Indecifrável incógnita



Mais uma noite acordado refletindo sobre esta estranha existência.  Seria mais fácil simplesmente dormir, sonhar um lindo sonho, acordar em paz e revigorado para enfrentar a caixa de pandora que representa o futuro do amanhã. Mas os suplementos que ingeri para me dar ânimo para ir a academia, e perder o excesso de peso que a tanto tempo me incomoda, ainda fazem efeito pelo meu corpo e me tiraram além do apetite, também o sono.

Poderia ligar a tevê e assistir algum seriado que me fizesse sorrir, ouvir a linda voz da Paula Fernandes cantando “Eu quero ser pra você”, buscar refúgio ingerindo alguma bebida forte, ou qualquer outro recurso que pudesse enganar meu sistema neurológico para então me permitir descansar em paz, desfrutando a sensação ímpar produzida pela maciez e perfume de meu lençol branco disposto sobe meu colchão king size, mas, de algum modo bizarro estou desnorteado pelo turbilhão de ideias e sentimentos que se apoderaram de minha mente que não consigo fazer nada mais além de refletir sobre minhas próprias contradições.

Sou hoje a dor de uma perda eterna, a espera por alguém que nunca chega, sou a luta da alma contra a carne, a ansiedade de uma mãe a espera do filho a altas horas da madrugada, o ressentimento de uma amizade traída, a revolta de alguém que amou e acreditou no eterno.  Sou também a alegria de uma visita inesperada, o doce som do tilintar do barulho do molho de chaves do filho adolescente, a esperança de acreditar que uma taça de cristal chamada confiança - mesmo espatifada - consegue ser remendada juntando seus caquinhos - e embora jamais se reconstrua a bela taça em seu estado original - é possível formar ao menos um minúsculo copinho que seja capaz de armazenar algum líquido sem derramar, sou a paz de espírito de alguém que admitiu e se conformou com os próprios erros, simplesmente por que se aceitou que é um mero mortal, uma molécula de água no oceano do universo.

Após duas horas pensando sobre a complexidade da vida, cheguei a conclusão de que a incerteza e a ansiedade que acompanha todo humano resolveu ser minha companheira  por toda esta noite de sexta-feira. E se já não bastasse todas as aflições geradas pela necessidade de pensar, ainda sou atemorizado pelo som de uma voz serena que sussurrou pausadamente por três vezes a mesma frase em meu ouvido:

“Fotografei-te com  meu coração e revelou-se a tua enorme ingratidão”
“Fotografei-te com  meu coração e revelou-se a tua enorme ingratidão”
“Fotografei-te com  meu coração e revelou-se a tua enorme ingratidão”

Lembrei-me dos meus 16 anos e de minhas aulas de literatura com o professor Rubens, sabia que aquela frase que tinha gravado há alguns anos era de Reggiani, fiquei ainda mais ansioso e inquieto.

Falei em voz alta – em um tom alto o bastante que pudesse ser ouvido pelos meus próprios ouvidos, mas baixo o suficiente para não despertar meus pais no quarto ao lado e ser surpreendido novamente falando sozinho – “Por que isto agora?” Tornei a repetir: “Por que isto agora? Eu quero uma resposta!”

Com quem teria sido eu cruel e injusto? Terei eu sido ingrato com Deus, por viver na loucura de ter de ajuntar riquezas, esquecendo assim de agradecer por todos os dias de vida e felicidade vividos? Pela minha ausência com papai, que me preparou desde meu nascimento para ser um capitalista que é obrigado a trabalhar por doze horas diárias? Com os defensores dos animais abandonados, por não aderir a causa puramente por acreditar que primeiro devemos resolver o problema dos humanos? Com os ecologistas por não utilizar sacolinhas retornáveis? Quanto mais eu pensava, menos tudo isso fazia sentido.

Dei o título ao texto de “Indecifrável Incógnita”, meramente pelo fato de ter chegado até aqui e ainda não ter absolutamente idéia daquilo que estou falando. Seria um texto autocrítico, uma rápida olhada ao espelho onde se nota algumas rugas e imperfeições? Ou seria um artigo que ao ser lido as pessoas se identificarão com meus rabiscos de pensamentos? Simplesmente não sei.

Quem sabe daqui a algumas décadas, não atormentem os vestibulandos e concurseiros de plantão, pedindo a interpretação de algo que nem o autor sabe explicar. Os mais audaciosos dirão: “O autor entrou em um estado de introspecção e processamento intelectual inconstante” ou simplesmente “O autor estava doidão”.


Autor: Lucas Simão Tobias Vieira


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