Tem um bicho debaixo da minha cama



TEM UM BICHO DEBAIXO

DA MINHA CAMA

 

 Minha netinha tem 3 anos e se chama Verônica. Ela dorme no seu quarto, mas só depois de mergulhar num sono profundo; então a colocamos na sua cama, após as despedidas, beijinhos do vovô e da mamãe, recomendações aos Céus...

Uma noite, após dormirmos, acordei sobressaltado, pois ela acordara, posicionara-se ao lado da minha cama; em seguida, afirmou categoricamente:

_ “Vovô, tem um bicho no meu quarto, venha vê-lo!”

_ “Mas, amada, como será que esse tal bicho entrou no seu quarto...? Vamos examinar a situação... Você quer ajudar-me a identificar o intruso?”

Ela concordou e fomos investigar o fato inédito.

Notei que a situação sugeria uma oportunidade de ensinar-lhe algo importante. Eu não deixaria passar a ocasião; na faixa de idade em que ela estava os bichos sempre ficam escondidos em algum lugar da casa, preferencialmente, os lugares escuros. Quando era criança, eu sempre temi os bichos apesar de nunca ter topado com um deles cara a cara; mas eles são assustadores – são sim. Assim sendo, teremos de enfrentá-lo e expulsá-lo definitivamente.

Fomos ao quartinho dela; ela tinha certeza de haver um bicho lá, debaixo de sua cama. Antes de entrar, ela posicionou-se estrategicamente do lado de modo que eu pudesse me ajoelhar e observar. E disse, após constatar que já não havia bicho:

_ “Tesouro, o bicho já se foi, pode dormir agora”.

_ “Mas, e se ele voltar?”

_ “Ele não mais voltará”, declarei enquanto a recolocava na cama. “Vou-lhe contar a verdade sobre os bichos:

“Todas as noites a mamãe do bicho sai para procurar comidinha. O bicho fica sozinho enquanto ela vai. Se ela se demora, o bicho vai se esconder debaixo da sua cama como forma de se proteger, pois ele acredita que você cuidará dele enquanto a sua mamãe não voltar. Só quando a mamãe chega e o chama, é que ele volta”.

Ela ficou contente de ouvir a narrativa e dormiu tranquilamente.

Na noite seguinte, já na madrugada, eu fui acordado:

_ “Vovô, o bicho não veio... o que terá acontecido?

_ “Amada, talvez a mamãe dele tenha encontrado comidinha mais cedo e o chamou para comerem juntos; provavelmente, eles estão jantando neste momento...”

_ “Será que eu posso vê-los enquanto comem?”

Ela me fez essa pergunta já com os bracinhos abertos, prontos para recebê-la e para sair.

Saímos da casa. Descemos a escada; eu abri a porta dos fundos e ela reparou a escuridão da noite, atentamente.

Mas nada ouvimos nem percebemos que pudesse ser associado a um bicho ou algo assemelhado. Decidimos voltar, mesmo porque, ao confirmar que não havia nenhum bicho, ela simplesmente deitou a cabecinha no meu ombro e voltou a dormir.

Naquela noite, enquanto tentava novamente conciliar o sono, lembrei-me de que alguns ouriços sempre vinham à noite, a altas horas da madrugada, para roer um caixote de madeira que eu deixara no quintal. Minha casa fica no alto da Serra da Mantiqueira e confronta com uma reserva ecológica do município de Bueno Brandão. Pronto. Finalmente eu encontrara a solução. Ou pelo menos pensei ter encontrado.

Numa das noites seguintes, quando ouvi o ruído de um ouriço a roer a madeira, levantei-me às pressas, fui ao quartinho dela e a chamei suavemente:

_ “Amada, a mamãe do bicho chegou, você quer vê-la?”

Claro que ela queria, ela já tinha escutado o mesmo ruído e estava cheia de curiosidade.

Tomei-a nos braços e descemos escada abaixo. Antes de acender a lâmpada, eu abri calmamente a porta; coloquei-a no chão da varanda, a uma distância segura, acionei o interruptor...  ela se deparou cara a cara com quatro ouriços, dois adultos e dois filhotes.

 Os animais permaneceram parados, imóveis. Minha netinha também não esboçou qualquer reação; e sem dizer nem uma palavra, ela os observou enquanto se afastavam na direção da mata escura. Finalmente, ela os conhecera; e nunca mais teve bicho debaixo da sua cama.

 

 

 

João Cândido da Silva Neto

     (Bueno Brandão/MG)

 


Autor: João Cândido Da Silva Neto


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