Segurança jurídica x justiça: a relativização da coisa julgada



SEGURANÇA JURÍDICA X JUSTIÇA:

A RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA.1

 

Jusélia Quadros de Abreu*

Mariana de Oliveira Silva**

 

 

Introdução; 1 O instituto da coisa julgada material no direito brasileiro; 2 Segurança Jurídica x Justiça; 3 Considerar ou desconsiderar: eis a questão. Conclusão; Referências.

 

 

RESUMO

 

O presente artigo tem por objetivo analisar a relativização da coisa julgada à luz do Estado Democrático de Direito, sob a ótica das principais questões que envolvem a problemática. Buscando – sem nenhuma pretensão de esgotar o assunto – oferecer um norte acerca deste tema alvo de constante divergência.

 

PALAVRAS-CHAVES

 

Estado Democrático de Direito. Coisa Julgada. Segurança Jurídica. Justiça. Processo Civil.

 

Introdução

 

Sabe-se que o Estado democrático de direito – consolidado no Brasil, a partir da Constituição Federal de 1988 – trouxe consigo um extenso rol de direitos e garantias – em tese – reguladores de uma possível arbitrariedade do Sistema.

Frente a tais direitos e garantias, o legislador constituinte originário preocupou-se em proporcionar segurança nas decisões judiciais, assegurando no artigo 5º, Inciso XXXVI, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.

Observa-se, portanto, que a natureza atribuída ao instituto da coisa julgada – objeto do presente artigo – é uma garantia constitucional, que objetiva dar seguridade às decisões litigiosas, evitando a eternização dos conflitos.

Desta feita, levando-se em consideração os princípios e garantias fundamentais, e pautando-se nos ideais de justiça, questiona-se se é possível desconsiderar a coisa julgada mesmo em casos de visível ofensa aos ideais de justiça?

Em face dessa problemática será abordado nesse artigo, questões atinentes à consideração e desconsideração da relativização da coisa julgada, bem como os principais pontos que envolvem a temática, sobrepesando os valores envolvidos nesta discussão, a fim de que se possa solucionar o questionamento supracitado.

 

1 O instituto da coisa julgada material no direito brasileiro

 

A prestação da tutela jurisdicional caracteriza uma relevante função do Estado, que é o de viabilizar os direitos fundamentais do cidadão presente na Carta Magna.

É neste sentido, que a adequada prestação da tutela jurisdicional deverá proporcionar resolução ao conflito de interesses, pondo termo a este, tornando-o indiscutível e imutável.2

Nesse diapasão, insere-se a temática do instituto da coisa julgada, que consiste na imutabilidade e indiscutibilidade decorrente da sentença de mérito, que impede sua posterior discussão.

Devido à problemática adotada no presente artigo, discutir-se-á o instituto da coisa julgada material, cuja imutabilidade e indiscutibilidade repercutem fora do processo, ou seja, os seus efeitos são extraprocessuais.

Com fulcro no art. 467 do Código Processual Civil, entende-se por coisa julgada: “[...] a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário.”

Neste sentido, Luiz Guilherme Marinoni, afirma:

 

A coisa julgada é fenômeno típico e exclusivo da atividade jurisdicional. Somente a função jurisdicional é que pode conduzir a uma declaração que se torne efetivamente imutável e indiscutível, sobrevivendo mesmo à sucessão de leis (art.5.º, XXXVI, da CF). Através do fenômeno da coisa julgada, torna-se indiscutível – seja no mesmo processo, seja em processos subseqüentes – a decisão proferida pelo órgão jurisdicional, que passa a ser, para a situação específica, a “lei do caso concreto’.3

 

Logo, é nítido perceber que o instituto da coisa julgada no direito brasileiro, constitui um norte para todo o ordenamento jurídico, proporcionando aos cidadãos segurança dos atos jurisdicionais, caracterizando um exercício inerente á prestação da tutela jurisdicional.

É neste contexto, que se questiona o quão absoluto é o instituto da coisa julgada, até que ponto tal imutabilidade e indiscutibilidade deverão ser consideradas, ainda que constituam grave ameaça à justa prestação da tutela aos jurisdicionados.

Deste questionamento, surge o fenômeno amplamente discutido pela doutrina: a Relativização da Coisa Julgada.

 

2 Segurança Jurídica x Justiça

 

O embate entre as questões pertinentes à relativização da coisa julgada ocorre – principalmente – entre o principio da segurança jurídica e a busca pelos ideais de justiça presentes na efetivação da tutela jurisdicional.

O processo deve ser compreendido de acordo com a sua finalidade institucional, isto é, permitir o acesso à justiça, bem como oferecer uma prestação justa, adequada e efetiva.

Ocorre que, nem sempre existem condições que viabilizam a condução de um processo de uma forma mais justa. Em tais casos, o ordenamento jurídico prevê a desconsideração do instituto da coisa julgada através do mecanismo de decisão da sentença transitada em julgado: a ação rescisória. Neste sentido, afirma Marinoni:

 

A decisão de recorrer ao instituto da coisa julgada parte da opção feita pelo legislador, no sentido de ponderar a segurança das relações sociais sobre a chamada “justiça material.” 4

 

Contudo, o fenômeno da relativização da coisa julgada, em tela, pressupõe a desconsideração da coisa julgada, sem que o faça por meio da ação rescisória.

Nestes casos, a desconsideração estaria corroborada, principalmente, pelos ideais de justiça, negando autoridade absoluta da coisa julgada em face da “Justiça das Decisões”.

Portanto, pode-se afirmar que, frente ao conceito atribuído ao instituto da coisa julgada, é possível relativizá-la, isto é, desconsiderá-la, tendo em vista a “injusta” decisão prolatada pelo poder judiciário?

Fredie Didier Jr afirma que: “A falta de critérios seguros e racionais para relativização da coisa julgada pode conduzir a sua desconsideração, ocasionando incerteza e insegurança” 5.

Ora, o aferimento da “justiça” de acordo com critérios subjetivos levaria a uma arbitrariedade ainda maior, do que a que se encontra presente no poder judiciário.

 

O problema é que admitir-se a relativização com base na existência de injustiça – que ocorreria com a violação de princípios e direitos fundamentais do homem [...] significa franquear-se ao Judiciário uma cláusula geral de revisão de coisa julgada, que pode dar margem a interpretações das mais diversas, em prejuízo da segurança jurídica. A revisão da coisa julgada dar-se-ia por critérios atípicos.6

 

Faz-se necessário garantir a estabilidade das decisões, assegurar que os conflitos de interesses sejam solucionados da melhor forma possível, mais justa e mais adequada.

 

3 Considerar ou desconsiderar: eis a questão.

 

Suscitada a principal tensão acerca da relativização da coisa julgada, questiona-se: considerar ou desconsiderar a coisa julgada em determinados casos?

Primeiramente, ressalta-se que, a coisa julgada possui status de garantia constitucional, indispensável à adequada prestação da tutela jurisdicional.

Ademais, constitui um pressuposto básico ao princípio da segurança jurídica, assegurando ao jurisdicionado que o Estado extinguirá a sua situação litigiosa.

Logo, desconsiderar a coisa julgada implicaria em desconsiderar um dos pilares do ordenamento jurídico brasileiro e do Estado Democrático de Direito: a segurança jurídica.

 

A coisa julgada é instituto jurídico que integra o conteúdo do direito fundamental à segurança jurídica, assegurado em todo Estado Democrático de Direito, encontrando consagração expressa, em nosso ordenamento, no art. 5º, XXXVI, CF. Garante ao jurisdicionado que a decisão final dada à sua demanda será definitiva, não podendo ser rediscutida, alterada ou desrespeitada – seja pelas partes, seja pelo próprio Poder Judiciário.7

 

A coisa julgada está inserida na Constituição Federal com o intuito de conferir as decisões prolatadas, segurança jurídica. Não possui nenhum caráter valorativo frente à verdade e à justiça.

 

Na realidade, porém, o instituir a coisa julgada, o legislador não tem nenhuma preocupação de valorar a sentença diante dos fatos (verdade) ou dos direitos (justiça). Impele-o tão-somente uma exigência de ordem prática, quase banal, mas imperiosa, de não mais permitir que se volte a discutir acerca das questões já soberanamente decididas pelo Poder Judiciário. Apenas a preocupação de segurança nas relações jurídicas e de paz na convivência social é que explicam a res iudicata.8

 

Revestir a sentença de imutabilidade e indiscutibilidade é garantir que o conflito de interesses não se eternize, essa é a finalidade da coisa julgada, direito sem o qual, outros não poderiam ser efetivados.

 

Conclusão

 

O instituto da coisa julgada no direito brasileiro possui força constitucional, uma vez que está aduzido no art. 5.º, XXXVI da Constituição Federal, constituindo um imperativo do princípio da segurança jurídica.

Divagou-se acerca do instituto, no ordenamento jurídico do Brasil, destacando os seus pontos relevantes, confrontando os dois principais pilares deste fenômeno.

Observou-se que, relativizar a coisa julgada material sem critérios seguros e racionais geraria incertezas e inseguranças.

Relativizar em nome da justiça acarretaria arbitrariedades, uma vez que o conceito de justiça é amplo e relativo.

Em suma, o presente artigo buscou de forma sucinta, apresentar uma análise crítica acerca da relativização do instituto da coisa julgada material, demonstrando o porquê a desconsideração de tal instituto constituiria uma grave ofensa aos ditames constitucionais e ao Estado Democrático de Direito.

Bibliografia

 

CÂMARA. Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 16. Ed. rev. e atual. 1 vol. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2007.

 

DIDIER Jr., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Teoria da prova, direito probatório, teoria do precedente, decisão judicial, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela. 5. Ed. rev. 2. vol. – Salvador: Editora JusPodivm.

 

DIDIER Jr., Fredie. Relativizar a coisa julgada? Disponível em: http://www.abdpc.org.br/abdpc/artigos/Luiz%20G.%20Marinoni(4)%20-formatado.pdf.

 

MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do processo. 3. Ed. rev. e atual. 2. tir. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.

 

MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do processo de conhecimento. 3. Ed. rev. e atual. 2. tir. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004.

 

THERODORO Júnior, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. 1. vol. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

 

 

 

1 Paper apresentado à disciplina de Processo de Conhecimento II, ministrada pelo professor Hugo Assis Passo, para obtenção de nota.

*Acadêmica do 5º período do Curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco- UNDB

**Acadêmica do 5º período do Curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB

2 MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do processo. 3. Ed. rev. e atual. 2. tir. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. P.135.

3 MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do processo de conhecimento. 3. Ed. rev. e atual. 2. tir. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. P.678.

4 MARINONI, op. cit., P.698.

5 DIDIER Jr., Fredie. Relativizar a coisa julgada? Disponível em: http://www.abdpc.org.br/abdpc/artigos/Luiz%20G.%20Marinoni(4)%20-formatado.pdf.

6 DIDIER Jr., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. P.442.

7 DIDIER Jr., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Teoria da prova, direito probatório, teoria do precedente, decisão judicial, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela. 5. Ed. rev. 2. vol. – Salvador: Editora JusPodivm. P. 408

8 THERODORO Júnior, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. 1. vol. Rio de Janeiro: Forense, 2007. P. 598.

 

 


Autor: Jusélia Quadros De Abreu


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