Que educação, para qual sertão?



Ministério do Desenvolvimento Agrário - MDA

Secretaria de Desenvolvimento Territorial – SDT

Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e tecnológico - CNPq

 

 

 

 

 

 

QUE EDUCAÇÃO, PARA QUAL SERTÃO?

 

 

 

PRÁTICAS PEDAGÓGICAS UTILIZADAS EM DUAS ESCOLAS RURAIS DO MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DO EGITO-PE – ANÁLISE DE SUA CONTRIBUIÇÃO PARA A CONVIVÊNCIA COM O SEMIÁRIDO BRASILEIRO

 

 

 

 

 

 

ALEXANDRINO PEREIRA NETO

[email protected]

 

 

 

 

 

 

São José do Egito-PE

Março de 2012

 INTRODUÇÃO: PARA OUTRO SERTÃO[1], OUTRA EDUCAÇÃO

Sem imaginar o semiárido que queremos não é possível conceber a educação para construí-lo. Imaginemos primeiro os fins; estes servirão para inspirar os meios imprescindíveis para alcançá-los. Por isso, a convivência transformadora com nossa região é impossível com a educação descontextualizada que temos.

Pode-se concluir que existem duas formas de contextualização da educação na região; a cada uma delas corresponde um semiárido e uma forma de ‘conviver’ com ele. A primeira é a contextualização convencional, a forma hegemônica de representação na qual o SAB é visto e promovido como região-problema.

A outra é a forma emergente de representação promovida, por exemplo, pela RESAB, ASA, CAATINGA, SERTA e INSA, na qual o SAB emerge prenhe de possibilidades. Esta é a contextualização crítica na qual o SAB emerge como região viável porque é percebida a partir do paradigma das potencialidades (INSA, 2011) para sua abordagem conceitual, tratamento metodológico, intervenção tecnológica, manejo político e gestão institucional, com outros tipos de impactos sociais, econômicos, tecnológicos, culturais, políticos, ecológicos, institucionais e éticos relevantes para sua população.

 

Caminhos metodológicos

            Nossa investigação incluiu três caminhos metodológicos que permitiram uma ‘triangulação da informação’ imprescindível para aumentar o grau de confiança da interpretação dos resultados. O primeiro foi o caminho histórico-interpretativo desenvolvido por Silva (2010) para entender por que, apesar do crescente reconhecimento da adequação da educação contextualizada, no SAB prevaleceu a educação descontextualizada? O segundo foi o caminho ético-transformador que Martins (2006) e Pereira (2010) sintetizam magistralmente em suas respectivas contribuições sobre a proposta da educação contextualizada, em contraponto com a proposta da educação descontextualizada. O terceiro foi o caminho empírico, que consistiu de uma investigação contextual, duas escolas rurais situadas no contexto do semiárido de São José do Egito-PE, cujos momentos metodológicos exploraram a presença ou ausência do SAB nas práticas pedagógicas das duas professoras de Ciência, História e Geografia das escolas rurais selecionadas, assim como nos livros didáticos destas disciplinas utilizados pelas respectivas professoras.

 

INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS

            Este trabalho de investigação se propôs verificar empiricamente as práticas educativas e os conteúdos curriculares das disciplinas de História, Geografia e Ciências em duas escolas rurais no Município de São José do Egito-PE, a partir de três objetivos específicos:

  • Identificar a presença ou ausência do Semiárido Brasileiro como referência contextualizada nas práticas pedagógicas aplicadas nas escolas investigadas.

 

  • Que espaço de importância ocupa o Semiárido Brasileiro nas práticas pedagógicas que o incorporam.

 

  • Identificar qual Semiárido Brasileiro emerge nas práticas pedagógicas que o incorporam como referência contextual de região problema ou região viável.

 

Conforme o Relatório da investigação, as conclusões derivadas da interpretação de seus resultados, obtidos a partir das realidades educacionais examinadas nas escolas X e Y, das praticas pedagógicas analisadas das professoras X e Y entrevistadas e dos conteúdos dos livros didáticos de Ciência, História e Geografia usados pelas respectivas professoras, são:

  • O enfoque de planejamento que prevalece nas escolas rurais do município de São José do Egito-PE não é participativo, o que explica em parte a ausência generalizada do SAB em geral e do semiárido do Município de São José do Egito-PE, e uma presença rara e distorcida quando ocorre;

 

  • As práticas pedagógicas não são inclusivas do SAB em geral nem do semiárido do município de São José do Egito-PB;

 

  • Os únicos livros didáticos de História, Geografia e Ciências em uso são os oferecidos pelo Programa Escola Ativa, nos quais o SAB e o semiárido do Município de São José do Egito-PE, como regra, não estão presentes e, quando estão, emergem ou como “região-problema” ou sem identidade própria;

 

  • Não há livros paradidáticos de nenhum tipo, muito menos vinculados à educação contextualizada para a convivência com o SAB, o que explica em parte a ausência do SAB e do semiárido do Município de São José do Egito-PE, e muito menos a presença do SAB e do semiárido do Município de São José do Egito-PE como regiões prenhes de potencialidades.

 

            Nenhuma das práticas pedagógicas das Professoras X e Y das respectivas escolas X e Y inclui o contexto do SAB em geral e do semiárido de São José do Egito-PE em particular. Por esta razão, somente os conteúdos dos Cadernos de História, Geografia e Ciências foram selecionados para o esforço de interpretação da investigação realizada. Porém, a própria ausência da dimensão semiárida nas práticas pedagógicas será interpretada. Quando os cadernos selecionados foram examinados, os conteúdos que foram identificados com potencial para um esforço de análise de conteúdo, o que se encontrou foi o seguinte:

 

  • Caderno de Ensino e Aprendizagem Nº 3 de História do Programa Escola Ativa, 2010. A parte de seu conteúdo vinculada ao interesse da investigação expressa a penetração das dimensões política, ideológica e epistemológica constitutivas da dicotomia “superior-inferior” identificada por Souza (2010), que no Caderno se expressa na página 30 nos seguintes termos: “No campo, no Brasil, e em países avançados como a Suíça, Suécia, Israel, há muitas escolas que são multisseriadas ou multi-idades. Nessas escolas, estudam, na mesma sala, educandos de diferentes séries e de diferentes idades. Algumas escolas de muito sucesso, como a escola da Ponte, em Portugal, também adotam o critério da multi-idade, colocando juntos os “miúdos” [crianças].

 

  • Caderno de Ensino e Aprendizagem Nº 3 de Geografia do Programa Escola Ativa, 2010. A parte de seu conteúdo vinculada ao interesse da investigação expõe o SAB de forma ambígua na página 40 da seguinte forma: “Caatinga, palavra de origem indígena, significa “floresta branca”. Nesse ecossistema, as plantas perdem todas as suas folhas na época da seca”.

 

  • Caderno de Ensino e Aprendizagem Nº 3 de Ciências do Programa Escola Ativa, 2010. A parte de seu conteúdo vinculada ao interesse da investigação expõe o SAB de forma ambígua da seguinte forma, na página 95: “Você sabia que o cajueiro de Pirangi, no Rio Grande do Norte, é considerado o maior do mundo? Sua copa equivale a 70 árvores colocadas lado a lado. Ele produz cerca de 60 mil cajus por safra; na página 103: “Você sabia? Que no dia de campo, no Ceará, os técnicos da EMBRAPA mostraram com a adoção de novas tecnologias simples é capaz de mudar ávida de várias famílias de caprinocultores?” Eles deram o exemplo do Assentamento Tijuca/Boa vista, Quixadá, sertão de Pernambuco, onde são criadas cabras com grande produtividade; na página 136: “Você sabia que em outubro de 2003, no encontro de mulheres Trabalhadoras Rurais, em Mossoró, no Rio Grande do Norte, o acesso à água de boa qualidade para o consumo humano foi apontado como tema central pelas trabalhadoras?” Essas mulheres exigiram ações de emergência para resolver o problema com direito básico do cidadão. Após esse encontro, a construção de cisternas no Semiárido tornou-se ação concreta.

 

  CONCLUSÃO

Nossa investigação identificou que se o propósito da contextualização da educação for contribuir à construção de comunidades felizes com modos de vida sustentáveis, essa contextualização não deve restringir-se apenas à inclusão do SAB nos livros didáticos e práticas pedagógicas. Que SAB será incluído? A “região-problema” condenada ao atraso econômico por seu inimigo número um, a seca? Ou a ‘região viável’ que emerge do reconhecimento, valorização e mobilização de suas próprias potencialidades?

O SAB está principalmente ausente nos conteúdos dos livros didáticos e nas práticas pedagógicas dos professores das escolas rurais da região. Quando está presente no currículo das escolas rurais, o SAB é incluído como “região-problema”, ainda quando se usam imagens que retratam a “seca” na ausência de um texto específico descrevendo o fenômeno no contexto do fenômeno mais amplo da semiaridez da região.

O processo de planejamento nas escolas rurais é excludente das realidades, saberes, experiências, desafios, potencialidades, histórias e sonhos locais. Seu enfoque racionalista prescinde da participação de outros atores locais na definição do que seria relevante para os educandos, suas comunidades e seus modos de vida.

Os livros didáticos usados nas escolas rurais são concebidos longe da região onde são aplicados e sem compromisso com o futuro das comunidades dos educandos que serão influenciados por seus conteúdos. Faz falta ampliar a geração e uso de livros paradidáticos concebidos a partir da proposta da educação contextualizada (crítica) para a convivência (transformadora) com o SAB, a exemplo dos já gerados, por exemplo, pela RESAB.

A formação dos professores das escolas rurais da região não reconhece nem valoriza as potencialidades do SAB e muito menos sua mobilização para uma convivência transformadora com essa região.

Como nossa investigação teve o propósito ético-epistemológico de compreender para transformar, propomos:

 

  • Incluir a história e principalmente as potencialidades do SAB em geral e do semiárido de São José do Egito-PE na realidade educacional e nas práticas pedagógicas que incidem no processo ensino-aprendizagem das disciplinas de história, geografia e ciência nas escolas rurais deste município e que busquem nas organizações locais e regionais (ONGs, Sindicatos e Associações de pequenos produtores da agricultura familiar) nas suas reflexões e ações como manejo da caatinga, preservação ambiental, captação e armazenamento de água (P1mc: Programa um milhão de cisternas), P1 + 2: programa 1 terra e 2 águas, criação de pequenos animais e aves, conteúdos curriculares de pesquisa nas escolas, visando a construção do conhecimento para uma educação re-significada.

 

  • Incluir visitas e intercâmbios a locais onde existam ações exitosas de convivência transformadora e respeitosa com a caatinga, (quintais produtivos, barragens subterrâneas, agro-floresta, silagem, fenagem, beneficiamento de polpa de frutas nativas. E para superar a pedagogia da resposta, que os questionamentos e as perguntas a serem dialogadas com os atores dessas ações/práticas e com os textos do livro didático sejam elaboradas pelos estudantes com a mediação dos professores (as).

 Cultivar o planejamento participativo dos conteúdos e práticas pedagógicas para mobilizar a imaginação, capacidade e compromisso de outros atores que vivem outras experiências e constroem outros saberes frutíferos para a convivência transformadora com o SAB em geral e com o semiárido de São José do egito-PE em particular.

 Incluir no processo de planejamento as organizações comunitárias (espaço político) para um diálogo contextualizado sobre os temas relevantes para a vida no Município (recursos hídricos, educação, saúde, produção, artes, etc.).

 Adotar materiais paradidáticos vinculados ao movimento de contextualização crítica da educação para a convivência transformadora com o SAB, como as cartilhas: Semiárido 1 e 2 da RESAB utilizadas em vários municípios da região, as experiências (elaboradas/sistematizadas) do SERTA, do CAATINGA, MST, CPT e do INSA e das diretrizes da Educação do Campo.

 

 BIBLIOGRAFIA

 

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA. Caderno de ensino aprendizagem: história 3 / Lulia Queiroz Silva. – Brasília: Ministério da Educação e Cultura, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2010 - Programa Escola Ativa.

 ______ Caderno de ensino e aprendizagem: ciências 3/Maria Helena Araújo Santos. – Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2010 -- Programa Escola Ativa.

 

______ Caderno de ensino e aprendizagem: geografia 3 / Neuza do Carmo. – Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. 2010 -- (Programa Escola Ativa).

 MARTINS, Josemar da Silva. Anotações em torno do Conceito de Educação para Convivência com o Semiárido, em RESAB Educação para convivência com o Semiárido: Reflexões teórico-práticas. 2ª edição. Juazeiro/BA: RESAB, 2006.

 PANELAS, Oliveira. Instituto Nacional do Semiárido: o paradigma das oportunidades (Cordel). Campina Grande-PB: Instituto Nacional do Semiárido – INSA, 2008.

 

PANELAS, Oliveira; e SILVA, José de Souza. Outra visão, outro Sertão (Cordel). Campina Grande-PB: Instituto Nacional do Semiárido – INSA, 2011.

 

PEREIRA, Adelaide da Silva. O conceito de educação contextualizada na perspectiva do pensamento complexo – um começo de conversa. Documento de apoio ao Curso de Especialização em Educação Contextualizada para a Convivência com o Semiárido Brasileiro ofertado pelo CDSA – Campus de Sumé (UFCG) nos dias 4 e 5 de junho de 2010.

 

SILVA, José de Souza. Aridez mental, problema maior: Contextualizar a educação para construir o ‘dia depois do desenvolvimento’ no Semiárido Brasileiro. Versão revisada e ampliada do documento de apoio ao “Curso de Especialização em Educação Contextualizada para a Convivência com o Semiárido Brasileiro”, realizado no Campus de Sumé - PB da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), e apresentado no Seminário Nacional de Educação Contextualizada para Convivência com o Semiárido Brasileiro de 31 de maio a 2 de junho de 2010, 47p. 

 

SILVA, José de Souza. A mudança de Época e o Contexto Global Cambiante: Implicações para a mudança institucional em organizações de desenvolvimento, p. 65-110, In: LIMA, Suzana Valle (Ed). Mudança Organizacional: Teoria e Gestão. Brasília, Brasil: Fundação Getúlio Vargas (FGV), p. 2004.

 

 


[1] A palavra Sertão significa Semiárido Brasileiro (SAB) pois é assim que a maioria de seus habitantes se refere à sua região. Por exemplo, a palavra não se refere à dimensão geográfica usada para distinguir as regiões Litoral, Agreste e Sertão, mas sim à totalidade da região semiárida que emerge da trama das relações, significados e práticas entre todas as formas e modos de vida constitutivos de sua construção e reconstrução histórica permanente.


Autor: Alexandrino Pereira Neto


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