Eu, caçador de tu.



Eu, caçador de tu.

Numa sociedade que faz alusão a individualidade, ser diferente é a última coisa que alguém quer ser.

Eletícia E. Carneiro Podolak 

Há algum tempo surgiu na internet um vídeo em que, uma menina aparentemente um pouco acima do peso, observa-se no espelho. Conforme a câmera vai se afastando, nossa visão sobre ela muda totalmente. Aos poucos começamos a perceber que a menina na verdade, está subnutrida, e a pessoa refletida no espelho trata-se de uma imagem distorcida dela mesma. Esse vídeo é uma propaganda que foi exibida nos EUA, e é um alerta sobre a anorexia. Aqui, a busca desenfreada pela perfeição e pela beleza (e pelo encaixe nos padrões ditados pela moda e necessários para entrar nesse “mundo”) leva uma pessoa a acabar consigo mesma. Na sociedade atual, a busca por individualidade tem levado milhares de pessoas ao fundo do poço, seja através de doenças consideradas modernas como a depressão, anorexia e bulimia ou por suicídios. Mas afinal, qual é o conceito da palavra individualidade?  No dicionário individualidade é definida como conjunto das qualidades que caracterizam um indivíduo. Por sua vez, indivíduo é que não se divide; pessoa considerada isoladamente em relação a uma coletividade. A contradição é explícita. Na nossa sociedade ser diferente em relação aos demais não caracteriza individualidade, pelo contrário, caracteriza rejeição. O que leva uma menina a parar de comer é a vontade de ser igual às outras que são aceitas pela sociedade porque estão dentro de um padrão de beleza, que possuem a individualidade desejada por ela.  Para ser um indíviduo, é preciso ser igual a maioria que é aceita e considerada padrão de beleza e comportamento.

“Seja você mesmo, beba Pepsi!” é um exemplo entre muitos, das compelentes frases de efeito que circulam pela mídia e guardam uma quase mensagem subliminar. Afinal, como posso ser eu mesmo bebendo Pepsi, se meu vizinho, minha mãe, meu pai e minha tia serão da mesma forma, “eles mesmos” bebendo Pepsi? Que parte do significado da palavra individualidade ficou perdida nas entrelinhas? Cada vez mais me convenço de que essa perda é irreversível. Não cabe mais na sociedade atual a individualidade propriamente dita, mesmo quando vemos uma propaganda dizendo que “ser diferente é normal”. Essas palavras podem até causar certo impacto, que é fatidicamente momentâneo. Não, ser diferente não é normal. Normal é ser igual às estrelas de Hollywood, é estar na moda, é ter 90 de busto, 60 de cintura e 90 de quadril, é calçar Chanel e dirigir o Carro Design, o escolhido do Brasil! Normal é matricular os filhos em aulas de inglês, espanhol, balé, canto, judô, natação e piano clássico, afinal o que importa é preparar os filhos para o futuro (que se dane o stress infantil!) nesse mundo onde o que vale é a capacidade que eles terão de ganhar dinheiro para serem exatamente e individualmente iguais a nós! Cada vez mais vemos as pessoas se afastarem de suas próprias vontades em prol da vontade coletiva. Vontade esta que grita e continuará gritando aos quatro ventos que é completamente individual. Vontade esta que tem acabado com a vida de muitas destas pessoas.

Não é a toa que o número de suicídios em todo o mundo só vem aumentando. Pensando nesse fato e levando em consideração a busca desenfreada por uma individualidade perdida, não fica difícil perceber a relação entre o modo de vida atual e o aumento do número de pessoas que decidem tirar a própria vida. Um exemplo claro está num país da Ásia chamado Cingapura. Recentemente, li uma reportagem em que o assunto era o estilo de vida das pessoas que vivem neste lugar. Em Cingapura tudo é motivo para multas e, as pessoas que não respeitam as muitas regras da sociedade e que não se comportam da forma como os outros se comportam, recebem o desprezo dos demais. Suicídio é a segunda causa de morte desse país com 4,5 milhões de habitantes. Claramente, não é só em Cingapura que isso acontece. Quantos e quantos jovens sofrem bullying porque não se encaixam nos padrões que seus colegas consideram como normais ou pelo menos aceitáveis, e quantos desses jovens não conseguem suportar a dor de serem rejeitados, de serem diferentes, e acabam por se matar.  Afinal, quando foi que mudaram tão drasticamente o conceito da palavra individual? E quando foi que decidiram que para ser um indivíduo de fato, era estritamente necessário ser igual à maioria? Enquanto você, caro leitor, lê estas perguntas, dois jovens tiram a própria vida por não serem iguais a nós, pessoas normais.

Não há tempo para ser diferente. Não há tempo para querer azul, enquanto todo mundo quer o amarelo. Não há tempo nem possibilidade de dizer não, enquanto tanta gente boa e rica diz sim. Não há saída nesse beco. Como diriam os Mamonas Assassinas “você não sabe como é frustrante, ver minha filhinha chorando por um colar de diamantes”. Enquanto a mídia em todas as suas formas continua pregando que eu preciso de um colar de diamantes pra viver, essa será minha necessidade. O amor ao próximo, a paciência, a benevolência, podem ficar pra depois. Os valores humanos já não valem tanto. O que vale é correr pra garantir meu lugar na sociedade. E pra essa corrida, naturalmente, eu preciso ter o tênis que todo mundo está usando. Eu. Eu quem?

Aprendemos, com o passar dos anos, a sermos passivos e menos críticos. Aprendemos a ouvir, não a falar. Talvez falte hoje aquele espírito de rebeldia que tomou conta dos jovens nos anos 60, em que o movimento estudantil guiado pelo tropicalismo gritava a plenos pulmões, que é proibido proibir! Eles viviam na ditadura militar. E nós, em que ditadura vivemos? Em 1985, as pessoas clamavam e pediam por diretas já.  E nós, o que pedimos hoje? Não tenho resposta a essa pergunta, como você leitor, certamente não a tem. Apenas deixo ao final, um pedido, pedido este que faço também a mim: Não vamos mais nos enganar com belas imagens e sorrisos que tanto enchem nossos olhos ao vermos propagandas. Não vamos mais nos iludir pensando que ao comprar uma calça jeans da marca mais cara, seremos melhores do que qualquer pessoa, ou que alguém que não pareça agradável aos nossos olhos não merece nosso respeito. O consumismo só se torna uma ditadura quando passa a ser primeiro lugar em nossos corações e mentes, e tira do alcance de nossas vistas toda e qualquer possibilidade de “se misturar” com pessoas que não estão ao “nosso nível”. Não podemos permitir que esse sentimento superficial sobreponha-se aos nossos valores essencialmente humanos, que mesmo perdidos em meio a talões de cheques e enfoques publicitários, existem e gritam por atenção. Enquanto existir solidariedade e amor entre os homens, haverá resistência perante a essa ditadura que insiste em se instaurar.

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Autor: Eletícia E. Carneiro Podolak


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