A Embalagem Como Forma De Comunicação E Expressão



Num mercado altamente competitivo onde os produtos são ofertados em grandes quantidades e a concorrência entre eles tem sido cada vez mais acirrada, o desafio da Publicidade, enquanto expressão importante do sistema capitalistaé dar escoamento à enorme gama desses produtos que surgem todos os dias.Segundo Zygmunt Bauman em seu livro de Globalização (p. 88), as Conseqüências Humanas, "A sociedade moderna tem pouca necessidade de mão-de-obra industrial em massa e de exércitos recrutados; em vez disso, precisa engajar seus membros pela condição de consumidores". Isso tem sido possível graças às inovações e estratégias de mercado focadas no consumidor. Consumidores que, ao perderem a crença nos valores coletivos, se tornaram exigentes e exclusivistas. Movidos pelo desejo de diferenciação que, entretanto, se perdem em meio a avalanche de opções de produtos bastante semelhantes. Nesse contexto, o design da embalagem passa a responder pela diferenciação do produto, criando impacto visual necessário para a sua identificação, atraindo o consumidor e estabelecendo um contato emocional com este. O elo de ligação e de comunicação estabelecido entre produto, consumidor e marca, se eficiente, pode resultar em fidelidade – mesmo que temporária - à marca adquirida. As cores e formas conferidas às embalagens podem adquirir significados simbólicos e sugerir determinadas impressões e estados emocionais resultando num bom funcionamento dos objetivos finais da mensagem publicitária. Pois, além de haver identificação do consumidor com o produto no ponto de venda através da embalagem, esta ainda pode permanecer com o consumidor passando a conviver na sua casa por determinado tempo e assim se estabelecer um vínculo emocional bastante favorável aos objetivos de marketing.

"As embalagens apresentam uma ampla variedade de formas, modelos e materiais, e fazem parte de nossa vida diária de diversas maneiras, algumas reconhecidas coincidentemente, outras de influência bem sutil, todas, porém, proporcionando benefícios que justificam a sua existência. O produto e a embalagem estão se tornando tão interrelacionados que já não podemos considerar um sem o outro".(MOURA & BANZATO, 1990).

De acordo com o pensamento de Moura e Banzato, podemos dizer que a embalagem, além de ter o poder de exercer certo fascínio no ato da compra também agrega valor ao produto fazendo com que, muitas vezes, o consumidor opte pela compra prioritariamente pela aparência da embalagem e algum utilitário agregado à mesma. Na tarefa de associar valor ao produto, a embalagem precisa ter alta visibilidade, apelo emocional, qualidade nas informações, facilidade de acesso e manuseio do consumidor. Como resultado, conforme acontece com outros elementos estéticos, as formas e as cores das embalagens são consideradas elementos de identidade por isso, com direito à propriedade autoral, que são sempre utilizadas por concorrentes querendo se enquadrar dentro de uma fatia de mercado.Pesquisas realizadas pela ABRE – Associação Brasileira da Embalagem - mostraram que o brasileiro valoriza muito a embalagem e sabe discernir com clareza uma embalagem criteriosa de uma de qualidade inferior. Quando perguntado o que seria a embalagem do futuro, responderam que é aquela que foi "feita para ele", que o faz sentir-se tratado como um consumidor do primeiro mundo[1].

Em termos semióticos isso significa que o consumidor está alienado do processo de mundialização e globalização onde o mercado das trocas estabelece o quê e como consumir em termos de alimentação, moda, arquitetura, música, cinema, jornalismo. Na qualidade de instância simbólica, a Publicidade, além de passar a mobilizar intensamente o desejo do consumidor conferindo-lhe certa estabilidade social e referência de identidade, também exerce a função de legitimadora da estrutura produtiva e reprodutiva do capitalismo, isso porque promove o escoamento de produtos que de outra forma não poderiam ser consumidos, além de veicular códigos morais e éticos de consumo próprios de uma cultura narcísica representada pela preocupação exacerbada dos indivíduos pós-modernos com a realização pessoal e com o "aparente". Esta qualificação do consumidor tem levado a indústria da embalagem a buscar criações publicitárias realmente equilibradas e convergidas ao caráter fragmentário das identidades individuais falseadas em função do mercado, ou seja, a segmentação de mercado. Nesse sentido, temos, do lado da produção (no caso, publicitária), motivações claramente mercadológicas, enquanto do lado do consumidor, motivações que se vinculam à ordem do desejo, do insaciável. Os consumidores, que são a verdadeira razão de ser da embalagem, consideram-na algo muitíssimo importante em suas vidas, chegando a ponto de não distinguir ou separá-la do produto. Para eles, a embalagem e o produto são uma coisa só, constituem uma entidade indivisível. Um item que é, segundo eles, cada vez mais relevante no processo de escolha dos produtos.

Considerando o contexto, é importante salientar que dados da ABRE (Associação Brasileira da Embalagem), também apontam as embalagens como responsáveis por 80% das tomadas de decisão de compra nos pontos de venda. Estatística que talvez se explique pelo fato de que são as mulheres, na função de donas-de-casa, as responsáveis por mais de 80% do consumo no Brasil, por adquirirem desde papinhas de bebê até roupas para o marido. São as consumidoras, mais vulneráveis aos apelos sígnicos empregados ao universo do consumo e mais susceptíveis ao encantamento exercido pelas embalagens já que, priorizam os aspectos estéticos em detrimento dos aspectos funcionais dos produtos. Em contrapartida, os homens se mostram mais racionais diante dos apelos simbólicos, valorizando praticidade e observando informações e instruções contidas nas embalagens.

Liberdade, personalidade, realização, sucesso são alguns dos atributos apreciados na sociedade contemporânea capitalista. A Publicidade surge como difusora desses atributos transmitindo-os, de forma implícita ou explícita, aos objetos através de códigos simbólicos guiados pelos ditames da moda. Nessa perspectiva, os objetos aparecem esvaziados de suas características materiais e funcionais, tornam-se personificados, fetichizados, ou seja, o objeto na função de realizador dos desejos dos indivíduos[2]. O princípio geral do objeto fetiche, concerne ao fato de que ele sempre encarna uma relação atribuível, mas que sempre o oculta, substituindo-o: no caso do fetiche da mercadoria são as relações sociais de produção da própria mercadoria que são encobertas. No mundo pós-moderno o que prevalece é a vontade de onipotência exercida através do consumo. Agora, além da compra de objetos, compram-se também "atitudes", "estilos" personalizados. O design da embalagem se favorece a partir dessas circunstâncias, pois, na era do visual, o objeto tem sido mais valorizado pelos ideais que ele possa transmitir que por qualquer outro sentido. A embalagem, aqui também tratada como objeto, assume seu papel de condutora não só de produtos, mas dos conteúdos ideológicos a eles empregados. Segundo a interpretação dada a Karl Marx por Moacir Gadotti (TRANSFORMAR O MUNDO, p. 49), ideologia significa mentira, interesse, ocultação e mistificação. Mas a ideologia aqui citada significa também alienação, já que estamos tratando embalagem como objeto conseqüente da cultura de massa, que hoje, mostra-se diferenciada em vários segmentos de mercado. Segmentação ilusória de atendimento às necessidades "específicas" de cada indivíduo, conferindo-lhe "diferenciação", mas que serve apenas de ardil para uma maior intensificação do consumo. A Indústria Cultural submete cada vez mais o consumidor aos ditames do capital monopolista difundindo, através da mídia publicitária, ideais e estilos de vida individualistas pautados na ilusão de satisfação de todos os desejos humanos. Adorno, em seu capítulo "A Indústria Cultural", sempre esteve atento às chamadas "formas de produção individual": "Cada produto apresenta-se como individual; a individualidade mesma contribui para o fortalecimento da ideologia, na medida em que se desperta a ilusão de que é coisificado e mediatizado é um refúgio de imediatismo e de vida" (1978, p.289).

Para maior compreensão da importância da função da embalagem, é necessário compreender a evolução desse conceito. A necessidade de se embalar coisas vem dos primórdios da civilização. No Brasil pré-colonial, os índios utilizavam conchas, folhas, chifres, cascas de frutos e de árvores e outros elementos derivados da natureza, para acondicionar, armazenar e transportar, principalmente alimentos. Na medida em que a civilização evoluía e as atividades mercantilistas se tornavam mais perenes, houve-se a necessidade de buscar novos recursos para o transporte das mercadorias. Entraram em cena embalagens mais resistentes fabricadas artesanalmente como os balaios feitos de taquara (um tipo de bambu), embornais, sacolas e malas feitos de couros de animais e baús confeccionados de madeira. Por volta do século XV já se podia observar a preocupação com a estética dos utilitários para valorização das mercadorias, haja vista a onipotência dos baús dos piratas muito utilizados para transportar jóias valiosas e que, ainda hoje, são facilmente encontrados em grandes tamanhos, usados como objeto de decoração ou em miniaturas e "repaginados", utilizados como invólucros de presentes.

Na França Napoleônica, foi desenvolvida a técnica para uso de folha de flandres, embora a embalagem de lata – como a conhecemos hoje – tenha sido criação do inglês Peter Durante, em 1810. O plástico surgiu em 1907, das experiências do norte americano Leo Bakland, tendo ocorrido o seu maior desenvolvimento durante a Segunda Guerra Mundial. Tem-se notícia de que os egípcios fabricavam garrafas de vidro e os fenícios utilizavam barricas de madeira.

Nota-se que a embalagem inicialmente fora concebida para a proteção dos produtos, entretanto, foi a partir da Segunda Guerra Mundial que começaram a surgir inovações significantes no setor de embalagens, com a abrangência dos supermercados que se instalaram nas grandes cidades e o advento do auto-serviço, as embalagens passaram a exercer o papel de substituir o vendedor no momento final de decisão de compra, ou seja, no ponto-de-venda, funcionando como "vendedor silencioso" nas prateleiras dos supermercados.

Hoje as embalagens apresentam as mais diversas formas, modelos, cores e materiais. Esse mercado tornou-se um negócio rentável, responsável por geração de muitos empregos e pela movimentação de bilhões de reais por ano levando o Brasil a assumir o segundo lugar no ranking mundial de comercialização

de embalagens (Viotti 1999, p. 32). A crescente valorização desse importante item no mercado também fez com que o SEBRAE, em parceria com a ABRE - Associação Brasileira da Embalagem – tomasse a iniciativa de abrir uma linha de crédito especial para que as pequenas empresas possam investir mais nas embalagens e, assim, poder enfrentar a concorrência com as grandes empresas.

Essa diversidade das aparências deve ser pensada para além da rentabilidade que produz. Propicia também a sensação de satisfação ao consumidor que é entes de tudo, um ser humano movido por sensações internas bastante subjetivas e, portanto, difíceis de serem compreendidas.

"O consumidor é como um iceberb. Ele se movimenta no mercado e todos podem visualizá-lo, como a ponta de um iceberg, mas suas reais intenções, motivações e atitudes permanecem ocultas. Apenas analisando-o mais profundamente, por meio da imersão em seu interior, será possível conhecer o seu todo, enxergando-o de forma integral e descobrindo as verdadeiras razões que o levam a agir de determinada forma. Esses motivos, que variam desde crenças, atitudes, preconceitos e valores até interesses, necessidades ou desejos, são as forças motrizes que estimulam o comportamento humano e variam de indivíduo para indivíduo". (COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR. Cap1, p. 4).

Assim, estudos na área de comportamento do consumidor caracterizam-se por buscar em outras áreas do conhecimento como a Antropologia e a Sociologia, possíveis pistas para entender tal comportamento. O processo de tomada de decisão de compra pode incluir aspectos simbólicos, cognitivos, afetivos que envolvem o ato de consumir. Dentro dessa perspectiva, é importante entender uma característica peculiar a toda embalagem: permitir ao usuário final do produto o prazer de desembalá-lo antes de consumi-lo. O ato de desembalar é um instinto humano desde o nascimento; o feto tem que romper sua "embalagem" para vir ao mundo. O desembalar carrega toda a magia da descoberta, do mistério e do conteúdo. No ser humano este desejo começa a se manifestar no sexto ou sétimo mês de vida extra-uterina e a criança, muitas vezes, apresenta muito mais interesse pelo processo da desembalagem do que pelo conteúdo. É de se imaginar, portanto, que estas mesmas características permaneçam no homem enquanto adulto.

Assim, a concepção de uma embalagem deve levar em conta o prazer da desembalagem. A dificuldade de desembalar um produto pode lhe conferir aspectos negativos bem como se deve considerar esse ritual tão ou até mais importante que o design ou o material da embalagem. Um exemplo claro da importância do desembalar são as embalagens japonesas. Na cultura oriental, embalar um produto é um ato de amor, de demonstração de carinho; um dos canais encontrados por eles para extravasar seus sentimentos é justamente a embalagem.

Se embalar bem é função fundamental da empresa, permitir o bom desembalar também deve ser considerado juntamente com o design, rotulagem, material, confecção final e disposição do produto no ponto-de-venda. Uma má experiência no ato de desembalagem pode, além de comprometer a eficácia do produto, - seja pela dificuldade de manuseio ou por alguma deficiência não aparente - também limitar a eficiência dos objetivos de marketing aplicados às embalagens. Nessa função, elas precisam ser vistas, diferenciadas, devem causar impacto e criar uma conexão emocional com as pessoas. Para que sejam apreciadas e desejadas, já que são objetos semióticos portadores de informações. Portanto, podem ser vistas como mídias, veículos de mensagens carregados de significados.

Como objeto semiótico e simbólico a embalagem deve assumir cinco funções fundamentais: (1) diferenciação: a embalagem deve ser distinguida de seus concorrentes; (2) atração: a embalagem deve ter a capacidade de ser percebida em frações de segundos, tendo assim um impacto positivo no seu conteúdo visual; (3) efeito espelho: a embalagem deve transmitir a cultura do consumidor, ou seja, transmitir a sua auto-imagem, de modo que seu estilo de vida seja refletido na embalagem. Desse modo, causará uma motivação que levará a compra do produto. (4) sedução: é o discurso da imagem mensagem, a embalagem tem que persuadir, fascinar o consumidor. (5) informação: a embalagem deve fornecer informações úteis ao consumidor, quantidade, validade e informações que agreguem valor à embalagem.

Assim, somente quando esses elementos estão em equilíbrio, que através da embalagem, o consumidor identifica, escolhe e usa o produto. Só a partir da experiência de associação dos signos plásticos com signos ideológicos e signos do imaginário profundo, é que ele é, ou não, atraído para comprar o produto.

Entretanto, necessário se faz compreender que o design de embalagem só agrega valores aos produtos publicitários quando neles estão adequados as relações sígnicas de expressão e conteúdo, forma e substância; necessidades complexas do consumidor e o posicionamento do produto no mercado. Os valores mais facilmente perceptíveis gerados pelo design são: praticidade, conveniência, facilidade de uso, conforto, segurança e proteção ao produto. Estes atributos por si não vão agregar valores: é preciso ter cor adequada; textura em harmonia com aspectos das promessas realizadas pelos códigos verbais. O design traz valores emocionais ao produto, que também acabam tendo reflexos práticos e bastante objetivos como percepção de funcionalidade e, principalmente, fidelidade à marca. Assim, atinge-se o objetivo principal de uma criação: o de permitir ao público imergir parcialmente nos objetos criados e com eles interagir.

Em termos de efeito na criação publicitária e na relação da embalagem com o consumidor, é pertinente relatar que todo produto também tem sua cultura, ou seja, cada mercado a que a embalagem se destinará deverá ter um visual condizente com a cultura local. Portanto, para entender o consumo é preciso conhecer como a cultura constrói experiências na vida cotidiana, como atuam os códigos culturais que dão coerências às práticas comerciais, como objetos e pessoas podem ser classificados e, por fim, como semelhanças e diferenças podem ser elaboradas através do consumo. Sendo assim, a experiência do consumo só é possível a partir da interpretação de códigos geradores de categorias como necessidade, utilidade ou desejo[3].

Apoiando-se na reflexão de Umberto Eco, pode-se dizer que, a partir do momento em que a Semiologia estabelece a existência de um código, o significado é um fenômeno de cultura descrito pelo sistema de relações que o código define como aceito por determinado grupo em determinada época. Sendo assim, um objeto nada será se lhe faltar um sistema simbólico que lhe atribua usos, razões e sentidos. Na cultura contemporânea, são os meios de comunicação de massa, mais precisamente do sistema de marketing, publicidade e propaganda, a instância que patrocina esse processo intenso de atribuir significados aos objetos, classificando a produção e socializando o consumo. Dessa maneira, a relação de compra e venda se tornaria humanizada, permitindo a reciprocidade entre produção e consumo. "Porém, o imediatismo da Indústria Cultural, regido pela lógica dos valores de troca e de interesses econômicos, leva a uma espécie de saturação social dos produtos culturais, ou seja, o princípio do valor de troca postula que tudo só tem valor na medida em que se pode trocá-lo não na medida em que é algo em si mesmo" (Adorno e Horkheimer,1991: 148). Existe aí o "princípio da equivalência" entre valores de troca incorporados nos bens da cultura (Adorno e Horkheimer,1991); e é justamente a supremacia, sem precedentes, da esfera econômica travestida de "cultura" – a qual deifica os bens de consumo, trocando-os por "diferenciação" e "individualidade" – o que se observa contemporaneamente, com a expansão do domínio do mercado em proporções globais. Nessa perspectiva, o objeto puro seria um mito, na medida em que ele sempre é definido de acordo comas relações que promove, seja em relação ao homem, seja em relação a outros objetos.No entanto, a transformação do objeto em valor-signo continua a encobrir o caráter social do trabalho, pois, o objeto continua a ser mercadoria, porém, essa mercadoria/objeto de consumo é, agora, predominantemente valorada em seus aspectos sígnicos, até a sua natureza material tende a diluir-se e o que aparece é o movimento dos signos. Marx (1948:140), ao analisar o fetichismo da mercadoria, considera que o valor de troca - característico da forma mercadoria – encobre "uma relação social definida, estabelecida entre os homens". É importante também ressaltar que somente a presença de elementos codificadores não garante a linguagem, é necessário que esses elementos estejam articulados entre si de maneira que possam representar algo ou ter um significado compreensível, ou seja, para se estabelecer uma comunicação eficiente com o consumidor, é preciso que o sistema de códigos – signos, sinais, símbolos sejam difundidos através de um canal capaz de permitir a recepção da mensagem pelo destinatário que retornará a compreensão dessa mensagem em forma de feed-back. Atento a esse devir, Marshall MacLuhan formulou sua tese relacionando o meio à mensagem na qual menciona o meio como variante fundamental e determinante da comunicação e não simples canal de passagem de conteúdo ou mero veículo de transmissão de mensagens. Diante do exposto, interessa enfatizar que as embalagens são objetos semióticos de caráter expressivo e um dos principais campos de atuação da semiótica é o da imagem.Nesse sentido, uma embalagem se torna uma imagem com propriedades expressivas quando a ela se inclui material, ou melhor, quando faz aparecer um trabalho do material – o design trabalha o material, mas procura dar a impressão de que, na obra concluída, é o material que trabalha. Em síntese, a expressão visa o espectador e veicula significados exteriores à obra, mobilizando técnicas particulares, meios que afetam a aparência da obra. A imagem é concebida como representação plástica, material, virtual ou aquilo que evoca uma determinada coisa por ter com ela uma relação simbólica. Sendo assim, é papel da imagem agradar seu espectador e oferecer-lhe sensações específicas. A função da imagem é hoje indissociável da noção de arte a ponto de se confundirem, pois uma imagem que vise obter um efeito estético, pode se fazer passar por imagem artística, efeito esse bastante utilizado na esfera da Publicidade. Dessarte, apropriações parciais ou integrais de elementos da obra de arte são comumente utilizadas por publicitários em trabalhos que, muitas vezes, são responsáveis pelo esgotamento da aura da obra auferida. (Como bem explicou Walter Benjamim – "A perda da aura").

Para Clotilde Perez, a imagem de uma marca existe na mente dos consumidores com um conteúdo psíquico previamente definido e que é dinâmico, orgânico e flexível, sendo a Publicidade o meio que temos para acessar a mente dos consumidores e criar um estoque de imagens, sensações e símbolos que definem a entidade de percepção chamada marca.

"Dentro desse espaço perceptual da marca podemos criar mundos imaginários sedutores, fábulas, sonhos e personagens míticos que, graças às ferramentas publicitárias, ficam associadas ao produto e que finalmente passam a definir a marca". ( PEREZ, 2004, p.48).

Ernest Gombrich (1965), outro estudioso das imagens artísticas, opõe duas formas principais de investimento psicológico na imagem: o reconhecimento e a rememoração. Mas ele coloca a rememoração como mais profunda e mais essencial que o reconhecimento. A dicotomia coincide com a distinção entre função representativa e função simbólica, uma puxando mais para a memória, logo para o intelecto, para as funções do raciocínio, e a outra para a apreensão do visível, para as funções mais diretamente sensoriais. Desse modo, a imagem tendo como função primeira garantir, reforçar, reafirmar e explicitar nossa relação com o mundo visual, se torna também essencial para a atividade intelectual do ser humano. Portanto, é também papel da imagem e da Publicidade permitir que essa relação seja aperfeiçoada e melhor dominada.

Ainda considerando a questão da rememoração, é importante entender como a consciência artística capta o universo do consumo promovendo no imaginário coletivo os símbolos identitários gerados pela Publicidade. Nos grupos primitivos, para se atualizar, o mito tinha a necessidade de se materializar nos rituais mágicos e religiosos. Porém, a cada vez que a memória coletiva era invocada, funcionava como alimento na renovação das forças sociais. Nas sociedades atuais, a ritualização deve ser permanente, sem o que o presente se esvairia na sua substancialidade. Os objetos e as imagens têm de ser incessantemente reatualizados para que o vazio do tempo possa ser preenchido.

Peter Berger considera que os universos simbólicos possuem um valor central em todas as sociedades. Eles interpretam a ordem institucional das coisas, conferindo sentido à vida dos homens ajudando, de certa forma, a garantir a coesão social [4].Sendo assim, não seria equívoco afirmar que o ser humano pós-moderno possui uma identidade multifacetada, atribuível às diferentes funções que assume no contexto social contemporâneo devido a necessidade de inserir-se à lógica global. Como conseqüência, a noção de espaço/tempo está sendo destruída, emergindo identidades construídas a partir da bricolagem das várias opções servidas pelo mercado e disseminadas pela Publicidade. Todavia, o ser humano passa a agir de diferentes formas dependendo das situações a que esteja submetido. Sendo assim, não é equivoco dizer que o homem pós-moderno, diante da necessidade imposta pela mídia de assumir e absorver diferentes identidades durante sua existência, torna-se também uma embalagem itinerante orientada pelos modismos vigentes, mutáveis e efêmeros. Esse homem, perdido na sua própria identidade, busca incessantemente pelo prazer e satisfação de reconhecer-se e de ser reconhecido nas propostas da publicidade. Esta, por sua vez, se afirma no reconhecimento das lembranças estocadas na memória nacional ou internacional popular. Lembranças permitidas graças a Gutenberg que, com a invenção da escrita, possibilitou a constituição de coletividades alargadas e a constituição regulada de memórias externas. Sendo assim, da totalidade de traços armazenados na mente, diferentes indivíduos escolhem um subconjunto marcando suas idiossincrasias, isto é, suas diferenças em relação aos outros indivíduos. A essência desse caráter idiossincrático advém da existência, promovida pelos meios de comunicação de massa, de uma memória internacional popular e coletiva existente no interior da sociedade de consumo e forjada pelos meios publicitários como referências culturais mundializadas. Os personagens, situações, imagens veiculadas pela Publicidade como: histórias em quadrinhos, televisão e cinema, constituem-se em substratos dessa memória e fazem parte do imaginário coletivo mundial como relata Renato Ortiz (pp. 126)[5].Dessa forma, o mundo se torna inteligível e ao contemplá-lo, surge uma sensação de familiaridade seguida da satisfação de sentir-se "em casa", ou seja, o ato mnemônico se realiza mediante o re-conhecimento. O presente é uma constante rememorização do passado, reminiscência idílica de algo que se cristalizou na memória coletiva[6].

É inegável o importante papel que a embalagem ocupa na vida dos consumidores. A abrangência de sua utilização, verificada nos lares, restaurantes, bares, farmácias e supermercados dimensiona substancialmente seu caráter visceral tanto nas relações sociais, promovidas através da logística dos produtos, quanto nas relações psicosociais promovidas e largamente difundidas pela Publicidade. A embalagem ganhou prestígio e gerou interesse em sociólogos e artistas da pop-art que passaram a considerá-la como uma importante referência para avaliar o estágio de desenvolvimento da cultura material de uma determinada sociedade ou uma manifestação da própria cultura. Os profissionais de marketing fizeram dela uma ferramenta fundamental para conduzir os produtos de consumo ao sucesso num cenário competitivo cada vez mais complexo e congestionado como o que vemos hoje, em tempos de globalização. Os economistas encontram na produção e consumo de embalagens um importante termômetro para avaliar o nível da atividade econômica. Nessa avaliação, os efeitos psicológicos também merecem relevância, pois às embalagens foram atribuídas funções cujos efeitos escapam ao controle racional do consumidor que chega ao ponto de tratá-la como uma "amiga íntima" fruto de carências afetivas e frustrações decorrentes do frenético estilo de vida dos tempos atuais. Por fim, não há como falar em embalagem sem citar seus degradantes efeitos ao meio ambiente. Todavia, os índices de reciclagem e reutilização têm aumentado consideravelmente nos últimos anos e a preocupação de estudiosos com o meio ambiente, tem resultado em pesquisas e descobertas de materiais de composição biodegradável para confecção de embalagens que possam diminuir, ou até mesmo extinguir o impacto desses invólucros na natureza.

Esse trabalho visa contribuir tanto para reflexão das inúmeras especificidades práticas das embalagens - com seus vínculos ideológicos gerados pela Publicidade - quanto para demonstração das irrestritas possibilidades de qualificação das formas materiais em embalagens. E nesse sentido, suscitar a esperança de que o ser homem um dia, também possa reconhecer seu corpo como embalagem da sua alma. Quem sabe assim, o progresso da sociedade humana possa ter a real e iminente conexão com os valores tão bem difundidos pelos meios publicitários?

Referências Bibliográficas

Berger, P. "A construção social da realidade". Petrópolis. Vozes, 1973.

Bauman, Zygmunt 1925-Globalização conseqüências humanas/Zygmunt Bauman; tradução, Marcus Penchel. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,1999.

Gadotti, Moacir. Marx: "Transformar o mundo". São Paulo, 1995.

Gombrich, Ernst H.: "Arte e Ilusão – um estudo da psicologia da representaçãoPictórica". São Paulo, Martins Fontes, 1995.

Horkheimer, Max, ADORNO, Theodor W, A Indústria Cultural: O Iluminismo como Mistificação das Massas,trad. de Júlia Elisabeth. In: COSTA LIMA, Luiz (Org.),Teoria da Cultura de Massa, 4a edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.

Ortiz, R. "Mundialização e Cultura". São Paulo, 2003.

Perez, Clotilde. Signos da Marca. Expressividade e sensorialidade. SP: Thomson Learning, 2004.

Severiano, M.F. "Narcisismo e Publicidade: uma análise psicossocial dos ideais do consumo na contemporaneidade". São Paulo: Annablume 2001.

Samara, Beatriz S. Comportamento do Consumidor: conceitos e casos/Beatriz Santos Samara – São Paulo: Prentice Hall, 2005.


Autor: Sandra Paiva


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