se expostos à venda nas feiras, extraordinária quantidade de gado cavalar, vacum, caprino, etc, além de outros objetos, por preços de nanada, como terrenos, casas, etc. O anelo extremo era vender, apurar algum dinheiro e ir reparti-lo com o Santo Conselheiro.(CUNHA, 2004, p. 214)``

As casas dos sertanejos eram simples, mas em Canudos eles encontravam refúgio para seus problemas, plantavam, colhiam, dividiam, aprendiam a viver em grupo: "(...)Feitas de pau-a-pique e divididas em três compartimentos minúsculos, as casas eram parodia grosseira da antiga morada romana..." (CUNHA, 2004, p.216)

Não poderiam ser considerados culpados, nem mesmo, um foco monarquista, mas produto de uma série de fatores econômicos, geográficos, raciais e históricos, uma população formada pela mistura do branco, negro e índio, que foi se isolando cada vez mais, organizando-se em comunidades fechadas. Para o autor as causas da existência de Canudos era a miséria, a ignorância, o fanatismo religioso que eram originados dessa condição e do abandono político, devido a concentração de terras nas mãos de poucos e pelo predomínio do latifúndio improdutivo em vastas áreas, somadas ao total descaso das elites e do governocom a populaçãosertaneja,que constantemente em períodos de seca, a alternativa era a emigração, o cangaço ou misticismo religioso.

A figura carismática e impressionante de Antonio Maciel o Conselheiro, cumpriu esse papel de líder, aglutinando em torno de si uma multidão de sertanejos sedentos de esperança e de melhores condições de vida. A presença incômoda daquele povoado, cuja população aumentava bastante acabou provocando a interferência de tropas policiais.Difundiu-se a idéia de que aquelas pessoas e Antonio Conselheiro eram inimigas da república.

´´Pregar contra a República, é certo.

O antagonismo era inevitável. Era um derivado à exacerbaçãomística; uma variante forçada ao delírio religioso.

Mas não traduzia o mais pálido intuito político: o jagunço é tão inapto para aprender a forma republicana como a monárquico constitucional.(CUNHA, 2004, p 235)``

Canudos era uma ameaça à sociedade, por ser um núcleo de oposição, negava-se a pagar impostos, questionava a propriedade privada. A população do arraial dedicava-se as culturas de subsistência, ao artesanato e a construção de casas; Alguns depoimentos relatam a vida em Canudos:

´´Ninguém passa fome! A comida vinha das roças e dessas praias. Os praianos vendiam. Meu pai trabalhava na roça. (APUD MARTINS, 2001, p. 135)...Em Canudos não faltava nada! Havia criatórios e plantações e milho,feijão, abóbora...tudo .Nas beiradas(vazantes)do Vaza-Baris,..20.30.50 tarefas de terras cultivadas".(João Siqueira Santos. Seu Ioió, natural do Cumbe, atual Euclides da Cunha.1909. filho de um produtor rural da região que conheceu e negociava com Antônio Conselheiro). (APUD MARTINS, 2001, p.135) ``

Segundo Euclides da Cunha "(...) O arraial crescia vertiginosamente, coalhando as colinas. A edificação rudimentar permitia à multidão sem lares até doze casa por dia.`` (CUNHA, 2004, p.216)

Portanto, o tamanho do arraial é questionado, até hoje, partindo da análise do relato de Euclides, Canudos chegaria a cerca de 30.000 habitantes, mais segundo o historiador Renato Feraaza população não chegaria a 12000 pessoas, para ele o lugar não teria condição de alimentar tanta gente.

O fato é que a população cresceu rapidamente, governada por Antonio Conselheiro e seus auxiliares, que distribuíam roças às diversas famílias, cuidavam dos necessitados e das coisas da religião.

Sendo uma comunidade organizada e autônomaCanudos começou a preocupar os grandes fazendeiros da região. Chefes políticos estaduais passaram a exigir que o governo dispersasse o agrupamento canudense, foram enviadas expedições para acabar com o movimento que a principio saíram derrotadas.

A fartura do arraial era comprovadaaté mesmo, no momento de combate, os soldados invadiam as casas, famintos e devoravam tudo que encontrasse pela frente:

´´Quase sempre, depois de expugnar a casa, o soldado faminto não se forrava à ânsia de almoçar, afinal,em Canudos. Esquadrinhava os jiraus suspensos. Ali estavam carnes de sol; cuias cheias de paçoca, a farinha de guerra do sertanejo; aiósrepletos de ouricuris saborosos...(CUNHA, 2004,p.355)``

As pressões levaram o governo baiano a organizar mais expedições, porém, apopulação de Canudos resistia bravamente, provocando a atenção do restante do país, que acompanhava os acontecimentos por intermédio da Imprensa. O governo Federal representado por Prudente de Morais, resolveu tomar providencias, para sufocar o movimento.

Para o governo Federal, a derrota de seus soldados era por demais vergonhosa. Portanto, foi organizadauma expedição com seis mil homens,entre eles, os generais Artur Oscar e Cláudio do Amaral, que partiram com farto equipamento militar, metralhadoras, canhões, granadas...

(...Não lhes bastavam seis mil mannlichers e seis mil sabre; e o golpear de doze mil braços, e o acalcanhar doze mil cotumos; e seis mil revólveres; e vinte canhões, e milhares de granadas, e milhares de schrapnells, e os degolamentos, e incêndios, e a fome, e a sede; e dez meses de combates, e cem dias de canhoneio continuo...)(CUNHA, 2004,p.585)

Durante as operações, depois devárias tentativas e forte armamento a aldeia foi arrasada ...

´´Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda história, resistiu até ao esgotamento completo. Expegnado palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando caíram os seus últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente cinco mil soldados.`` (CUNHA, 2004, p.597)

A resistência obstinada dos sertanejos, para quem a luta se revestia de caráter religioso, foi tornando o combate cada vez mais violento, apesar da diferença de recursos até envolvimento de tropas federais, que, depois de muito tempo, arrasaram o arraial de Canudos, que lutou bravamente até esgotamento total.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo buscou trabalhar a obra de Euclides da Cunha, ´´Os Sertões``, partindo do principio que o autor elege o que considera significativo no momento histórico e cultural que viveu, fazendo análise das condições de vida no sertão baiano dando maior enfoque ao sertanejo.

Foram utilizadas como documento, a obra do autor, bem como outros autorescitados na bibliografia.

A análise da obra é de suma importância, pois inaugurou uma nova visão da realidade sócio-cultural brasileira. É claro que existem preconceitos em suas observações de cunho determinista, mas passa-se a enxergar a população de Canudos, como vítimas do sistema político e não como marginais, como era a proposta.

´´Os Sertões``, é o berço da nacionalidade e leitura obrigatória para construção da consciência nacional.

As camadas populares aparecem passivas, obedientes ou então como marginais, loucos e foi assim também na Guerra de Canudos. Aproximar do real pode-se construir aprendizados.

Os Sertões nos possibilita uma viagem ao tempo para construção do passado, no qual verificamos a saga do sertanejo em busca da sobrevivência, encontrará paz em Canudos, conhecerá o inferno antes de chegar à Deus, quando passa a incomodar a elite local e a elite nacional, afinal Canudos era independente economicamente e não era ponto de manipulação política ou sejanão atendia a interesses particulares.Transformar a resistência contra o governo em fanatismo monárquico era mais fácil justificar seu extermínio.

Pela primeira vez a História Brasileira, soltava-se da maquiagemda historiografia tradicional e de maneira graciosa e literária, nos foi permitido ver parte do real através do olhar crítico de Euclides da Cunha.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

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Autor: Sílvia Almada


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