Evolução do trânsito e a “lei seca”



Evolução do Trânsito e a “Lei Seca”

A evolução da sociedade aliada ao capitalismo, à distribuição de rendas, o investimento de capital estrangeiro no Brasil, as instalações de multinacionais, entre outros, trouxeram avanços significativos na sociedade brasileira, e seria impossível que não houvesse uma evolução do sistema de trânsito, ou seja, com tantas transformações sociais, tais como urbanização, construção de estradas e rodovias ligando os estados, aumento do transporte rodoviário, os investimentos nas empresas automobilísticas, a circulação de veículos em demasia.

Em consequência dessa evolução, dando ênfase é claro na circulação de veículos, aumenta-se também os números de acidentes automobilísticos, tendo como causas as mais diversas possíveis, desde a inabilitação para conduzir veículos até o abuso na velocidade em sua condução. Daí surge então, a necessidade de se criar mecanismos para reduzir esses números de acidentes de trânsito.

O aplicador do direito acompanhando o aumento desenfreado de acidentes cria leis com a finalidade de regular o trânsito, prevenir os acidentes. Os índices de mortalidade no trânsito ainda são altíssimos, e na maioria deles envolvem motoristas alcoolizados ou que fizeram uso de substâncias análogas ou drogas lícitas e ilícitas. Como frenagem a este alto índice de mortalidade surgiu uma nova Lei, chamada popularmente de “Lei Seca”.

           O processo de aprovação da “Lei Seca” se iniciou no dia 21 de janeiro de 2008, quando foi entregue ao Presidente da República uma proposta do projeto de lei. Este projeto de lei versava sobre a proibição para comercialização de bebidas alcoólicas em rodovias federais, inclusive em postos de gasolinas e alterar a Lei nº 9.503, 23 de setembro de 1997 - Código de Trânsito Brasileiro.

O Projeto de medida provisória n. 415/2008 foi aprovado e convertido na Lei n.11.705 em 16 de junho de 2008, publicada no dia 19 do mesmo mês, com vigência a partir da sua publicação. O objetivo dessa Lei é estabelecer alcoolemia 0 (zero) e impor penalidades mais severas para o condutor que dirigir sob a influência de álcool, além de restringir o uso e à propaganda de produtos fumígeros, bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e defensivos agrícolas.

Com o surgimento da Lei 11705/08, a sociedade, no geral, começou a discutir quanto a sua inconstitucionalidade, sobre o argumento de que ela fere uma série de direitos previstos na CR/88.

            A lei é bem taxativa, não permite mais que alguém ingira qualquer quantidade de bebida alcoólica na condução de veículo automotor. Se o condutor desobedecer a lei, estará cometendo uma infração administrativa, punida com multa e suspensão do direito de dirigir, além da apreensão da carteira e da retenção provisória do veículo, dependendo do índice de álcool encontrado em seu organismo.

A Lei nº 11.705/08 “Lei Seca” é criticada, é questionada por vários segmentos da sociedade no que tange a sua inconstitucionalidade, por acreditarem que ela desrespeita alguns direitos fundamentais previstos na Constituição Federal, tais como, o direito à locomoção, à liberdade, e o direito de não produzir prova contra si mesmo. Este último, oriundo do “Pacto de San José da Costa Rica”, ora recepcionado pela CF/88.

           Por outro lado existem correntes que defende a sua constitucionalidade e acredita que ela foi criada para salvar vidas. Enfatizam que nenhum direito fundamental é absoluto, pois o interesse coletivo deve sobrepor ao direito individual. A partir do momento que a lei em não fere nenhum direito constitucional, que o objetivo desta lei é preservar e proteger o bem maior que o ser humano pode ter, ou seja, o direito à vida, também considerado direito fundamental e protegido pela CR/88.

            A Lei nº 11.705/08 conferiu maior gravidade ao crime de lesão corporal culposa quando o condutor e também em caso de homicídio, comprovadamente, estiver sob efeito de álcool ou qualquer substância psicoativa, participando de “pegas”, transitando em velocidade superior à máxima permitida para a via, o que deverá também ser descrito na ocorrência. Nesses casos, o condutor perderá os benefícios da Lei nº 9.099/95.

Na fiscalização de condutores de veículos automotores, para os casos em que houver suspeita de direção sob a influência de álcool, o policial ou agente da autoridade de transito, deverá convidar o condutor a se submeter ao teste de ar alveolar (etilômetro), conforme previsto no Art. 277 do CTB.

            O condutor quando está sob influência de bebida alcoólica ou substâncias análogas, seu modo errôneo de dirigir é visivelmente perceptível, pois apresenta algumas anomalias no trânsito tais como: Desrespeita as faixas de sinalização no asfalto; Dirige fazendo ziguezague na pista de rolamento; acelera e freia bruscamente; Dirige com lentidão atrapalhando o tráfego dos outros veículos; Pára no meio da pista sem nenhuma razão aparente; Muda de faixa bruscamente e sem sinalizar; Sinaliza de maneira diferente ao que vai executar; a noite esquece de ligar os faróis; Avança os sinais fechados, etc.

            No entanto, existe um protocolo padrão do Conselho Nacional de Trânsito para a identificação dos sinais visíveis do motorista embriagado. A caracterização da embriaguez só se configura com a percepção de diversos itens conjuntamente.

            Sem uso do etilômetro (recusa ou equipamento indisponível no momento da abordagem), caso o condutor do veículo se recuse ao teste do etilômetro, ou que a fiscalização de trânsito não disponha do equipamento, e estando o condutor com visíveis e notórios sintomas de estar sob a influência de álcool ou substâncias análogas, deverão ser tomadas as providências previstas no CTB.

A recusa de condutor a se submeter a exames de embriaguez determinado pelo agente da autoridade de trânsito, já ditado pelo CTB, que serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165 deste Código (SARAIVA, 2010) ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos no caput deste artigo (Acrescido pela lei nº. 11.705, de 19/06/08) (SARAIVA, 2010), apesar do parágrafo enfocado, estabelecer clara e taxativamente que o cidadão é obrigado a colaborar fornecendo sangue para o exame de alcoolemia, o ar dos pulmões para o exame com o etilômetro (“bafômetro”) e colaborar com os demais testes, como o clínico.

Se for analisar por este lado, entende-se com forte convicção de que esse dispositivo do CTB é inconstitucional, pois fere indubitavelmente o art. 5º, LV da Constituição Federal/1988, o inciso LV do art. 5º (SARAIVA, 2010) que aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a eles inerentes. Por contraditório, compreende-se o direito de contradizer a versão e os fatos apresentados contra si. Por ampla defesa, compreende-se o direito que permite ao acusado dispor de todos os meios, recursos e estratégias para tentar provar sua inocência, ou não deixar provar sua responsabilidade.

            O ordenamento jurídico brasileiro adotou um modelo aberto para se comprovar a culpa, ou seja, todos os meios de prova moralmente legítimos e não proibidos pela lei podem ser utilizados para responsabilização tanto civil, quanto penal dos motoristas infratores, com a imposição das sanções que cabem a cada um.

Aqui neste ponto é de muita importância para a confirmação da Lei 11705/08, podemos observar que a nova lei veio apenas com força maior de ação e não de uma resolução que já estava em vigor, para uma fiscalização mais ampla e segura para os órgãos de segurança pública.

A apresentação de contra prova, de testemunhas, de perícias particulares, de documentos, fotos e filmes e até o silêncio e a recusa de apresentar dados, informações e provas contra si, estão abrangidos pelo significado da expressão ampla defesa.

Sendo assim, analisado no momento, o art. 8º, alínea g, da Convenção Americana Sobre Direitos Humanos – “Pacto de San José da Costa Rica” do qual o Brasil é país signatário, garante que toda pessoa tem: “direito de não ser obrigado a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada”. Depreende-se daí, que nenhum acusado é obrigado a fornecer provas contra si.

Nesse sentido, dentro dessa linha de interpretação, a recusa em fornecer sangue, ar e urina para exames e não realizar gestos e movimentos e não responder perguntas ao médico legista durante o exame clínico, no Instituto Médico Legal, configura uma estratégia de defesa, dentro do Princípio Constitucional da Ampla Defesa e do Contraditório, o que não poderá ser ignorado por nenhuma autoridade ou mesmo por norma infraconstitucional.

Nesse diapasão não significa, porém, que o condutor embriagado ficará impune, recaindo sobre ele as sanções administrativas. O teste do bafômetro constitui-se apenas em uma, de muitas provas que poderão ser coletadas. Essa forma precisa de verificação do teor alcoólico não transforma este indubitável instrumento em prova única, nem estabelece uma hierarquia entre as provas. Pois existem outros meios probatórios como testemunhas, indícios, fotografias, filme, confissão, exame clínico, que independem da aceitação do condutor, sendo observado o disposto na resolução 206 do CONTRAN do ano de 2006, sendo reforçado pela Lei nº 11705/08.

O Supremo Tribunal Federal (STF) reafirmou, em decisão de 27 de setembro, que beber e dirigir é crime, mesmo quando não há dano a terceiros. Uma decisão da Justiça em primeira instância tinha considerado que dirigir embriagado só se torna crime de trânsito quando o ato causa algum dano. O entendimento do Supremo, agora, deve orientar julgamentos futuros casos de embriaguez ao volante.

            A afirmação foi feita durante um julgamento, em que a Segunda Turma do STF negou um “habeas corpus” a um motorista de Araxá (MG) denunciado por dirigir embriagado. Na ação, a Defensoria Pública argumentou que não cabia punição a um “comportamento que se mostre apenas inadequado”, sem prejuízos concretos.

No dia 27/03/12, quarta-feira, o Superior Tribunal de Justiça (STF) por cinco votos a quatro, a Terceira Seção da corte decidiu, que apenas o teste do bafômetro ou o exame de sangue servem como prova de embriaguez em processos criminais contra motoristas flagrados dirigindo após a ingestão de bebida alcoólica. De acordo com esse entendimento, exames clínicos e testemunhas não servem para comprovar o desrespeito à lei, estabelecendo assim uma hierarquia entre as provas admitidas no direito.

A decisão do STJ foi tomada no julgamento de recurso do Ministério Público contra decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal que beneficiava um motorista que se recusou a fazer o teste do bafômetro. A decisão vale para o caso específico, mas pode ser usada como precedente para casos semelhantes em outros processos.

Essa decisão vem dificultar em muito a aplicação da Lei Seca, uma vez que o motorista pode se recusar a soprar o bafômetro ou a fazer o exame de sangue. Com base no princípio Constitucional de que: “Ninguém pode ser obrigado a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada”. Apesar da decisão em tela valer apenas para o caso julgado pelo STJ, essa decisão servirá para estratégia da defesa em outros casos.

            Percebe-se uma incoerência entre as duas casas (STF e STTJ). Denota-se que a “Lei Seca” tem sua aplicabilidade efetiva na esfera administrativa, porém na esfera penal ela tem se mostrado inaplicável. O CTB que antes previa o crime de embriaguez ao volante, e o legislador de forma infeliz deu nova redação ao seu art. 306, dando a ele mais benéfica. Criando com isso, obstáculo para a configuração do crime estabelecendo sua comprovação através da concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, prova que antes não precisava. E a pena que era imposta ao condutor no CTB, permaneceu a mesma, sem qualquer inovação.

Ante ao exposto, é importante ressaltar que além do esforço do poder público em criar mecanismos de frenagem a crescente e violenta estatística de acidentes envolvendo automóveis nas estradas brasileiras, está à conscientização e educação do cidadão de que somente com a sua efetiva participação na prevenção é que irá conseguir vencer esse mal que é a embriaguez ao volante.

 

Eduardo Felício, acadêmico de Direito da Universidade Salgado de Oliveira- Universo, Campus Belo Horizonte/MG.

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Autor: Eduardo Felício


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