Definir o que seria ética para a filosofia cética



 

 

DEFINIR O QUE SERIA ÉTICA PARA A FILOSOFIA CÉTICA

 

 

Jusélia Quadros de Abreu1

Mariana de Oliveira Silva**

 

Sumário: Introdução; 1 Entendimento do Ceticismo; 2 Entendimento da Ética; 3 Ética x Ceticismo; Conclusão; Referências.

 

RESUMO

Desde a antiguidade até os dias atuais, a dificuldade de se definir o agir humano e classificá-lo como eticamente correto ou não, constituí-se dificuldade mesmo para os estudiosos considerados não céticos, visto que a diversidade cultural é fator da definição de valores e consequentemente do agir dentro de uma sociedade. E para os céticos, essa definição de Ética, ou seja, o que seria considerado o agir eticamente para os adeptos do Ceticismo, é uma tarefa extremamente difícil, mesmo eles afirmando não desprezar a justiça e nem abandonarem quaisquer parâmetros (crenças) axiológicos (estudo ou teoria dos valores), pois como definir valores éticos uma vez que o Ceticismo é caracterizado pela investigação interminável, a neutralidade e o constante questionamento do que seja definido como bem ou mal, certo ou errado sendo contrários a afirmação dos dogmáticos que pregam o conhecimento da verdade única e inquestionável.

PALAVRAS-CHAVE

Ética. Ceticismo. Dogmatismo. Sociedade.

 

Introdução

 

Os céticos, embora considerados como “neutros” e descompromissados no sentido de assegurar uma verdade única, marcaram a história da humanidade e ampliaram horizontes possibilitando novas leituras de mundo através de seus questionamentos.

O Ceticismo, assim como a Ética, não constitui um tema de discussão recente, mas sim, encontra-se presente em toda a história da Filosofia desde os tempos mais remotos, tendo como um dos seus primeiros representantes, Pyrro de Elis (360- 270 a.c), considerado o primeiro filósofo cético e foi o fundador da escola conhecida como Pirronismo1, o qual fundamentava sua postura cética através da suspensão do juízo (julgamento), pregando que nada pode ser conhecido, logo, não podemos ter certeza de nada.

Em relação à Ética, podemos falar que existe a discussão de como o Homem deve agir no meio em que vive e o que será atribuído como bem ou mal, certo ou errado, desde a formação das primeiras sociedades.

Da antiga Grécia ao momento em que vivemos, a definição de valores, de regras de convivência e o modo de agir perante as diversas situações vivenciadas pelo Homem sempre esteve presente em todas as sociedades, uma vez que não existe povo por menos “civilizado” que não tenha noções do que seja certo ou errado por mais relativo que esses conceitos possam ser, uma vez que variam de uma cultura para outra, sendo assim de difícil conceituação até mesmo para os não considerados céticos.

Mas, dentro de uma variedade existente no que se refere à definição de Ética, decorrente das diversas culturas, seria possível definir um conceito universal dentro da concepção cética, uma vez que nada para os céticos pode ser considerado como definitivamente verdadeiro? E já que para os céticos tudo pode ser aceitável, ou seja, tudo pode ser ético então a humanidade viveria em uma sociedade “perigosa” onde tudo é permitido.

 

1 Entendimento do Ceticismo

 

Etimologicamente, Ceticismo é uma palavra de origem grega (skepsis) e significa “exame”, ou seja, o Ceticismo constitui uma postura filosófica em que os seus adeptos têm por objetivo “examinar” de uma forma crítica se a percepção e o conhecimento que possuem como verdadeiros, realmente o são, e também se alguém pode afirmar ou não que possui um conhecimento absolutamente inquestionável e verdadeiro.

O Ceticismo não pretende constituir teses sobre determinado assunto e muito menos ser um conhecimento, sua pretensão é mostrar através de uma argumentação, a inexistência da garantia de que conhecemos alguma coisa, pois segundo ele tudo pode ser colocado em dúvida e não podemos ter certeza de nada.

 

“O ceticismo não é uma doutrina, propriamente, mas, uma disposição de espírito, uma atitude mental, que consiste em duvidar da possibilidade de alcançar qualquer certeza. São expressões características do ceticismo, por exemplo, “nada defino”, “nem isso nem aquilo”, “não sei”, não compreendo”, “talvez sim”, “talvez não”, “é possível”, “não é possível”, “tudo é inapreensível”, etc.”2

 

Sendo assim, a desconfiança de todas as afirmações é o “alimento” dos céticos, e manter uma atitude crítica diante da pretensiosa atitude dogmática de afirmar que é detentora da verdade inquestionável, constitui a principal característica do Ceticismo.

Para o cético o sujeito é incapaz de apreender, ou seja, apropriar-se do objeto de conhecimento.

A sociedade ideal para ele seria aquela na qual predominam a democracia no sentido das pessoas terem liberdade de pensamento, a pluralidade de idéias e a tolerância em relação às diferenças, elementos esses favorecedores de uma convivência pacífica em um mundo marcado pela diversidade cultural. Sendo assim, os céticos têm por aversão as sociedades e as mais diversas formas de instituições autoritárias, nas quais é imposta uma única linha de pensamento, deixando de lado a reflexão crítica em favor do dogmatismo, ou seja, verdades inquestionáveis.

 

2 Entendimento da Ética

 

A Ética foi e continua sendo objeto de estudo de grandes pensadores ao longo da história da humanidade, que questionam em seus estudos o que seria um comportamento ético, o agir corretamente. Tarefa difícil essa, em virtude da diversidade de comportamento e divergência de opiniões em relação ao que é certo ou errado.

Em seu livro O que é Ética, Álvaro Valls deixa bem claro essa dificuldade ao definir o conceito de Ética:

 

“A Ética é daquelas coisas que todo mundo sabe o que são, mas que não são fáceis de explicar quando alguém pergunta.” 3

 

Etimologicamente, Ética deriva do grego “ethos”, e estabelece uma correlação com o latim “morale”, que significa conduta ou costume o que nos leva a concluir que Ética e moral podem ser considerados sinônimos.

A reflexão sobre Ética tem início no mundo ocidental na Grécia antiga, no século V a.C., quando a compreensão de mundo baseada em relatos místicos é extremamente combatida pelos estudiosos da época, dentre eles os sofistas4 que rejeitavam o fundamento religioso de explicação da moral e pregavam que os princípios morais definidores da Ética eram resultados de um processo de convenção feia pela própria sociedade.

Da época dos sofistas até os nossos dias, são várias as concepções referentes à questão da moralidade, do agir de maneira ética.

Na verdade falar de Ética significa reportar-se para a vida de maneira geral, ou seja, para o comportamento correto de agir em uma sociedade nas suas mais diversas formas, uma vez que tal comportamento reflete os costumes de cada povo e são definidores do que é certo ou errado dentro do meio em que vivem.

 

3 Ética x Ceticismo

 

Acredito que para os céticos o problema da definição da Ética encontra-se no sentido de como posso, e com base em que argumentos ou justificativa serei capaz de saber que atuo de maneira correta, e consequentemente estou agindo de maneira ética e quem age de forma contrária ao meu comportamento estar atuando de maneira condenável, ou seja, desprezando o agir eticamente.

Segundo Plínio Junqueira Smith5 em seu livro Ceticismo, uma pessoa sabe alguma coisa quando cumpre três condições, sendo elas:

1º) ela precisa crer no que diz ou pensa.

2º) sua crença tem que ser verdadeira.

3º) ela precisa dar uma boa razão ou justificativa adequada para sua crença.

A segunda e a terceira condição constituiriam objetos de questionamento e levantamento de dúvida para os céticos, pois nossas crenças poderiam ser falsas, contrariando assim o que julgamos.

Em relação à terceira condição, o problema consiste em que mesmo se a crença for verdadeira, poderia ocorrer à impossibilidade da justificação de tal crença.

Sendo assim, o cético tem como escopo mostrar as dificuldades inerentes ao processo de justificação para garantir a verdade de nossas crenças e chegar á conclusão do conceito ético.

 

Conclusão

 

È inegável a contribuição do Ceticismo para a não estagnação do conhecimento, no entanto, às vezes pode ser uma atitude perigosa dos adeptos do Ceticismo fazerem as pessoas questionarem determinadas ações que consideram como um bem ou um mal, além de constituir uma difícil tarefa na medida em que abala o “conformismo” estabelecido pela idéia de se ter descoberto a verdade e favorece, consequentemente, a “inquietação” gerada pela dúvida.

Na verdade, a definição de Ceticismo no campo da Ética sempre teve obstáculos, pois o Ceticismo, em relação a valores, é bem explícito e claro no que ele é contra e no que ele é a favor. No primeiro caso, ou seja, valores que o Ceticismo se contrapõe representam os valores defendidos pelos dogmáticos, suas verdades inquestionáveis e também os seus métodos e critérios para se chegar a essas verdades. No segundo, valores defendidos pelos céticos, correspondem a valorização do pensar, do questionamento e da investigação interminável.

No entanto, esses valores não são considerados valores morais a ponto de se definir a Ética, e sim valores pessoais que servem para considerar uma pessoa com cética ou não, visto que a idéia dos dogmáticos de terem descoberto a verdade não é necessariamente considerada pelo cético um mal.

Essa definição encontra obstáculo também pela própria ideologia do Ceticismo na medida em que prega e inexistência da verdade, sendo assim não teria como definir de maneira geral e definitiva o conceito de Ética sob a condição de “perda de identidade” do Ceticismo, uma vez que ele não forma conhecimentos e sim os questiona.

 

REFERÊNCIAS

 

 

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: Introdução á Filosofia, 2ª ed. rev. atual, São Paulo: Moderna, 1993.

 

CORBISIER, Roland. Introdução à Filosofia: Tomo II-Parte Primeira-Filosofia Grega. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira S.A, 1984.

 

PEREIRA, Oswaldo Porchat. Rumo ao Ceticismo. São Paulo: UNESP, 2007.

 

SMITH, Plínio Junqueira. Ceticismo: Filosofia passo a passo 35. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.

 

VALLS, Álvaro L.M. O que é Ética: Coleção primeiros passos 177. São Paulo: Brasiliense, 2006.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1 Aluna do 2º período do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco (UNDB). Graduada em Ciências Exatas com habilitação em Matemática pela Universidade Estadual do Maranhão-UEMA.

 

** Aluna do 2º período do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco (UNDB).

1 Pirronismo, ou ceticismo pirrônico, foi uma tradição do ceticismo fundada por Enesidemo de Cnossos e registrada por Sextos Empiricus no século III.

2 CORBISIER, Roland. Introdução à Filosofia: Tomo II-Parte Primeira-Filosofia Grega. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira S.A, 1984, p.296.

 

3 VALLS, Álvaro L.M. O que é Ética: Coleção primeiros passos 177. São Paulo: Brasiliense, 2006, P. 7.

4 Grupo de mestres gregos que viajavam de cidade em cidade realizando aparições públicas (discursos, etc.) para atrair estudantes, de quem cobravam taxas para oferecer-lhes educação.

5 Doutor em filosofia pela USP e leciona na Universidade São Judas Tadeu.


Autor: Jusélia Quadros De Abreu


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