Nepotismo e seus tentáculos



Vinícius de Aquino Sobrinho[1] 

Devido à importância e aos fatores ligados ao nepotismo, torna-se necessário uma pesquisa aprofundada das principais formas de ocorrência de tal prática, bem como dos dispositivos legais de “tentativas” de evitá-la. Pois somente o conhecimento a respeito de tal assunto poderá criar a consciência em futuros advogados, juízes, delegados e promotores. Consciência também que irá surgir nos atuais cidadãos que poderão se tornar questionadores e eleger pessoas mais idôneas para cargos de comando no país, estados e municípios.

Montesquieu em sua obra “O Espírito das Leis” (1979, p. 36) coloca como o bem mais valioso em um Estado Popular a virtude, sem a qual a avareza toma conta e os desejos mudam de objeto. Assim o líder que deveria zelar pelo bem do povo passa a pensar em seu benefício e o de seus familiares.

Com efeito, os governantes e legisladores são eleitos pelo povo e para o povo, o que ocorre muitas vezes é que o detentor de determinado cargo eletivo que deveria ser orientado pelo amor à pátria e às leis, muitas vezes não o considerada e os governantes deixam de pensar nos governados e passam apenas a agir em benefício próprio visando vantagens para si e esquecendo que o governo deve ser realizado para o povo. Esta reflexão conduz ao seguinte questionamento: a prática do nepotismo é realmente fruto de uma falta de critérios para contratação dos cargos de confiança ou é meio para que se possam obter benesses variadas com o emprego oferecido?

Para um melhor entendimento a respeito do alcance desta prática nefasta que é o nepotismo e do comprometimento desta na administração pública e consequentemente seus efeitos nos demais âmbitos sócio-políticos é imprescindível que primeiramente venhamos definir o que vem a ser administração pública, que na definição de Meirelles (2005, p.55) é:

 

Em sentido formal, a Administração Pública, é o conjunto de órgãos instituídos para consecução dos objetivos do Governo; em sentido material, é o conjunto das funções necessárias aos serviços públicos em geral; em acepção operacional, é o desempenho perene e sistemático, legal e técnico, dos serviços do próprio Estado ou por ele assumido em benefício da coletividade. Numa visão global, a Administração Pública é, pois, todo o aparelhamento do Estado preordenado à realização de seus serviços, visando à satisfação das necessidades coletivas.

 

Dada a etimologia do vocábulo “administração” (manus, mandare, cuja raiz é man), é-lhe natural a idéia de comando, orientação, direção e chefia, ao lado da noção de subordinação, obediência e servidão. De qualquer modo, a palavra encerra a idéia geral de relação hierárquica e de um comportamento eminentemente dinâmico (MEIRELLES, 2005, p.55).

Existem, porém autores que entendem não ser possível traçar uma definição única de administração pública, dividindo-a em sentidos de interpretação. Nesse sentido explica Di Pietro (2005, p. 37):

Basicamente, são dois os sentidos em que se utiliza mais comumente a expressão administração pública:

a) em sentido subjetivo, formal ou orgânico, ela designa os entes que exercem a atividade administrativa; compreende pessoas jurídicas, órgãos e agentes públicos incumbidos de exercer uma das funções em que se triparte a atividade estatal: a função administrativa

b) em sentido objetivo, material ou funcional, ela designa a natureza da atividade exercida pelos referidos entes; nesse sentido, a administração pública é a própria função administrativa que incumbe, predominantemente ao Poder Executivo.

 

 

Assim, pode-se se definir administração pública objetivamente como a atividade concreta e imediata que o Estado desenvolve para a consecução dos interesses coletivos e subjetivamente como o conjunto de órgãos e de pessoas jurídicas aos quais a lei atribui o exercício da função administrativa do Estado.

Segundo José Afonso da Silva (2004), a organização administrativa no Estado Federal é complexa, porque a função administrativa é institucionalmente imputada a diversas entidades governamentais autônomas que, no caso brasileiro, estão expressamente referidas no artigo 37 da Constituição, de onde provém a existência de várias Administrações Públicas: a federal (da União), a de cada Estado (Administração estadual), a do Distrito Federal e a de cada Município (Administração municipal ou local), cada qual submetida a um Poder Político próprio, expressado por uma organização governamental autônoma.

Tal divisão visa especificar as competências possibilitando uma melhor prestação estatal, e visando a descentralização dos serviços. A Administração Pública, para atingir seus objetivos de gestão dos bens e interesses da comunidade e materialização da política governamental, deve seguir os princípios constitucionais inseridos no artigo 37, caput, da nossa Constituição Federal de 1988, a saber: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (ANDRADE).

Devem estar sempre presentes, pois servem de pauta, de fundamento da atividade administrativa. Se relegados ou desvirtuados, quando da gestão dos negócios públicos, farão fenecer, por ilegítima, a atividade administrativa. Devem nortear, portanto, toda a função administrativa.

Tendo em vista que as atividades da Administração Pública são disciplinadas preponderantemente pelo direito administrativo, tais princípios podem ser considerados também princípios jurídicos da Administração Pública brasileira. Passa-se agora a discorrer acerca destes princípios orientadores da atividade administrativa pública.

A Constituição de 1988 menciona explicitamente como princípios os seguintes: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (este último acrescentado pela Emenda 19/1998 – Reforma Administrativa). Alguns doutrinadores buscam extrair outros princípios do texto constitucional como um todo, seriam os princípios implícitos. Outros princípios do direito administrativo decorrem classicamente de elaboração jurisprudencial e doutrinária.

Os princípios da legalidade, juntamente com o de controle da Administração pelo Poder Judiciário, nasceram com o Estado de Direito e constitui uma das principais garantias de respeito aos direitos individuais. Isto porque a lei, ao mesmo tempo em que os define, estabelece também os limites da atuação administrativa que tenha por objeto a restrição ao exercício de tais direitos em benefício da coletividade (LOPES).

A vontade maior dentro do princípio da legalidade em seu estado democrático de direito, traz garantias de que a sociedade não ficará atrelada à vontade própria dos detentores de mandato. Ora, o tradicional princípio da legalidade, previsto no artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal, aplica-se normalmente na Administração Pública, porém de forma mais rigorosa e especial, pois o administrador público somente poderá fazer o que estiver expressamente autorizado em lei e nas demais espécies normativas, inexistindo, pois, incidência de sua vontade subjetiva, pois na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza, diferentemente da esfera particular, onde será permitida a realização de tudo que a lei não proíba. Diferentemente do indivíduo, que é livre para agir, podendo fazer tudo o que a lei não proíbe a administração, somente poderá fazer o que a lei manda ou permite (PEREIRA).

Assim segundo Di Pietro (2005, p. 47) a Administração Pública não pode, por simples ato administrativo, conceder direitos de qualquer espécie, criar obrigações ou impor vedações aos administrados; para tanto, ela depende de leis. Esse princípio coaduna-se com a própria função administrativa, de executor do direito, que atua sem finalidade própria, mas sim em respeito à finalidade imposta pela lei, e com a necessidade de preservar-se a ordem jurídica.

A esse princípio também se submete o agente público. Com efeito, o agente da Administração Pública está preso à lei, e qualquer desvio de sua competência pode invalidar o ato e tornar o seu autor responsável, conforme o caso, disciplinar, civil e criminalmente (GASPARINI, 2003, p. 07).

Nesse sentido, tem-se que o princípio da legalidade é um dos sustentáculos fundamentais do Estado de Direito, pois toda e qualquer atividade pública, sem exceção, deverá obedecer ao preceituado no texto legal. Embora este não se confunda com a lei, não que há negar-se, todavia, ser esta uma das suas expressões basilares. É nela que os indivíduos encontram fundamento das suas prerrogativas, assim como a fonte de seus deveres. É princípio, pois, genérico do nosso direito, esculpido como direito fundamental com expressa menção no artigo 5º, inciso II da Constituição Federal.

Observa-se ainda que o princípio em comento não incida apenas sobre a atividade administrativa, estende às demais atividades do Estado, aplicando-se também às funções legislativas e judiciárias.

Assim, o nepotismo embora considerado um problema de gestão pública, seus “tentáculos” tem um alcance devastador nos demais âmbitos sociais. As práticas deturpadoras do nepotismo comprometem significativamente o bom andamento da manutenção dos direitos sociais, tão arduamente conquistados ou em via de. Ou seja, o nepotismo corrompe as instituições as quais caberia resguardar os direitos do povo. Gerando assim as mais variadas formas de desigualdades sociais.

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2008.

 

LOPES, Carlos Côrtes Vieira. Análise crítica da atuação do Poder Judiciário em relação aos benefícios da seguridade social. Disponível em: . Acesso em: 29 de nov de 2009.

 

MEIRELLES, Hely Lopes.  Direito Administrativo Brasileiro 26. ed. São Paulo. Ed. Malheiros, 2000.

 

MONTESQUIEU, C.L. de S. Do espírito das leis. 2a ed. São Paulo, Abril Cultural, 1979.

 

LOPES, Carlos Côrtes Vieira. Análise crítica da atuação do Poder Judiciário em relação aos benefícios da seguridade social. Disponível em: . Acesso em: 29 de nov de 2009.

 

PEREIRA, Rafael D`Ávila Barros. A atividade notarial e de registro e o princípio do concurso público. Disponível em: . Acesso em: 29 nov. 2009.onso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.

[1] Bacharel em Direito pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA)

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Autor: Vinícius De Aquino Sobrinho


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