"Tudo que é sólido se desmancha no ar" (Marx)
“Tudo que é sólido se desmancha no ar.” (Marx)
A sociedade líquida conceituada pelo sociólogo Zygmunt Bauman é uma metáfora bem pensada para retratar o modelo vigente de sociedade ao qual a humanidade se encontra engajada na modernidade, diferentemente do período que antecedeu século XVIII em que ainda era possível viver a solidificação dos acontecimentos. Porém, com o advento dos “tempos modernos”, caracterizados pela expansão marítima, pelo Renascimento, pelas grandes Revoluções bem como pelo Iluminismo, tudo vai se dissolvendo e perdendo a consistência dada a velocidade dos fatos, o avanço tecnológico e o crescente sistema capitalista envolvendo os indivíduos indiscriminadamente no mundo do consumo. Mediante tais circunstâncias, Bauman busca compreender a complexidade e a diversidade da vida humana associando de forma análoga a sociedade moderna aos líquidos que por sua vez assumem os moldes do recipiente evidenciando sua incapacidade de manter a forma. Desta forma ele procura refletir os processos de transformação pelos quais passa a sociedade moderna levando em conta a metamorfose do cidadão, sujeito de direto em indivíduo que busca afirmação no espaço social; a passagem de estrutura de solidariedade coletiva para as de disputas e competição; o enfraquecimento dos sistemas de produção estatal às intempéries da vida que gera um permanente ambiente de incerteza; a colocação da responsabilidade por eventuais fracassos no plano individual; o fim do planejamento à longo prazo; o divórcio e a iminente apartação total entre poder e política. Reforçando a idéia descrita ele comenta: “Nossas instituições, quadros de referências, estilos de vida, crenças e convicções mudam antes que tenham de se solidificar em costumes, hábitos e verdades autoevidentes.” (2002).
A modernidade com todo seu modernismo vem de certo modo, podando a estabilidade dos costumes, das crenças, das relações humanas, em fim, da rotina de sucessão dos fatos. Nesse contexto, não é mais possível pensar uma solidez comparada “aquela mencionada por Bauman no fordismo. “Quem entrasse como aprendiz nas fábricas da Ford iria ter com toda probabilidade uma longa carreira e se aposentar após 40 ou 45 anos. Hoje em dia quem trabalha para a Bill Gates por um salário talvez cem vezes maior, não tem idéia do que poderá lhe acontecer dali a meio ano, e isso faz uma diferença incrível em todos os aspectos da vida humana.”
A fantástica velocidade adquirida pela modernidade deu-se frente à necessidade socioeconômica, dissolvendo a família, a Igreja, a política... as relações amorosas também foram experimentando o abalo das dissoluções. E neste frenético desenvolvimento social os indivíduos desenvolvem a vulnerabilidade e superficialmente procuram saídas para enfrentar o novo que também é transitório já que o que importa é a euforia total favorecida por cada momento. É como o “Carpe Diem”, o devir já não importa.
Estamos no mundo do imediatismo, tudo acontece rapidamente sem ao menos dar tempo para saborear, pois a idéia de “felicidade perfeita,” diz que se deve gozar de tudo. Dessa forma a sociedade pouco ou nada espera do futuro, sobretudo os mais jovens que acreditam poder tudo tornando seus deveres absoletos, prevalecendo os direitos sobre estes.
Para Gilles Lipovetsky, há uma situação paradoxal da sociedade contemporânea estabelecida entre “a cultura de excesso e o elogio da moderação”. A esse respeito ele comenta: “é preciso ser mais moderno que o moderno, mais jovem que o jovem, estar mais na moda do que a própria moda...” Significa, convivermos com fator ordem e desordem o que denomina o “caos organizado” pela sociedade hipomoderna na qual se vê ruir as antigas formas de coesão social como: religião e Estado. É a população do medo, da insegurança, da não pertença, da ansiedade, da depressão... Como então coexistir com essa situação que furta a identidade do coletivo onde os indivíduos priorizam suas próprias vontades e não mais os valores da coletividade? Há um individualismo desenfreado incapaz de valorizar o outro como ser diferente cuja diferença enriquece a própria segmentação social.
É frente a essa realidade de liquidez social em que as pessoas são impulsionadas a buscar a felicidade no prazer de um constante imediatismo, na liberdade que desestabiliza os vínculos, nas relações relâmpagos ou descartáveis mescladas pela cultura hedonista; que é preciso manter-se íntegro como ser sociável, capaz de construir laços, vivendo o presente no presente. É preciso ver e rever a realidade à nossa volta refletindo a linearidade dos acontecimentos, absorvendo-os numa atitude interativa.
Valdina German Soares
Autor: Valdina Germano Soares
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