Os processos naturais ou humanos enfrentam variabilidade



Infalibilidade não está ao nosso alcance

Um estudo realizado pelo Departamento Nacional de Segurança nos Transportes nos Estados Unidos analisou todos os acidentes aéreos entre 1983 e 2000 e descobriu que de 53.487 pessoas envolvidas, 51.207 sobreviveram, portanto, neste período de 17 anos, os acidentes resultaram em 2.460 vítimas fatais.

Por outro lado, o tabagismo é considerado pela Organização Mundial da Saúde a principal causa de morte evitável em todo o mundo, sendo responsável por mais de 4,9 milhões de mortes anuais (WHO, 2003).

Qual o interesse que leva autoridades, políticos, população e a mídia a darem uma importância tão completamente irracional e desproporcional às 2.460 vítimas fatais de acidentes aéreos e serem absolutamente indiferentes as mais de 80 milhões de vítimas do tabagismo nos mesmos 17 anos?

Obviamente, os familiares e amigos das vítimas de acidentes têm o direito de verem esclarecidas as circunstâncias da morte de seus entes queridos. Porém, o que intriga é o fato das demais pessoas darem tanta atenção aos raros acidentes aéreos, desprezando os milhões de voos que não deram problema.

Haverá boas explicações para este paradoxo oferecidas por diferentes estudiosos do comportamento humano e da sociedade, mas o Contraponto aborda o assunto despretensiosamente, apenas oferecendo um desafio ao pensamento.

O Contexto

No período conhecido por iluminismo ou “época da razão”, a busca pelo saber e pela liberdade de pensamento trazia a reboque uma poderosa promessa subjacente: a ciência e o conhecimento salvarão a humanidade, livrando-a dos males das trevas e da ignorância e curando-a de todas as mazelas humanas e limitações materiais. Fazia sentido trocar as promessas e o regramento social da religião pelas da ciência, e a nova ordem foi abraçada com entusiasmo, inclusive pelos materialistas dos dois lados do espectro: capitalistas e a abstração suprema do “dinheiro e mercado” e os comunistas do planejamento e produção centralizada.

Na verdade, os avanços da ciência são incríveis e geraram incontáveis invenções e descobertas, incluindo vacinas, uso da energia nuclear, transplantes de órgãos, engenharia genética e microeletrônica, entre outras. Ainda hoje, após mais de 40 anos, nos perguntamos: como foi possível levar um homem à lua e trazê-lo de volta vivo?!?

Quando nos deparamos com uma grande represa, ou um edifício muito alto, ou ainda, com um avião gigante decolando, experimentamos uma admiração reverencial – mais um milagre da ciência! Sentimo-nos poderosos e seguros, pois a matemática, a engenharia, a geologia e as demais ciências envolvidas na realização destas incríveis obras parecem infalíveis. Ressalve-se que a ciência e grande maioria dos cientistas não são responsáveis por esta percepção popular.

As realizações são tão extraordinárias que, de fato, parecem realizar a promessa de redenção da humanidade. Temos bebidos e nos embriagado avidamente da ciência e alçamo-nos diretamente à nossa salvação. Porém, somos testemunhas silenciosas dos novos males que criamos, mas para estes, estamos “cegos” – preferimos usufruir dos benefícios e avanços...

Quando estamos diante de vítimas fatais em decorrência do desmoronamento de um prédio, de um acidente em uma usina nuclear, da queda de um avião ou do naufrágio de um transatlântico, ficamos estarrecidos, perplexos e indignados – “perdemos o chão”.

Nossa reação imediata e completamente justificável é querer uma rápida identificação dos “culpados” e que a justiça determine uma punição exemplar, aliviando a dor das perdas e prevenindo que o “pecado” da negligência e da imperícia volte a ocorrer. Estes demônios comprometem a crença dogmática e “mística” na ciência e na estabilidade do sistema que nos “salvou”.

Quando, ao invés de enfrentarmos energicamente problemas gravíssimos como o exemplificado pelos danos do tabagismo, subterfugimos buscando “culpados” de casos emblemáticos, de certo forma, nos assemelhamos aos medievais que puniam os  “hereges” na fogueira como forma de prevenir que a atitude pecadora comprometesse a salvação de todos...

Os Hereges contemporâneos

Vejamos dois casos emblemáticos, um relevante e outro rotineiro e insignificante, porém, ambos no âmbito da lógica da infalibilidade da ciência, agora travestida de tecnologia.

O naufrágio do Titanic com 2.240 pessoas a bordo, resultou na morte de 1.523 pessoas. Em sua construção foram utilizadas as mais avançadas tecnologias disponíveis a época. O folheto publicitário da White Star Line de 1910 alegava que o Titanic fora "concebido para ser inafundável". Este acidente ainda habita nossos corações e mentes…

São Paulo possui um total de 17.000 semáforos espalhados pela cidade. Na manhã do dia 13 de março, a Companhia de Engenharia de Tráfego registrou 87 semáforos com problemas decorrentes de forte chuva que havia caído na noite anterior.

Uma emissora de rádio muito respeitada informava a população sobre os problemas dos semáforos e entrevistava motoristas sobre os impactos destas quebras na suas rotinas de vida. A reportagem, que foi repetida exaustivamente, era concluída com o seguinte comentário:

“não é possível que a cidade de São Paulo diante de toda a tecnologia disponível no mundo, ainda enfrente problemas de quebras de semáforos sempre que chove, não é possível...”.

Será mesmo que há tecnologia infalível para tudo e para todas as situações?

Heróis da nova ordem…

Os indivíduos que, do ponto de vista da religião católica, têm comportamento exemplar e que lhes são atribuídos milagres, são reconhecidos pela igreja como beatos ou santos, seres humanos exemplares.

De maneira semelhante, a “nova religião” procura representantes do sucesso, heróis dignos de admiração, como foi o caso de Steve Jobs ou de Thomas Edison. Mas, como diz Nassin Taleb, estatístico libanês decano de ciências das incertezas na universidade de Massachusetts, enxergamos os vencedores (cremos que ser vencedor é para todos...), mas, não olhamos o enorme “cemitério de fracassados”.

Mas, de fato, consolidou-se no imaginário de todos uma crença de infalibilidade, então, quando ocorre uma falha, alguém deve ter sido “culpado”.

Resumindo, os “inquisidores modernos" procuram casos emblemáticos, “denunciam o pecado”, caçam os “pecadores” e exigem punição exemplar para eles, com o propósito de proteger o sistema.

Variabilidade significa inconstância

Na verdade, todos os processos, naturais ou criados pela engenhosidade humana, sofrem de inconstâncias ou de variabilidades, qualidades que negam a existência da perfeição. É certo que ocorrerão falhas, pois nada é 100% preciso - medições periódicas resultarão em resultados diferentes no tempo.

Quando ocorre uma falha, é importante examiná-la em profundidade procurando identificar os fatores que a geraram, aperfeiçoar os processos e ajustar seus componentes, reformular os protocolos e as medidas de segurança. Com medidas desta natureza, a despeito da variabilidade, é possível reduzir significativamente a reincidência.

O Contraponto apresentou esta abordagem para este tema, mais para levantar a polêmica que para oferecer conclusões.

O Prof. Dr. Paulo de Tarso Leite Soares, economista descrente de dogmas da infalibilidade, costuma trazer algumas discussões para o campo da política e da polêmica - uma forma brilhante de retirar os interlocutores da zona de conforto e estimulá-los a buscar melhores repostas e soluções para os problemas. Provocação, que à primeira vista apenas parece combustível para discussões, mas que tem o objetivo de estimular o pensamento independente, ou o “pensar por conta própria”, mas, considerando o ponto de vista do outro (conselho sábio de Hannah Arendt).

Tanto o Prof. Paulo quanto eu sabemos que, aqueles que cometem o “pecado” de vender a infalibilidade e a perfeição, poderão acabar “queimados”.

Com relação aos discípulos dos modelos matemáticos que fundamentam suas análises sobre o comportamento futuro da economia e do mercado, sugere-se cautela com as previsões (vide a tabela 1).  O esquecimento dos conceitos básicos de variabilidade é o fator que mais afeta negativamente a qualidade das análises…

E você, já considera as variabilidades na hora de suas decisões?

 

Tabela 1. Previsão de 2010 para o Ibovespa no final de 2011

No final de 2010, os analistas, estrategistas e gestores de fundos estavam otimistas – a melhora do cenário externo em 2011 traria um período positivo para o mercado acionário brasileiro: seus palpites iam de 75 mil até 122 mil pontos, previsão de Bem Laidler, do JPMorgan... O Ibovespa fechou em 56.754 pontos.

Instituição /Previsão em pontos

  • Ativa /82 mil
  • Bradesco / 86 mil
  • Fator/ 75 mil
  • Goldman Sachs / 88 mil para Junho de 2011
  • HSBC Global Asset / 85 mil
  • Interbolsa / De 82 mil a 84 mil
  • Itaú Corretora / 87 mil
  • JPMorgan / 122 mil (cenário otimista) / 84.500 (cenário conservador) / 61.500 (cenário cauteloso)
  • LCA / Acima de 90 mil (Preliminar)
  • Link / 83 mil (normal) / 85 mil (bottom up)
  • Morgan Stanley / 80 mil**
  • Prosper / 79.200 (cenário referencial) / 85 mil (cenário nicho Brasil)
  • Santander / 89 mil (normal) / 95 mil (bottom up)
  • Souza Barros / 84.500 (cenário otimista) / 81.500 (cenário conservador) / 78.500 (cenário pessimista)
  • XP / Acima de 85 mil
  • Média  83.200
  • Mediana 83.000
  • Moda  83.000

 ** Média e mediana calculadas com os valores das projeções normais ou conservadoras, quando há mais de uma; estimativas da XP, LCA, Goldman Sachs e Morgan Stanley foram desconsideradas nos cálculos

Fonte: WWW.economia.uol.com.br e Infomoney - Trabalhado pelo autor.


Autor: Fausto Morey


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