Dirigismo constitucional e judicialização da saúde: a judicialização seria resultado da (in)eficácia na concretização do dirigismo brasileiro?



DIRIGISMO CONSTITUCIONAL E JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE: a judicialização seria resultado da (in)eficácia na concretização do dirigismo brasileiro?¹

 

Karina Silva de Jesus

Miquéias Calácio²

Hugo Passos³

 

Sumário: Introdução; 1 Dirigismo Constitucional e adoção brasileira do modelo; 2 Judicialização da saúde; 3 Exigibilidade de prestações de saúde e o mínimo existencial; Considerações finais; Referências

 

 

RESUMO

O modelo de Constituição Dirigente é uma forma de comando do sistema de direitos fundamentais pela Constituição, estabelecendo quais as funções e atos inerentes ao Estado e a sociedade. O Brasil adota o modelo dirigista que constitui um núcleo de identidade com normas e princípios estruturantes do ordenamento jurídico brasileiro no sentido em que o Estado interfere nas relações sociais estabelecendo planos, diretrizes, funções etc. a fim de assegurar os interesses difusos e coletivos. O direito à saúde encontra-se situado dentro do rol dos direitos fundamentais abarcados por esta proteção estatal, cabendo ao governo a garantia de prestações referentes a tal direito. Nesse diapasão, o objetivo deste artigo é ressaltar a eficácia jurídica do direito à saúde, abordando a relação direta deste com a sua exigibilidade por parte da população a partir dos conceitos acima citados.

 

PALAVRAS-CHAVE

Dirigismo Constitucional; Direito à Saúde; Judicialização da Saúde.

 

“Não hei de pedir pedindo, senão protestando e argumentando, porque essa é a arma daqueles que não pedem favor, mas Justiça” Eduardo Couture.

 

 

Introdução

O advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 representou

___________________

¹Paper apresentado à disciplina de Processo do Conhecimento II da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco-UNDB

²Alunos do 5º período do Curso de Direito, da UNDB

³Professor Mestre, Orientador

uma significativa inovação no que tange ao tratamento dado pelo Estado ao seu povo, uma vez que estabeleceu os chamados direitos de segunda geração, também consolidando como fundamento da República a dignidade da pessoa humana, adotando indiscutivelmente o dirigismo constitucional, uma vez que apresenta programaticidade, exigindo que o Estado participe ativamente da sociedade.

Ademais, na área da saúde, as garantias individuais e coletivas tomaram uma proporção tal, que embora não esteja descrita taxativamente no rol de direitos fundamentais, pode ser tratada como tal. Assim, considerando a importância desta para a sociedade brasileira, o constituinte originário lhe conferiu eficácia plena, devendo sua interpretação ser feita da forma mais ampla possível, uma vez que os princípios e objetivos fundamentais, além dos próprios direitos fundamentais, caracterizam-se como mandados de otimização.

Neste lamiré, a complexidade em torno da estrutura do direito fundamental a saúde, traz consigo vários elementos que terminam por demandar alto custo, falta de investimentos e, pluralidade de controvérsias sobre normas, dificultando a atuação da Administração pública. Neste contexto, sobressai a figura do Judiciário, um poder defensor da Constituição, responsável por, entre outras coisas, garantir o cumprimento de direitos fundamentais quando estes não forem programados através de leis ou ações pela administração publica.

Deste modo, o presente artigo tem como proposição, analisar se a judicialização da saúde seria uma consequência lógica ou mesmo prevista constitucionalmente ou se decorreria da incapacidade brasileira de concretizar o modelo constitucional dirigista adotado.

 

1. Dirigismo Constitucional e a adoção brasileira do modelo

São várias as modalidades de dirigismo constitucional, dependendo de como está previsto pela Constituição sua dirigibilidade (OLIVEIRA, 2010, p.12). As Constituições Dirigentes apresentam em seu texto constitucional uma programaticidade com a articulação das normas-fim e normas-tarefa (CANOTILHO, 2001, p.VIII-XIII), porém esta não se caracteriza como tal apenas por ser prescritiva, caso contrário todas Constituições seriam dirigentes inerentemente.

A Constituição Dirigente apresenta uma ampla abrangência em sua definição, que envolve a enunciação de programas que vinculam atuação do Estado, dos Governos, direcionando a atuação do Poder Público, configurando assim um projeto sócio-estatal basilar. Sua marca é a intervenção estatal nos regimes social, econômico, político e cultural, exigindo uma posição participativa do Poder Público (OLIVEIRA, 2010, p.14-15).

Em seus programas, a Constituição define prioridades em suas diretrizes, havendo uma relação entre motivos, meios e fins, de modo a não se alcançar as metas traçadas de qualquer maneira, pois os programas constitucionais são incompatíveis com lógicas utilitaristas (OLIVEIRA, 2010, p.15). A Constituição Brasileira é ao mesmo tempo uma Constituição Dirigente e Garantia, assim, do mesmo modo que o dirigismo brasileiro vincula a atuação do Poder Público, ele guarda os direitos e liberdades individuais e coletivas (OLIVEIRA, 2010, p.19).

Ademais, a Carta magna Brasileira possui também dimensões de resistência e projetiva, a saber:

Além disso, e reabilitando o dirigismo diante da crise dos paradigmas da pós-modernidade, a Constituição brasileira, ao ser dirigente, abriga uma dimensão de resistência e uma dimensão projetiva. A resistência se endereça ao entrincheiramento e à preservação do Estado Social como elemento existencial do Estado Democrático de Direito, enquanto a projetiva viabiliza a sua potencialização através das cláusulas de utopia que, pela crítica do presente, iluminam a direção de um futuro ao assinalar objetivos e finalidades que passam a deter caráter vinculante (DANTAS, 2011, p.03, grifo nosso).

 

A ideia de direito diretamente aplicável pretende afirmar que a Constituição é imposta como lei também no âmbito de direitos fundamentais, que jamais poderão ser rebaixados a declarações, normas programáticas ou fórmulas de oportunidades políticas apenas. Deve-se ter em mente que a existência de normas consagradoras de direitos fundamentais não exclui a necessidade de uma maior densificação através de leis e de que, mesmo com a existência ou inexistência de tais leis, os direitos fundamentais são exigíveis (CANOTILHO, 2001, p.XV-XVI).

Neste contexto, a Constituição Dirigente se propõe a coordenar as ações estatais nos âmbitos jurídico, social, cultural e econômico, traçando um modelo de Estado prestacional no qual sejam assegurados e implementados os direitos fundamentais, incluindo- se então o direito à saúde (OLIVEIRA, 2010, p. 14).

 

2. Judicialização da saúde

 

Após a Segunda Guerra Mundial os ideais naturalistas ganharam destaque no mundo jurídico, surgindo uma noção de supralegalidade constitucional a limitar o poder constituinte soberano. O Judiciário passou a ter uma tarefa de proteger as minorias das maiorias transitórias adquirindo um papel importante na criação do direito (LAGE, 2010, p.164). O poder de criação do juiz vincula-se aos princípios, aos textos normativos e aos fatos.

Logo, percebeu-se que para poder existir um Estado de Direito, é necessário que existam juridicidade e segurança jurídica.  Visto que a juridicidade tende a constituir o Estado a partir do Direito, tomando-o como medida para sua organização político-social e colocando todos abaixo do seu império. Neste contexto a juridicidade do Estado remete à ideia de justiça, que de seu turno impõe a necessidade de igualdade de todos perante a ordem jurídica (MITIDIERO, 2011, p.44-45).

 

Mas não basta a juridicidade para que se conforme o Estado de Direito. Sem segurança jurídica este também não se realiza. A segurança jurídica tem como elementos certeza, previsibilidade, confiabilidade e efetividade do Direito. Apenas quando esses dois elementos se concretizam é que se pode falar em Estado de Direito e, pois, em Estado Constitucional (MITEDIERO, 2011, p.45).

 

Em um estado democrático de direito, o papel do Judiciário é o de guardião da Constituição e demais leis, assegurando que os direitos e deveres ali estabelecidos sejam efetivamente cumpridos. Corroborando este ideia, Barroso (2008, p. 21) assim ensina:

 

Em muitas situações, caberá a juízes e tribunais o papel de construção do sentido das normas jurídicas, notadamente quando esteja em questão a aplicação de conceitos jurídicos indeterminados e de princípios. Em inúmeros outros casos, será necessário efetuar a ponderação entre direitos fundamentais e princípios constitucionais que entram em rota de colisão, hipóteses em que os órgãos judiciais precisam proceder a concessões recíprocas entre normas ou fazer escolhas fundamentadas.

 

Assim, a atividade judicial deverá fazer-se presente sempre quando necessários esclarecimentos acerca dos conceitos indeterminados ou, quando houver colisão de princípios e direitos fundamentais:

HABEAS CORPUS. CRIME DE CONCUSSÃO. EXIGÊNCIA DE PAGAMENTO PARA REALIZAÇÃO DE CIRURGIA DE URGÊNCIA. CONCEITO PENAL DE FUNCIONÁRIO PÚBLICO. MÉDICO CREDENCIADO PELO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. TELEOLOGIA DO CAPUT DO ART. 327 DO CÓDIGO PENAL. ORDEM DENEGADA. 1. A saúde é constitucionalmente definida como atividade mistamente pública e privada. Se prestada pelo setor público, seu regime jurídico é igualmente público; se prestada pela iniciativa privada, é atividade privada, porém sob o timbre da relevância pública. 2. O hospital privado que, mediante convênio, se credencia para exercer atividade de relevância pública, recebendo, em contrapartida, remuneração dos cofres públicos, passa a desempenhar o múnus público. O mesmo acontecendo com o profissional da medicina que, diretamente, se obriga com o SUS. 3. O médico particular, em atendimento pelo SUS, equipara-se, para fins penais, a funcionário público. Isso por efeito da regra que se lê no caput do art. 327 do Código Penal. 4. Recurso ordinário a que se nega provimento (RHC nº 90523, STJ, 2011).

 

Ademais, outra hipótese de intervenção judicial será quando não houver lei ou ação administrativa a programar os direitos e garantias constitucionais. Primeiramente o indivíduo deve buscar a tutela de seu direito à saúde pelas vias administrativas e quando estas forem negadas é que se deve recorrer ao Judiciário (SOUSA, 2010, p.18). Neste caso, para a ação dos magistrados relacionados ao bem estar da pessoa humana, é “denominado judicialização da saúde, e refere-se, então, às inúmeras demandas judiciais em que são exigidos tratamentos, concessão de medicamentos ou acesso às tecnologias não incorporadas pelo Sistema Único de Saúde” (GONTIJO, 2010, p. 607).

Corroborando, cite-se:

 

O Judiciário, no caso de eventuais desvios nas escolhas das políticas públicas prioritárias pelos demais poderes deve ser criativo o suficiente para dar guarida aos direitos fundamentais, de modo a garantir a justiciabilidade plena de todos os direitos: as disposições constitucionais fazem cessar a liberdade discricionária do administrador e mesmo do legislador (LAGE, 2010, p.190).

 

Por conseguinte, observando que o direito a saúde deve ser encarado como direito fundamental social subjetivo, é também percebível que ele poderá ser tutelado judicialmente quando este não for promovido em sua completa realização pelo Estado (GANDINI; BARIONE; SOUZA, p.2).

Hodiernamente, tem-se uma constante discussão acerca da possibilidade ou não da judicialização da saúde. Alguns defendem a negatividade desta, uma vez “a preocupação com a resolução dos casos concretos daria ensejo a uma micro-justiça, em que seria ignorado pelo juiz as necessidades relevantes para o resto da sociedade”. Ainda nesta defesa, argumentam que os recursos são limitados, e com a judicialização estaria em risco a política de saúde pública, além da alocação racional dos recursos públicos já escassos. (BARCELLOS, 2008, p.818).

                   Contudo, temos que na prática:

[...] em todas as hipóteses em que a Constituição tenha criado direitos subjetivos – políticos, individuais, sociais ou difusos – são eles, como regra, direta e imediatamente exigíveis, do Poder Público ou do particular, por via das ações constitucionais e infraconstitucionais contempladas no ordenamento jurídico (BARROSO, 2008, p. 06).

 

A noção de que o princípio da separação dos poderes não é absoluto remete a possibilidade de um Poder interferir na esfera do outro em caso de omissão, principalmente quando o bem tutelado é um direito fundamental. A alegação de violação deste princípio é descabida uma vez que o próprio sistema de freios e contrapesos refere-se a harmonia entre os poderes, sendo que sua divisão não é absoluta (SOUSA, 2010, p.18). 

Assim, o Poder Judiciário tem papel ativo e decisivo na concretização da Constituição, sendo a judicialização uma atividade já estipulada pela própria carta constitucional, uma vez que se uma norma constitucional permite que dela se deduza uma pretensão, subjetiva ou objetiva, caberá ao juiz dela conhecer, decidindo a matéria.

 

3. Exigibilidade de prestações de saúde e o mínimo existencial

Primeiramente, deve-se ter em mente que os enunciados normativos que versam sobre saúde e vida, buscando proteger e promover o bem da vida, não convivem facilmente com gradação. Em contrapartida, parece impossível conceber um sistema público de saúde no qual haja capacidade de oferecer e custear para todos os sujeitos todas as prestações de saúde disponíveis (BARCELLOS, 2008, p.803-805).

A falta de uma exposição pública das deficiências na área da saúde faz com que ninguém se sinta pessoalmente responsável pela escolha trágica de investir os recursos em outras prioridades que não as que necessitam mais urgentemente (BARCELLOS, 2008, p.806), por exemplo na questão específica de “distribuição medicamentos, a competência de União, Estados e Municípios não está explicitada nem na Constituição, nem na Lei” (BARROSO, 2008, p.887).

A definição de quais prestações de saúde seriam constitucionalmente exigíveis significaria que em determinadas situações o indivíduo não poderia exigir judicialmente do Estado prestações possivelmente indispensáveis para a garantia de sua saúde. Porém, ao vislumbrar que através do Judiciário toda e qualquer prestação de saúde poderia ser obtida estaria se criando um ciclo vicioso, no qual a autoridade pública se eximiria de executar as previsões constitucionais na matéria sob os argumentos de aguardar decisões judiciais sobre o assunto ou de que não haveria recursos suficientes tendo em vista o que é gasto no cumprimento dessas decisões judiciais (BARCELLOS, 2008, p.805-807).

É mister ressaltar o entendimento jurisprudencial consolidado do Supremo Tribunal Federal de que a saúde representa uma prerrogativa jurídica indisponível, assegurada a todos pela Constituição. A STA 91 de fevereiro de 2007 julgada pela Ministra Ellen Gracie, foi uma decisão realizada de forma qualitativamente diferente das demais decisões do STF que envolviam o pedido de medicamentos. Anteriormente, todas as decisões analisadas pelo STF concediam o medicamento ou tratamento descrito no pedido. O entendimento era de que a saúde era um direito fundamental a ser efetivado plena e universalmente, cabendo ao Judiciário atuar quando o Poder Público fosse omisso ou com um comportamento desviante. A STA 91 foi a primeira decisão determinando a não obrigatoriedade do Estado em fornecer o medicamento pedido e se fundamentou na limitação de recursos e na necessidade de racionalizar os gastos a fim de atender um maior contingente (WANG, 2008, p.544-549).

 É relevante considerar que o direito à saúde não deve ser um direito a ser aplicado a situações individualizadas, mas sim ser concretizado por políticas públicas garantindo um acesso coletivo universal. Outras decisões proferidas também pela Ministra Ellen Gracie mostram que o raciocínio utilizado para decidir a STA 91 não se aplica a todos os casos envolvendo o mesmo tipo de pedido, pois os pedidos devem ser analisados nos casos em concreto e as decisões se tratam de medidas tópicas e pontuais, não podendo ter seus efeitos estendidos aos demais (WANG, 2008, p.549-550).

 

Sempre que a Constituição define um direito fundamental ele se torna exigível, inclusive mediante ação judicial. Pode ocorrer de um direito fundamental precisar ser ponderado com outros direitos fundamentais ou princípios constitucionais, situação em que deverá ser aplicado na maior extensão possível, levando-se em conta os limites fáticos e jurídicos, preservado seu núcleo essencial (BARROSO, 2008, p.882, grifo nosso).

 

Nesse diapasão, observa-se que “remeter ao legislador ou ao administrador a determinação total dos efeitos dos enunciados em matéria de saúde esvazia inteiramente a fundamentalidade de tais comandos” (BARCELLOS, 2008, p.808). Desse modo, é possível identificar um núcleo de condutas exigíveis, o mínimo existencial, “que corresponde às condições elementares de educação, saúde e renda que permitam, em uma determinada sociedade, o acesso aos valores civilizatórios e a participação esclarecida no processo político e no debate público” (BARROSO, 2008, p.881), e é a partir dele que o enunciado constitucional poderá ser desenvolvido de acordo com as opções dos poderes legislativo e executivo (BARCELLOS, 2008, p.809).

O mínimo existencial prescinde a intervenção legislativa, decorre diretamente do texto constitucional. Nesse diapasão, compete ao Judiciário determinar o fornecimento do mínimo existencial como decorrência das normas constitucionais, independentemente de qualquer outra positivação, todos são igualmente dignos de tais prestações, o que não exclui o cuidado que o intérprete e o aplicador devem ter para que nos casos concretos não sejam violados os princípios da razoabilidade, da economicidade e da isonomia (BARCELLOS, 2008, p.809-812). No que diz respeito ao conteúdo do mínimo existencial e de quais as prestações seriam constitucionalmente exigíveis por compor tal conteúdo não cabe maiores aprofundamentos no presente artigo.

 

Considerações Finais

Não há duvidas de que a dignidade da pessoa humana e a saúde estão positivadas sob a forma de cláusulas gerais que comportam uma multiplicidade de sentidos possíveis, podendo ser realizados de diferentes formas de concretização. Como já abordado, há um espaço inequívoco de atuação judicial, além do mínimo existencial, onde não houver leis e atos administrativos devidamente cumpridos o Poder Judiciário pode intervir (BARROSO, 2008, p.890-891).

Uma das críticas que se faz à judicialização da saúde é que as normas positivadas estão sob a forma programática, o que não imporia propriamente uma obrigação jurídica, mas traduziria um princípio que se incluiria entre os fins estatais a serem atendidos. Desse modo, a atribuição da prerrogativa de aplicar de forma direta o preceito do direito à saúde seria um problema institucional (BARROSO, 2008, p.891-892).

Outra crítica seria a questão da reserva do possível, pois os recursos públicos já seriam insuficientes para atender às necessidades sociais, assim caberia ao “legislador julgar pela sua própria responsabilidade a importância das diversas pretensões da comunidade, para incluí-las no Orçamento, resguardando o equilíbrio financeiro geral” (BARROSO, 2008, p.893). Com essas decisões a Administração pública seria privada da capacidade de planejamento, o que comprometeria sua eficiência no atendimento ao cidadão (BARROSO, 2008, p.894), mas, como já abordado, os direitos fundamentais não podem ser rebaixados a fórmulas de oportunidade ou a meras declarações.

Em contrapartida, cabe ressaltar que por mais que se argumente que quando o Judiciário assume um papel mais ativo na implementação de políticas públicas de saúde privilegia um grupo de sujeitos que possuem acesso qualificado à justiça ou por conhecerem seus direitos, ou por poderem arcar com os custos do processo judicial (BARROSO, 2008, p.895) tal intervenção é prevista diretamente no texto constitucional no que diz respeito ao mínimo existencial que seria o núcleo irredutível de fundamentalidade do direito à saúde (BARCELLOS, 2008, p.809).

A noção de mínimo existencial serviu para minimizar e neutralizar as dificuldades do controle subjetivo individual, pois nenhum argumento de reserva do possível ou de insuficiência de recursos poderia ser suscitado contra sua exigibilidade, já que seu conteúdo está presente no conjunto de prioridades constitucionalmente definidas para a ação estatal. A dificuldade então repousa acerca dos limites do mínimo existencial, que é dado historicamente de acordo com as circunstâncias e necessidades de cada sociedade (BARCELLOS, 2008, p.819-821).

Uma Constituição deve fornecer as exigências constitucionais mínimas, o complexo de direitos e liberdades definidores da cidadania dos indivíduos que seriam intocáveis. A definição das estruturas básicas da sociedade deve proporcionar a adequação da esfera jurídica aos diferentes âmbitos sociais (CANOTILHO, 2001, XXI-XXIII).

Desse modo, tem-se que a judicialização da saúde nos moldes do mínimo existencial nada mais é do que a realização de previsões estabelecidas em normas programáticas constitucionais, sendo então uma forma de concretização do dirigismo constitucional brasileiro. A procura do Judiciário na área da saúde faz com que este desempenhe um papel de correção das deficiências das políticas públicas e sua gestão. Na área da saúde têm “todos os Poderes responsabilidade na área, não podendo se eximir dessa obrigação” (SOUSA, 2010, p.18).

 

REFERÊNCIAS

BARCELLOS, Ana Paula. O Direito a Prestações de Saúde: Complexidades, Mínimo Existencial e o Valor das Abordagens Coletiva e Abstrata. In: Direitos Sociais: Fundamentos, Judicialização e Direitos Sociais em Espécie. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

 

BARIONE, Samantha Ferreira; GANDINI, João Agnaldo Donizeti; SOUZA, André Evangelista de. A judicialização do direito à saúde: A obtenção de atendimento médico, medicamentos e insumos terapêuticos por via judicial – critérios e experiências. Disponível em:. Acesso em: 18 out. 2011.

 

BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: Direito à saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. In: Direitos Sociais: Fundamentos, Judicialização e Direitos Sociais em Espécie. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

 

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº 90523 da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, 19 de abril de 2011. Lex: Jurisprudência do STJ e Tribunais Regionais Federais. Disponível em: . Acesso em: 18 out. de 2011.

 

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador: Contributo para a compreensão das normas programáticas. 2. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2001.

 

DANTAS, Miguel Calmon. O Dirigismo Constitucional Sobre as Políticas Públicas. Disponível em: . Acesso em: 15 out. 2011.

 

GONTIJO, Guilherme Dias. A judicialização do direito à saúde. Revista Med Minas Gerais; n. 20, p. 606-611. Abr/2010

 

LAGE, Lívia Regina Savergnini Bissoli. O novo papel do Judiciário e a teoria da separação dos poderes: judicialização de direitos? Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 184, p. 163-194. Jun/2010.

 

OLIVEIRA, Fábio Corrêa Souza de. Morte e vida da Constituição Dirigente. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

 

MITIDIERO, Daniel. Tendências em matéria da tutela sumária: da tutela cautelar à técnica antecipatória. Revista de Processo. São Paulo,: v. 197,  jul/2011.

SOUSA, Fernanda Oliveira de. A intervenção judicial como garantia da efetivação do Direito à Sáude: possibilidades e limites no caso de medicamentos. Revista Direito & Justiça. Porto Alegre, v. 36, n. 1, p. 13-28, jan./jun. 2010.

 

WANG, Daniel Wei Liang. Escassez de Recursos, Custos dos Direitos e reserva do possível na Jurisprudência do STF. Revista Direito GV. n. 8, p. 539-568, jul./dez. 2008.

 

 

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